Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0138/07
Data do Acordão:04/24/2007
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ADÉRITO SANTOS
Descritores:COMPETÊNCIA DO CHEFE DO ESTADO MAIOR DA ARMADA
POLÍCIA MARÍTIMA
PENA DISCIPLINAR
RECURSO HIERÁRQUICO
Sumário:O Chefe de Estado Maior da Armada carece de competência para conhecer de recurso hierárquico, dirigido ao Ministro da Defesa Nacional e interposto de despacho do Comandante geral da Polícia Marítima, que manteve pena disciplinar aplicada a agente desta Polícia.
Nº Convencional:JSTA00064207
Nº do Documento:SA1200704240138
Data de Entrada:02/12/2007
Recorrente:ALMIRANTE CEMA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
DIR PROC ADM GRAC - REC HIERÁRQUICO.
Legislação Nacional:L 97/99 DE 1999/03/24 ART92 ART93.
CONST ART199.
CPA91 ART3 ART35 N1.
Referência a Doutrina:ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO COMENTADO 2ED PAG93.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O Almirante Chefe de Estado Maior da Armada (CEMA) veio recorrer do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, que, julgando procedente o recurso contencioso interposto por A..., agente da Polícia Marítima (PM), anulou o despacho daquela entidade, de 1.3.01, que indeferiu o recurso hierárquico, dirigido ao Ministro da Defesa Nacional (MDN), da decisão do Comandante Geral da Polícia Marítima, que manteve a sanção disciplinar de 15 dias de multa, imposta a esse agente pelo Comandante Local da Polícia Marítima de Aveiro.
Apresentou alegação, na qual formulou as seguintes conclusões:
1. O Chefe do Estado-Maior da Armada não é um subordinado hierárquico do Ministro da Defesa Nacional;
2. Nos termos do artigo 8º da LOBOFA, conjugado com os artigos 56º e 59º da LDNFA, o CEMA é a mais alta autoridade da sua hierarquia e um dos principais colaboradores do MDN;
3. Competindo-lhe comandar, dirigir e administrar o seu Ramo, sendo as suas decisões insusceptíveis de recurso hierárquico;
4. A Polícia Marítima, mediante a sua inserção no SAM directamente dependente do CEMA, tem esta entidade no vértice da sua cadeia de comando;
5. No entanto, no seu regulamento disciplinar é o MDN sem competência funcional que ficou colocado nesse vértice;
6. Com efeito, os recursos hierárquicos das penas disciplinares passam do Comandante-Geral da PM directamente para o MDN, ficando o CEMA de fora;
7. Trata-se de um absurdo legal, que atribui a competência disciplinar a quem não detém qualquer competência funcional sobre a Polícia Marítima;
8. Ciente dos danos inerentes o MDN decidiu delegar a sua competência disciplinar no CEMA, assim fazendo coincidir a competência funcional com o seu garante, a competência disciplinar;
9. Mesmo sem lei expressa a permiti-lo, o que não traduz no contexto, qualquer ilegalidade;
10. Com efeito ou se entende que tal delegação está salvaguardada pelo artigo 199º alínea e) da CRP, preenchidos que estão os requisitos legais, na esteira da tese vertida no douto Acórdão recorrido;
11. Ou se entende que o MDN agiu em estado de necessidade, outro meio não existindo para garantir o pleno exercício da competência do CEMA sobre a PM, inserida na sua cadeia de comando.
Termos em que, pelo douto suprimento que se invoca, se requer seja concedido provimento ao presente recurso e revogado o mui douto Acórdão recorrido, com que Vossas Excelências praticarão a costumada e sempre brilhante
Justiça.
Não houve contra-alegação.
Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
­A sentença recorrida, com fundamento em delegação de poderes inválida decorrente da inexistência de lei habilitante que tal permitisse e atenta consideração de não se tratar de um acto qualificável como de administração ordinária, concedeu provimento ao recurso contencioso interposto do despacho do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), nos termos do qual em sede decisória de recurso hierárquico foi mantida a pena disciplinar de 15 dias anteriormente aplicada ao ora recorrido.
