Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01229/17
Data do Acordão:11/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
NÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO
IMPUGNAÇÃO
Sumário:Não é de admitir a revista quando o Autor não sindicou na sua apelação o julgamento do TAF relativamente à decisão que julgou extinta a instância com fundamento na inutilidade da lide e se limitou a impugnar a legalidade do acto impugnado.
Nº Convencional:JSTA000P22563
Nº do Documento:SA12017111601229
Data de Entrada:11/07/2017
Recorrente:SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I RELATÓRIO

O Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, em representação de A………….., intentou, no TAF do Funchal, contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, acção para defesa dos interesses individuais do seu associado pedindo a declaração de nulidade do acto do Sr. Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 19/09/2012, que o sancionou com a pena de multa de 250 euros por violação dos deveres de zelo e obediência.
Posteriormente, requereu “a modificação objectiva da instância, assim como a ampliação do objecto de impugnação”, alegando que tinha interposto recurso hierárquico do acto impugnado e que este fora indeferido por despacho do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 30/04/2013, e solicitando que esta acção prosseguisse “atendendo-se à resposta entretanto dada ao recurso hierárquico interposto

O TAF indeferiu tal requerimento por entender que o acto impugnado tinha sido revogado e substituído por novo acto, datado de 23/01/2013, pelo que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

O Autor, recorreu para o TCA Sul mas este, por Acórdão de 04/056/2017, não tomou conhecimento do objecto do recurso.

É desse Acórdão que o Autor vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Autor intentou, contra o Ministério das Finanças, acção pedindo a declaração de nulidade do acto do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 19/09/2012, que sancionou o seu representado com a pena de multa de 250 euros por violação dos deveres de zelo e obediência.

Todavia, esse acto foi revogado e substituído por novo acto punitivo, de 23/01/2013, e o Autor recorreu hierarquicamente deste para o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, mas sem sucesso, já que este indeferiu tal recurso, por despacho de 30/04/2013, notificado ao Autor em 10/07/2013. Após esta notificação o Autor, em 11/09/2013, requereu “a modificação objectiva da instância, assim como a ampliação do objecto de impugnação”, e solicitou que a presente acção prosseguisse “atendendo-se à resposta entretanto dada ao recurso hierárquico interposto”.
E, por outro lado, interpôs, no TAC de Lisboa, acção administrativa especial impugnando o citado despacho de 30/04/2013, acção que foi liminarmente indeferida com a seguinte fundamentação:
“Assim, o aqui acto impugnado na p.i. é meramente confirmativo do despacho proferido pelo Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, em 23/01/2013, este aliás já consolidado, O acto aqui impugnado não tem lesividade própria, ou seja, é inimpugnável (vd. Artigos 51.° e 53 do CPTA).
(...)
Enfim, conclui-se:
- que o acto de 1.º grau, aqui o confirmado, teve lesividade própria, sendo por isso o acto impugnável, mas que o seu destinatário não impugnou por anulabilidade no prazo legal;
- que o particular fora dele devidamente notificado;
- e, finalmente, que entre o acto confirmado e o acto confirmativo (de 2.º grau, aqui) há identidade de sujeitos, de objecto e de decisão, sendo logicamente também por isto inimpugnável o de 2.º grau.”

Tendo em atenção esta factualidade o TAF decidiu:
Resumindo, encontra-se decidido pelo acórdão do TCA Sul de 12/03/2015 (transitado em julgado) que:
(i) O acto de 1.º grau - acto de 23 de Janeiro de 2013 - é um acto inimpugnável;
(ii) Caducou o direito de acção do Autor relativamente ao acto punitivo de 23 de Janeiro de 2013;
(iii) o acto de 2.° grau - acto de 30 de Abril de 2013 - é um acto meramente confirmativo do acto de 23 de Janeiro de 2013 e, como tal, é um acto inimpugnável.
Ou seja, é manifesta a improcedência da pretensão do Autor relativamente à impugnação nos presentes autos do acto de 23 de Janeiro de 2013 e do acto de 30 de Abril de 2013, pois a tanto obsta a verificação da excepção dilatória de caso julgado, cfr. art. 580.° e 581.°, ambos do CPC.
Estaríamos perante uma repetição da causa, atenta a identidade dos sujeitos, do objecto (causa de pedir) e do pedido, colocando o Tribunal na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, o que a excepção de caso julgado visa obstar.
Desta forma, a requerida modificação objectiva da instância, com a continuação do processo relativamente ao novo acto, levaria manifestamente à improcedência do mesmo, pela verificação da excepção dilatória de caso julgado e consequente absolvição da instância da Entidade Demandada.
Face ao exposto indefiro a requerida modificação objectiva da instância e a prossecução do processo contra o novo acto.”
O que o levou a concluir:
“Não é controvertido nos autos a revogação do acto punitivo praticado pelo Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, em 19 de Setembro de 2012, mediante o qual aplicou ao Autor a pena de multa de € 250,00, no âmbito do processo disciplinar n.º 4/11-Dc, o qual constitui o objecto da presente acção judicial.
Pelo que relativamente a este acto - acto de 19 de Setembro de 2012 - atenta a sua revogação pelo acto de 23 de Janeiro de 2013, ocorre efectivamente a inutilidade superveniente da presente lide.
O desaparecimento da ordem jurídica do acto impugnado leva a que a presente acção judicial fique destituída de objecto e que, como tal, o prosseguimento dos autos se revele inútil.
Conclui-se, assim, pela inutilidade superveniente da lide, e consequente extinção da instância, nos termos do artigo 277.°, al.ª e), do CPC, ex vi do art. 1.º e do art. 35.º, n.º 2, ambos do CPTA.”

O Autor, recorreu para o TCA, formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto das doutas decisões do Tribunal da 1.ª instância que o Autor, aqui recorrente, coloca em crise, visando a apreciação do mérito da questão, e pedindo a declaração da nulidade da decisão do Senhor Diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (DGATA), de 23/01/2013, de aplicação de uma pena disciplinar de multa, graduada em 250,00 € (duzentos e cinquenta euros), ao trabalhador-arguido representado do aqui recorrente.
2. O pedido de declaração de nulidade do ato funda-se na ilegalidade do mesmo, derivada da ilegalidade da nomeação da instrutora do processo disciplinar em violação do disposto no art.º 42.º, n.º 1, de EDTQEFP.
3. Tendo esta nomeação recaído na trabalhadora B………., e tendo esta anteriormente exercido funções no âmbito das ………… que estão na origem do processo disciplinar em causa, na qualidade de Coordenadora do ………… em substituição, verifica-se que esta trabalhadora não podia agir, no cargo de instrutora do processo disciplinar, com a exigível isenção e imparcialidade.
4. Assim, a situação (inadmissível) de pré julgamento a que o arguido foi sujeito pôs em causa as suas garantias de defesa e o seu elementar direito a não ser condenado sem a precedência de um processo disciplinar justo.
5. Assim, nomeação da trabalhadora B………. para o cargo de instrutora do processo foi feita em contrariedade à Iei, representando uma violação do artigo 42., n.º 1 do EDTQEFP, na sua letra e no seu espírito - constituindo uma ilegalidade que vicia todo o processo disciplinar e em consequência, por ilegalidade derivada, torna nulo o ato do Senhor DGATA de 23/01/2013. Mesmo que assim não se entenda,
6. Ao longo do tempo em que se desenvolveram os trabalhos relativos às ……….2 e 3, foram sendo dados vários despachos por parte do Senhor Diretor da Alfândega do Funchal e ou da Senhora coordenadora do ……….. que determinavam o aperfeiçoamento dos relatórios finais elaborados pela equipa liderada pelo trabalhador arguido; perante eles, a equipa sempre foi diligente na realização das tarefas superiormente determinadas - prova-se, pois, que o trabalhador arguido sempre cumpriu com zelo e diligência as ordens determinadas superiormente. Nomeadamente, procedeu a todos os aperfeiçoamentos dos relatórios, conforme ordenado pelos seus superiores, desenvolvendo as ações por eles determinadas. E assim, não se provou a violação do dever de obediência por o trabalhador arguido não ter cumprido os sucessivos despachos do diretor da Alfândega do Funchal sobre a elaboração e conclusão das ações de natureza fiscalizadora n°- 2 e 3.
7. Os sucessivos relatórios finais entregues sempre foram completos, bem estruturados, apresentados de forma clara e com conclusões e propostas de ação, dando resposta a todas as questões superiormente colocadas. A equipa atuou estrategicamente, racionalmente, seguindo uma metodologia muitíssimo adequada à natureza das ………. e das suas finalidades e objetivos.
8. O âmbito, extensão e abrangência dos trabalhos pedidos à equipa liderada pelo trabalhador arguido eram de molde a considerar-se que deveriam ter sido enquadrados como uma ação de natureza inspetiva e não como ação de natureza fiscalizadora, nos termos da circular n.º 7/2004, Série I de 6/12/2004 da Direção de Serviços da Cooperação Aduaneira e Documentação. Tendo em conta este enquadramento, o trabalhador arguido fez sucessivos pedidos de convolação das ……. em ANI, o que nunca foi aceite pelos seus superiores hierárquicos.
9. A equipa liderada pelo trabalhador arguido concluiu os trabalhos referentes às ......... 2 e 3 dentro dos prazos previstos (por todos) na Circular n.º 7/2004, Série 1, de 06/12/2004 e os tempos de «paragem” não são da responsabilidade da equipa do trabalhador arguido, ou resultam de situações legalmente protegidas, como o gozo de férias ou de Iicenças por doença - pelo que fica por provar a falta de diligência do trabalhador arguido em concluir de forma célere e fundamentada as ........... 2 e 3.
10. O relatório final da senhora instrutora do processo disciplinar analisa e considera factos “novos”, não apresentados em sede de acusação, impedindo o arguido de exercer o seu direito de defesa sobre os mesmos, assim violando o basilar princípio do contraditório.
11. Não foram consideradas as atenuantes gerais e especiais no relatório final da Senhora instrutora do processo disciplinar.

O TCA não tomou conhecimento do recurso pelas seguintes razões:
“…
O despacho recorrido (a que, incorretamente, o recorrente chama de “saneador-sentença”) decidiu (i) indeferir um pedido de modificação objetiva da instância e (ii) declarar a inutilidade superveniente da lide, sempre por fundamentos adjetivos (entre os quais uma suposta exceção de caso julgado assente num Acórdão deste TCA Sul de 12-03-2015).

Ora, como se vê claramente das conclusões deste recurso, o recorrente não atacou o despacho recorrido. O recurso repete, simplesmente, os argumentos de fundo contra o ato administrativo de 23-01-2013 (que o tribunal recorrido considerou já inimpugnável em razão do tempo, por caducidade do direito de ação). E que, igualmente importante, o mesmo tribunal considerou não ser objeto deste processo.
Portanto, o presente recurso não tem o objeto legalmente admissível: ilegalidades do despacho recorrido.”

3. O Autor interpôs esta revista sustentando existir erro de julgamento no Acórdão do TCA uma vez que requereu que este conhecesse de todas as decisões do Tribunal de 1.ª instância e, mesmo que tal não tivesse ocorrido, era obrigação do Tribunal recorrido, através de um despacho de aperfeiçoamento, convidar o Recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas. Daí que tivesse concluído “Pede-se, assim, a admissão do presente recurso e a revogação do douto acórdão do TCAS, considerando aperfeiçoado o recurso em causa e, consequentemente, conhecendo do objeto do recurso interposto das decisões do Tribunal da 1.ª instância, quanto ao valor da ação; quanto ao indeferimento da requerida modificação objetiva da instância; e quanto à inutilidade superveniente da lide”.

4. A admissão da revista, como já se referiu, só pode ter lugar em circunstâncias excepcionais em que haja necessidade de reponderar as decisões do TCA por estar em causa «a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
Ora, nenhuma destas circunstâncias se verifica in casu.
Com efeito, não só o que ora está em causa não é uma questão de relevância social ou jurídica fundamental como, por outro lado, não parece que o Tribunal recorrido tenha errado na aplicação do direito.
E isto porque o Autor não sindicou na sua apelação o julgamento do TAF relativamente à decisão que julgou extinta a instância com fundamento na inutilidade da lide. Ora, perante essa decisão, a única sindicância que havia a fazer naquele recurso era o erro do seu julgamento e não, como foi feito, impugnar a legalidade do acto impugnado, já que este não foi objecto da decisão do TAF.
Deste modo, e tudo indicando que o Acórdão recorrido decidiu de acordo com o direito, não estão reunidos os pressupostos de admissão da revista.

DECISÃO.

Termos em que este Tribunal decide não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 16 de Novembro de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.