Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0466/18
Data do Acordão:05/17/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
DIREITO DE ASILO
MOTIVO DE NATUREZA RELIGIOSA
Sumário:Não é de admitir a revista se o aresto recorrido – basicamente atacado no plano do julgamento «de factis», relacionado com uma perseguição religiosa fundante de um pedido de asilo ou, porventura, de protecção subsidiária – parece imune a uma qualquer revisão do seu sentido decisório.
Nº Convencional:JSTA000P23308
Nº do Documento:SA1201805170466
Data de Entrada:05/07/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - SEF
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO:
A………… intentou, no TAC de Lisboa, contra o Ministério da Administração Interna, acção administrativa especial pedindo a anulação da decisão do Secretário de Estado da Administração Interna, de 02.09.2016, que recusou o seu pedido de protecção internacional.

Sem êxito já que aquele Tribunal julgou a acção totalmente improcedente.
E o TCA Sul, para onde a Autora apelou, confirmou a decisão recorrida.

É desse acórdão que vem a presente revista interposta ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA.

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Recorrente intentou, no TCA de Lisboa, acção administrativa especial pedindo a declaração de nulidade ou a anulação da decisão que rejeitou o seu pedido de protecção internacional - asilo e, subsidiariamente, autorização de residência - e a condenação da Ré a deferir aquele pedido.

TAC julgou a acção improcedente com um discurso de que se destaca:
“…. importa, em primeiro lugar, esclarecer que conforme resultou provado, o pedido da Autora foi admitido, em 03.07.2015, por decisão do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, com os fundamentos vertidos na Informação n.º 540/GAR/15, e que só após a instrução do processo foi elaborada a Informação n.º 1731/GAR/16, de 04.08.2016, tendo a Autora sido notificada para que se pronunciasse por escrito e, só posteriormente, mais concretamente, em 30.09.2016, é que o Secretário de Estado da Administração Interna indeferiu o pedido de protecção internacional da Autora (asilo e autorização de residência por protecção subsidiária), por entender que não foram preenchidos os requisitos previstos nos artigos 3.° e 7.° da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.
Não padecendo, por isso, a decisão impugnada do vício que lhe fora assacado pela Autora, por o seu pedido de protecção internacional ter sido admitido e realizada a instrução do processo, e só depois, com os elementos obtidos, ter sido tomada a decisão aqui impugnada.
Mais ainda, … a decisão impugnada também não será nula por violação do disposto na alínea b), do n.º 2, do art.º 18.° da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, já que na apreciação do pedido da Autora, foi atendida à situação e circunstâncias pessoais daquela.
Já quanto aos fundamentos invocados com vista à obtenção da protecção internacional a Autora alega, em súmula, que não pode regressar ao seu país de origem (a China) por receio de ser detida e de sofrer violência física (bem como a sua família) porque professa uma religião que não é permitida na China, “Ji Du Jiao”, de índole cristã, pela qual foi perseguida, discriminada e expulsa da escola onde estudava; relatando ainda um episódio em que a sua mãe teria sido presa (por 15 dias) por estar a evangelizar e, um outro, em que ter sido registado, em vídeo, a Autora a evangelizar, de que fora dado conhecimento à polícia.
Verifica-se, prima facie, que a Autora/Requerente não alega estar a ser perseguida em consequência de qualquer actividade exercida na China, em favor da democracia, libertação social e nacional, da paz, da liberdade ou dos direitos da pessoa humana.
Acresce que, face à factualidade julgada provada, não é possível concluir que se a Autora tivesse de regressar à China seria objecto de perseguição em virtude da religião, ou seja, que a situação da Autora se enquadre na previsão do artigo 3.°, n.º 2, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.
Até porque como dissemos supra, e se reitera, o receio de ser perseguido em virtude da religião, tem que ser objectivo, não bastando um estado pessoal de medo. Sendo que os factos provados e as declarações da Autora não permitem concluir que a Autora esteja efectivamente a ser perseguida no seu país de origem.
…..
Ademais, nas declarações prestadas no Serviço de Estrangeiros e Fronteira, a Autora respondeu que não teve problemas quando solicitou o seu passaporte em Outubro de 2014 (válido até 2024), e que não teve nenhum problema com as autoridades no controlo de fronteira no aeroporto de Pequim quando, em 04.05.2015, partiu do seu país de origem.
….
Ainda quanto à protecção subsidiária, não resultaram alegados factos concretos que permitam concluir que a Autora corre efectivamente o risco de sofrer ofensa grave se regressar à China; apenas resultando que a Autora tem receio de ser procurada pelas autoridades por evangelizar, ainda que do seu relato resulte que esta sempre o fez desde 2012, sem grandes constrangimentos.
….
Donde, não se verificando a existência de facto duvidoso - mas apenas que os factos alegados não permitem concluir pelo preenchimento dos pressupostos para a concessão da protecção internacional - não será de aplicar o princípio do benefício da dúvida [Ac. do TCA Sul, Proc. n.º 11750/14, de 12.02.2015, disponível em www.dgsi.pt].
E, por todo o quanto exposto, não resulta que a situação da Autora seja subsumível ao regime previsto nos artigos 3.° e 7.° da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho.”

A Recorrente apelou para o TCA Sul e este manteve a decisão do TAF pela seguinte ordem de razões:
“ …. não logra a Recorrente impugnar o julgamento da matéria de facto, nem concretizar qual ou quais os factos que considera que deveriam ter sido dados como provados e não foram, essenciais para o mérito da causa e relevantes para a procedência do pedido.
Limita-se a Recorrente a alegar a falta de audição de testemunha, sem concretizar a sua essencialidade para o julgamento da causa e sem impugnar o julgamento de facto.
No que respeita à valoração dos factos e à respectiva aplicação do direito, também não assiste razão à Recorrente, mostrando-se bem e correctamente fundamentada a decisão recorrida.
….
Tal como salientou o Tribunal a quo, não se revela necessária a aplicação do princípio do benefício da dúvida, por não se pôr em crise a alegação da requerente, mas antes que tais factos relatados sejam por si só suficientes e idóneos para caracterizar o risco ou receio sério de ameaça à integridade física ou de perseguição fundada em crença religiosa, por se afigurarem insuficientes para a demonstração dos requisitos legais enunciados na Lei de Asilo.
Como julgado na sentença recorrida, mesmo considerando o princípio da mitigação do ónus probatório e o princípio do benefício da dúvida, os factos apresentados pela requerente são insuficientes para preencher os pressupostos legais da proteção internacional requerida.

No caso, tal como decidido na sentença recorrida, a recusa da protecção requerida mais do que se fundar na falta de credibilidade ou na falta de verosimilhança das declarações da requerente, assenta na insuficiência ou na inaptidão dos factos relatados pela requerente e que não deixam de ser acolhidos, à luz do princípio do benefício da dúvida, para fundar o pedido de asilo ou de protecção subsidiária.
Ao contrário do sustentado pela Recorrente não está em causa um acentuar dos ónus de alegação ou de prova, nem a exigência da produção de “prova diabólica”, porquanto, em rigor, a requerente não logra apresentar uma única situação em que tenha sido perseguida ou em que estivesse colocada numa situação de perigo ou de risco, por nada concretizar em relação à sua pessoa.
….
Não existe nenhuma ameaça pessoal suficientemente concretizada de facto, que permita sustentar o receio pessoal e nem ainda, que essa ameaça seja dirigida contra a pessoa da Autora.
Além disso, é possível retirar do depoimento da requerente que nenhuns problemas teve, quer à saída do seu país, no controlo de fronteira no aeroporto de Pequim, quer na emissão do passaporte, emitido com uma validade de 10 anos, tendo sido tratada como qualquer outro cidadão, designadamente, no seu relacionamento com o Estado chinês.
Se fosse uma cidadã perseguida pelo Governo ou pelas autoridades oficiais, como pretende fazer crer, teria sido impedida de abandonar o território nacional ou nem sequer teria sido emitido o seu passaporte.
…..
Tal como bem decidiu o Tribunal a quo, não estão verificados os pressupostos legais para poder ser deferido, quer o pedido de asilo, quer o de proteção subsidiária, pois como na Convenção de Genebra de 1951 e no Protocolo de Nova Iorque, é necessário que se verifiquem dois elementos: o subjetivo, o receio, e o objetivo, a situação objetiva em que se funda aquele receio.”

3. Como resulta do anterior relato a Recorrente, como sustentação das medidas de protecção que requereu às autoridades nacionais, alegou que é de nacionalidade chinesa e que o Governo do seu país persegue as pessoas que professam a religião que ela professa e que, por essa razão, receia ser perseguida se tiver de regressar à sua pátria.
Todavia, o acórdão recorrido, sufragando o que já havia dito o TAC, entendeu que tais actos persecutórios não estavam provados. Desde logo, não estavam provadas as ameaças e as perseguições de que alegou ser vítima e, depois, não provou qualquer actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
Assim sendo, e tendo-se em atenção que não cabe nesta sede questionar a fixação da matéria de facto feita pelo Acórdão recorrido (art.º 150.º/3 e 4 do CPTA) e que se afigura que este ajuizou com prudência e critério tal factualidade, tudo indica que andou bem ao julgar improcedente a pretensão da Recorrente.
Não se justifica, assim, necessidade de uma nova reapreciação da situação colocada nestes autos. E ela também não é exigida pela natureza do assunto que, embora possa ser relevante para a Recorrente, carece de importância jurídica ou social justificativa da admissão do recurso.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 17 de Maio de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.