Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0587/11
Data do Acordão:03/21/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
ALIENAÇÃO DE BENS
IMÓVEL
VALOR DE AQUISIÇÃO
ARRENDAMENTO
CESSAÇÃO
RECURSO JURISDICIONAL
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
CONCEITO INDETERMINADO
ENCARGOS COM A VALORIZAÇÃO DOS BENS
Sumário:I – A al. a) do art. 51º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente.
II – Se o STA não dispõe de base factual para decidir o recurso jurisdicional interposto, deve ordenar-se a ampliação e especificação da matéria de facto pertinente ao julgamento da causa.
Nº Convencional:JSTA00067489
Nº do Documento:SA2201203210587
Data de Entrada:06/09/2011
Recorrente:A... E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CIRS88 ART10 N1 A N4 A ART43 N1 N2 ART44 ART45 ART46 ART47 ART48 ART49 ART50 ART51
LGT98 ART11 N1
CPC96 ART722 ART729 N2
Jurisprudência Nacional:AC TCAS PROC297/03 DE 2005/01/25; AC STA PROC16105 DE 1993/12/15
Referência a Doutrina:XAVIER DE BASTO IRS INCIDÊNCIA REAL E DETERMINAÇÃO DOS RENDIMENTOS LIQUIDOS 2007 PAG460-465
MANUEL FAUSTINO IN BOLETIM APECA N121 PAG60
CARDOSO DA COSTA CURSO DE DIREITO FISCAL 2ED PAG208
BAPTISTA MACHADO INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR PAG185
SALDANHA SANCHES MANUAL DE DIREITO FISCAL 3ED PAG140 PAG146-152
LEITE DE CAMPOS PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO 1999 PAG17-33
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A…… e mulher B……, ambos com os demais sinais dos autos, recorrem da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgou improcedente a impugnação judicial que deduziram contra a liquidação adicional de IRS (do ano de 2007) e juros compensatórios no valor de 1.418,57 Euros.
1.2. Os recorrentes terminam as alegações formulando as Conclusões seguintes (ora submetidas a alíneas):
a) Face ao que ficou acima plasmado, com o devido respeito, que é muito, insiste-se, parece claro que o Tribunal “a quo” fez errada interpretação do artigo 51° e sua alínea a) do CIRS e não logrou complementá-lo com o disposto no artigo 12° do mesmo Código e,
b) Nesta medida, ao considerar, quanto aos recorrentes mal, que o montante da indemnização paga ao inquilino, relativamente ao imóvel vendido, não representou um encargo de que resultou a sua valorização;
c) Quando, sem qualquer margem de dúvida, a rescisão do contrato, mediante justa indemnização ao inquilino, valorizou de forma directa e imediatamente, e muito, o valor de mercado do imóvel;
d) Sendo sabido que vender o imóvel com o inquilino e com a renda que tinha, seria chover no molhado, pois, por melhor boa vontade, seria de esperar a falta de compradores, uma vez que nenhum estaria interessado em investir sem a garantia de, no mínimo, obter alguma rentabilidade do investimento feito.
e) Portanto, parece claro que, independentemente do valor do imóvel ter saído reforçado, e muito, com a saída do inquilino e, implicando a sua saída o pagamento da indemnização de € 25.000,00, é certo e seguro que, sendo esta indemnização, um incremento patrimonial positivo na esfera jurídica do inquilino, sede em que foi ou terá que ser tributada, não pode haver dúvidas de que, na esfera jurídica dos ora recorrentes, representa um verdadeiro encargo, pelo que terá de acrescer ao valor de aquisição do imóvel, influenciando, assim, o valor tributável sujeito a IRS, em sede de Categoria “G”.
Terminam pedindo a procedência do recurso, a revogação da sentença recorrida e a prolação de nova decisão de mérito que declare a anulabilidade do acto da liquidação adicional impugnada.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O MP emite Parecer no sentido do provimento do recurso, nos termos seguintes:
«I - Considerações preliminares.
O recorrente discorda da interpretação que foi efectuada do art. 51º al. a) do C. do I.R.S., de que resulta a exclusão como encargo da dita indemnização que pagou a inquilino.