Insurgindo-se contra essa decisão, vem agora a entidade recorrente pugnar pela validade do acto de delegação de poderes ao abrigo do qual foi proferido o despacho contenciosamente recorrido, argumentando para tanto, em resumo, com a tese de que o CEMA não seria um subordinado hierárquico do Ministro da Defesa Nacional, mas antes um dos seus principais colaboradores e daí que a consagração legal do recurso hierárquico previsto no artigo 93º do Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima constituísse um absurdo legal a que se pretendeu obviar através da delegação de poderes realizada, a qual sempre se encontraria salvaguardada pelo artigo 199º, alínea e) da CRP ou mesmo pelo estado de necessidade que no caso se teria configurado (artigo 3º, nº 2 do CPA).
Por traduzir correcta interpretação e aplicação do direito, a nosso ver, a sentença recorrida não merece qualquer censura.
Vejamos.
Salvo melhor opinião, a tese argumentativa desenvolvida pela entidade recorrente é por demais inconsistente e diríamos mesmo " absurda ".
De facto, não colocando em crise o entendimento perfilhado na sentença a respeito do conceito de administração ordinária tendo em conta a previsão normativa constante do nº 2 do artigo 35º do CPA, a recorrente limita-se a reconhecer que desrespeitou a exigência do requisito legal da existência de lei habilitante para a delegação de poderes efectuada, para o que se socorreu apenas do seu desacordo a respeito da opção legislativa consagrada no aludido artigo 93º do RDPM, sendo ainda certo que não faz qualquer sentido a invocação do artigo 119º, alínea e) da CRP e, de igual modo, o "estado de necessidade" de que se pretende valer como única via de, em seu entender, garantir "o pleno exercício da competências do CEMA sobre a PM".
Termos em que se é de parecer que o recurso deverá ser improvido, confirmando-se, em consequência, a sentença recorrida.
2. O acórdão recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:
A) O Recorrente, agente A..., sofreu um acidente a 19/11/1999, quando conduzia uma carrinha da Polícia Marítima ao Tribunal da Comarca de Aveiro, por ordem do chefe de piquete.
B) Em consequência desse acidente foi ordenado o levantamento do respectivo processo disciplinar, por despacho do Comandante da Polícia Marítima de Aveiro, de 23/11/1999.
C) Notificado da acusação feita no âmbito daquele processo, o Agente A... veio apresentar a sua defesa, na qual, além do mais, requereu uma peritagem ao acidente e à viatura, nos termos dos artigos 94° a 97° do CPA, bem como a inquirição de duas testemunhas - Cfr. fls. 32/35 do PD.
D) O pedido referido em C foi indeferido por despacho do Instrutor do processo, em 30/12/1999 - Doc. fls. 36 do PD.
E) Desse indeferimento referido em D, o Recorrente interpôs recurso para o Comandante-Geral da Polícia Marítima, nos termos do artigo 85º nº 2, do RDPM, aprovado pelo DL 97/99, de 24 de Março de 1999- Fls. 37/39 PD.
F) O recurso referido em E foi indeferido por despacho do Comandante Geral da Polícia Marítima, de 11/02/2000, em concordância com a Informação 3/2000 - Fls. 52/57 PD.
G) Seguidamente foi elaborado o relatório final do Oficial Instrutor, que considerou: «Analisado o local por peritos da especialidade, confirmaram estes dados, pronunciando-se, contudo, pela culpabilidade do arguido no acidente, porquanto não teve em atenção o que estipula o nº l do artigo 24° do Código da Estrada. Assim sendo, parece que o arguido A..., entre outras, não terá observado as normas reguladoras do trânsito, contribuindo fortemente para a danificação de um bem que não sendo o seu acarreta sérios prejuízos para o serviço a que está destinado, o que poderá fazer incorrer na infracção ao dever de zelo previsto no artigo 9° do Decreto-Lei nº 97/99, de 24 de Março, (RDPM). Há a considerar como atenuantes a falta de registos disciplinares por parte do arguido e como agravantes, o facto de transitar todos os dias naquela via, conhecendo bem o local do acidente.»
H) Em concordância com aquele relatório, foi o Recorrente punido disciplinarmente, pelo Comandante Local da Polícia Marítima de Aveiro, nos termos do despacho de 14/03/2000: «Puno o agente da 3ª classe A... ao pagamento de 15 dias (quinze) de multa, de 4000$00 (quatro mil escudos) por dia, no valor total de 60000$00 (sessenta mil escudos».
