Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01334/17
Data do Acordão:04/11/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:ACÓRDÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário:I - Um acórdão do Pleno é, em qualquer circunstância uma decisão jurisprudencial, sem valor de lei, nos termos do disposto no art.º 1.º do Código Civil aqui aplicável por força do disposto no art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
II - Inversamente ao que ocorria com os Assentos que o art. 2º do Código Civil de 1966 integrava nas fontes de direito, os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não gozam de força vinculativa para além do âmbito do processo em que são proferidos nos termos do disposto no art. 4º, nº 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aplicável, neste caso, por força do disposto no art.º 7.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
III - Os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não gozando de força vinculativa vêm-lhe associada uma força persuasiva sendo, de um modo geral, respeitados pelas instâncias, acabando com concretas polémicas jurisprudenciais, e, que também vem influenciando a actuação da Administração.
IV - Não há qualquer violação do princípio constitucional da igualdade quando uma concreta relação tributária for resolvida num certo sentido, e não seja já passível de qualquer impugnação judicial por esgotamento dos prazos para o efeito, apesar de outras relações tributárias similares virem a obter, posteriormente, diversa solução por a mesma lei ter obtido judicialmente uma diversa interpretação.
Nº Convencional:JSTA000P23143
Nº do Documento:SA22018041101334
Data de Entrada:11/23/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra
. 30 de Maio de 2017

Rejeitou liminarmente a presente oposição à execução fiscal.
Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A……………………, veio interpor o presente recurso da decisão supra mencionada, proferida no âmbito do processo de oposição judicial nº 152/17.0BESNT, que deduziu contra à execução fiscal n.º 1102201400617890 e Apensos, contra si instaurada pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), para cobrança de dívida referente a restituição de prestações sociais, no montante total de € 22.513,28, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
1. O artigo 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT admite a discussão de legalidade da dívida subjacente ao processo de execução fiscal, sempre que o sujeito passivo não tenha sido notificado das liquidações de imposto e, como tal, a lei não assegurar os meios de defesa contra o ato de liquidação;

2. Constatando-se que, no caso sub judice, o Recorrente não foi notificado da liquidação subjacente ao presente processo de execução fiscal, verifica-se que o mesmo só podia sindicar a legalidade das mesmas no âmbito da presente Oposição à Execução, pelo que se deverá concluir, que a Oposição à Execução é o meio admissível para a discussão da legalidade da dívida subjacente ao processo de execução fiscal;

3. A Administração (in casu, a Segurança Social) tem o dever de revogar os atos de liquidação de tributos que se mostrem ilegais, pelo que, verificando-se, no caso sub judice, o preenchimento das condições de que a lei impõe para a revisão do ato contestado, nos termos do artigo 78.º, n.º 1 da LGT e, ainda, nos termos dos artigos 138.º e ss. do CPA aplicável à data dos factos;

4. Perante a ilegalidade do ato de reposição de montantes pagos e estando verificadas as condições necessárias para o Pedido de Revisão (pela convolação da Oposição à Execução tempestivamente apresentada pelo Oponente), a Administração estava adstrita ao conhecimento do mérito da questão - independentemente do meio utilizado para esse efeito - pelo que, ao não o fazer violou, de forma intolerável, os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, consagrados nos artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT;

5. Dado que a posição defendida pelo Recorrente na presente ação já foi analisada pelo Supremo Tribunal Administrativa, tendo merecido o acolhimento daquele Tribunal (com a uniformização da jurisprudência), no sentido de que "a condição de sócio gerente de uma sociedade comercial, sem direito a qualquer remuneração, de um trabalhador por conta de outrem, cujo contrato de trabalho cessou, não obsta à caracterização da respectiva situação como de desemprego, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 6, número 1, do DL 119/99, de 14 de Abril, e 2, número 1, do DL 220/2006, de 3 de Novembro, respetivamente.", verifica-se que deverá ser aplicada a mesma tese ao Recorrente, por aplicação do artigo 13.º da CRP e, ainda, do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil;

6. A sentença recorrida viola, assim, o artigo 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT, o artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de abril, e o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro e, ainda, os princípios constitucionais da igualdade (artigo 13.º da CRP) e da proteção do cidadão no desemprego (artigo 63.º da CRP).


Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser revogada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que determine a admissão da Oposição à Execução e a subsequente extinção do processo de execução fiscal n.º 110220140617890 e apensos, tudo com as legais consequências.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso.

A decisão recorrida não procedeu à enunciação de factos provados tendo-se suportado na análise do pedido e causa de pedir e das notas de reposição, juntas pelo oponente, fls. 43 e 44, onde se menciona que este "poderá reclamar no prazo de 15 dias úteis (...), recorrer hierarquicamente no prazo de 3 meses ( ... ) e impugnar contenciosamente no prazo de 3 meses".


Questão objecto de recurso:

1- Indeferimento liminar da petição inicial.


O recorrente no processo de oposição invocou a inexigibilidade da dívida exequenda que, em seu entender, decorre da circunstância de o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), o ter notificado para proceder a restituição de prestações sociais, no caso, subsídio de desemprego, quando ele é um gerente sem remuneração e o Supremo Tribunal Administrativo, no processo 01209/12, em 14 de março de 2013, em acórdão do Pleno definiu que “a condição de sócio gerente de uma sociedade comercial, sem direito a qualquer remuneração, de um trabalhador por conta de outrem, cujo contrato de trabalho cessou, não obsta à caracterização da respectiva situação como de desemprego, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 6, número 1, do DL 119/99, de 14 de Abril, e 2, número 1, do DL 220/2006, de 3 de Novembro, respectivamente.”.
A sua argumentação incorre em algumas imprecisões, desde logo considerando que um acórdão do Pleno proferido em recurso para uniformização de jurisprudência é lei. Um acórdão do Pleno é, em qualquer circunstância uma decisão jurisprudencial, sem valor de lei, nos termos do disposto no art.º 1.º do Código Civil aqui aplicável por força do disposto no art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário. Inversamente ao que ocorria com os Assentos que o art. 2º do Código Civil de 1966 integrava nas fontes de direito, os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não gozam de força vinculativa para além do âmbito do processo em que são proferidos nos termos do disposto no art. 4º, nº 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aplicável, neste caso, por força do disposto no art.º 7.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Ainda assim, os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não gozando de força vinculativa vêm-lhe associada uma força persuasiva assente na solenidade do julgamento, na qualidade dos seus juízes e na valia da fundamentação, sendo, de um modo geral, respeitados pelas instâncias, acabando com concretas polémicas jurisprudenciais, e, que também vem influenciando a actuação da Administração.
Mesmo a lei, tem uma vocação de regular as relações jurídicas que ocorram após a sua entrada em vigor e, só excepcionalmente podem ter eficácia rectroactiva art.º 12.º do Código Civil aqui aplicável por força do disposto no art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
O recorrente foi notificado para proceder à reposição das quantias que vieram integrar a quantia exequenda em Novembro de 2012, vindo a apresentar a petição de oposição em 29 de Setembro de 2014.
O acórdão do Pleno da secção administrativa do Supremo Tribunal Administrativo que refere, foi proferido em 14 de março de 2013, em processo em que a situação tributária do aqui recorrente não era objecto do litígio.
Deste modo, tal como referido na decisão recorrida, o aqui recorrente entende que a reposição daquelas quantias é ilegal, à luz da interpretação que o Supremo Tribunal Administrativo fez do disposto nos artigos 6, número 1, do DL 119/99, de 14 de Abril, e 2, número 1, do DL 220/2006, de 3 de Novembro, onde diz enquadrar-se a sua situação jurídica aqui em apreço. Dessa «ilegalidade» extrai a consequência de inexigibilidade da quantia exequenda. Mas não lhe assiste razão. Com efeito, o recorrente não atacou a legalidade da decisão administrativa que determinou a reposição, tendo dela sido notificado, com expressa indicação dos meios de defesa que dispunha para invocar qualquer ilegalidade de que aquela padecesse, em