Invoca fundamentalmente 3 argumentos, conforme consta das conclusões de recurso apresentadas, a saber:
- a aplicação da referida norma dever ser complementada com a constante do art. 12° do mesmo Código;
- a aplicação da referida disposição legal impor-se com base no entendimento de tal ser de considerar, face ao “valor de mercado do imóvel”;
- por ter havido também um “incremento positivo na esfera patrimonial do inquilino”.
II - Normas em causa.
No quadro da mais-valia em causa é desde logo de considerar o previsto no art. 10º nº 1 al. a) do C. do I.R.S., em que se engloba ainda no conceito de rendimentos os “ganhos”, “de capitais” e “prediais”, resultantes de “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis”.
E é o dito art. 51º al. a) que, referindo-se às despesas e encargos a considerar para os ditos efeitos líquidos, se prevê que sejam considerados os “encargos com a valorização dos bens comprovadamente realizados, nos últimos cinco anos e despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e à alienação, nas situações previstas na alínea a) do n° 1 do artigo 10º”.
III - Posição que se defende.
A aplicação destas últimas referidas normas não tem qualquer relação com o previsto no art. 12° do C. do I.R.S., disposição que o recorrente invoca como relacionada. Segundo a mesma, resulta apenas estarem excluídas da incidência em I.R.S., “as indemnizações devidas em consequência de lesão corporal, doença ou morte”, e apenas nos casos previstos nas suas várias alíneas, nomeadamente, quando pagas “ao abrigo de contrato de seguro, decisão judicial ou acordo homologado judicialmente”.
Por outro lado, já se decidiu ser de afastar o enquadramento no referido conceito de encargos de uma “quantia paga a título de indemnização relacionada com a resolução de contrato de arrendamento”, o que se decidiu fundamentalmente face à letra da lei que refere estarem aqueles ligados aos respectivos “bens” – ac. do T.C.A. Sul de 25-1-05, proferido no proc. 00297/03, acessível em www.dgsi.pt, e em que foi relator o ora exmo. Conselheiro Casimiro Gonçalves.
Tal entendimento vai, afinal, no mesmo sentido de anterior Despacho da DGCI de 4-3-04, o que tem sido objecto de crítica de credenciada doutrina – assim, Manuel Faustino no Bol. da APECA de 2005 e Xavier de Basto, em Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, pág.461 a 465.
Sempre com o devido respeito, não repugna que numa melhor apreciação possa ser de considerar tal como encargo, sabido como é ser possível efectuar uma sua interpretação extensiva.
Com efeito, no quadro da mais-valia que importa considerar, tal como prevista no art. 10º nº 1 al. a) do C. do I.R.S., há que reconhecer não estar efectuada qualquer discriminação entre os “ganhos” obtidos, sejam eles “de capitais” ou “prediais”, discriminando-se seguidamente os casos em que as mesmas são de considerar como obtidas, entre os quais o da “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis”.
Ora, de tal parece resultar ser possível efectuar a dita interpretação extensiva da referida norma contida no art. 51º al. a) do mesmo Código, que como é sabido tem de obter expressão na letra da lei.
No sentido do senhorio poder contribuir para a valorização do imóvel no caso daquela alienação vir a ocorrer já desocupado de inquilino que aí se encontre se pronuncia a referida doutrina.
Crê-se que não pode deixar de se reconhecer a manifesta utilidade acrescida que o referido imóvel passa a ter, podendo o mesmo passar a ser habitado pelo adquirente ou outra pessoa a que o mesmo ceda a sua utilização.
A referida doutrina apenas mostra algumas reticências quanto à consideração do dito capital sem qualquer limite.
Contudo, a ser de entender como se defende, no sentido de não obstar ao enquadramento em “encargos” que o alienante suportou com vista à valorização do dito bem, entendido este economicamente, em todas as suas utilidades, parece que há ainda que verificar se aqueles se enquadram ainda no requisito “comprovadamente realizados nos últimos 5 anos”.
No caso resulta demonstrado que ocorreu acordo de pagamento da dita indemnização – tal ainda o que se extrai da matéria de facto dada como provada, em que na parte final da al. B) se remete para o que consta a fls. 20 e 21, em que mais consta que tal ocorreu com efectiva entrega de cheque.
Contudo, deve ser mandado conhecer com clareza de tal matéria que releva quanto ao preenchimento do referido requisito que é autónomo da matéria sujeita a apreciação tida.