I) Não se conformando com tal decisão punitiva, o arguido recorreu hierarquicamente, dos despachos de 11/02/2000 e de 14/03/2000, para o Ministro da Defesa Nacional (MDN) - Fls. 65/68 PD.
J) Sobre aquele recurso hierárquico foi elaborado o Parecer 02/01, de 19/02/2001, da Assessoria Jurídica do Gabinete do CEMA, no qual foram formuladas as seguintes conclusões:
«1°. No processo disciplinar relativo ao Agente A...o foram integralmente assegurados os seus direitos de defesa e audiência;
2º. O pedido de realização de nova peritagem foi correctamente indeferido pelo Oficial Instrutor, por se tratar de uma diligência meramente dilatória;
3º. Na verdade os factos objecto de tal pedido já tinham sido devidamente apreciados no processo;
4º. O Recorrente poderia ter feito uso da faculdade concedida pelo Art.º 96 do CPA, apresentando os seus peritos no dia da realização da peritagem, não o tendo feito;
5º. As testemunhas apresentadas na defesa do Recorrente já se tinham pronunciado sobre aquela matéria;
6º. O despacho punitivo não se encontra efectivamente fundamentado, mas tal vício não acarreta a nulidade do acto e sim a sua mera anulabilidade;
7°. De qualquer maneira o referido vício encontra-se ultrapassado na medida em que o Recorrente demonstra conhecer perfeitamente as razões de facto e de direito que determinaram tal decisão;
8°. Além disso, a falta de fundamentação dum acto, quando se verifica, não afecta os direitos, liberdades e garantias do visado;
9°. E nos processos disciplinares os direitos fundamentais são os de audiência e defesa do arguido, que no caso foram cabalmente garantidos;
10º. Finalmente, não se verifica qualquer violação do artº 89 nº 2 do RDPM uma vez que a previsão daquele preceito legal não é aplicável à situação em causa.»
K) O Parecer referido em J mereceu despacho de concordância do Chefe do Estado-Maior da Armada, conforme manuscritos datados de 0l/03/01, constantes de fls. 65 e 73 do PD [tal despacho constitui o objecto deste recurso contencioso].
3. Como se relatou, o acórdão recorrido decidiu pela anulação de despacho do Chefe de Estado Maior da Armada que, indeferindo recurso hierárquico dirigido ao Ministro da Defesa Nacional (MDN), manteve a sanção disciplinar de multa imposta a agente da Polícia Marítima.
Para assim decidir, o acórdão baseou-se no seguinte discurso argumentativo:…
O Recorrente invoca a ilegalidade da delegação de poderes por parte do Ministro da Defesa Nacional (MDN) no Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), em matéria de recurso hierárquico de acto de aplicação de sanção disciplinar, por carência de lei habilitante.
O órgão recorrido reconhece que nos termos do artigo 93° do Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima (RDPM) aprovado pelo Decreto-­Lei nº 97/99 de 24 de Março, das decisões disciplinares do Comandante-Geral da Polícia Marítima cabia recurso hierárquico para o MDN, mas que ele (CEMA) teria adquirido essa competência mediante delegação de poderes ­conferida pelo Despacho do MDN nº 2166/99, publicado no DR, 11, nº 69, de 18-11-99. E que a autorização legal dessa delegação de competências (lei habilitante) se retirava do regime geral previsto nos artigos 35° a 40º do CPA (DL 442/91, de 15/11, na redacção dada pelo DL 6/96 de 31/01.
Afigura-se que tem razão o Recorrente.
A regra básica nesta matéria, consagrada no artigo 35°/1 do CPA, determina que a validade da delegação de poderes depende da existência de norma legal ("lei de habilitação") que a preveja e autorize.
Em rigor, as disposições dos nºs 2 e 3 do mesmo artigo 35° não constituem uma excepção àquela regra, mas sim modalidades de lei habilitante genérica para a delegação de poderes relativamente a determinados tipos de actos, definidos pela matéria e/ou pela autoria. A hipótese prevista no nº 3 que trata da delegação de poderes dos órgãos colegiais nos respectivos presidentes não tem relevância na presente causa. Fundamental é a análise do nº 2 do mesmo artigo 35° do CPA, que contém uma norma de habilitação geral para a prática de actos de "administração ordinária" no âmbito da hierarquia administrativa e poderia hipoteticamente enquadrar a delegação de poderes conferida ao CEMA pelo MDN. Para tanto teria que ser possível, ou lícito, qualificar as decisões que determinam a aplicação de penas disciplinares como actos de "administração ordinária".
O conceito de "administração ordinária" tem sido utilizado e desenvolvido sobretudo em matéria de gestão financeira e a sua "importação" para o plano da actividade administrativa em geral coloca sérias dificuldades interpretativas. Sobre isto dão expressiva nota M. Esteves Oliveira, P. Gonçalves e J. Amorim (CPA Comentado, 2ª edição, pág. 216 e seguintes). Para estes autores, o critério de delimitação do conceito deverá partir da distinção entre a competência para a decisão do procedimento e a competência para a prática dos actos instrumentais (em reforço desta tese, invocam o afloramento previsto no artigo 86º do CPA). Quanto à exemplificação que fornecem não poderia ser mais sugestiva:
«Assim, a competência para decidir disciplinarmente não é delegável ao abrigo deste preceito pelo órgão dirigente do serviço público no seu adjunto para os recursos humanos: o que poderia ser delegado seria a sua competência para assegurar o cumprimento das penas aplicadas, que essa é que poderia ser a "administração ordinária" da competência (ou decisão disciplinar).»
Note-se que nesta perspectiva a decisão disciplinar não deixaria de ser susceptível de delegação de poderes, mas sê-lo-ia apenas mediante lei de habilitação específica que previsse a hipótese e não à sombra da cláusula geral do artigo 35°/2 do CPA. Todavia, adiante-se, tal susceptibilidade é de per si suficiente para afastar a invocação de nulidade do acto nos termos do artigo 29° do CPA, com base numa pretensa renúncia ou alienação de competências.
Na mesma senda restritiva do alcance daquela norma de habilitação genérica seguem D. Freitas do Amaral, João Caupers e outros, podendo ler-se no seu CPA Anotado, 3ª edição, em anotação ao citado artigo 35°:
«Por actos de administração ordinária devem entender-se os actos de gestão corrente, isto é, aqueles que se destinam imediatamente a assegurar a continuidade do serviço. (...) a nosso ver, a nota específica desta espécie de actos deve (...) buscar-se no seu carácter não inovador, complementar ou de execução face àqueles outros que configuram as verdadeiras e próprias decisões e fundo, com as características da intencionalidade e da originalidade que lhes são inerentes - e que, por tal motivo, não prescindem de um acto de delegação mais circunstanciado (o previsto no nº 1 do presente artigo).» Igualmente Santos Botelho, Autor Esteves e C. Pinho sugestivamente referem que «No domínio dos actos de administração ordinária, e portanto, correntes e repetidos, não é precisa lei de habilitação» (Cfr. CPA Anotado e Comentado, 5ª edição, pág.215, sublinhado nosso). Obviamente, deve ler-se esta passagem restritivamente, no sentido de não ser precisa lei de habilitação específica, bastando para o efeito a "lei de habilitação" genérica prevista no artigo 35°/2. Na verdade, a pág. 214 da obra citada, os mesmos autores reconheciam que o primeiro requisito da delegação de poderes é «radicar na lei de habilitação», não podendo resultar de «mera vontade do órgão».
Finalmente, também na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo se encontra eco desta visão restritiva do potencial do artigo 35°/2 como lei habilitante dos actos de delegação de poderes, podendo ler-se no Acórdão da 2ª Subsecção do CA, de 14-06-2005, Processo 0483/05:
«O conceito de negócios correntes é similar ao conceito de administração ordinária estabelecido no artigo 35º, nº 2, do CPA, apenas abarcando poderes de actos instrumentais de actos decisórios, configurando uma delegação de poderes de natureza burocrática, deixando de fora poderes decisórios no âmbito de licenciamento de obras.»
É de seguir o rumo apontado pela doutrina e jurisprudência acabadas de expor.
No que concerne à necessidade de delimitação rigorosa do conceito "administração ordinária", no âmbito do artigo 35°/2 do CPA, não podem subsistir dúvidas, pois entendimento diverso que fosse tributário de uma interpretação lata ou permissiva daquele conceito, incorreria fatalmente em contradição com a regra basilar prevista no artigo 35°/1, possibilitando uma alienação indiscriminada e ad libitum do exercício de competências que não poderia deixar de repugnar ao espírito do instituto da delegação de poderes, tal como se encontra configurado na nossa ordem jurídica.
No que se refere aos critérios materiais que devem presidir a essa delimitação, afigura-se que a decisão de aplicação ou confirmação, em recurso administrativo, de uma sanção disciplinar, ao resultar de um complexo de juízos de facto, de direito e de valoração de condutas humanas, se traduz numa competência não facilmente moldável mediante directivas ou instruções genéricas do órgão delegante. Por outro lado, é obviamente uma medida de fundo e não instrumental. Em suma, trata-se do exercício de uma competência decisória inovadora, de fundo, e não da prática dos actos instrumentais e/ou normalizados cujas características se deixem confortavelmente enquadrar no conceito de "administração ordinária". Nestas circunstâncias, é de supor que o legislador teria formulado uma norma habilitante específica se entendesse ser de autorizar o MDN a delegar a competência decisória em matéria de aplicação de sanções disciplinares num inferior hierárquico em matéria administrativa, como o CEMA. Quanto à eventual delegação dessa competência noutro membro do Governo, por exemplo Secretário de Estado (sem relação de hierarquia), a sua validade estaria sempre salvaguardada pelo artigo 199°, e), da CRP.
Deste modo, embora não exactamente pelas razões invocadas pelo Recorrente, estamos efectivamente perante uma delegação de poderes inválida, que implica a incompetência da autoridade recorrida para a prática do acto impugnado.

A decisão de anulação do acto contenciosamente impugnado, afirmada no acórdão recorrido, fundamentou-se, pois, em que, na ausência de lei habilitante e não sendo esse acto qualificável como de administração ordinária, foi inválida a delegação de competência, constante do despacho do MDN ao abrigo do qual esse mesmo acto foi praticado.
Na respectiva alegação, a entidade recorrente não impugna os fundamentos em que se baseou esse acórdão, não contestando o entendimento, nele seguido, de que não está em causa acto de ‘administração ordinária’ e reconhecendo também a inexistência de lei que habilitasse o MDN, entidade legalmente competente para a respectiva prática (arts 92º e 93º do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar, aprovado pela Lei 97/99, de 24.3), a delegar tal competência no ora recorrente CEMA.
Todavia, contesta o decidido, defendendo que: (i) deveria considerar-se a questionada delegação de competência «salvaguardada pelo artigo 199º alínea e) da CRP», por ser o CEMA a mais alta autoridade da sua hierarquia e um dos principais colaboradores, não subordinados, do MDN; ou (ii) entender-se que este, ao delegar tal competência, agiu em estado de necessidade, para corrigir o que a entidade recorrente considera um absurdo legal, traduzido na subordinação funcional da PM ao CEMA, sem que esta entidade disponha, relativamente à mesma PM, de competência disciplinar, legalmente atribuída ao MDM.
Mas, não colhe esta alegação.
Com efeito, o invocado art. 199º da Constituição da República não respeita a delegação de poderes, antes dispondo sobre a própria competência do Governo, no exercício de funções administrativas.
Por outro lado, não alega a entidade recorrente nem se vislumbram indícios da existência, in casu, de qualquer dos pressupostos – ocorrência de factos graves e anormais, com perigo eminente para um interesse público essencial a que não fosse possível fazer face com meios normais de legalidade( vd. M. E. de Oliveira e Outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Liv. Almedina 1997, 2ª ed. rev., 93
– cuja verificação pudesse legitimar, ao abrigo do invocado art. 3º Artigo 3º (Princípio da legalidade)
1. Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.
2. Os actos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas neste Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados terão o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração.) do CPA, a questionada delegação de competência ministerial, na ausência de lei habilitante, exigida, para o efeito, pelo art. 35º, nº 1 do mesmo CPA.
A alegação da entidade recorrente é, pois, totalmente improcedente.
4. Termos em que acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando o acórdão recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 24 de Abril de 2007. – Adérito Santos (relator) – Madeira dos Santos – Santos Botelho.