sede administrativa ou contenciosa. No momento em que deduziu oposição já há muito se encontrava esgotado qualquer dos prazos para atacar a decisão que ordenou a reposição das quantias em causa, o que impede que o vício de ilegalidade que a mesma pudesse enfermar possa ser conhecido neste processo porque impossível é, por essa razão, a conversão do processo de oposição em processo de impugnação judicial. Esta circunstância de não ter usado dos meios de defesa que tinha ao seu alcance contra o acto administrativo que ordenou a reposição não lhe confere uma segunda oportunidade de discutir, muito mais tarde, a legalidade da decisão que determinou a reposição das quantias, agora transmutada em inexigibilidade da dívida. Esta dívida exequenda só seria inexigível se o recorrente tivesse demonstrado, em sede própria, que a decisão que determinou a reposição das quantias enfermava de vício de ilegalidade.
Os tribunais decidem casos concretos e as suas decisões impõem-se dentro do processo – art.º 619.º, n.º 1 do Código de Processo Civil aqui aplicável por força do disposto no art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário - sem, simultaneamente imporem que a administração vá rever a sua actuação anterior em casos similares, quando uma interpretação da lei efectuada num caso concreto, seja favorável a outro contribuinte que não foi parte na causa. A Administração deve ter em conta, na sua actuação, as interpretações que os tribunais vão assumindo em face de qualquer lei o que é diverso de terem o dever, sequer a possibilidade legal, de reabrirem todos os processos em que antes de efectuada uma qualquer interpretação da lei pelos tribunais hajam efectuado, sem contestação do contribuinte, uma diversa interpretação do mesmo normativo.
Não há qualquer violação do princípio constitucional da igualdade quando uma concreta relação tributária for resolvida num certo sentido, e não seja já passível de qualquer impugnação judicial por esgotamento dos prazos para o efeito, apesar de outras relações tributárias similares virem a obter, posteriormente, diversa solução por a mesma lei ter obtido judicialmente uma diversa interpretação.
O recorrente ao não ter invocado, atempadamente, qualquer vício da decisão que determinou as reposições, conformou-se com ela e permitiu que assumisse estabilidade jurídica, impossível de ser abalada nesta sede.
Do mesmo modo, de nada serve argumentar que há referências doutrinárias e jurisprudenciais de que o contribuinte pode invocar em sede de oposição a ilegalidade do acto de liquidação se antes não lhe foi concedido o direito de o fazer, quando, como aqui ocorre, com a notificação da decisão que determinava que procedesse à reposição das quantias aqui em causa lhe foi dada essa informação e possibilidade, que ele não quis utilizar.
Por outro lado, a invocação do procedimento de revisão talvez para que este processo seja convolado para um pedido de revisão defronta-se com um obstáculo intransponível de ordem formal por ser questão não suscitada antes perante o tribunal recorrido e que, como questão nova, situada fora dos poderes de conhecimento oficioso deste Supremo Tribunal Administrativo, não pode ser apreciada em sede de recurso por este ser um mero meio de impugnação das decisões judiciais com vista à respectiva reapreciação e consequente confirmação, alteração e/ou revogação.
Por último impõe-se referir que determinando o art.º 63.º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa que:O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.” Este poderia ter sido um argumento a utilizar pelo recorrente caso tivesse atacado a decisão que determinou a reposição das quantias, se tal devolução pudesse ser configurada como desprotecção do contribuinte em situação de desemprego, que, contudo o recorrente decidiu não utilizar quando lhe era lícito fazê-lo. Neste momento processual não é possível aferir de eventual ineficácia do sistema de segurança social a conferir tal protecção.
A decisão recorrida procedeu a uma adequada interpretação da lei aplicável aos autos pelo que não enferma dos vícios que lhe vinham apontados, impondo-se a sua confirmação.






Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).
Lisboa, 11 de Abril de 2018. - Ana Paula Lobo (relatora) - António Pimpão - Ascensão Lopes.