IV - Conclusão.
Nestes termos, parece que, numa melhor ponderação, é de julgar o recurso procedente, quanto à 1ª conclusão, pois o entendimento tido na douta sentença recorrido não terá sido o melhor quanto ao dito conceito de “encargo com a valorização” do bem, devendo em consequência ser reformada a sentença recorrida em função de tal entendimento.»
1.5. Corridos os vistos legais, cabe apreciar.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) Em 22.04.08 o impugnante apresentou uma declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2007, tendo mencionado a alienação de um imóvel nesse ano, na qual indicou a importância de € 25.000,00 como despesas e encargos suportados, o que não foi aceite pela Adm. Fiscal, pelo que da sua correcção resultou a liquidação nº 2009 5004923839, tendo-se apurado um montante de imposto de € 1.418,57, o qual foi pago em 15.11.09 – cfr. “Demonstração de Liquidação” de fls. 14, Notificação de fls. 15 e documento de pagamento de fls. 36, dos autos e “Prints Informáticos” de fls. 38 a 45 e de fls. 46 a 47, “Demonstração de Compensação, de pagamento e de Liquidação” de fls. 49, 50, 51 e 52, do PA. apenso aos autos.
B) Dá-se aqui por reproduzido o contrato de compra e venda celebrado pelo impugnante e o comprador em 5.01.07, constante de fls. 16 a 19, tendo o vendedor celebrado anteriormente, em 27.04.06, um acordo de rescisão de contrato de arrendamento com o arrendatário do prédio alienado, no qual se convencionou o pagamento da quantia de € 25.000,00 a título de indemnização pela rescisão do contrato - cfr cópia do acordo de rescisão, de fls. 20 e 21, dos autos.
3.1. A questão que cumpre apreciar é a de saber se a indemnização acordada e paga a arrendatário de um prédio alienado constitui «encargo com a valorização dos bens» subsumível na al. a) do art. 51º do CIRS.
3.2. A sentença concluiu pela negativa, com fundamento em que, devendo (de acordo com o referido normativo), o encargo ser inerente à aquisição ou à transmissão do imóvel, a indemnização por virtude da cessação do arrendamento existente, não resulta numa despesa necessária inerente àquela alienação: ela não tem por objecto mediata ou imediatamente nem um negócio nem o outro, sendo que juridicamente (nos termos da lei civil), aquele direito pessoal de gozo não é afectado pela venda do bem, pelo que tal rescisão apenas interessa às relações entre arrendatário e senhorio; aquele direito de propriedade deixa de estar limitado por aquele direito pessoal na esfera do transmitente nada influenciando no apuramento devido das mais-valias – cfr. arts. 10º, nº 1, al. a) e n° 4, al. a) e 43° e segs. do CIRS.
3.3. Discordam os recorrentes por entenderem que a rescisão do contrato, mediante justa indemnização ao inquilino, valorizou de forma directa e imediatamente o valor de mercado do imóvel, sendo claro, portanto, que, independentemente do valor do imóvel ter saído reforçado com a saída do inquilino, implicando esta saída o pagamento da indemnização de 25.000,00 Euros, então esta indemnização constitui um incremento patrimonial positivo na esfera jurídica do inquilino (sede em que foi ou terá que ser tributada), mas também constitui, na esfera jurídica dos alienantes, um verdadeiro encargo, pelo que terá de acrescer ao valor de aquisição do imóvel e influenciar, assim, o valor tributável sujeito a IRS, em sede de Categoria G.
3.4. No mesmo sentido se pronuncia o MP, com a argumentação constante do seu douto Parecer.
Vejamos:
4.1. Nos termos do disposto na al. a) do nº 1 do art. 10º do CIRS constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
E o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso (al. a) do nº 4 do mesmo artigo 10º).
Por sua vez, nos nºs. 1 e 2 do art. 43º do CIRS determina-se que «1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes» e que «2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do Nº 1 do artigo 10º , positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.»
Nos arts. 44º a 51º do CIRS estatui-se, igualmente, na parte que aqui releva, o seguinte:
Artigo 44º - Valor de realização
«1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
a) …
(…)
f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação.
2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
(…)»
Artigo 46º - Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis
«1 - No caso da alínea a) do Nº 1 do artigo 10º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação da sisa.
2 - Não havendo lugar à liquidação da sisa, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.»
Artigo 50º - Correcção monetária
«1 - O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na alínea a) do Nº 1 do artigo 10º é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados mediante portaria do Ministro das Finanças, sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afectação.
2 …»
Artigo 51º - Despesas e encargos
«Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:
a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do Nº 1 do artigo 10º;
b) As despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do Nº 1 do artigo 10º.»
4.2. O ganho sujeito a IRS é, portanto, constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (al. a) do nº 4 do art. 10º), este calculado de acordo com o disposto nos arts. 46º e segts.
E de acordo com a letra do transcrito art. 51º do CIRS acrescem ao valor de aquisição «Os encargos com a valorização dos bens (…), comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do nº 1 do art. 10º.
Este conceito de «encargos com a valorização dos bens» encerra alguma margem de indeterminação e necessita de ser preenchido.
Ora, atentando na letra da lei (encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos) não pode deixar de concluir-se, desde logo, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado. Ou seja, não estão incluídos encargos que tenham por escopo a mera preservação do valor do bem, mas, tão só os que se destinem a aumentar esse valor.
Mas que valor? Apenas o valor físico e material do bem ou também o seu valor de alienação?
Reportando ao disposto na al. a) deste art. 51º do CIRS e à eventual valorização do bem em resultado de cessação de contrato de arrendamento que o onerava, efectuada mediante acordo de cessação desse contrato e com indemnização paga ao respectivo inquilino, a AT considerou, além do mais, que «O pagamento de uma indemnização ao inquilino, possibilita que se disponha do imóvel em melhores condições, mas não faz aumentar o seu valor intrínseco, embora o valor de mercado possa vir a ser superior» (cfr. o despacho de 4/3/2004, da sra. Directora de Serviços, proferido no processo nº 2483/2004 – com cópia a fls. 23 dos autos).
Pronunciando-se sobre este entendimento da AT, o Prof. Xavier de Basto (IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 460-465.) manifesta a sua resistência em aceitá-lo, considerando que, embora só as despesas que valorizem o bem estejam em causa, de entre estas, porém, a lei não parece autorizar distinções. No entender deste autor, «Se o objectivo da norma fosse atender só às valorizações materiais ou físicas e excluir os demais encargos, tê-lo-ia dito expressamente. Bem ao invés, o uso de uma formulação aberta ― “encargos com a valorização dos bens” ― parece indiciar que se não quis restringir o alcance da norma, como pretende o citado despacho da administração fiscal. Por outro lado, a dedução de encargos ― através, neste caso, da sua adição ao valor de aquisição ― é solução que decorre do princípio da tributação do rendimento líquido. Não prever a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento ― neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação ― é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo.»
Sobre esta matéria se pronunciara, igualmente, Manuel Faustino (em comentário ao ac. do TCAS, de 25/1/2005, no rec. nº 00297/03, por nós relatado), discordando do que refere ser uma visão exclusivamente jurídica da interpretação do conceito de valorização.
Para este autor, embora seja «verdade que não se pode estabelecer uma correlação de equivalência directa entre o montante despendido na indemnização e o aumento do valor do imóvel», também não deixa de ser verdade «que, como é do senso comum, e no Acórdão se reconhece, um imóvel desocupado tem um valor de mercado superior ao um imóvel idêntico que esteja arrendado; e que o “excesso” de mais-valia gerado, na alienação deste último imóvel, é em grande parte meramente nominal, porque tem, por contrapartida, um empobrecimento patrimonial decorrente da ablação patrimonial que a indemnização representou», acrescendo «o facto de que se esta operação tivesse por actores uma empresa, ou mesmo uma pessoa individual agindo no âmbito de uma actividade empresarial, certamente se não deixaria de reconhecer a indispensabilidade do custo (indemnização) à realização do proveito».
Daí que, do seu ponto de vista, pareça «mais correcta, no plano tributário, para situações como a descrita, a visão do bem, não como uma coisa em sentido meramente jurídico, mas como uma fonte de rendimento, com um aspecto económico que não pode ser desprezado. E nessa perspectiva, tudo o que possa contribuir para a valorização económica do bem, necessariamente deve ser considerado como “encargo de valorização”» sob pena de se cometer «uma injustiça», por se tributar «uma capacidade contributiva inexistente: a “capacidade contributiva” equivalente ao valor da indemnização paga que, em contrapartida, não foi considerada encargo.» (Boletim APECA nº 121, 2º trimestre de 2005, Jurisprudência Fiscal, p. 60.)
4.3. Não deixa de impressionar esta argumentação.
Embora não possam esquecer-se, igualmente, as dificuldades que dela derivam.
― Desde logo, as apontadas pelo próprio Xavier de Basto quando salienta: «É certo que a relevância da indemnização por despejo suscita uma dificuldade e essa pode eventualmente justificar que, em certos casos, não se possa aceitar a sua relevância e acabe por só se considerar como encargos as eventuais despesas com a valorização material ou física dos prédios. Essa dificuldade é a de saber o limite da indemnização que deve ser considerada como encargo de valorização. Como é evidente, terá sempre de existir um limite, não podendo aceitar-se como encargo “indemnizações” fixadas por acordo entre as partes para pôr fim ao contrato de arrendamento. Seria abrir a porta a conluios que favoreceriam a fraude. Todavia, as indemnizações por denúncia do contrato de arrendamento que se contenham nos limites da lei geral do arrendamento, fixadas judicialmente, não levantam esse problema, sendo controlável o seu montante. É o que sucede, por exemplo, nos casos de denúncia do senhorio com fundamento em necessidade de habitação ou de construção de edificação para residência ou de denúncia de arrendamento comercial ou industrial. Não vemos razão para negar que tais indemnizações devam acrescer ao valor de aquisição e seguramente que a distinção entre “valor intrínseco” e valor de mercado, que o despacho administrativo invoca, não tem sustentação legal, nem peso argumentativo para fundamentar que os encargos se restrinjam às despesas com a valorização material ou física do imóvel.»
― Por outro lado, as dificuldades resultantes da dificuldade de estabelecer uma correlação de equivalência directa entre o montante despendido na indemnização e o aumento do valor do imóvel, acrescendo que se é certo que decorre do senso comum que o prédio pode, na actual conjuntura, ser vendido por maior valor se estiver desocupado, também é certo que, a ser vendido por montante inferior, por estar arrendado, também o valor de realização para efeitos de mais-valias será menor, com a consequente redução da respectiva base tributável em sede da categoria G (mais-valias), não sendo de afastar, igualmente, a hipótese (ainda que teórica) de um determinado imóvel poder estar arrendado por uma quantia elevada, constituindo, nesse caso, o montante da renda um factor valorizador da compra do imóvel e constituindo, ao invés, a cessação de tal arrendamento (com a eventual indemnização pela respectiva cessação) um factor de desvalorização do mesmo imóvel.
4.4. De todo o modo, considerando toda a argumentação exposta e, sobretudo, o facto de o rendimento a tributar como mais-valia dever ser, em princípio, um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva efectivamente adquirida, devendo, por outro lado, evitar-se a dupla tributação económica (pois que a indemnização percebida pelo inquilino será incidente de IRS) e evitar-se, igualmente, uma interpretação que favoreça a fraude fiscal, aquelas dificuldades parecem não dever obstar, como aponta o MP, a que interpretando extensivamente (A possibilidade de interpretação extensiva ocorre quando «o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei ― Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 185.) o referido normativo (a al. a) do art. 51º do CIRS) se possa concluir (revendo-se, neste âmbito, a argumentação constante do dito ac. do TCAS, de 25/1/2005, no rec. nº 00297/03) pela subsunção deste tipo de encargo, desde que verificados os condicionalismos acima apontados, na previsão e estatuição dessa norma, sendo que embora as normas que definem os elementos essenciais dos impostos não possam ser objecto de aplicação analógica, por a tal se oporem os princípios constitucionais da tipicidade e legalidade tributária, podem ser objecto de interpretação extensiva (Cfr. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2ª ed. actualizada, Almedina, 1972, p. 208, bem como o ac. do STA, de 15/12/93, rec. n° 16105, Ap. DR, de 20/5/96, p. 4457.) e sendo que, em termos de interpretação da lei, o próprio nº 1 do art. 11º da LGT impõe que «Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.»
E porque na interpretação de factispecies em que se inserem conceitos indeterminados se deve atender à “ratio” específica de determinado imposto e à lógica material que deve ser encontrada nas exclusões e restrições de tributação, com o casuísmo legislativo a servir de guia para a definição dessa lógica material nos casos em que se não pode afirmar previamente se um certo quid se encontra ou não excluído, (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Coimbra Editora, 2007, § Interpretação e aplicação das normas fiscais, p. 140.) complementando, se for caso, com uma interpretação que atenda ao sentido e ao fim da norma a interpretar (interpretação teleológica) e, em última instância, com uma interpretação conforme à Constituição, (Saldanha Sanches, Ibidem, pp. 146 a 152. Sobre a interpretação das normas fiscais cfr. ainda, Leite de Campos, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, 17 a 33.) no caso, parece ser de aceitar tal interpretação no sentido de que a referida al. a) do art. 51º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, às valorizações materiais ou físicas, abrangendo ainda os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente.
Sem prejuízo, obviamente, do poder de fiscalização cometido à AT para proceder às correcções legais que se impuserem, e do recurso à tutela jurisdicional por parte do contribuinte.
4.5. Todavia, no caso dos autos, mesmo considerando este entendimento, outras questões têm que ser equacionadas: é que como também aponta o MP, a adoptar-se o entendimento de que a questionada quantia se enquadra no conceito de “encargos” que o alienante suportou com vista à valorização do imóvel, há que verificar se aqueles se enquadram no requisito “comprovadamente realizados nos últimos 5 anos”, pois que, resultando, no caso, demonstrado (face à remissão feita na parte final da al. B) do Probatório, para o que consta do documento de fls. 20 e 21, em que também consta que o pagamento ocorreu com efectiva entrega de cheque) que ocorreu acordo de pagamento da dita indemnização, deve apurar-se com clareza esta factualidade, já que releva quanto ao preenchimento do referido requisito.
Tanto mais que, apesar de nessa mesma al. B) do Probatório se ter especificado que o vendedor celebrou, em 27/4/06, um acordo de rescisão de contrato de arrendamento com o arrendatário do prédio alienado, no qual se convencionou o pagamento da quantia de € 25.000,00 a título de indemnização pela rescisão do contrato, o que é verdade é que na Cláusula 3ª do mesmo (cfr. cópia a fls. 20 e 21, dos autos) se diz que a quantia de 25.000,00 Euros aqui questionada é paga a título de «indemnização por benfeitorias por si efectuadas no referido andar», sendo ainda certo que o recorrente também alega (cfr. Pontos II, III e VIII das alegações de recurso) que o questionado imóvel se encontrava arrendado pela renda mensal de 48,37 Euros, os inquilinos tinham idade de 75 anos e o valor de realização conseguido se ficou a dever ao facto de a venda se ter realizado sem o ónus do arrendamento.
Assim, embora a celebração do referido acordo de rescisão do contrato de arrendamento e a data da respectiva efectivação (27/4/2006) não venham controvertidos, impõe-se, no entanto, apurar se efectivamente foi, e quando, paga tal indemnização, e a que título, bem como, sendo caso disso, valorar, face aos elementos dos autos, o eventual reflexo da mesma na venda do imóvel, dado que, a ter sido a indemnização paga por benfeitorias, poderá mesmo vir a concluir-se pela aplicação do disposto na al. b) do art. 51º do CIRS e nem sequer do disposto na invocada al. a) do mesmo artigo.
5. Em suma, considerando que este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional (uma vez que a decisão do mesmo pressupõe uma realidade de facto que não vem pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por o STA carecer de poderes de cognição relativamente a essa matéria) torna-se essencial que o tribunal “a quo” proceda à ampliação e especificação dessa matéria de facto pertinente ao julgamento da causa, nos preditos termos.
Impõe-se, pelo exposto, revogar, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 729º e no nº 3 do art. 722º, ambos do CPC, a sentença impugnada, para ser substituída por outra que decida após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que acima se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.
DECISÃO
Termos em que se acorda em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, que deve ser substituída por outra que decida após ampliação da pertinente matéria de facto para a aplicação do direito, de acordo com o regime supra fixado.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Março de 2012. – Casimiro Gonçalves (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado.