Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:020/21.1BALSB
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
REQUISITOS
ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - De conformidade com o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
II - A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo requisito para a sua admissibilidade a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento.
III - Quando em ambas as decisões em confronto a diversa solução jurídica a que chegaram decorre da diversidade dos factos apurados e não de qualquer diversa solução jurídica, não se mostram reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto nos arts. 25º, nº 2 do RJAT - e no 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que inviabilizada está a possibilidade de tomar conhecimento do mérito do recurso.
IV - O que ocorre no caso concreto em que se trata do pedido de uniformização de jurisprudência, no qual, por força dos diferenciados quadros jurídicos aplicáveis, as questões jurídicas que os acórdãos em confronto enfrentaram não são idênticos, porquanto (i) na decisão arbitral fundamento, estavam em causa liquidações adicionais das quais advieram imposto a pagar e respectivos juros e na decisão arbitral recorrida, as liquidações somente originaram uma correcção ao montante de imposto a reportar, não tendo determinado qualquer montante a pagar; (ii) em ambas as decisões foi entendido que o prazo de caducidade do direito à liquidação se conta a partir do momento em que o direito à dedução é exercido mas esteve subjacente um entendimento diverso do que se entende por exercício do direito à dedução: para a decisão arbitral fundamento, teve-se em conta para efeitos do exercício do direito à dedução o momento em que o valor a deduzir foi subtraído na declaração (subentende-se que pela primeira vez); já para a decisão arbitral recorrida, teve-se por exercício do direito à dedução pelo método do reporte cada operação de reporte em si mesma.
V - Tal implica que, a haver contradição, ela será meramente implícita, na acepção de que só pode surpreender-se no subentendido na decisão arbitral fundamento e as contradições implícitas não constituem fundamento bastante para uniformizar.
Nº Convencional:JSTA000P28571
Nº do Documento:SAP20211124020/21
Data de Entrada:02/03/2021
Recorrente:FUNDO DE PENSÕES .................
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

FUNDO DE PENSÕES ………., representado pela sociedade gestora Z………………….., S.A., melhor identificados nos autos, vem, nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária — “RJAT”), com a alteração introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 763/2019-T, de 30/12/2020, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é Recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, invocando oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral com o nº 494/2017-T, de 27/06/2018, que se indica como fundamento.

Inconformada, formulou a recorrente Fundo de Pensões ………………, as seguintes conclusões:

A. O recurso previsto no artigo 25.º, n.º 2 do RJAT não pode ser integralmente equiparado ao recurso previsto no artigo 152.º do CPTA, pois enquanto neste está em causa uma oposição entre duas decisões preferidas em recurso de decisões judiciais, no primeiro prevê-se um confronto entre uma dessas decisões e uma decisão de primeira instância (a decisão arbitral) ou entre duas decisões de primeira instância (duas decisões arbitrais).
B. A teleologia do recurso por oposição entre duas decisões arbitrais é a de minimizar a possibilidade de coexistirem decisões opostas sobre a mesma questão de direito, pelo que não releva, na oposição entre duas decisões arbitrais, se existe ou não jurisprudência arbitral “constante e mais recente”.
C. Assim, não se deve transpor para o recurso previsto no RJAT a vasta jurisprudência produzida no âmbito do CPTA, sem sopesar esta diferença.
D. No presente caso encontram-se reunidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso à luz do artigo 25.º do RJAT e do regime contido no artigo 152.º do CPTA, na parte em que é aplicável ao recurso previsto no artigo 25.º do RJAT, verificando-se uma flagrante oposição da decisão arbitral recorrida com a decisão arbitral fundamento.
E. A Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento versam sobre situações fácticas substancialmente idênticas, que se podem resumir da seguinte forma:
(i) Ambos os sujeitos passivos (o ora Recorrente e o Fundo Contribuinte) suportaram IVA a montante que consideraram ser dedutível face às respetivas operações tributáveis a jusante;
(ii) Ambos os sujeitos passivos (o ora Recorrente e o Fundo Contribuinte) efetuaram várias deduções, correspondentes ao IVA suportado, em várias declarações periódicas;
(iii) Em ambos os casos, a AT considerou que aqueles sujeitos passivos (o ora Recorrente e o Fundo Contribuinte) deduziram indevidamente o IVA;
(iv) Em ambos os casos, a AT promoveu correções em sede de IVA àqueles sujeitos passivos (o ora Recorrente e o Fundo Contribuinte) relativas ao IVA deduzido nas diversas declarações periódicas respeitantes a períodos anteriores ao período sobre o qual incidiu a ação inspetiva;
(v) Em ambos os casos, as correções deram origem a liquidações de IVA que foram notificadas aos sujeitos passivos (ao ora Recorrente e ao Fundo Contribuinte) mais de quatro anos após a data das declarações periódicas nas quais foi deduzido o IVA.
F. Quer a Decisão Recorrida, quer a Decisão Fundamento foram proferidas num quadro legislativo substancialmente idêntico, que decorre de:
(i) ter sido formulado o mesmo pedido – de anulação das liquidações adicionais de IVA com fundamento na caducidade do direito à liquidação, ao abrigo do disposto nos artigos 45.º, n.º 1 e n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 1 e n.º 2 do Código do IVA;
(ii) a AT ter invocado as mesmas normas para fundamentar a sua posição (os artigos 87.º, n.º 1 e 22.º, n.º 4 do Código do IVA); e
(iii) a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento recorrerem à interpretação e aplicação do disposto no artigo 45.º, n.º 1 e n.º 3 da LGT.
G. O quadro legal em que assentaram as decisões proferidas na Decisão Recorrida e na Decisão Fundamento é exatamente o mesmo.
H. A Decisão Recorrida encontra-se em manifesta oposição com a Decisão Fundamento relativamente à mesma questão fundamental de Direito, a saber a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA em caso de dedução indevida.
I. Num e noutro casos, a aferição da caducidade do direito à liquidação parte da circunstância de a AT ter considerado indevidas as deduções de IVA realizadas em períodos anteriores.
J. Num e noutro casos é analisada a compatibilização do disposto no artigo 87.º, n.º 1 do Código do IVA com a caducidade do direito à liquidação.
K. Porém, partindo do mesmo regime normativo, a Decisão Fundamento e a Decisão Recorrida alcançam conclusões (e decisões) totalmente opostas.
L. Com efeito, a Decisão Fundamento conclui que “[s]ubsumindo as normas atrás citadas que regulam o regime da caducidade do direito à liquidação, e em especial o nº 3 do artigo 45º da LGT, constatamos que o início da contagem do prazo para a determinação dos 4 anos referidos nos casos de dedução (devida ou indevida), é o da data da declaração em que ele foi exercido.” (com negrito e sublinhado nossos).
M. Em sentido oposto, a Decisão Recorrida conclui que:
há sempre que atender ao momento ou momentos do exercício efectivo do reporte, com o montante do crédito de imposto aí envolvido, para efeitos de aferição do prazo de caducidade da liquidação que incida sobre o IVA dedutível nos termos do n.º 3 do art. 45.º da LGT.
Na verdade, mesmo que o direito à dedução tenha sido efectuado em períodos anteriores, o crédito de imposto objecto de reporte envolve a sua renovação nos períodos em que isso ocorre, conforme resulta do n.º 4 do art. 22.º do CIVA, pelo que, na medida em que a liquidação incida, no prazo de 4 anos a contar de cada declaração de reporte, sobre o montante do crédito que persista, ela exerce-se dentro do prazo de caducidade.
Assim, nestes casos em que se trata do exercício de direitos creditórios pelo contribuinte, o que surge como relevante é a manifestação ou as manifestações de vontade do contribuinte no exercício do direito, pelo que o prazo de caducidade deve começar a contar a partir desse momento do exercício do direito (ou da sua renovação), com a entrega de cada pertinente declaração em que se exerce o direito à dedução ou crédito de imposto, em relação à qual se baliza o início do respectivo prazo de caducidade (vd. por analogia o acórdão do STA de 17.12.2008, proc. n.º 0695/08) e não a partir da exigibilidade do imposto ou do ano civil seguinte a esta. (…)
Em suma, entende-se, com base no disposto no art. 22.º, n.ºs 4 e 5 do CIVA, conjugado com o art. 45.º, n.º 3 da LGT e o art. 98.º, n.º 2 do CIVA, que o facto relevante como dies a quo da contagem do prazo de caducidade de quatro anos respeitante à liquidação que tenha por objecto IVA dedutível é a data do exercício do direito à dedução ou do reporte do excesso de imposto dedutível verificado em períodos anteriores, pelo que, enquanto se mantiver e for invocado crédito de imposto ou pedido o reembolso, não se pode considerar extinguido o direito à liquidação relativo ao imposto dedutível.” (com negritos e sublinhado nossos).
N. Do exposto resulta que a Decisão Fundamento determina que o início da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação para efeitos do artigo 45.º, n.º 1 e n.º 3 se verifica na data da declaração em que foi exercido efetivamente o direito à dedução.
O. Em sentido oposto, a Decisão Recorrida considera que o início da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação para efeitos do artigo 45.º, n.º 1 e n.º 3 ocorre em cada momento em que o sujeito passivo exerce o direito à dedução ou vê renovado o direito à dedução (em várias declarações, ao longo do tempo).
P. Esta contradição resulta particularmente evidenciada no Voto de Vencido do ILUSTRE CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA, que presidiu ao Tribunal Arbitral que proferiu a Decisão Recorrida.
Q. O que traduz uma inegável contradição quanto à mesma questão fundamental de Direito.
R. Termos em que deverá decidir-se pela existência da oposição entre a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento, com todas as demais e inevitáveis consequências, mormente a anulação da Decisão Recorrida e a sua substituição por outra que decida a questão controvertida nos moldes anteriormente pugnados na Decisão Fundamento pelo Tribunal Arbitral Coletivo em que foram árbitros o ILUSTRE CONSELHEIRO JOSÉ BAETA QUEIROZ, na qualidade de Presidente, e JOSÉ RAMOS ALEXANDRE e EVA DIAS COSTA, na qualidade de vogais, anulando-se a liquidação impugnada.
S. Decidindo-se pela existência da contradição acima identificada, tal como é forçoso concluir, deve este Alto Tribunal anular a Decisão Recorrida e decidir a questão controvertida, anulando a liquidação impugnada, bastando para o efeito seguir a jurisprudência arbitral constante da Decisão Fundamento e a fundamentação do Voto de Vencido do ILUSTRE CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA, reforçadas pela decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral Coletivo em que foram árbitros o ILUSTRE CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA (na qualidade de Árbitro Presidente), FILIPA BARROS e ÁLVARO CANEIRA no processo n.º 929/2019-T, de 24.07.2020, e recente jurisprudência deste Supremo Tribunal no acórdão de 13.01.2021, no processo n.º 01848/16.0BELRS (num caso em tudo idêntico ao da Decisão Recorrida).
T. Com efeito, constitui entendimento unânime que:
(i) o prazo de caducidade do direito à liquidação é de quatro anos;
(ii) este prazo de caducidade do direito à liquidação aplica-se independentemente de estar em causa uma dedução de IVA alegadamente indevida;
(iii) este prazo de caducidade do direito à liquidação conta-se:
a) da data em que o imposto se tornou exigível e nasceu o direito à dedução (aquando da emissão da fatura ou da renúncia à isenção) ou do início do ano civil seguinte àquele em que se tornou exigível o imposto, numa interpretação mais literal da lei, em linha com o disposto no artigo 45.º, n.º 4 da LGT; ou
b) da data da declaração na qual se efetivou a dedução do IVA (numa interpretação conservadora);
(iv) a notificação de liquidações adicionais de IVA aos sujeitos passivos, ainda que “meramente corretivas”, após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação nos termos acima descritos importa a ilegalidade de tais atos de liquidação.
U. Termos em que é forçoso concluir que o direito da AT a liquidar IVA relativo às deduções efetuadas pelo ora Recorrente em 2012 e 2013 já havia caducado aquando da emissão da liquidação oficiosa impugnada (04.12.2018).
V. De quanto resulta a ilegalidade da liquidação de IVA n.º , porquanto emitida e notificada após ter decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação, impondo-se a respetiva anulação, com todas as consequências legais, designadamente, a reconstituição da situação de reporte/crédito de IVA em que o Recorrente se encontraria na ausência de tal ato ilegal.
W. Finalmente, entende o Recorrente que a taxa de justiça a aplicar nos presentes autos não deverá exceder as 8 UC, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, na medida em que, com todo o respeito, a complexidade da questão sub judice não tem qualquer relação com o valor da causa.
X. Termos em que se requer a dispensa do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V. Exas., se dignem julgar procedente o presente recurso, por força da existência de oposição entre a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento, e, em consequência, revogar a Decisão Recorrida, substituindo-a por douto Acórdão que decida a questão controvertida em moldes similares aos constantes na Decisão Fundamento, anulando-se desta forma a liquidação impugnada.
Mais se requer a V. Exas. a dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP.

A recorrida Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira veio apresentar contra-alegações, que terminou com as seguintes conclusões:

A. Serão requisitos de admissibilidade do recurso,
i) a existência de contradição entre uma decisão arbitral e outra decisão arbitral;
ii) o trânsito em julgado da decisão fundamento;
iii) a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; e,
B. Relativamente àquilo em que se deve concretizar a “questão fundamental de direito” afigura-se essencial a existência de identidade da questão de direito sobre a qual se debruçaram os acórdãos em confronto, que tem subjacente a identidade dos respectivos pressupostos de facto (Como se sumariou no acórdão proferido pelo STA, em 23/03/1993, no processo n.º 028258 «I – Para que se possa reconhecer a existência de oposição de julgados é necessário que se reconheça a unidade da questão jurídica nos acórdãos ditos em conflito. II – A unidade da questão jurídica só verdadeiramente se descobre na perspectiva da específica finalidade deste recurso em contencioso administrativo que é, apenas, a uniformização da jurisprudência do Tribunal no sentido de impedir o tratamento desigual de casos iguais e não a uniformidade na interpretação da lei. III – Não é possível determinar a existência de um conflito de decisões sem uma referência bipolar, "simultânea, às questões de direito e às situações da vida..." (disponível em www.dgsi.pt)) e, ainda, que a oposição decorra de decisões expressas e não meramente implícitas.
C. O recurso apresentado falha na verificação de qualquer destes pressupostos, não obstante a Recorrente, de forma enviesada, tentar urdir argumentos onde empreende uma pretensão recursiva que assenta numa lógica em que se abstrai em absoluto dos contornos fácticos das situações subjacentes, que tendo embora alguns pontos em comum, apresentam diferenças de relevo.
D. Na decisão arbitral dita fundamento (494/2017-T CAAD), estavam em causa liquidações adicionais das quais resultaram imposto a apagar e respectivos juros.
E. Na decisão recorrida (763/2019-T CAAD) as liquidações apenas geraram uma correcção ao montante de imposto a reportar, não tendo determinado qualquer montante a pagar.
F. Em face do exposto, não existe aqui uma qualquer oposição de decisões,
G. Pelo que perecem in totum os argumentos apresentados pela Recorrente, não se verificando os requisitos de admissibilidade do presente meio processual.

DO THEMA DECIDENDUM
H. Salvo o devido respeito, a posição plasmada na alegada decisão fundamento não tem qualquer respaldo no mens legislatoris, na mens legis e, muito menos na letra da lei.
I. Como passaremos a explicar, constitui ela mesmo um ardil - é, aliás, inopinada.
J. Previamente à explicação pedagógica da hermenêutica jurídica que aqui subjaz, convém antes de mais fazer um reparo muito factual ao que aqui nos traz.
K. Sufragando-se a inopinada tese que vem forjada na assim chamada decisão fundamento, aponta-se o caminho para uma qualquer fórmula mágica dos sujeitos passivos se furtarem ao controlo inspectivo dos créditos de IVA acumulados ao longo de inúmeros períodos.
L. Para tanto, bastará que um sujeito passivo opte, como mais lhe aprouver, por acumular créditos de IVA, por via do seu (alegado) direito à dedução, durante inúmeros períodos e quando a AT se veja na contingência de verificar a legitimidade desses créditos, na sequência dum pedido de reembolso cujo impulso cabe ao sujeito passivo, bastar-se-lhe-á invocar uma caducidade do direito à liquidação, quando o reporte enferme de algo que impeça respectivo direito à dedução do IVA. Isto é,
M. invocando a seu favor, aquilo que ele próprio, premeditadamente (ou não) originou, podendo deduzir o que queria e quando queria, furtando-se ao crivo inspectivo.
N. Podendo, em última análise, caso a AT considerasse que, daquela massa de créditos, alguns seriam indevidos por não cumprirem os ditames legais, ver-se-ia a ora Recorrida coartada dos seus direitos, deveres, atribuições e missões, de efectuar as correcções ao direito de dedução (indevido). Ora,
O. como é manifesto estas finuras não estão e nunca estiveram na mens legislatoris, na mens legis e, muito menos na letra da lei
P. Tal tese obrigaria em primeiro lugar a algum poder premonitório da AT.
Q. Note-se que, ao arrepio da tese defendida pelo Recorrente e ínsita na decisão arbitral fundamento, a fixação de prazos de caducidade que se esgotassem em função das datas em que as operações tributáveis são praticadas, traria ao IVA um elemento de insegurança totalmente contraditório com o objectivo a que a sua periodização serve, motivo que em grande parte explica a redacção que o legislador deu ao art.º 45.º da LGT.
R. É que o prazo de caducidade de quatro anos tem início na data da entrega da declaração em que o direito é exercido, ainda que o direito porventura tenha origem em IVA dedutível apurado em momento anterior.
S. Ora, quanto à correcção efectuada ao crédito de IVA acumulado até 201401T, na parte correspondente ao montante de € 871.268,51 (de um total de € 1.312.080,85), por este ter sido deduzido indevidamente, a AT não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação de 4 anos, podendo efectuar correcções às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é utilizado o crédito do imposto, mesmo que anteriores ao prazo geral de caducidade.
T. E, embora o direito à dedução se tivesse formado nos exercícios de 2012 e 2013, o crédito de imposto é revalidado pelo sujeito passivo ao longo dos períodos seguintes, de acordo com o n.º 4 do art.º 22.º do CIVA;
U. Com efeito, após a dedução do IVA efectuada nos períodos 201206T, 201209T e 201311, o Requerente, ora Recorrente, não solicitou qualquer reembolso do crédito de imposto gerado, pelo que a AT não teve conhecimento dos factos relevantes para poder iniciar a sua intervenção correctiva, fazendo-o apenas no âmbito desta acção de controle do pedido de reembolso despoletado pelo sujeito passivo.
V. Uma vez que o referido crédito é revalidado pelo sujeito passivo ao longo dos períodos seguintes, de acordo com o n.º 4 do art.º 22.º do CIVA, a caducidade do crédito de imposto ocorre no exercício do direito ao mesmo, ou seja, no caso em apreço, no momento em que o mesmo é consumido para efeitos de apuramento de imposto em cada período.
W. Pelo que, a AT pode, deve e tem o direito de efectuar correcções às declarações dos contribuintes, relativas ao período de tempo a que se reporta o reembolso, podendo também exigir-lhes documentos e informações adicionais, tal como decorre do preceituado no n.º 10 do art.º 22.º do CIVA.
X. Repristinando o reparo factual supra, se assim não fosse, pela constituição de créditos e reporte com base em operações efectuadas pelo sujeito passivo em períodos muito anteriores, estava aberta a porta para que, com relativa facilidade, se solicitassem reembolsos sem que os factos que originaram o direito à dedução fossem passíveis de controlo por parte da AT ou, mesmo que o fossem, ficaria a AT coartada de promover qualquer correcção ao IVA dedutível que se tivesse formado em períodos já alegadamente caducados, ainda que aquele direito à dedução tenha sido indevidamente considerado pelo sujeito passivo, quer o mesmo fosse sendo “consumido” pelo sujeito passivo ou alvo de pedido de reembolso.
Y. Um crédito de imposto, mantido pelo sujeito passivo ao longo do tempo como bem lhe aprouver, não pode consubstanciar um cheque em branco junto da Administração Tributária, que o habilite sem mais, a deduzir o imposto que alega ter direito a deduzir; entendendo de outro modo coarta-se pela raiz toda a dinâmica e lógica final do IVA, promove-se a fraude fiscal, colocando nas mãos do sujeito passivo a “fórmula mágica” de deduzir o que quer – quando eventualmente não tem direito – e quando quer, furtando-se a qualquer esforço inspectivo das autoridades.

DA CORRECTA INTERPRETAÇÃO E DOUTRINA FIXADA DA DECISÃO RECORRIDA
Z. Porém, e por de forma tão hialina expor o que já aqui vem ante dito, citemos a decisão que ora vem recorrida e que é o entendimento na melhor aplicação do Direito e propugnado pela ora Recorrida, na resposta e alegações apresentadas em sede arbitral e para onde, desde já, remetemos.
AA. Aliás, a decisão é lapidar nas suas conclusões, citando entre doutrina e outra jurisprudência arestos deste Colendo Tribunal (Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12.07.2007, no processo n.º 0303/07, e de 30.09.2009, no processo n.º 0682/09)

« (…) O ponto nodal em causa nos autos prende-se, porém, com a aplicação do enunciado normativo do n.º 3 do art. 45.º da LGT que dispõe actualmente, na sequência da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, que: “Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito”, prevendo anteriormente, na versão resultante da Lei n.º 55-B/2004, que: “Em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, bem como de qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito”.
Em face destas disposições, considera-se que, em termos de prazo geral (sem considerar, pois, hic et nunc prazos especiais previstos na lei), o prazo de caducidade do direito à liquidação respeitante a correcções relativas ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo, por força da conjugação do n.º 2 do art. 98.º do CIVA e do n.º 3 do art. 45.º da LGT e da equiparação, deste último resultante, entre prazo de caducidade do direito à liquidação e prazo de exercício do direito à dedução ou crédito de imposto, é de quatro anos.
Dito isto, deve imediatamente recordar-se o óbvio, a saber, que no n.º 3 do art. 45.º da LGT se prevê o tempo em que deve ser praticado um acto, indicando o período dentro do qual o acto pode ser praticado – o prazo de caducidade é o do exercício do direito de dedução ou de crédito de imposto.
Renovando o óbvio, o período dentro do qual um acto pode ser praticado, que é o que se chama de prazo, tem um início (dies a quo) e um termo (dies ad quem), sendo entre o início e o termo que se conta a sua duração.
Pois bem, o n.º 3 do art. 45.º da LGT, por remissão para os prazos objecto de previsão legal específica sobre exercício do direito de dedução ou crédito de imposto, estabelece directamente a duração do prazo, mas não marca expressis verbis qual é o momento do início da sua contagem (dies a quo).
Precisamente, a detecção deste início não pode deixar de ser realizada em função da própria consistência e manifestação do direito de dedução ou crédito de imposto cujo exercício está a ser efectivamente concretizado pelo contribuinte.
(…)
Tendo isto presente, a questão interpretativa imediatamente relevante é saber se para efeitos do direito à liquidação relativo ao exercício destes direitos contra o Estado pelo sujeito passivo, designadamente porque realizado em termos indevidos (liquidação-recusa de dedução, se se quiser), cabe aplicar o n.º 4 do art. 45.º da LGT ou solução particular deve valer para as situações abrangidas pelo n.º 3 do art. 45.º do mesmo diploma, dado estar aqui em causa a vertente do exercício de direitos de crédito ou, mais vastamente, situações jurídicas activas por parte do sujeito passivo.
Assinala a este respeito SÉRGIO VASQUES o seguinte:
(…)
O IVA em que o sujeito passivo incorra nos seus inputs não é gerado na sua esfera nem a ele lhe é exigível, constituindo, bem pelo contrário, um crédito que este pode ou não mobilizar contra o estado, exercendo o direito à dedução. A regra especial constante do artigo 45.º, n.º 4 da LGT, apelando à exigibilidade do imposto, não pode por isso aplicar-se aos casos em que a intervenção da administração tenha por objecto IVA dedutível, resulte este da realização de operações passivas, resulte ele de regularizações feitas nos termos da lei.
É a este problema que vem obviar o artigo 45.º da LGT no seu n.º 3, ao dispor que, em caso de ter sido efectuada qualquer dedução ou crédito de imposto, “o prazo de caducidade é o exercício desse direito”.
Sustenta, em consequência, este Autor que:
No tocante ao IVA, o alcance evidente do artigo 45.º, n.º 3 da LGT está em fazer com que o prazo de caducidade de quatro anos de que a administração dispõe para proceder a uma liquidação adicional se conte a partir do momento em que o sujeito passivo exerce o direito à dedução do imposto, sempre que a liquidação adicional a tenha por objecto. O prazo tem então início na data em que é entregue a declaração em que esse direito é exercido, ainda que o direito porventura tenha origem em momento anterior. E esta é uma regra que vale para todos os casos em que, no apuramento do IVA, o sujeito passivo mobilize um direito contra o estado, esteja em causa a dedução de imposto incorrido com a aquisição de bens e serviços associados à sua actividade, esteja em causa um crédito gerado por regularizações de imposto feitas nos termos da lei”.
Julga-se perfeitamente pertinente a distinção, assim realizada, quanto à intervenção correctiva da AT, por via de liquidação de IVA, entre imposto liquidado ou dedução de imposto suportado, cuja relevância para efeitos do prazo de caducidade parece manifestar-se imediatamente no facto de o n.º 1 do art. 94.º do CIVA, atrás citado, se reportar exclusivamente à liquidação de “imposto” ao passo que o n.º 1 do art. 87.º do CIVA, ao considerar genericamente a faculdade de realizar liquidações adicionais e de rectificar as declarações dos sujeitos passivos, mencionar quer a vertente de figurar “um imposto inferior” quer a vertente de figurar “uma dedução superior” aos devidos.
Com esta orientação dá-se devida relevância, quanto à caducidade do direito à liquidação, ao mecanismo de crédito de imposto em sede de IVA, pelo qual o imposto devido se apura mediante dedução ao imposto liquidado a jusante do imposto suportado a montante pelos sujeitos passivos, o que envolve que, ao dever de liquidação do imposto respeitante às operações activas, necessariamente obrigatório, se associa o direito de dedução, facultativo e eventual, do imposto suportado nas operações passivas , pelo que, ainda que nascido em momento anterior (n.º 1 do art. 22.º do CIVA), só com a sua subtracção no competente período de declaração ou subsequente reporte nas declarações periódicas subsequentes ou com o pedido de reembolso se manifesta – é exercido – efectivamente este direito.
23. Pois bem, para a aplicação, neste âmbito, do n.º 3 do art. 45.º da LGT e do início da contagem do prazo, há que ter presente, em relação a cada caso concreto, precisamente as três modalidades básicas de exercício do direito à dedução do IVA atrás mencionadas: a dedução por subtração, o reporte e o reembolso.
(…)Sobre o reembolso, em termos inteiramente correctos, cumpre assinalar que, pelo acórdão do STA de 12.07.2007, proc. n.º 0303/07, acompanhado pelo acórdão do STA de 30.09.2009, proc. n.º 0682/09 , foi firmada a doutrina seguinte:
“[c]omo decorre do preceituado no n.º 8 do art. 22.º do CIVA, os reembolsos de IVA são efectuados «quando devidos», isto é, após a confirmação, no momento em que se vai apreciar um pedido de reembolso, de que no período a que ele se refere a dedução total de imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis. Para efectuar esta confirmação, a Administração Tributária pode efectuar correcções às declarações dos contribuintes, relativas ao período de tempo a que se reporta o reembolso, podendo também exigir-lhes documentos e informações adicionais, como decorre do preceituado no n.º 10 do mesmo artigo. (...)
O prazo de caducidade do direito [de] liquidação, actualmente previsto no art. 45.º da LGT, reporta-se a actos de liquidação de tributos, que são actos que declaram uma obrigação tributária (...).
É apenas em relação a estes actos de liquidação, em sentido estrito, que provocam uma modificação na situação tributária do contribuinte, definindo a existência de uma obrigação (que através desse acto se torna certa, líquida e exigível, inclusivamente por via coerciva no caso de não cumprimento voluntário), que se justifica, por evidentes razões de segurança jurídica, que se limite o período de tempo em que tais actos podem ser praticados.
Não é esse, porém, o caso dos actos que recusam o reembolso de IVA, pois deles não resulta para os contribuintes qualquer obrigação que não tivessem anteriormente.
Por outro lado, o facto de o n.º 8 do referido art. 22.º incluir a expressão reembolsos são efectuados «quando devidos», não tem o mero alcance de expressar que não devem ser efectuados reembolsos indevidos (o que seria absolutamente supérfluo, pois seria inimaginável interpretar o regime de reembolsos como permitindo o pagamento de reembolsos que não fossem devidos), mas sim o de acentuar que os reembolsos não devem ser efectuados sem uma comprovação, no momento do reembolso, da verificação dos seus pressupostos, o que é corroborado pelos n.ºs 10 e 11 do mesmo artigo, ao preverem que, para efeitos de reembolso, possam ser pedidos documentos e informações adicionais, sob pena de o reembolso de considerar indevido.
Aliás, nem seria compreensível outro regime, pois, reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir.
Para além de não haver suporte legal para aplicar o prazo de caducidade do direito de liquidação aos actos que apreciam pedidos de reembolso de IVA, por não serem actos que declaram uma obrigação tributária do contribuinte em relação à Administração Tributária, não se trata de uma situação idêntica, que justifique a aplicação analógica do referido art. 45.º
Na verdade, não valem em relação aos actos de recusa de reembolso as razões de segurança jurídica que justificam a limitação temporal da possibilidade de efectuar actos de liquidação, pois os actos de recusa, como actos negativos que são, não produzem nem declaram qualquer obrigação para o contribuinte.
Conclui-se, assim, que não há suporte jurídico para entender que a Administração Tributária estava limitada pelo prazo de caducidade do direito de liquidação, ao apreciar a existência dos pressupostos do reembolso de IVA.
Para apreciar se se verificam os pressupostos do direito ao reembolso, a Administração Tributária não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação, podendo efectuar correcções às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é pedido o reembolso, mesmo que anteriores àquele prazo de caducidade».
Cite-se também, com pertinência para o caso, o acórdão do TCA Sul, de 12.05.2016, no processo n.º 08095/14, que afirmou o seguinte: “não havendo certeza sobre a relação jurídica de imposto, por faltarem elementos que a concretizam, concretamente, por falta do juízo administrativo que certifique o preenchimento dos pressupostos formais e materiais do exercício do direito à dedução do imposto (artigo 22.º do CIVA), bem como dos quantitativos liquidados em excesso, seria contrário aos princípios da legalidade e da verdade material, aplicar o efeito preclusivo da caducidade do direito à liquidação às situações em que o contribuinte solicita o reembolso do imposto não deduzido”.
Justamente, julga-se que esta orientação, aplicada aos reembolsos de IVA, é inteiramente válida para as situações de crédito de imposto acumulado, por reporte do excesso do montante do imposto a deduzir verificado em períodos de imposto anteriores (n.º 4 do art. 22.º do CIVA). O reembolso, como claramente resulta do n.º 5 do art. 22.º do CIVA, não é senão uma consequência da verificação da persistência de crédito de imposto resultante de excesso de imposto dedutível objecto de reporte em períodos de imposto antecedentes. Por outras palavras, o pedido de reembolso é, afinal, a manifestação actuativa do crédito de imposto resultante do exercício do direito à dedução de imposto e do reporte realizado em períodos anteriores.
Ora, também em relação à correcção efectuada a crédito de imposto acumulado, enquanto este existir e estiver a ser “consumido”, mediante a consideração como indevidas de deduções objecto de reporte em períodos posteriores, o que se joga, ao verificar e qualificar essas deduções de imposto como indevidas, é, para recorrer à significativa formulação do acórdão do STA proferido no processo n.º 0303/07, um acto de recusa que, como acto negativo que é, não produz nem declara qualquer obrigação para o contribuinte. E também em relação ao crédito de imposto acumulado, como se refere no citado acórdão do TCA Sul proferido no processo n.º 08095/14, se deve entender que aplicar o efeito preclusivo da caducidade do direito à liquidação seria contrário aos princípios da legalidade e da verdade material.
Como tal, há sempre que atender ao momento ou momentos do exercício efectivo do reporte, com o montante do crédito de imposto aí envolvido, para efeitos de aferição do prazo de caducidade da liquidação que incida sobre o IVA dedutível nos termos do n.º 3 do art. 45.º da LGT. Na verdade, mesmo que o direito à dedução tenha sido efectuado em períodos anteriores, o crédito de imposto objecto de reporte envolve a sua renovação nos períodos em que isso ocorre, conforme resulta do n.º 4 do art. 22.º do CIVA, pelo que, na medida em que a liquidação incida, no prazo de 4 anos a contar de cada declaração de reporte, sobre o montante do crédito que persista, ela exerce-se dentro do prazo de caducidade.
Assim, nestes casos em que se trata do exercício de direitos creditórios pelo contribuinte, o que surge como relevante é a manifestação ou as manifestações de vontade do contribuinte no exercício do direito, pelo que o prazo de caducidade deve começar a contar a partir desse momento do exercício do direito (ou da sua renovação), com a entrega de cada pertinente declaração em que se exerce o direito à dedução ou crédito de imposto, em relação à qual se baliza o início do respectivo prazo de caducidade (vd. por analogia o acórdão do STA de 17.12.2008, proc. n.º 0695/08) e não a partir da exigibilidade do imposto ou do ano civil seguinte a esta.
(…)
Justamente, o facto determinante da contagem do prazo de caducidade, tal como resulta do art. 22.º, n.º 4 do CIVA, é o reporte da dedução do IVA para os períodos seguintes, o qual é objecto da pertinente declaração, determinando crédito de imposto renovado ou revalidado em declarações subsequentes. Em consequência, enquanto este crédito de imposto continuar a ser invocado e na medida em que o seja, assiste à AT o direito à liquidação correctiva das deduções nele pressupostas, sem que se possa considerar precludido, por caducidade, esse direito à liquidação.
Julga-se, pois, correcto o entendimento de JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES et alii , segundo o qual, ao prever-se no n.º 3 do art. 45.º da LGT que o prazo de caducidade das liquidações resultantes de correcções por exercício indevido do direito a dedução ou crédito de imposto “é o do exercício desses direitos”, se pretendeu estabelecer que “o prazo de caducidade se conta a partir da data do exercício desses direitos pelos sujeitos passivos” – “Trata-se (...) de direitos dos sujeitos passivos que se constituíram previamente na sua esfera jurídica e que, muitas vezes, só são conhecidos da administração tributária quando são invocados e exercidos como direitos de crédito na relação jurídica tributária. A lei estabelece que, adquirindo a administração tributária conhecimento deles apenas quando são invocados, só pode efectuar a sua verificação, controlo e correcção a partir desse momento, pelo que só a partir daí se inicia a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação de imposto resultante da sua eventual correcção”.
Em suma, entende-se, com base no disposto no art. 22.º, n.ºs 4 e 5 do CIVA, conjugado com o art. 45.º, n.º 3 da LGT e o art. 98.º, n.º 2 do CIVA, que o facto relevante como dies a quo da contagem do prazo de caducidade de quatro anos respeitante à liquidação que tenha por objecto IVA dedutível é a data do exercício do direito à dedução ou do reporte do excesso de imposto dedutível verificado em períodos anteriores, pelo que, enquanto se mantiver e for invocado crédito de imposto ou pedido o reembolso, não se pode considerar extinguido o direito à liquidação relativo ao imposto dedutível.
Esta posição envolve, pois, o risco, que se tem por inadmissível, de que, como nota a Requerida, pela constituição de créditos e reporte com base em operações efectuadas pelo sujeito passivo em períodos muito anteriores, fique aberta a porta para que, com relativa facilidade, se solicitem reembolsos sem que os factos que originaram o direito à dedução fossem passíveis de controlo por parte da AT ou, mesmo que o fossem, ficaria a AT coartada de promover qualquer correcção ao IVA dedutível que se tivesse formado em períodos já alegadamente caducados, ainda que aquele direito à dedução tenha sido indevidamente considerado pelo sujeito passivo, quer o mesmo fosse sendo “consumido” pelo sujeito passivo ou alvo de pedido de reembolso.
26. Ao que se vem de dizer, releva ainda acrescentar, para o caso, que a correcção realizada na base da liquidação impugnada incidiu sobre o crédito de imposto reportado no ano de 2014, que reduziu no montante de € 1.312.080,85 (cfr. acima n.º 18), pelo que não teve lugar uma liquidação em relação a anos antecedentes, designadamente aqueles a que respeitam as declarações periódicas de 2012.06T, 2012.09T e 2013.11 e as operações subjacentes realizadas em 2011, 2012 e 2013.
Pois bem, corrigir um crédito de imposto acumulado num certo ano implica realizar uma liquidação em relação a esse período, não em relação a períodos antecedentes, ainda que reputando deduções anteriormente realizadas como indevidas – em relação a estes períodos anteriores não se produz qualquer modificação na situação tributária do contribuinte nem se define a existência de uma obrigação aí temporalmente localizada.
Assim, o facto de a Administração Tributária não poder proceder a uma liquidação relativamente a períodos caducados não prejudica o poder-dever de obstar às deduções que tenham sido apuradas em períodos anteriores quando estas sejam concretizadas (exercidas) em período relativamente ao qual ainda se não tenha extinguido o direito à liquidação.
Justamente, é o que se verifica na situação sub judice, dado que a liquidação adicional de IVA n.º..., aqui em juízo, de que o Requerente foi notificado em 04-12-2018, resultou de correções meramente aritméticas em sede de IVA relativamente ao ano de 2014, que foram regularizadas na declaração periódica de 2014.01 (cfr. o disposto no art. 95.º do CIVA) mediante a redução do excesso a reportar no montante de € 1.312.080,85 (cfr. al. EE) dos factos provados).
27. Nestes termos, entende-se que não existe suporte jurídico-material para entender que a AT infringiu o prazo de caducidade do direito à liquidação em causa nos autos, pelo que se julga improcedente o vício de violação de lei assim invocado.» Destaques nossos
BB. Nestes termos, o prazo de caducidade de quatro anos tem início na data da entrega da declaração em que o direito é exercido, ainda que o direito porventura tenha origem em IVA dedutível apurado em momento anterior.
CC. Quanto à correcção efectuada ao crédito de IVA acumulado até 201401T, na parte correspondente ao montante de € 871.268,51 (de um total de € 1.312.080,85), por este ter sido deduzido indevidamente, a Administração Tributária não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação de 4 anos, podendo efectuar correcções às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é utilizado o crédito do imposto, mesmo que anteriores ao prazo geral de caducidade, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.07.2007, proferido no âmbito do processo n.º 0303/07, bem como o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12.05.2016, no âmbito do processo n.º .08095/14.
DD. Ora, não obstante o direito à dedução se tivesse formado nos exercícios de 2012 e 2013, o crédito de imposto é revalidado pelo sujeito passivo ao longo dos períodos seguintes, de acordo com o n.º 4 do artigo 22.º do CIVA.
EE. Assim, após a dedução do IVA efectuada nos períodos 201206T, 201209T e 201311, o Requerente não solicitou qualquer reembolso do crédito de imposto gerado, pelo que a AT não teve conhecimento dos factos relevantes para poder iniciar a sua intervenção correctiva, fazendo-o apenas no âmbito desta acção de verificação dos pressupostos de dedutibilidade em sede do pedido de reembolso do sujeito passivo.
FF. O Requerente ao utilizar este crédito de imposto nos períodos seguintes, gerado indevidamente conforme fundamentado nos pontos anteriores, deixou de pagar o imposto liquidado nas suas operações activas.
GG. Uma vez que o referido crédito é revalidado pelo sujeito passivo ao longo dos períodos seguintes, de acordo com o n.º 4 do artigo 22.º do CIVA, a caducidade do crédito de imposto ocorre no exercício do direito ao mesmo, ou seja no caso em apreço no momento em que o mesmo é consumido para efeitos de apuramento de imposto em cada período.
HH. Neste caso, o prazo de caducidade de qualquer dedução.
II. Torna-se hialino, inelutável e perceptível para o intérprete médio que, para efectuar esta confirmação, a AT pode, deve e tem o direito de efectuar correcções às declarações dos contribuintes, relativas ao período de tempo a que se reporta o reembolso, podendo também exigir-lhes documentos e informações adicionais, tal como decorre do preceituado no n.º 10 do artigo 22.º do CIVA.
JJ. Assim não fosse e pela constituição de créditos e reporte com base em operações efectuadas pelo sujeito passivo em períodos muito anteriores, numa quase lógica ad eternum, e estaria encontrada a fórmula para, passado o alegado prazo de caducidade, o sujeito passivo solicitar o reembolso (dentro do limite do alegado prazo de caducidade) ou fosse ”consumindo” o seu crédito de IVA sem que tal fosse passível de qualquer controlo.
KK. Repita-se, face à tese propugnada pelo ora Recorrente, estava aberta a porta para que, com relativa facilidade, se solicitassem reembolsos sem que os factos que originaram o direito à dedução fossem passíveis de controlo por parte da AT. Ou,
LL. mesmo que o fossem, ficaria a AT coarctada de promover qualquer correcção ao IVA dedutível que se tivesse formado em períodos já alegadamente caducados, ainda que aquele direito à dedução tenha sido indevidamente considerado pelo sujeito passivo, quer o mesmo fosse sendo “consumido” pelo sujeito passivo ou alvo de pedido de reembolsom i.e.,
MM. simplificando e usando linguagem corrente, a AT ficaria de mãos e pés atados perante actos desconformes ao espírito do IVA, ilegais,
NN. Não é, não foi, não terá sido esse o espírito do legislador comunitário ao consagrar as regras da dedução nas Directivas IVA, com o fim último de conferir e manter incólume o desiderato do IVA, ou seja, a sua neutralidade.
OO. Um crédito de imposto, mantido pelo sujeito passivo ao longo do tempo como bem lhe aprouver, não pode consubstanciar um cheque em branco junto da Administração Tributária, que o habilite sem mais, a deduzir o imposto que alega ter direito a deduzir.
PP. Qualquer outro entendimento coarta pela raiz toda a dinâmica e lógica final do IVA, promove-se a fraude fiscal, colocando nas mãos do sujeito passivo a “fórmula mágica” de deduzir o que quer – quando eventualmente não tem direito – e quando quer, furtando-se a qualquer esforço inspectivo das autoridades.

Nestes termos, e nos mais de direito, peticiona-se pela
a) improcedência do pedido apresentado pela Recorrente, desde logo porque se não encontram reunidos os requisitos que permitem a admissão do recurso para efeitos de uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no art.º 145.º do CPTA, ou, não se entendendo assim, o que não se concede, deverá
b) ser o presente recurso de uniformização ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se a decisão ora recorrida incólume na ordem jurídica, uniformizando-se a jurisprudência em consonância com o entendimento, na melhor aplicação do Direito ali vertido e propugnado pela Recorrida.
c) Mais se requer que, atendendo a que o valor da ação é superior a € 275.000,00, seja a Impugnante dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento de Custas Processuais, tendo em consideração o valor e a natureza da causa.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de não ser de tomar conhecimento do recurso e de se julgar findo, com a seguinte argumentação:

O presente recurso vem interposto pelo Fundo de Pensões ………………, que inconformado, com a decisão final proferida no processo de pedido de pronúncia arbitral tributária que correu seus termos no Centro de Arbitragem Administrativa registado sob o n.º 763/2019-T, em que foi requerida, o que faz nos termos do art.º 25.º, n.º 2 e 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011.
Nos termos do art.º 25.º n.º 3 do RJAT ao recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA.
É recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Segundo a recorrente é objeto do recurso, a decisão final proferida, em 30 de dezembro de 2020, por Tribunal Arbitral coletivo, em matéria tributária, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa, na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 e supra identificado.
A recorrente defende que a decisão proferida colide frontalmente com a jurisprudência firmada na Decisão arbitral proferida no processo n.º 494/2017-T de 27.06.2018, o qual invoca como fundamento do recurso para uniformização de jurisprudência.
Discorda, a Recorrente, da decisão do Tribunal Arbitral e bem assim da análise efetuada, submetendo-a a reapreciação deste Supremo Tribunal Administrativo e pretendendo “uniformização de jurisprudência”.
Como vem alegado pela recorrente, é certo que são requisitos de admissibilidade desta espécie de recurso, previsto no art.º 25.º n.º 2 do RJAT que se verifique a oposição de decisões arbitrais, de mérito, sendo necessário que (i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas, (ii) haja identidade na questão fundamental de direito (iii) se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e (iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.
Importa, então, desde já, averiguar se aqueles requisitos se verificam cumulativamente, sendo certo que a não verificação de um deles faz sufragar o pedido e torna desnecessária a averiguação de existência dos demais.
Parece-nos que a factualidade apurada, não é idêntica na decisão recorrida e na decisão fundamento, como resulta da análise dos factos provados em ambas as decisões. Sendo que na decisão recorrida, a inspeção tributária não foi originada por um pedido de reembolso de IVA.
E muito embora da leitura do decidido pelos dois acórdãos em confronto, possa parecer existir situações idênticas, já que num dos quais, se entendeu que o prazo de caducidade do direito à liquidação respeitante a correções relativas ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo é de 4 anos a contar da entrega de cada declaração em que se exerce o direito à dedução ou crédito de imposto (tanto a primeira como cada renovação), no outro, foi entendido, no sentido que o prazo de caducidade é de 4 anos a contar da data da declaração em que foi exercido o direito à dedução e não de cada renovação (reconduzível a uma nova declaração) do direito à dedução enquanto houver crédito de imposto, parece-nos, em nossa opinião que não existe similitude entre ambas as situações.
Como refere a Autoridade Tributária Aduaneira, na decisão arbitral fundamento processo nº 494/2017-T CAAD, estavam em causa liquidações adicionais das quais resultaram imposto a pagar e respetivos juros, enquanto na decisão recorrida processo nº 763/2019-T CAAD as liquidações apenas geraram uma correção ao montante de imposto a reportar, não tendo determinado qualquer montante a pagar.
Ora, não sendo as situações de facto substancialmente idênticas, as soluções jurídicas encontradas terão necessariamente que ser diferentes, e assim sendo o prazo de caducidade do direito do direito à liquidação respeitante a correções relativas ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo, não pode iniciar a sua contagem em igual momento.
A jurisprudência tributária tem, no entanto, vindo a distinguir, para esse efeito, entre a liquidação corretiva a favor do sujeito passivo resultante de um pedido de revisão oficiosa ou de anulação administrativa de um anterior ato de liquidação e a liquidação inovadora, que permita fixar um montante superior de imposto ao apurado na primeira liquidação sem que se correlacione com um anterior ato anulatório a que deva dar-se cumprimento. No primeiro caso, entende-se que o momento a atender para verificar a caducidade do direito à liquidação é o da emissão da liquidação inicial, pelo que não pode ter-se como ultrapassado o prazo de caducidade ainda que a liquidação corretiva ocorra para além do prazo de quatro anos contado a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. No segundo caso, considera-se que a liquidação adicional corporiza um ato tributário autónomo e diverso do anterior, tendo-se como verificada a caducidade se, à data da emissão desse novo ato, tiver já decorrido o prazo de quatro anos por referência ao termo do ano em que se verificou o facto tributário, neste sentido, acórdãos do STA de 22 de março de 2006, Processo n.º 01284/05, de 9 de maio de 2007.
Assim, não se manifestando contradição de julgados quanto à referida questão fundamental entre o acórdão recorrido e o invocado em fundamento, emitimos parecer no sentido de o mesmo não ser conhecido e de se julgar o recurso findo de acordo como o art. 284.º n.º 5 do C.P.P.T..

O recorrente FUNDO DE PENSÕES ……………, notificado do Parecer do Ministério Público veio, ao abrigo do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, expor e requerer o seguinte:

1. No Parecer emitido, a DMMP sustenta o não conhecimento do recurso com fundamento em inexistência de oposição de julgados entre a Decisão Fundamento e a Decisão Recorrida.
2. Para tanto, alega a DMMP que a inexistência de oposição reside na circunstância de na Decisão Fundamento estarem em causa liquidações adicionais das quais resultou imposto a pagar e na Decisão Recorrida estarem em causa liquidações que não apuraram imposto a pagar, antes tendo corrigido, para menos, o montante a reportar pelo ora Recorrente.
3. Com efeito, refere a DMMP que “embora da leitura do decidido pelos dois acórdãos em confronto, possa parecer existir situações idênticas, já que num dos quais, se entendeu que o prazo de caducidade do direito à liquidação respeitante a correções relativas ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo é de 4 anos a contar da entrega de cada declaração em que se exerce o direito à dedução ou crédito de imposto (tanto a primeira como cada renovação), no outro, foi entendido, no sentido que o prazo de caducidade é de 4 anos a contar da data da declaração em que foi exercido o direito à dedução e não de cada renovação (reconduzível a uma nova declaração) do direito à dedução enquanto houver crédito de imposto, parece-nos, em nossa opinião que não existe similitude entre ambas as situações”.
4. Mais afirmando que “na decisão arbitral fundamento processo n.º 494/2017-T CAAD, estavam em causa liquidações adicionais das quais resultaram imposto a apagar e respetivos juros, enquanto na decisão recorrida processo n.º 763/2019-T CAAD as liquidações apenas geraram uma correção ao montante de imposto a reportar, não tendo determinado qualquer montante a pagar”.
5. Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão ao Parecer da DMMP.
6. Com efeito, é irrelevante para efeitos de determinação do prazo de caducidade a circunstância de as correções efetuadas pela AT, consubstanciadas em liquidações adicionais de IVA, originarem imposto a pagar ou a redução do montante de crédito de imposto de que o sujeito passivo (no caso, o Recorrente) é titular.
7. Quer na Decisão Recorrida, quer na Decisão Fundamento estão em causa liquidações que traduzem correções ao IVA deduzido pelo sujeito passivo, sendo irrelevante se as correções efetuadas (que têm idêntica natureza) originam imposto a pagar ou a redução do crédito de imposto.
8. Na verdade, caso o ora Recorrente tivesse efetuado operações tributáveis que tivessem determinado a liquidação de IVA em momento anterior – consumindo assim, parcialmente, o crédito de imposto reportado –, as mesmas correções que foram efetuadas pela AT e que originaram a liquidação posta em crise na Decisão Recorrida dariam lugar a uma liquidação de IVA com imposto a pagar.
9. Ora, como ficou sobejamente demonstrado a identidade fáctica entre a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento resulta, em síntese, do seguinte:
(i) Ambos os sujeitos passivos (o Recorrente e o Fundo Contribuinte, na Decisão Fundamento) suportaram IVA a montante que consideraram ser dedutível face às respetivas operações tributáveis a jusante;
(ii) Ambos os sujeitos passivos (o Recorrente e o Fundo Contribuinte, na Decisão Fundamento) efetuaram várias deduções, correspondentes ao IVA suportado, em várias declarações periódicas;
(iii) Em ambos os casos, a AT considerou que aqueles sujeitos passivos (o Recorrente e o Fundo Contribuinte, na Decisão Fundamento) deduziram indevidamente o IVA;
(iv) Em ambos os casos, a AT promoveu correções em sede de IVA àqueles sujeitos passivos (o Recorrente e o Fundo Contribuinte, na Decisão Fundamento) relativas ao IVA deduzido nas diversas declarações periódicas respeitantes a períodos anteriores ao período sobre o qual incidiu a ação inspetiva;
(v) Em ambos os casos, as correções deram origem a liquidações adicionais de IVA emitidas pela AT e que foram notificadas aos sujeitos passivos (ao Recorrente e ao Fundo Contribuinte, na Decisão Fundamento) mais de quatro anos após a data das declarações periódicas nas quais foi deduzido o IVA.
10. Não assiste também qualquer razão, salvo o devido respeito, ao Parecer da DMMP quando afirma que “o prazo de caducidade do direito do direito à liquidação respeitante a correções relativas ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo, não pode iniciar a sua contagem em igual momento.”.
11. Com efeito, nem se compreende o total alcance da afirmação citada, na medida em que em ambas as decisões (a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento) estão em causa liquidações adicionais que traduzem correções ao IVA deduzido pelo sujeito passivo e, por conseguinte, a caducidade do direito à liquidação nos casos em que houve lugar à dedução do imposto.
12. Ora, o apuramento, ou não, de imposto a pagar, é posterior à emissão das liquidações – uma vez que depende do montante de crédito de IVA reportado e da sua suficiência para fazer face ao montante das liquidações adicionais.
13. Como tal, não se pode concluir que a tempestividade da liquidação seja aferida consoante ela dê ou não lugar a imposto a pagar – circunstância posterior à sua emissão – uma vez que o que está em causa é a própria possibilidade de a AT efetuar correções e emitir liquidações.
14. Assim, tanto na Decisão Recorrida como na Decisão Fundamento, o n.º 1 e o n.º 3 do artigo 45.º da LGT foram as normas centrais tidas em consideração para aferir da caducidade do direito à liquidação.
15. Mais, em ambos os casos, os sujeitos passivos peticionaram a anulação das liquidações com fundamento no disposto nos artigos 45.º, n.º 1 e n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 1 e n.º 2 do Código do IVA e a AT invocou os artigos 87.º, n.º 1 e 22.º, n.º 4 do Código do IVA para sustentar a sua posição.
16. Termos em que é irrefutável que a situação fáctica é fundamentalmente idêntica na Decisão Recorrida e na Decisão Fundamento, existindo também identidade quanto à mesma questão fundamental de Direito e manifesta oposição entre a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento.
Termos em que inexistem fundamentos de rejeição de recurso pelo que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso prosseguir nos termos peticionados pelo Recorrente.
*

Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) O Requerente é um fundo de pensões fechado gerido pela B..., S.A. (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, a seguir abreviadamente ppa, cujo teor se dá como reproduzido);

B) O Requerente, então com a designação Fundo F..., foi constituído por escritura pública celebrada em 30 de Dezembro de 1987 (documento n.º 3, cujo teor se dá por reproduzido);

C) O Requerente encontra-se enquadrado com o CAE 65300, o qual se refere a “fundos de pensões e regimes profissionais complementares” (factualidade reconhecida pelas partes conforme artigos 3.º do ppa e 12.º da resposta, a seguir abreviadamente r.);

D) Em sede de IVA, o Requerente encontra-se actualmente enquadrado como sujeito passivo misto que pratica operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito, tendo optado pelo método da afetação real para apurar o montante de IVA dedutível (factualidade reconhecida pelas partes conforme artigos 4.º do ppa e 13.º da r.);

E) Desde 01-01-2013, o Requerente está ainda enquadrado no regime normal de periodicidade mensal (factualidade reconhecida pelas partes conforme artigos 5.º do ppa e 14.º da r.);

F) O Requerente é proprietário das frações autónomas B, H, Q, U, V, W, X e AB do prédio urbano inscrito sob artigo ... (antigo artigo ...), com o código de freguesia ... (antigo código de freguesia ...), sito na ..., na margem esquerda do Rio ... ou ..., na freguesia da ..., concelho de Loures, distrito de Lisboa (conforme cadernetas prediais constantes do documento n.º 2 junto com o ppa, cujo teor se dá como reproduzido);

G) As fracções referidas inserem-se no empreendimento imobiliário denominado comercialmente de “Polígono das Atividades Económicas...” que foi construído pelo Requerente (factualidade não controvertida conforme artigo 7.º do ppa e ponto II.3.4 do Relatório de Inspecção Tributária (a seguir “RIT”) junto aos autos no PA e como doc. n.º 15 ao ppa);

H) Em resultado da aquisição e construção deste empreendimento imobiliário, o Requerente suportou IVA, durante os anos de 2006 e 2011, no montante total de € 11.256.699,12 (factualidade não controvertida conforme artigo 8.º do ppa e ponto II.3.4 do RIT e respectivo Anexo I);

I) Sendo o Requerente administrado pela B..., S.A., com vista à maximização do seu património autónomo e tendo em consideração as regras da política de investimento reportadas no documento complementar à escritura pública de constituição do Requerente (documento n.º 3 junto com o ppa, já acima dado como reproduzido), foi decidido que as frações autónomas referidas seriam destinadas ao mercado de arrendamento (factualidade reconhecida por acordo das partes conforme artigos 9.º do ppa e 16.º da r.);

J) Para esse efeito, desenvolveu contactos, tendo chegado a acordo (verbal) com as seguintes empresas (conforme resulta dos considerandos C) ou D) constantes das cópias dos contratos de arrendamento juntos como docs. 7, 8, 10 e 11 ao ppa):

(i) As frações B e H seriam arrendadas à sociedade G..., S.A. (portadora do número de identificação de pessoa coletiva ...);

(ii) A fração Q seria arrendada à sociedade H..., S.A. (portadora do número de identificação de pessoa coletiva ...); e

(iii) As frações U, V, W, X e AB seriam arrendadas à sociedade I..., S.A. (portadora do número de identificação de pessoa coletiva ...);

K) Na medida em que os imóveis iriam ser afectos pelos seus arrendatários a actividades tributáveis, as partes decidiram renunciar à isenção de IVA no arrendamento dos imóveis (factualidade reconhecida por acordo das partes conforme artigos 11.º do ppa e 17.º da r.);

L) Antes da celebração dos respectivos contratos de arrendamento por escrito, o Requerente acedeu ao Portal das Finanças para, ao abrigo dos n.ºs 4 e 6 do artigo 12.º do Código do IVA, obter os certificados de renúncia à isenção do IVA para as operações de locação das fracções U, V, W, X e AB (cfr. certificados de renúncia à isenção do IVA na locação de bem imóvel juntos agregadamente no doc. n.º 4 com o ppa, cujos teores se dão como reproduzidos);

M) Relativamente às frações B, H e Q, o Requerente efectuou o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia à isenção do IVA para as operações de transmissão de bem imóvel (cfr. certificados de renúncia à isenção do IVA na transmissão de bem imóvel juntos nos docs. n.ºs 5 e 6 com o ppa, cujos teores se dão como reproduzidos, bem como doc. n.º 2 junto pela Requerida com a sua r., que constitui ficheiro de logs de dados relativos ao acesso a opção de “Emissão de certidão Renúncia IVA” pelo contribuinte n.º ... nos dias 2011-08-10 e 2012-05-17, que se dá por reproduzido, e depoimento da testemunha E...; cfr. também as declarações do Requerente nos arts. 68 a 69 do requerimento de exercício do direito de audição junto como doc. n.º 14 ao ppa); com referência à fracção H o Requerente havia também efectuado a 10.08.2011 pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia à isenção de IVA para operação de locação (cfr. doc.s n.º 1 e n.º 2 juntos pela Requerida com a Resposta);

N) O Requerente ao indicar «transmissão» como objecto dos certificados relativos às renúncias à isenção respeitantes às referidas fracções B, H e Q pretendia indicar «locação», tendo indicado como «valores da transmissão» os de € 2.075,00, € 4.731,38 e € 3.500,00 que são os valores das respectivas rendas mensais dos contratos de arrendamento que tencionava e veio a celebrar (documentos n.ºs 5, 6, 7 e 8 juntos com o ppa, cujos teores se dão como reproduzidos e depoimentos das testemunhas C..., Directora Financeira, e D...);

O) Os certificados de renúncia respeitantes às fracções B, H, Q, U, V, W, X e AB foram emitidos nos seguintes termos:

(i) No dia 10.08.2011, foram emitidos cinco certificados (referentes respetivamente às fracções U, V, W, X e AB) que diziam respeito à renúncia à isenção de IVA prevista na alínea 29) do artigo 9.º do Código do IVA [então era a al. 30)], aplicável às operações de locação de imóveis (documento n.º 4 junto com o ppa, cujo teor se dá como reproduzido);

(ii) No dia 17.05.2012, foram emitidos dois certificados (um alusivo à fracção B e outro alusivo à fracção H), que diziam respeito à renúncia à isenção de IVA prevista na alínea 30) [então era a alínea 31)] do artigo 9.º do Código do IVA, aplicável às operações de transmissão onerosas de imóveis (documento n.º 5 junto com o ppa, cujo teor se dá como reproduzido);

(iii) No dia 20.11.2013, foi emitido um certificado (respeitante à fracção Q), que dizia respeito à renúncia à isenção de IVA prevista na alínea 30) [então era a alínea 31)] do artigo 9.º do Código do IVA, aplicável às operações de transmissão onerosas de imóveis (documento n.º 6 junto com o ppa, cujo teor se dá como reproduzido);

(iv) Do teor dos certificados, composto qualquer um por uma única página, consta, no respectivo título, em cima e ao centro, em letras maiúsculas (diferentemente do que sucede no restante texto dos mesmos), no caso dos certificados emitidos para operações de transmissão, assim: “CERTIFICADO DE RENÚNCIA À ISENÇÃO DO IVA NA TRANSMISSÃO DE BEM IMÓVEL” e, mais adiante, entre o mais, consta “Identificação do Adquirente” e, ainda, “Valor da Transmissão”; por seu lado, dos certificados emitidos para operações de transmissão, assim: “CERTIFICADO DE RENÚNCIA À ISENÇÃO DO IVA NA LOCAÇÃO DE BEM IMÓVEL”, “Identificação do Locatário” e “Valor Mensal da Renda” (doc.s n.ºs 5 e 9 juntos com o ppa);

(v) Antes de os certificados serem emitidos, e após submissão do respectivo pedido pelo transmitente e/ou pelo locador, o sistema informático da Requerida gera uma notificação à contraparte na operação a cujo fim se destina o solicitado certificado, para que esta verifique e confirme, ou não, dever ser emitido o certificado como pedido (depoimentos das testemunhas C..., D... e E..., e em especial desta última);

P) Todas as fracções referidas foram objecto de contratos de locação, conforme docs. 7 e 8 juntos com o ppa, cujos teores se dão por reproduzidos;

Q) Relativamente às fracções B e H foi celebrado a 17-05-2012 o contrato de arrendamento para fins não habitacionais com a G..., S.A., em que ficou definido o prazo de 3 anos (doc. n.º 7 junto com o ppa);

R) Relativamente à fracção Q foi celebrado em 20-11-2013 o contrato de arrendamento para fins não habitacionais com a H..., S.A., em que ficou definido um prazo de 5 anos (doc. n.º 8 junto com o ppa);

S) Estes contratos de arrendamento para fins não habitacionais foram celebrados nos termos constantes do seguinte quadro:

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T) No contrato de arrendamento celebrado entre o Requerente e a G..., S.A., foi igualmente – juntamente com as fracções B e H - arrendada a fracção G, relativamente à qual foi obtido um certificado de renúncia à isenção de IVA respeitante a essa operação de locação, o qual foi solicitado pelo Requerente no mesmo dia 17.05.2012 poucos minutos antes de solicitados os certificados referentes às fracções B e H (doc. n.º 9 junto com o ppa e doc.s n.º 1 e n.º 2 juntos pela Requerida, cujo teor se dá como reproduzido; cfr. também O) (ii) supra);

U) No que diz respeito às fracções U, V, W, X e AB, o Requerente celebrou, a 10-08-2011, dois contratos de arrendamento para fins não habitacionais, com a I..., S.A. (doc. n.º 10 junto com o ppa e cópia do contrato a fls. 189 e seguintes do PA, relativamente ao qual o doc. n.º 11 junto ao ppa constitui aditamento datado de 05-06-2013, cujos teores se dão como reproduzidos);

V) O Requerente emitiu facturas pela locação de fracções autónomas do imóvel com liquidação de IVA, conforme exemplos de duas facturas de 01-09-2019 e de 01-10-2019 juntas aos presentes autos agregadamente no doc. n.º 12 ao ppa;

W) Na sequência do arrendamento destas fracções atrás enunciadas com renúncia à isenção de IVA, o Requerente deduziu no campo 22 do quadro 06 das seguintes declarações periódicas de IVA (doc. n.º 13 junto com o ppa, cujo teor se dá como reproduzido):

(i) Referente ao período de 2012.06T, o montante de € 241.568,76 (€ 107.614,04, referente à fração B, e € 133.954,72, alusivo à fração H), correspondente ao IVA que havia suportado com a aquisição e construção destas fracções;

(ii) Referente ao período de 2012.09T, o montante de € 871.268,51 (€ 325.656,31, referente à fracção U; € 130.240,01, referente à fracção V; € 135.305,52, referente à fração W; € 135.305,52, referente à fracção X; € 144.761,15, referente à fração AB), correspondente ao IVA que havia suportado com a aquisição e construção destas fracções; e

(iii) Referente ao período de 2013.11, o montante de € 199.243,57 (referente à fracção Q), correspondente ao IVA que havia suportado com a aquisição e construção desta fracção;

X) Desde os períodos em que foram efectuadas as deduções indicadas no ponto anterior, o Requerente manteve-se sempre em situação de crédito de imposto, que foi reportando para os períodos seguintes, pelo que o montante das deduções referidas no ponto anterior mantém-se incluído no crédito de imposto no decurso do ano de 2014, sendo que o reporte do período anterior (Campo 61) na declaração periódica de IVA de 201401 era de €4.031.276,79 e o crédito de imposto a recuperar (Campo 94) na declaração de 201412 era de €3.782.793,07 (asserção objectiva não controvertida conforme RIT, pp. 16, 17 e 22);

Y) A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção externa à Requerente com base na ordem de serviço n.º OI2016..., de âmbito parcial, relativa ao ano de 2014, em sede de IVA (cfr. o RIT junto como doc. n.º 15 ao ppa e constante a pp. 3 e seguintes do PA [ficheiro PAT RIT UO..._RIN_2018-11-07]);

Z) Este procedimento de inspecção teve origem no controlo a sujeitos passivos em situação de reporte de IVA em períodos sucessivos sem pedido de reembolso (pp. 5 e 12 do Relatório da Inspecção Tributária que consta do doc. n.º 15 junto com o ppa e a pp. 3 e seguintes do PA, cujo teor se dá como reproduzido);

AA) Os actos de inspeção foram iniciados em 28-11-2017, com a assinatura da Ordem de Serviço, pelo representante de acordo com o art.º 52.º do RCPITA, tendo a mesma sido alterada e assinada pelo representante em 11-01-2018, face a alteração do técnico interveniente nos actos inspectivos (RIT, p. 5);

BB) Foi ampliado o prazo da inspecção, tendo sido autorizadas, em 10-04-2018 e 31-07-2018, as prorrogações de prazo, por dois períodos de três meses, de acordo com o previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 36.º do RCPITA, tendo as prorrogações do prazo sido notificadas ao sujeito passivo, pelos ofícios n.º..., de 10-4-2018 e n.º..., de 31-07-2018, respectivamente (RIT, p. 5);

CC) Os actos de inspeção foram concluídos em 06-11-2018, com a assinatura da nota de diligência (RIT, p. 5);

DD) No Relatório da Inspecção Tributária refere-se, além do mais, o seguinte:

I.4. DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

Na análise efetuada, no âmbito da presente Ordem de serviço, foram detetadas algumas irregularidades, que se consubstanciaram em correções meramente aritméticas, em sede de IVA, no montante global de 1.312.080,85€ para o ano de 2014, sendo as mesmas regularizadas na DP de IVA do período 2014.01, conforme se encontram descritas no ponto III deste relatório e resumem-se no seguinte quadro:

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II.2 MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL

O procedimento de inspeção teve origem no controlo a sujeitos passivos em situação de reporte de IVA em períodos sucessivos sem pedido de reembolso.

Nestes termos, de modo a validar os valores declarados em sede de IVA, foi aberta uma Ordem de Serviço externa de âmbito parcial (IVA), nos termos da alínea b) do artigo 13.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º, ambos do RCPITA, relativamente ao ano de 2014.

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Foram analisadas, de acordo com os procedimentos em uso e com a profundidade considerada adequada às circunstâncias, as áreas contabilístico-fiscais selecionadas, tendo-se detetado situações irregulares em sede de IVA, decorrentes de incumprimentos relativos à aplicação do Regime da Renúncia à Isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis (RRIIOBI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, bem como à aplicação do Código do Imposto do Valor Acrescentado (CIVA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro.

III.1. Certificados de Renúncia à Isenção do IVA com Afetação Diferente daquela que ocorreu

III.1.1. Enquadramento legal em sede de IVA e do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis

O Fundo em 2014 encontra-se enquadrado, no regime normal de periodicidade mensal praticando operações mistas com afetação real de parte dos bens.

O Fundo de Pensões beneficia da isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, existindo a possibilidade de renúncia à isenção de IVA, de acordo com o disposto no Regime da Renúncia à Isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro.

O artigo 4.º do RRIIOBI, relativo às formalidades para a renúncia à isenção, refere que os sujeitos passivos que pretendam renunciar à isenção devem efetuar o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, com os elementos constantes no n.º 1.

O n.º 5 desse artigo estabelece que o prazo de validade dos certificados de renúncia é de "seis meses e tem exclusivamente por efeito titular que os sujeitos passivos intervenientes na operação manifestaram à Direcção-Geral dos impostos a intenção de renunciar à isenção do IVA nessa operação e que declararam estar reunidas as condições legalmente previstas para que a renúncia se efetivasse".

Por outro lado, o artigo 5.º de RRIIOBI, determina em que momento se efetiva a renúncia à isenção:

"1 – A renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no presente regime.

2 – Deixando de se verificar as condições de renúncia à isenção antes da celebração do contrato referido no número anterior, ou tendo decorrido o prazo de validade do certificado de renúncia sem que tal contrato haja sido celebrado, deve o sujeito passivo que solicitou a emissão do mesmo comunicar, por via eletrónica, esse facto à administração tributaria.

3 – O exercício da renúncia a isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos".

III.1.2. Locações de imóveis com certificados de renúncia para transmissões

Para as frações B, H e Q, do imóvel "Polígono das Atividades Económicas ...", o Sujeito Passivo, através da Sociedade Gestora, efetuou o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, manifestando a intenção ao abrigo dos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º do CIVA, de renunciar à isenção do imposto sobre o valor acrescentado prevista na alínea 30) do artigo 9.º do CIVA, declarando reunir as condições estabelecidas para o efeito nas mencionadas disposições do artigo 12.º do CIVA e no Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, ou seja para transmissão de cada uma das frações. (Anexo 2 e 3).

Os certificados das frações B e H foram emitidos em 17-05-2012 e da fração Q em 20-11-2013.

No entanto, para cada uma destas 3 frações, não foi efetuada uma transmissão, mas sim uma locação, tendo sido celebrado contrato de arrendamento para fins não habitacionais das frações B e H com a entidade "G... SA" com o NIF ... e da fração Q com a "H... SA" com o NIF... .

Para os certificados, em que o fim é a locação, o Sujeito Passivo, através da Sociedade Gestora, deveria efetuar o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia à isenção do IVA, manifestando a sua intenção ao abrigo dos n.ºs 4 e 6 do artigo 12.º do CIVA.

Segundo o artigo 5.º da RRIIOBI, a renúncia à isenção de IVA só opera no momento em que for celebrado o Contrato de compra e venda ou de locação financeira, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção. No caso de não estarem reunidas as condições referidas, o exercício da renúncia à isenção não produz efeitos, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.

Face ao exposto, o Fundo não possuía à data das referidas locações certificado válido para renúncia à isenção do IVA, ou seja, não se encontravam reunidos os requisitos do RRIIOBI para as referidas operações, pelo que na inexistência de certificado válido a renúncia não produz efeitos, não é passível a dedução do IVA suportado relativo a cada uma das frações, nos termos no artigo 8.º do RRIIOBI conjugados com os artigos 19.º a 25.º do CIVA.

III.1.3. IVA deduzido em 201206T e 201311

O IVA suportado na construção, para efeitos de repartição pelas 46 frações, ascendeu a 11.256 699,12€.

Em virtude do Fundo ter procedido ao arrendamento das frações B, H e Q, para as quais solicitou a renúncia à isenção de IVA, com base nos certificados anteriormente referidos, foram efetuadas as deduções no Campo 22 das DP's de IVA, nos períodos e montantes seguintes:

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Conforme demonstrado no quadro acima, em 201206T, o sujeito passivo deduziu o montante de 777.612,78 €, para os quais apenas possuía certificados válidos para poder deduzir o montante de 536.044,01 €, pelo que a dedução efetuada no montante de 241.568,76€ (107.614,04€ +133.954,72€), não está correta.

Em 201311, o sujeito passivo deduziu o montante de 199.243,576, para os quais também não tinha certificado válido para a operação de locação.

No início de 2014, o crédito acumulado corresponde à totalidade das deduções, ao qual foi subtraído o imposto liquidado ao longo dos vários anos, pelo que o montante destas deduções mantém-se incluído no crédito de imposto no decurso do ano de 2014.

O reporte do período anterior (Campo 61) na DP de IVA de 201401, era de 4.031.276.79€, conforme descrito no quadro seguinte:

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III.1.4. Dedução e crédito de imposto indevidos

Conforme mencionado nos pontos anteriores, apesar do Fundo ter procedido à locação das frações B, H e Q do prédio urbano inscrito com o código de freguesia ... e artigo ... (antigo código de freguesia ... e artigo ...), sito na ..., ...-.. ..., concelho de Loures, Distrito de Lisboa, os certificados de renúncia à isenção de IVA para as referidas 3 frações foram solicitados manifestando o Sujeito Passivo ao abrigo dos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º do CIVA, a renúncia à isenção prevista na al. 30) do art.º 9.º do CIVA, ou seja, para transmissão.

Pelo exposto, verifica-se que no momento em que se efetiva a renúncia à isenção, nos termos dos n.ºs 2 e 4 do art.º 8.º do anexo ao DL n.º 21/2007, de 29 de janeiro, não se encontra cumprido o previsto n.º 1 do art.º 5.º do mesmo diploma, uma vez que, o sujeito passivo não se encontra na posse de um certificado de renúncia válido, dado que não se verifica a condição formal estabelecida na al. c) do n.º 1 do art.º 4.º daquele normativo. O certificado na posse do sujeito passivo é de "renúncia à isenção do IVA na transmissão do bem imóvel", ou seja, é um certificado para efeitos de renúncia à isenção do IVA, prevista na al. 30) do art.º 9.º do CIVA, e não da isenção prevista na al. 29) do mesmo diploma, para a locação de bens imóveis, o que efetivamente se verificou no caso em apreço.

É a própria lei que exige que os sujeitos passivos, previamente à dedução de IVA suportado relativo a bens imóveis, têm que estar na posse de um certificado de renúncia válido, o que não se verificou na presente situação, não estando a Administração Tributária autorizada a dispensar as formalidades que o legislador expressamente estabeleceu.

O certificado foi emitido tendo em conta os elementos fornecidos pelo sujeito passivo, e no caso em apreço foi emitido o certificado de renúncia à isenção prevista na al. 30) do art.º 9 do CIVA, e não relativamente à isenção prevista na al. 29) do mesmo artigo, não se verificando os pressupostos legais para a renúncia à isenção na locação do imóvel. O não cumprimento desta formalidade originou que fosse indevidamente deduzido o IVA suportado na aquisição e construção das áreas afetas às frações B, H e Q do artigo ... (antigo ...).

De referir que apesar de contabilisticamente o imóvel ter sido registado pelo valor global da sua construção, na escritura de constituição da propriedade horizontal foi fixado o valor de cada fração, expresso em permilagem do valor total do prédio.

Assim, e dado que a fração B detém uma permilagem de 9,56, a fração H detém 11,90 ‰ e a fração Q detém 17,70‰, o valor do IVA deduzido relativamente a cada fração foi calculado nessa proporção.

Deste modo, sabendo que na aquisição e na construção das 46 frações do artigo ... (antigo ...), o total de IVA suportado é de 11.256.699,12 €, o IVA deduzido relativo às frações B, H e Q é o que consta no seguinte quadro:

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Face ao mencionado, verificamos que não se encontram reunidos os pressupostos do Decreto-Lei n.º 21/2007 de 29 de janeiro para o exercício da renúncia à isenção do IVA, nomeadamente a condição formal estabelecida na conjugação da al. c) do n.º 1 do art.º A e do n.º 1 do art.º 5.º, ambos do referido diploma legal, pelo que a locação realizada pelo contribuinte enquadra-se numa operação isenta nos termos da al. 29) do art.0 9.º do CIVA.

Deste modo, nos termos do art.º 20.º do CIVA, não é conferido o direito à dedução do imposto que tenha incidido sobre bens e serviços utilizados pelo Sujeito Passivo para a realização de operações isentas nos termos do art º 9.º do CIVA, pelo que, de acordo com os cálculos anteriormente efetuados, apurou-se IVA indevidamente deduzido no montante global de 440.812,34 €.

III.2. Dedutibilidade do IVA após momento do exercício do direito à dedução

III.2.1 Momento e modalidades do exercício do direito de dedução

O n.º 1 do artigo 4.º do CIVA define dentro do conceito de prestação de serviços que

"são consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens (...)"

Conforme já referido no ponto II.3.2.1, o exercício do direito à dedução do IVA, deve ser efetuado em conformidade com os arts. 19º a 25º do CIVA.

De salientar que o artigo 22.º do CIVA refere, relativamente ao momento e modalidades do exercício do direito à dedução, que;

"1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efetuando-se mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação. [Redação dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto]

3 - Se a receção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respetiva emissão, pode a dedução efetuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar. (...)"

Por seu lado, a alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA consigna a obrigação de os sujeitos passivos apresentarem mensalmente uma declaração periódica, nos prazos referidos no artigo 41.º do mesmo código, relativa às operações efetuadas no decurso do segundo mês precedente, com a indicação do imposto devido a entregar ao Estado ou do montante do crédito existente a seu favor.

Entende-se assim que a dedução do imposto não pode ser efetuada em qualquer momento à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas, que indicam os momentos adequados para a dedução, precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto, salvo se por lapso efetuado na sua contabilidade, detete que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efetuar.

Assim o n.º 6 do artigo 78.º do CIVA - Regularizações - dispõe que

"a correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.(...)"

Nos casos em que se verifique o acima referido "lapso", o prazo previsto de dois anos no disposto no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA (antigo artigo 71.º n.º 6 do mesmo diploma), apenas é aplicável nas situações em que se verifiquem erros materiais ou de cálculo, tratando-se de erros que não alteram o direito à dedução e que resultam normalmente de erros de transcrição das faturas para os registos ou dos registos para as declarações. Erros esses que se traduzem por exemplo no registo do IVA no montante diferente do valor correto.

Sobre esta matéria, é bastante relevante o entendimento constante do Acórdão nº 0966/10, de 2011-05-18, do Supremo Tribunal Administrativo (STA), no qual se considera que:

"Para além do artigo 71º, n.º 5, do CIVA, não existe qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam deste artigo 22º indicados, nos casos em que, por lapso efetuado na sua contabilidade, só detete que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efetuar.

Isto é, se a situação não se enquadra naquele n.º 6 do artigo 71º também não se enquadra em nenhuma outra disposição legal."

Semelhante conclusão se retira do disposto no Ofício-Circulado n.º 030082, de 2005-11-17 da DSIVA, porquanto nos termos do seu ponto 8 explicita-se que o âmbito de aplicação do artigo 78.º do CIVA abrange regularizações que se destinam "a corrigir ( ...) o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto, por força de diversas circunstâncias ocorridas após o envio da respetiva declaração periódica".

III.2.2. Prestações de serviços - momento de dedutibilidade do IVA da aquisição/construção do imóvel

Relativamente às frações V, W e X, do imóvel já referido anteriormente, verificou-se que a partir de 2009-11-01, o sujeito passivo celebrou um contrato de arrendamento, com um período de carência, tendo liquidado IVA sobre os serviços prestados, que refletiu nas DP de 201002 e seguintes.

Para as frações U e AB, o sujeito passivo celebrou igualmente um contrato de arrendamento com início em 2010-04-01 e 2010-10-01, respetivamente, cujas faturas incluem IVA liquidado que foi declarado nas DP de IVA.

Nos referidos momentos da celebração destes contratos de arrendamento, o sujeito passivo não procedeu à dedução do IVA suportado na aquisição/construção destes imóveis.

Em 2011-08-10, para as referidas frações foram redigidos 2 contratos de "arrendamento para fins não habitacionais", um com as frações U, V, W e X e outro com a fração AB (Anexo 4 e 5).

Na mesma data são solicitados e emitidos certificados de renúncia à isenção de IVA, para locação, de cada uma dessas frações (Anexo 6).

Ambos os contratos, elaborados em 2011-08-10, produzem efeitos às datas de início anteriormente referidas:

- Frações V, W e X com início a 2009-11 -01;

- Fração U com início a 2010-04-01;

- Fração AB com início a 2010-10-01.

No entanto, a dedução do imposto suportado (IVA) na aquisição e construção destes imóveis apenas ocorre na DP de 201209T, sensivelmente um ano após a emissão dos certificados de renúncia à isenção de IVA.

Face aos factos ora descritos, verifica-se que se tentou com estes contratos ilidir a anterior prestação de serviços sujeita a imposto.

Caso a locação se tivesse verificado aquando da elaboração dos contratos (2011-08-10), à semelhança de outras frações, se fossem cumpridas todas as condições e requisitos necessários à aplicação do regime de renúncia do IVA, para as frações U, V, W, X e AB, o direito à dedução destas também não se poderia exercer em 201209T,

Porquanto, dispõe o artigo 8.º do RRIIOBI que:

"1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os sujeitos passivos intervenientes em operações em que tenha ocorrido a renúncia à isenção no âmbito do presente regime têm direito à dedução do imposto suportado para a realização das operações relativas a cada bem imóvel, segundo as regras definidas nos artigos 19.º a 25.º do Código do IVA.

2 - Os transmitentes ou locadores podem deduzir o IVA relativo ao bem imóvel na declaração do período de imposto ou de período posterior àquele em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do presente regime, tem lugar a renúncia à isenção, tendo em conta o prazo a que se refere o n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA."

Ou seja, o Fundo poderia no período em que foi celebrado o contrato de locação do imóvel, proceder à dedução do IVA suportado, que tenha ocorrido nos oito anos anteriores à celebração dos correspondentes contratos (201109T) e não em momento posterior (201209T).

Desta forma, esta operação de locação nunca poderia beneficiar de renúncia à isenção uma vez que não cumpriu as condições objetivas descritas no artigo 1.º do RRIIOBI, atendendo a que já não estava em causa a primeira transmissão e locação, após a construção nem operações subsequentes à renúncia à isenção.

No enquadramento legal inicial o fundo não exerceu o direito à dedução do IVA suportado. Aquando da cedência do espaço ao locatário das referidas instalações, o fundo sabia o destino que pretendia dar ao mesmo e qual o seu enquadramento, pelo que ao liquidar o IVA sobre as prestações de serviço realizadas e ao não deduzir o imposto suportado, foi uma liberalidade do próprio.

Face aos factos ora descritos, e sobre esta matéria importa citar as conclusões explanadas no acórdão do STA n.º 0966/2010, de 2011/05/18, quando refere que;

"... infere-se que a dedução do imposto não pode ser efetuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.

(...)

...conclui-se a dedução de imposto apenas pode efetuar-se fora dos momentos considerados adequados em condições que forem fixadas, o que afasta a viabilidade de uma tese que se reconduza à atribuição ao sujeito passivo do direito de fazer a dedução quando entender, dentro do prazo máximo legalmente admissível.

Por isso, o n.º 2 do artigo 92º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não pode ter o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efetuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efetuar em momentos diferentes dos indicados naquele artigo 22º."

Face ao exposto, ao proceder à dedução do imposto suportado na aquisição/construção, das frações U, V, W, X e AB, apenas no período 201209T, o sujeito passivo procedeu de forma indevida, considerando o IVA liquidado nas DP's e que no caso em apreço:

- A locação destas frações foi considerada pelo sujeito passivo uma prestação de serviços sujeita a IVA e dele não isento;

- não é aplicável para as mesmas frações o regime de renúncia à isenção de IVA nas operações relativas a bens imóveis, previsto no n.º 4 do artigo 12.º do CIVA; e

- não estamos perante qualquer situação de regularização prevista no artigo 78.º do CIVA.

III.2.3. IVA deduzido em 201209T

O IVA suportado, tendo em conta a repartição pelas 46 frações e deduzido no período 201209T, referente às frações U, V, W, X e AB, declarado no Campo 22 da respetiva DP de IVA, foi de:

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O montante global destas deduções mantém-se incluído no crédito de imposto no decurso do ano de 2014.

Conforme demonstrado no quadro acima, em 201209T deduziu 1.265.252,98 €, no qual também está incluída a dedução do IVA suportado na aquisição e construção da fração AT, no total de 393.984,47€, alienada com renúncia à isenção de IVA, no mesmo período.

Como é possível observar no ponto III.1.3, o crédito de imposto acumulado até ao período 201401, corresponde à totalidade das deduções, ao qual foi subtraído o imposto liquidado ao longo dos vários anos.

III.2.4. Dedução e crédito de imposto Indevidos

Conforme mencionado nos pontos anteriores, o Fundo cedeu o espaço relativo às frações U, V, W, X e AB do prédio urbano inscrito com o código de freguesia ... e artigo ... (antigo código de freguesia ... e artigo ...), sito na ..., ...-... ..., concelho de Loures, Distrito de Lisboa, para o qual liquidou imposto que declarou nas declarações periódicas de IVA a partir de 201002. Por iniciativa do Fundo foram emitidos certificados de renúncia à isenção de IVA para as referidas 5 frações, ao abrigo do artigo 12.º do CIVA, com o objetivo de renúncia à isenção prevista na al. 29) do art.º 9.º do CIVA, ou seja, para locação.

Apesar de terem sido emitidos em 2011-08-10, data da celebração dos contratos a produzirem efeitos retroativos, a prestação de serviços de locação teve início em 2009-11-01 para as frações V, W e X, em 2010-04-01 para a fração U e em 2010-10-01 para a fração AB.

Assim, considerando as DP's de IVA onde anteriormente foi liquidado o referido imposto e conforme a sujeição e afetação do imóvel efetuada por iniciativa do sujeito passivo, a mesma enquadra-se numa prestação de serviços, conforme artº 4.º do CIVA, sujeita a IVA e dele não isenta.

No entanto, o IVA suportado na aquisição/construção do imóvel foi deduzido pelo sujeito passivo, não nos períodos em que as operações se realizaram, nomeadamente nas DP's de 200911, 201004 e 201010, nem mesmo no período em que foram solicitados pelo sujeito passivo os certificados de renúncia emitidos, em 201108, mas apenas em 201209T.

Em 201209T, o Sujeito Passivo, deduziu indevidamente o IVA correspondente às 5 frações no montante de 871 268,51€:

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Face ao mencionado, verificamos que relativamente aos referidos imóveis foram efetuadas inicialmente prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isenta, pelo que que não se aplicaram os pressupostos do Decreto-Lei n.º 21/2007 de 29 de janeiro para o exercício da renúncia à isenção do IVA e que a dedução em 201209T não cumpriu os requisitos dos artigos 19.º a 25.º do CIVA.

Deste modo, não poderia o Sujeito Passivo fazer a dedução quando entendesse, dentro do prazo máximo legalmente admissível. A dedução do imposto apenas se pode efetuar fora dos momentos considerados adequados em condições que forem fixadas, nomeadamente expressa na norma ou em disposições legais especiais.

Por isso, o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento desse direito, pretende fixar um limite máximo, pelo que não pretende ter o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efetuar a dedução, mesmo nos casos em que a dedução se pode efetuar em momentos diferentes dos indicados no artigo 22.º.

Se assim fosse facultativo para o sujeito passivo o momento da dedução não faria qualquer sentido existir, por exemplo, uma disposição especial conforme estabelecido no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA para erros materiais e de cálculo, estabelecer um prazo limite (2 anos) inferior ao do n.º 2 do art.ª 98.º (4 anos).

Face ao exposto, não é conferido o direito à dedução do imposto, de acordo com os cálculos anteriormente efetuados para as referidas frações, tendo-se apurado IVA indevidamente deduzido no montante global de 871.268,51€.

III.3. Correções meramente aritméticas ao imposto – IVA

III.3.1. Correção ao crédito de Imposto deduzido indevidamente

Deste modo, com base nos valores apurados e descritos nos pontos III.1.4 e III.2.4, não é devido ao sujeito passivo, no período 201401, um crédito de imposto no montante de 440.812,34€ e 871.268,51€, no total de 1.312.080,85€, pelo que se procederá a uma liquidação adicional desse montante, como a seguir se resume:

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Refira-se que relativamente a esta liquidação adicional não serão devidos juros compensatórios uma vez que a situação de crédito de imposto se mantém até à presente data, sendo este apenas de valor inferior.

(...)

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

O Fundo foi notificado do projeto de relatório, através do ofício n.º..., datado de 2018-10-02, com registo dos CTT n.º RH ... PT, concedendo-lhe um prazo de quinze dias para o exercício do direito de audição nos termos previstos no art.º 60.º da LGT e no art.º 60.º do RCPITA.

O direito de audição foi exercido por requerimento, cuja entrada neste serviço ocorreu em 2018-10-19 (2018...), sendo o registo nos CTT do dia anterior, tendo como remetente a sociedade K...-Sociedade de Advogados, SP R.L., com o NIPC... .

(...)

IX.1. Análise aos elementos e fundamentação apresentados no exercício do direito de audição

No referido requerimento para exercício do direito de audição (Anexo 7), vem expor o seguinte:

IX.1.1. Dos pontos 1 a 17

Genericamente é feito um enquadramento constitutivo e legal do fundo, bem como a identificação das fases processuais da presente ação inspetiva. Nesta exposição, são salientadas algumas das situações elencadas no projeto de relatório, bem como alguns pedidos efetuados no decurso do procedimento inspetivo.

O ponto 10. refere que:

No âmbito desta inspeção, foram analisados todos os elementos solicitados pela AT ao sujeito passivo e que este, em integral cumprimento do dever de colaboração, disponibilizou a AT, nomeadamente, todos os documentos de suporte e respetivos registos contabilísticos e de faturação solicitados, bem como diversos ficheiros SAF-T'.

Nos três pedidos de elementos efetuados no decurso do procedimento inspetivo, nas situações em que foram solicitadas faturas e/ou notas de crédito emitidas pelo sujeito passivo, foram dadas as seguintes respostas:

1. No email de resposta de 2018-01-10, com o assunto "RE: Ação Inspetiva FP A...- pedido de reunião", relativa ao 1.º pedido de elementos, é referido que "Em relação ao ponto 6 e de acordo com o explicado na reunião tida em 28 de novembro de 2017, o sistema não estava preparado para emitir o ficheiro SAF-T, tendo o respetivo fundo pago coimas para os períodos em falta, o que pode ser verificado nos movimentos financeiros do fundo no portal ATA, em anexo um exemplo" (o exemplo referido encontra-se no Anexo 9 deste relatório);

2. No email de resposta de 2018-01-19, com o assunto "Ação Inspetiva FP A... - pedido de elemento n" 2", é referido que "Ponto 6 - Seguem em anexo os contratos de arrendamento para as fracções/imóveis solicitados. Como já oportunamente explicamos, o sistema de valorização do fundo não estava preparado para a emissão de faturas e notas de crédito e estes documentos não foram emitidos para o ano 2014";

3. No email de resposta de 2018-03-28, com o assunto "RE: Pedido de Elementos n.º 3 -OI2016... - Fundo A...", é referido que "Em relação ao ponto 2 e de acordo com o explicado na reunião tida em 28 de novembro de 2017, o sistema não estava preparado para emitir o ficheiro SAF-T, tendo o respetivo fundo pago coimas para os períodos em falta, ou seja, o sistema de valorização do fundo não estava preparado para a emissão destes documentos".

Importa salientar, que contrariamente ao que é referido no ponto 10, do exercício da audição prévia, os ficheiros SAF-T não chegaram a ser disponibilizados, por o software não estar preparado para emitir faturas e notas de crédito.

IX.1.2. Da parte A "Da ilegalidade da inspeção" dos pontos 18 a 40 e da parte B "Da caducidade do direito à liquidação pela AT” dos pontos 41 a 55.

Resumidamente, vem invocar na parte A - "Da ilegalidade da inspeção" - que a inspeção excedeu a extensão da inspeção externa para a qual estava credenciada e na parte B "Da caducidade do direito à liquidação pela AT" que para as correções propostas se encontra caducado o direito à liquidação.

De salientar os seguintes pontos:

'(...)

23. Reitere-se que a ordem de serviço definia a inspeção como externa, de âmbito parcial e de extensão limitada ao exercício de 2014.

24. Contudo, pelo facto de, em 2014, existir um crédito de IVA a favor do Exponente, que se reportava a IVA deduzido nos períodos tributários de 2012 e 2013, a AT excedeu a extensão da inspeção externa para a qual se encontra credenciada, tendo os atos de inspeção englobado também operações realizadas nos períodos de 2012 e 2013.

(...)

27. De facto, o que a AT fez na presente inspeção externa foi examinar deduções realizadas nos anos de 2012 e 2013.

28. Acrescente-se ainda que, para averiguar do correto exercício do direito a dedução, a AT analisou operações que conferiram esse direito a dedução e que se realizaram em 2011,2012 e 2013.

(...)

30. Sublinhe-se que o direito a dedução é efetivado no momento do preenchimento da declaração periódica em que são reportadas as operações que conferem aquele direito, pelo que o que a AT fez neste caso concreto foi inspecionar as operações reportadas nas declarações periódicas dos períodos 201206T, 201209T e 201311 – e não quaisquer operações ocorridas/declaradas em 2014, violando assim a extensão do procedimento de inspeção.

31. Contudo, a AT não podia praticar quaisquer atos de inspeção que englobassem os anos de 2012 e 2013, uma vez que a extensão do procedimento de inspeção se limitava ao ano de 2014 (cfr. artigos 14º e 15.º do RCPITA).

(...)

34. Assim, ao examinar operações ocorridas/declaradas nos anos de 2012 e 2013, a AT excedeu de forma ilegal a extensão do procedimento de inspeção, que se encontrava limitada a verificação do cumprimento das obrigações tributárias do Exponente em sede de IVA, tendo sido aberta ordem de serviço para o exercício de 2014.

(...)

38. Assim, o presente procedimento de inspeção padece de vício de violação lei por preterição de formalidade essencial, consubstanciada na violação do disposto no artigo 15.º do RCPITA.

39. A inobservância do citado artigo 15º n.º 1 do RCPITA constitui vício procedimental da inspeção realizada, vício esse que, respeitando à competência para a realização da ação inspetiva fora da extensão estabelecida na Ordem de Serviço, resulta na ilegalidade da referida inspeção,

40. pelo que quaisquer liquidações adicionais que dela advenham estarão inelutavelmente também feridas de ilegalidade, não restando outra alternativa que não a sua anulação.

(...)

42. A AT sustenta que apenas efetuou "correções meramente aritméticas, em sede de IVA (...) para o ano de 2014, sendo as mesmas regularizadas na DP de IVA do período 201401"(cfr. ponto 1.4. do Projeto).

43. Esta qualificação por parte da AT em nada altera o facto de que o que veio a ser corrigido, em substância, foram as deduções efetuadas nas declarações de 201206T, 201209T e 201311.

(...)

51. Assim, relativamente ao imposto deduzido nos períodos de 201206T e 201209T, o termo inicial do prazo de caducidade do direito a liquidação não poderá ser posterior a 1 de janeiro do ano civil seguinte,

52. ou seja, o prazo de caducidade iniciou-se em 01.01.2013 e terminou em 01.01.2017.

(...)

54. Pelo que a correção proposta ao IVA deduzido na declaração periódica respeitante ao período 201206T no valor global de €241.568,76 não se deve manter, por já ter caducado o direito à liquidação, nos termos previstos no artigo 45º da LGT.

55. Igualmente, a correção proposta ao IVA deduzido na declaração periódica respeitante ao período 201209T no valor global de € 1.265.252,98 também não se deve manter por já ter caducado o direito à liquidação, nos termos previstos no artigo 45º da LGT."

Face ao exposto no direito de audição, relativamente às deduções efetuadas indevidamente em 201206T, 201209T e 201311 impõe-se decidir a questão da caducidade da liquidação relativamente à correção de IVA a efetuar ao crédito de imposto apurado pelo fundo no período 201401.

Ora, prevê o artigo 45.º da LGT, no seu n.º 1, que o direito a liquidar tributos caduca quando a liquidação não seja validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, acrescentando o n.º 4, que no tocante ao IVA, este prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verifica a exigibilidade do imposto.

O IVA assenta num mecanismo de crédito de imposto segundo o qual o imposto devido ao Estado se apura através da dedução do imposto suportado a montante pelo sujeito passivo ao imposto que este liquida a jusante.

"O crédito de IVA constitui um corolário do direito à dedução, que visa assegurar a neutralidade do imposto. No âmbito das suas atividades tributadas, o sujeito passivo tem o poder-dever de liquidar imposto em todas as operações que realiza, e de, concomitantemente, deduzir o imposto suportado em operações a montante.

No caso de, na declaração - liquidação, o montante de imposto suportado ser superior ao montante do imposto liquidado em virtude de operações tributáveis, constitui-se na esfera jurídica do sujeito passivo um direito ao crédito de imposto, o qual é exercido mediante compensação, nos períodos de imposto seguintes, com o montante de que o sujeito passivo seja devedor ao Estado.

O sistema assemelha-se a uma conta-corrente entre a administração fiscal e o sujeito passivo do imposto, com as características de reporte para os períodos seguintes.

Subsidiariamente, o crédito de imposto é efetuado mediante reembolso."

Neste sentido dispõe o n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA, que o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efetuando-se mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

Assim, ao Estado será entregue a diferença entre o valor que incidiu sobre as operações ativas tributáveis (IVA liquidado nas vendas ou prestações de serviços) e as operações passivas tributáveis (IVA suportado nas compras). O mecanismo do crédito de imposto destina-se a assegurar a neutralidade do IVA, enquanto princípio estruturante, frequentemente invocado pela jurisprudência do TJUE, prevenindo uma tributação cumulativa e garantindo a tributação no consumidor final.

Nos termos do artigo 27.º do Código do IVA, quando se apure imposto a favor do Estado, este deve ser pago junto com a declaração periódica, por sua vez, refere o artigo 22.º que havendo imposto a favor do sujeito passivo, o excesso é deduzido no período declarativo seguinte, havendo lugar ao reporte desse excesso, conforme resulta dos n.ºs 4 e 5 do referido preceito legal.

Assim, sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes. Se, passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a (euro) 250, este pode solicitar o seu reembolso.

Refira-se ainda que decorre do preceituado no n.º 8 do artigo 22.º do Código do IVA, que os reembolsos são efetuados "quando devidos", isto é, após a confirmação de que no período a que se refere o pedido de reembolso a dedução total de imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis. Para efetuar esta confirmação, a AT pode efetuar correções às declarações dos contribuintes, relativas ao período de tempo a que se reporta o reembolso, podendo também exigir-lhes documentos e informações adicionais, como decorre do preceituado no n.º 10 do mesmo artigo.

Perante isto, podemos afirmar que o sistema do IVA assemelha-se a uma conta-corrente entre a administração fiscal e o sujeito passivo do imposto, com as características de reporte para os períodos seguintes.

Tanto o reporte como o reembolso, enquanto formas de materializar o exercício do direito à dedução, pressupõem um acerto de contas periódico entre o Estado e o contribuinte, cujo momento é incerto, conforme o volume de negócios do último, o tipo de operações e a vicissitudes da atividade desenvolvida.

Ora, a fixação de prazos de caducidade que se esgotassem em função das datas em que as operações tributáveis são praticadas, traria ao IVA um elemento de insegurança totalmente contraditório com o objetivo a que a sua periodização serve, motivo que em grande parte explica a redação que o legislador deu ao artigo 45.º da LGT.

O artigo 45.º n.º 3 da LGT esclarece igualmente a questão ao dispor que no caso de ter sido efetuada qualquer "dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito". Note-se que a referência à dedução e crédito de imposto foi introduzida no n.º 3 do referido artigo por meio da Lei do Orçamento de Estado para 2005.

Como refere Sérgio Vasques,

"O IVA em que o sujeito passivo incorre nos seus inputs não é gerado na sua esfera nem a ele lhe é exigível, constituindo, bem pelo contrário, um crédito que este pode ou não mobilizar contra o estado, exercendo o direito à dedução. A regra especial constante do artigo 45.º, n.º 4 da LGT, apelando à exigibilidade do imposto, não pode por isso aplicar-se aos casos em que a intervenção da administração tenha por objecto IVA dedutível, resulte este da realização de operações passivas, resulte ele de regularizações feitas nos termos da lei.

É a este problema que vem obviar o artigo 45.º da LGT no seu n.º 3, ao dispor que em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, " o prazo de caducidade é o do exercício desse direito". Estas regra, (...), abrange na sua redacção actual todos os casos em que no apuramento de um imposto o contribuinte faz valer uma "dedução" ou "crédito" contra o estado, como paradigmaticamente sucede no apuramento do IVA.

(...)

No tocante ao IVA, o alcance evidente do artigo 45.º, n.º 3, da LGT, está em fazer com que o prazo de caducidade de quatro anos de que a administração dispõe para proceder a uma liquidação adicional se conte a partir do momento em que o sujeito passivo exerce o direito à dedução do imposto, sempre que a liquidação adicional a tenha por objecto. O prazo tem então início na data em que é entregue a declaração em que esse direito é exercido, ainda que o direito porventura tenha origem em momento anterior".

A jurisprudência do STA, também nos oferece uma explicação nesta linha de interpretação, referindo o seguinte:

"Para além de não haver suporte legal para aplicar o prazo de caducidade do direito de liquidação aos actos que apreciam pedidos de reembolso de IVA, por não serem actos que declaram uma obrigação tributária do contribuinte em relação à Administração Tributária, não se trata de uma situação idêntica, que justifique a aplicação analógica do referido art. 45.º. Na verdade, não valem em relação aos actos de recusa de reembolso as razões de segurança jurídica que justificam a limitação temporal da possibilidade de efectuar actos de liquidação, pois os actos de recusa, como actos negativos que são, não produzem nem declaram qualquer obrigação para o contribuinte.

Nestes termos, o prazo de caducidade de quatro anos tem início na data da entrega da declaração em que o direito é exercido, ainda que o direito porventura tenha origem em IVA dedutível apurado em momento anterior.

Quanto à correção efetuada ao crédito de IVA acumulado até 201401, no montante de 1.312.080,85 €, por este ter sido deduzido indevidamente, a Administração Tributária não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação de 4 anos, podendo efetuar correções às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é utilizado o crédito do imposto, mesmo que anteriores ao prazo geral de caducidade, conforme o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.07.2007, P. 0303/07 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12.05.2016, P.08095/14.

Ora, embora o direito à dedução se tivesse formado nos exercícios de 2012 e 2013, o crédito de imposto é revalidado pelo sujeito passivo ao longo dos períodos seguintes, de acordo com o n.º 4 do artigo 22.º do CIVA.

Assim, após a dedução do IVA efetuada nos períodos 201206T, 201209T e 201311, o fundo não solicitou qualquer reembolso do crédito de imposto gerado, pelo que a AT não teve conhecimento dos factos relevantes para poder iniciar a sua intervenção corretiva, fazendo-o apenas no âmbito desta ação inspetiva.

O sujeito passivo ao utilizar este crédito de imposto nos períodos seguintes, gerado indevidamente conforme fundamentado nos pontos anteriores, deixou de pagar o imposto liquidado nas suas operações ativas.

Uma vez que o referido crédito é revalidado pelo sujeito passivo ao longo dos períodos seguintes, de acordo com o n.º 4 do artigo 22.º do CIVA, a caducidade do crédito de imposto ocorre no exercício do direito ao mesmo, ou seja no caso em apreço no momento em que o mesmo é consumido para efeitos de apuramento de imposto em cada período.

Neste caso, o prazo de caducidade de qualquer dedução ou crédito de imposto é o exercício desse direito, nos termos do n.º 3 do artigo 45.º da LGT.

IX.1.3. Da parte C "Do princípio da neutralidade e do exercício do direito à dedução" dos pontos 56 a 100

Resumidamente, o fundo vem invocar que relativamente à fração Q do imóvel "Polígono das Atividades Económicas ...", a emissão incorreta do certificado de renúncia à isenção do IVA reveste-se de contrariedade ao princípio da neutralidade.

De salientar os seguintes pontos:

"56. A AT propõe ainda uma correção ao IVA deduzido na declaração periódica 201311 no valor de € 199.243,57, relativo a IVA suportado pelo Exponente na aquisição e construção da fração Q do imóvel "Polígono das Atividades Económicas ...".

57. Contudo, como se verá, esta correção também não pode proceder por ser manifestamente contrária ao princípio da neutralidade, enquanto princípio basilar do IVA.

Ora vejamos,

(...)

64. Para esta fração, o Exponente efetuou o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, manifestando a intenção de renunciar a isenção do IVA prevista no artigo 9. º n.º 30, ao abrigo do disposto no artigo 12.º n.º 5 do Código do IVA.

(...)

67. O certificado para efeitos de renúncia à isenção foi emitido para a fração Q no dia 20.11.2013.

68. No caso concreto, o Exponente, aquando do pedido de emissão do certificado de renúncia isenção para a fração deveria ter mencionado expressamente que o mesmo se destinava a arrendamento, indicando que a opção pela renúncia estava a ser feita ao abrigo do artigo 12.º n.º 4 do Código do IVA.

69. Contudo, o certificado de renúncia foi solicitado com fundamento no artigo 12.º n.º 5, como se o imóvel se destinasse a transmissão.

70. Não obstante o certificado ter sido emitido com este lapso, espanta a ora Exponente que a AT não tenha tido a capacidade de verificar que tal situação se trata, efetivamente, de um lapso...

(...)

77. Não obstante ser facilmente percetível que ocorreu um lapso no pedido de emissão deste certificado, de acordo com a AT, o facto de o certificado de renúncia à isenção ter sido emitido ao abrigo do artigo 12.º n.º 5, e não ao abrigo do artigo 12.º n.º 4, ambos do Código do IVA, é motivo bastante para impossibilitar a dedução do IVA suportado em relação a esta fração.

78. Porém não pode ser dada razão a AT sob pena de violação do princípio da neutralidade, princípio basilar do IVA.

79. Ainda que o certificado de renúncia à isenção não mencione o n.º 4 do artigo 12º do Código do IVA ao abrigo da qual o Exponente pretende renunciar, certo é que estão verificados todos os requisitos e condições materiais, objetivos e subjetivos para o exercício do direito à dedução.

(...)

92. Ou seja, da leitura da já extensa jurisprudência do TJUE sobre o assunto, resulta claramente que, desde que os requisitos substantivos para o exercício do direito a dedução estejam preenchidos, o mesmo deve ser concedido, não podendo ser negado pela AT com exclusivo fundamento no não cumprimento de determinadas formalidades."

Face ao exposto, vem alegar que o entendimento da AT é manifestamente atentatório do princípio da neutralidade.

No entanto, o facto do sujeito passivo ter uma atividade em IVA enquadrado no regime normal de periodicidade mensal praticando operações mistas com afetação real de parte dos bens, resulta do facto do fundo praticar operações sujeitas a IVA e não isentas (com e sem renúncia à isenção de IVA) e a operações sujeitas e isentas, nos termos do artigo 9.º do CIVA, como é o caso da locação de imóveis sem renúncia à isenção de IVA. As isenções de IVA constituem uma derrogação ao princípio geral da tributação do consumo que caracteriza o sistema comum do IVA, sendo que o TJUE adota, em alguns casos, enquanto critério hermenêutico, o princípio da interpretação estrita das isenções de IVA.

As isenções incompletas, como as descritas no artigo 9.º do CIVA, não conferem o direito à dedução do IVA suportado. Nas isenções incompletas quebra-se a cadeia de deduções, uma vez que o operador isento não pode deduzir o imposto suportado a montante. Neste caso fala-se num "imposto oculto" para significar que o imposto incluído nos bens utilizados pelo operador para a realização da sua atividade (inputs), não pode ser deduzido, e é incorporado no valor dos bens.

Na generalidade dos casos invocados no exercício do direito de audição, relativamente ao princípio da neutralidade e à jurisprudência do TJUE, não colocamos em causa tais decisões. No entanto, importa referir que as mesmas decorrem de situações de aplicação do IVA, em relação a algumas formalidades, decorrentes diretamente da diretiva do IVA, bem como de situações de operações sujeitas e não isentas.

Nas operações sujeitas e isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º do CIVA, é possível aplicar o imposto e renunciar à isenção do IVA, nos termos do art.º 12.º do CIVA.

O Fundo de Pensões, na sua atividade de locação de imóveis, beneficia da isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, podendo renunciar à isenção de IVA, nos termos do artigo 12.º do CIVA.

Essa renúncia é exercida por opção que é conferida ao sujeito passivo e não uma obrigação.

Logo, nos casos em que opte por tal renúncia, é obrigatório o cumprimento dos requisitos de aplicação do RRIIOBI, para o qual devem ser verificadas as condições objetivas e subjetivas deste regime.

Não foi por casualidade que o legislador definiu o artigo 4.º do RRIIOBI, com a sua designação "Formalidades para a renúncia à isenção" (...).

Neste artigo são definidas as formalidades a ter em conta caso o sujeito passivo pretenda optar pela faculdade que lhe é dada nos termos do artigo 12 º do CIVA.

Caso não as pretenda cumprir, não deverá o sujeito exercer tal opção, ficando assim sujeito ao regime regra disposto na isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA e restantes disposições do CIVA.

O artigo 4.º do RRIIOBI - Formalidades para a renúncia à isenção, refere que os sujeitos passivos que pretendam renunciar à isenção devem efetuar o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, com os elementos constantes no n.º 1, bem como no n.º 5 desse artigo estabelece que o prazo de validade dos certificados de renúncia é de seis meses.

Por outro lado, o artigo 5.º de RRIIOBI determina qual o momento em que se efetiva a renúncia à isenção:

"1 – A renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no presente regime.

(...)

3 – O exercício da renúncia à isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos".

Assim, não se pode deduzir que formalidades relativas à opção de renúncia à isenção colocam em causa o princípio da neutralidade invocado. Pois a renúncia à isenção do IVA não é uma imposição, mas sim uma faculdade atribuída aos sujeitos passivos, segundo um regime específico com condições, obrigações e formalidades bem definidas.

IX.2 Conclusão

O facto de no período 201401, o crédito de imposto ser de 4.031.276,79€, no período 201412 ser de 3.782.793,07€, e de no período 201805 ser de 3.167.978,73€, demonstra que o sujeito passivo até ao momento vai consumindo o IVA deduzido nos períodos anteriores, não se tendo verificado até ao momento a caducidade do imposto deduzido nos períodos 201206T, 201209T e 201311.

As irregularidades detetadas, descritas nos subpontos II 1.1. e III.2., resumem-se a uma correção a favor do Estado no montante de 440.812,34€ e 871.268,51 €, respetivamente, perfazendo um total de 1.312.080,85€

Face aos argumentos apresentados em sede de direito de audição pelo sujeito passivo conclui-se que os valores apurados e referidos no projeto de correções convertem-se em definitivos.

Assim, não é devido ao sujeito passivo, no período 201401, um crédito de imposto no montante de 1.312.080,85€, pelo que nos termos do n.º 3 do artigo 45.º da LGT, se procederá a uma liquidação adicional desse montante, no período 201401.

Foi elaborado Documento de Correção Único para promover a respetiva liquidação adicional do imposto em falta.

Refira-se que relativamente a esta liquidação adicional não serão devidos juros compensatórios uma vez que a situação de crédito de imposto se mantém até à presente data, sendo este apenas de valor inferior. (...).

EE) Na sequência da inspecção, a AT emitiu, com a data de 29-11-2018 e de que o Requerente foi notificado em 04-12-2018, a liquidação adicional de IVA n.º..., incidente no período 201401M, que consta do documento n.º 16 junto com o ppa, cujo teor se dá como reproduzido, pelo qual o Requerente foi notificado da “correcção efectuada ao valor do excesso a reportar existente na conta corrente de IVA” que foi reduzido no montante de € 1.312.080,85 (o excesso a reportar declarado pelo Requerente era de € 4.015.667,92 e a AT corrigiu-o para € 2.703.587,07).

FF) Em 04-04-2019, o Requerente apresentou a reclamação graciosa que consta do documento n.º 17 junto com o ppa e a pp. 2 e seguintes do PA [ficheiro PAT], cujo teor se dá como reproduzido;

GG) A reclamação graciosa, a que foi atribuído o n.º ...2019..., foi indeferida por despacho de 19-08-2019, que manifestou concordância com um parecer e informação que constam do documento n.º 19 junto com o ppa e a pp. 123 e seguintes do PA [ficheiro PAT], cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

VI.I.III. Apreciação do mérito

43. O Fundo, conforme já referido, invoca, por um lado, a ilegalidade do procedimento inspetivo defendendo que a AT excedeu a extensão da inspeção externa para a qual estava credenciada e, por outro lado, a caducidade do direito à liquidação.

44. No entanto os argumentos apresentados em sede de Reclamação graciosa foram os mesmos apresentados aquando do exercício de direito de audição ao projeto de relatório, em sede de Inspeção.

45. Deste modo, reitera-se tudo o quanto ficou dito em sede de Relatório Final de Inspeção, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, para os devidos efeitos legais.

46. Conforme se pode ler no relatório final de Inspeção, quando se apure imposto a favor do Estado, o IVA apurado na declaração periódica deve ser pago nos termos do artigo 27º do CIVA, no entanto, havendo imposto a favor do sujeito passivo, o excesso, conforme prevê o artigo 22.º do CIVA, é deduzido no período declarativo seguinte, havendo lugar ao reporte desse excesso.

47. Assim, sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes.

48. No entanto, se passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso persistir crédito a favor do sujeito passivo em valor superior a € 250, este poderá solicitar o reembolso.

49. Decorre ainda do n.º 8 do artigo 22.º do CIVA que os reembolsos são efetuados "quando devidos", ou seja, após a confirmação de que no período a que se refere o pedido de reembolso a dedução total do imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis. Tal implica que a AT possa analisar e eventualmente corrigir as declarações dos sujeitos passivos, relativas ao período de tempo a que se reporta o reembolso.

50. Porém, "Ao conceito de reembolso aqui utilizado não é aplicável o prazo de caducidade do artigo 98.º do CIVA, porquanto o âmbito de aplicação do artigo 22º do CIVA abrange tão só as situações em que a liquidação e a dedução do imposto foram efectuadas de forma correcta resultando do seu saldo um crédito de IVA a favor do sujeito passivo, que será utilizado em períodos seguintes (numa lógica de conta corrente) conferindo-se ao sujeito passivo a faculdade de solicitar o reembolso do mesmo e assim obviar ao seu reporte e aplicação nos períodos seguintes."

51. Também a doutrina entende que a este reembolso não se aplique um qualquer prazo de caducidade, nem mesmo o disposto no artigo 45º n.º 3 da LGT, assistindo ao sujeito passivo o direito de obter o reembolso de um crédito de IVA gerado sem limitação temporal, isto é, originado pela dedução de imposto em períodos que se encontram para lá do prazo de caducidade geral (de 4 anos).

52. A título de exemplo, refere o Autor AFONSO ARNALDO e Outros, na obra citada, que numa "(...) situação em que um sujeito passivo solicita o reembolso de um crédito de IVA gerado há mais de 10 anos. (...) caso a Autoridade Tributária, em sede de inspeção ao mesmo, entenda que o sujeito deduziu incorretamente imposto no ano N-10, já não estaria em prazo para efetuar liquidações adicionais do correspondente imposto ao sujeito passivo e exigir o pagamento do mesmo. Poderá (...) efetuar uma correção ao crédito de IVA cujo reembolso foi solicitado pelo sujeito passivo, até à sua concorrência, indeferindo nessa parte o pedido de reembolso por este se mostrar indevido."

53 Assim sendo, a Administração Tributária não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação, pois ao apreciar a existência dos pressupostos de um pedido de reembolso limita-se a efetivar correções ao crédito de IVA, indeferindo total ou parcialmente o reembolso e corrigindo, desta forma, a conta corrente do sujeito passivo.

54. Como ficou asseverado no Acórdão do STA, de 12/7/2007, processo n.º 303/07, "reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir."

55. Conforme refere o relatório final da Inspeção, "(...) o sistema do IVA assemelha-se a uma conta-corrente entre a administração fiscal e o sujeito passivo do imposto, com as características de reporte para os períodos seguintes.

Tanto o reporte como o reembolso, enquanto formas de materializar o exercício do direito à dedução, pressupõem um acerto de contas periódico entre o Estado e o contribuinte, cujo momento é incerto, conforme o volume de negócios do último, o tipo de operações e a vicissitudes da atividade desenvolvida.

Ora, a fixação de prazos de caducidade que se esgotassem em função das datas em que as operações tributáveis são praticadas, traria ao IVA um elemento de insegurança totalmente contraditório com o objetivo a que a sua periodização serve, motivo que em grande parte explica a redação que o legislador deu ao artigo 45º LGT."

56. Reportando-nos ao caso concreto, tendo por base o exposto, conclui-se que a AT procedeu bem ao corrigir o crédito de imposto acumulado até janeiro de 2014, dado que o imposto foi indevidamente deduzido.

57. Não faria sentido que o sujeito passivo pudesse vir a obter o reembolso de um crédito de IVA sem qualquer limite temporal, sem que a AT pudesse analisar e efetuar correções ao IVA dedutível para lá do prazo de 4 anos.

Não estando a AT limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação de 4 anos, pode efetuar correções ao imposto indevidamente deduzido nas declarações dos contribuintes relativas a período em relação ao qual é utilizado o crédito do imposto, mesmo que anteriores ao prazo geral de caducidade.

59. Por fim, o Reclamante invoca que em relação às frações B, H e Q do imóvel "Polígono das Atividades Económicas Parque Oriente", a emissão incorreta do certificado de renúncia à isenção do IVA reveste-se de contrariedade com o princípio da neutralidade.

60. O artigo 12º n.º 4 do CIVA dispõe que os sujeitos que procedam à locação e à transmissão de imóveis podem renunciar à isenção prevista para este tipo de operações.

61. Pois bem, o regime especial de renúncia à isenção nas operações imobiliárias em vigor, foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, que revogou o DL 241/86, de 20/08.

62. O regime do anterior DL 241/86 era bastante simples, exigindo-se apenas que fosse feita a prova da afetação total ou parcial às atividades que conferiam direito à dedução, que o direito à dedução não fosse exercido antes da celebração da escritura de transmissão ou de locação dos imóveis, que a afetação fosse mantida e que se cumprissem algumas obrigações acessórias contabilísticas e declarativas.

63. O regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro (alterado pelo artigo 58.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 que aprovou o OE para 2008 e pelo artigo 78.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, que aprovou o OE para 2009) é bastante mais complexo, e tem por objetivo o de fazer face a situações de fraude, evasão e abuso detetadas na realização de operações imobiliárias (cf. preâmbulo do diploma).

64. Dos artigos 2.º, 3.º e 4.º do regime aprovado por este diploma resultam condições objetivas, subjetivas e formais para que seja possível a renúncia à isenção.

65. O artigo 4.º do regime especial de renúncia à isenção nas operações imobiliárias estabelece as formalidades para a renúncia à isenção, sendo essencial que a renúncia seja validamente exercida através da emissão prévia de um certificado eletrónico, no momento da celebração da respetiva escritura pública de compra e venda ou do contrato de locação.

66. Este certificado tem por efeito titular que os sujeitos passivos intervenientes na operação manifestaram à AT a intenção de renunciar à isenção de IVA nessa concreta operação, declarando estar reunidas as condições legalmente previstas para que a renúncia se efetive, sendo válido por seis meses.

67. No entanto existem especificidades a considerar, aquando da emissão do certificado eletrónico, quer estejamos perante uma transmissão de imóveis ou uma locação.

68. Desde logo, no que respeita ao contrato de locação, quem exerce o direito em apreço é o sujeito passivo locador do imóvel, solicitando eletronicamente para esse efeito o respetivo certificado.

69. Conforme refere Isabel Vieira dos Reis "Quanto à transmissão de imóveis, cabe salientar, ainda que o artigo 12º n.º 5, do Código do IVA refira que é o sujeito passivo que efetua a transmissão do direito de propriedade de prédios urbanos que pode renunciar à respetiva isenção, o artigo 6.º, n.º 2, do regime em analise estabelece que são sujeitos passivos do imposto os "adquirentes" de bens imóveis em relação aos quais tenha havido renúncia à isenção na respetiva transmissão. Pelo que, conclui-se, que quem é o titular de opção pela renúncia é o transmitente do imóvel. Exercendo o transmitente este direito, opera a inversão do sujeito passivo e o adquirente substitui-se ao transmitente do imóvel na liquidação do imposto devido."

70. Conforme refere o relatório de inspeção (...) a renúncia é exercida por opção que é conferida ao sujeito passivo e não uma obrigação.

Logo, nos casos em que opte por tal renúncia, é obrigatório o cumprimento dos requisitos de aplicação do RRIIOBI, para o qual devem ser verificadas as condições objetivas e subjetivas deste regime.

Não foi por casualidade que o legislador definiu o artigo 4.º do RRIIOBI, com a sua designação "Formalidades para a renúncia à isenção" (...)

Neste artigo são definidas as formalidades a terem conta caso o sujeito passivo pretenda optar pela faculdade que lhe é dada nos termos do artigo 12º do CIVA.

Caso não as pretenda cumprir, não deverá o sujeito exercer tal opção, ficando assim sujeito ao regime regra disposto na isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA e restantes disposições do CIVA."

71. Concluindo que"(...) não se pode deduzir que formalidades relativas à opção de renúncia à isenção colocam em causa o princípio da neutralidade invocado. Pois a renúncia à isenção do IVA não é uma imposição, mas sim uma faculdade atribuída aos sujeitos passivos, segundo um regime específico com condições, obrigações e formalidades bem definidas."

72. Face ao exposto, conclui-se pela improcedência dos argumentos invocados pela Reclamante no que respeita a esta questão, devendo ser indeferida a sua pretensão.

HH) Em 13-11-2019, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

III.2. Factos não provados

8. Não se provou:

I) que o Requerente, aquando do pedido de emissão dos certificados de renúncia à isenção para as frações B, H e Q, requereu certificados para “locação”, indicando que a opção pela renúncia estava a ser feita ao abrigo do artigo 12.º, n.º 4, do Código do IVA (artigo 14.º do ppa);

II) que, aquando da submissão do pedido de emissão de certificado de renúncia, o Portal das Finanças da AT não se encontrava a funcionar devidamente, impossibilitando o Requerente de obter certificados alusivos à “locação” (artigo 15.º do ppa);

III) que, aquando do pedido dos certificados para as frações B, H e Q, o Requerente selecionou a opção “locação”, mas o Portal das Finanças registava o pedido formulado pelo Requerente como sendo para uma operação de “transmissão” (artigos 16.º e 17.º do ppa);

IV) que esta alteração tenha sido promovida, automática e autocraticamente, pelo Portal das Finanças e que não era percetível ao Requerente (artigo 19.º do ppa).

III.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

9. A decisão da matéria de facto resultou, conforme indicado a propósito de cada um dos pontos do probatório, do exame dos documentos apresentados pelo Requerente e pela Requerida, bem como dos constantes do processo administrativo junto, das indicações resultantes de informações oficiais, não impugnadas, reportadas nos autos, e da apreciação dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo Requerente, C..., Directora Financeira, e D..., Contabilista Certificada, e pela testemunha arrolada pela Requerida, E..., Especialista Informática na AGI-Área Gestão de Impostos-Núcleo de Impostos sobre IVA e Património.

Explicite-se, relativamente aos factos dados como provados nas alíneas M) e N), que o Tribunal considerou provado que o Requerente pretendia renunciar à isenção de IVA relativamente à locação das fracções indicadas (alínea N)) e não quanto à sua transmissão, em atenção aos depoimentos das testemunhas C... (“não tenho dúvidas que o objectivo nestas fracções sempre foi o arrendamento”) e D... (arrendamento “foi o pedido que me fizeram quando eu fiz os pedidos no Portal de Finanças”) que afirmaram convictamente que o destino locativo era o visado para essas fracções, o que surge corroborado pelo facto de nos certificados relativos às renúncias à isenção respeitantes às referidas fracções B, H e Q (docs. n.ºs 5 e 6 juntos com o ppa), os valores indicados como «valor da transmissão» em cada um deles serem os valores das respectivas rendas mensais.

No entanto, o Tribunal considerou provado, na indicada alínea M) do probatório, que os pedidos de emissão dos certificados foram efectuados pelo Requerente para operações de transmissão de bem imóvel, porquanto é igualmente isso que resulta dos teores dos próprios certificados juntos como docs. 5 e 6 ao ppa e porque não foi dado como provada qualquer deficiência do Portal das Finanças e do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira destinado à obtenção dos certificados, conforme factos não provados I), II), III) e IV).

Com efeito, não foi feita prova da deficiência do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira aquando da obtenção dos certificados de renúncia à isenção de IVA respeitantes às fracções B, H e Q, que foi alegada pelo Requerente.

Desde logo, considera o Tribunal Arbitral que, afirmando o Requerente que a alteração que diz ter sido promovida, automática e autocraticamente, pelo Portal das Finanças, não lhe era nem foi perceptível, não é convincente a tentativa de explicação pormenorizada que faz nos artigos 14.º a 19.º do pedido de pronúncia arbitral.

A falta de credibilidade dos factos afirmados pelo Requerente nos pontos referidos é corroborada pelo facto de, no artigo 89.º da reclamação graciosa que apresentou (doc. n.º 17 ao ppa), o Requerente ter afirmado que «aquando da submissão do pedido de emissão de certificado de renúncia, o Portal das Finanças não se encontrava a funcionar devidamente, o que não raras vezes se verifica, impossibilitando assim o Reclamante de selecionar a opção de locação, e apenas permitindo a seleção da opção de transmissão», o que é diferente de lhe ter sido permitido selecionar «a opção “locação”, mas o Portal das Finanças registava – inexplicavelmente - o pedido formulado pela Requerente como sendo para uma operação de “transmissão”» (arts. 17.º e 18.º do ppa) e esta alteração ter sido promovida, automática e autocraticamente, pelo Portal das Finanças e que não era percetível à Requerente (art. 19.º do ppa).

Na verdade, o que o Requerente afirmou na reclamação graciosa levaria a concluir que teria seleccionado a opção «transmissão» por a tal ter sido obrigado, por ser a única que o sistema informático permitiria seleccionar, o que é diferente de ter seleccionado a opção «locação» e o sistema informático alterar automaticamente para «transmissão».

Para além disso, quando exerceu o direito de audição (cfr. o doc. n.º 14 ao ppa), o Requerente não referiu qualquer destes alegados factos sobre o deficiente funcionamento do sistema informático, antes afirmou o seguinte:

– que aquando do pedido de emissão do certificado de renúncia à isenção para a fração Q, deveria ter mencionado expressamente que o mesmo se destinava a arrendamento, indicando que a opção pela renúncia estava a ser feita ao abrigo do artigo 12.º n.º 4 do Código do IVA;

– «contudo, o certificado de renúncia foi solicitado com fundamento no artigo 12.º n.º 5, como se o imóvel se destinasse a transmissão»;

– «não obstante o certificado ter sido emitido com este lapso, espanta à ora Exponente que a AT não tenha tido a capacidade de verificar que tal situação se trata, efetivamente, de um lapso...».

É certo que, ao exercer o direito de audição, o Requerente aludiu ao deficiente funcionamento do sistema informático, mas, em vez de afirmar a «certeza» que agora alega, limitou-se a aventar, como mero palpite, que «muito provavelmente» terá sido isso que sucedeu.

Por outro lado, constata-se pelas outras certidões apresentadas pelo Requerente (cfr. designadamente o facto provado na alínea T) do probatório) que, tanto antes como depois da data em que o Requerente obteve os certificados relativos às fracções B e H, o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira permitiu a obtenção de vários certificados de renúncia à isenção relativos a locação, que são indicados pelo Requerente no artigo 90.º da reclamação graciosa, o que indicia que o sistema informático tinha devidamente essa potencialidade.

Para além disso, deve dizer-se que, apesar de o print do Portal das Finanças apresentado pelo Requerente no artigo 16.º do pedido de pronúncia arbitral para mostrar como seleccionou a opção «locação» não ter sido, naturalmente, efectuado quando o Requerente pediu os certificados para as frações B, H e Q (que, aliás foram pedidos em momentos diferentes) demonstra que seleccionou a opção «Transmissão», pois é essa que está com fundo azul, assinalando a selecção.

Acresce ainda que os documentos juntos pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativos ao funcionamento do sistema informático (ficheiro de logs de dados relativos ao acesso a opção de “Emissão de certidão Renúncia IVA” pelo Requerente nos dias 2011-08-10 e 2012-05-17 junto como doc. n.º 2 à reposta) não permitem detectar qualquer deficiência de funcionamento.

Pelo seu lado, os depoimentos das testemunhas C... e D... não se mostraram relevantes para comprovar qualquer deficiência do sistema informático na data da formulação dos pedidos em causa pela razão decisiva de só terem verificado que os certificados em causa foram emitidos para transmissão de bem imóvel após a realização da inspecção tributária em 2018, pelo que não presenciaram ou experienciaram a alegada deficiência informática. Com efeito, foi o seguinte o teor dos depoimentos destas testemunhas a este respeito, que evidenciou não possuírem conhecimento directo da factualidade em causa:

- a testemunha C... declarou não ter sido quem formulou os pedidos de certificado de renúncia da isenção de IVA, pois quem faz o pedido é o TOC, e que nunca detectou “nenhum erro anteriormente a esta inspecção”, “na altura não nos apercebíamos do erro”, tendo referido que só depois disso, portanto 5, 6 anos depois da emissão dos certificados, experienciou que se verificavam, noutros casos, alterações, após o momento da opção, no scroll down, de “locação” para “transmissão”, mais declarando que não lê os certificados, o que vai ver é o valor (“não vou ler o parágrafo grande em que lá pelo meio diz que é locação ou transmissão, eu não verifico e com certeza a pessoa que o pediu também não verificou, senão teríamos pedido outro”; “se calhar ninguém olha aos certificados”);

- a testemunha D..., que declarou ter feito os pedidos dos certificados de renúncia em causa, afirmou que “no decorrer deste processo é que se apercebeu que o que saiu foi transmissão”, “preenchíamos e submetíamos” e só deu conta do erro depois do RIT, tendo então verificado que, com o scroll down, eventualmente por se trabalhar com o rato em vez de com o teclado, muda a opção de “locação” em “transmissão”, embora reconhecendo que se fizesse scroll up poderia alterar a opção, mais declarando que não revia os certificados (“infelizmente vou buscá-los e envio-os para os destinatários”).

Diferentemente, em termos que, pelo seu cariz seguro e inequívoco, mereceram inteira credibilidade ao Tribunal, a testemunha E..., especialista de informática, que já trabalhava na altura dos factos no Núcleo do IVA e do Património, Núcleo responsável pela elaboração da aplicação informática relativa à apresentação dos pedidos de certificado de renúncia de isenção do IVA, explicou de forma clara e precisa: que, do conhecimento que tem, sempre existiu, desde o início da aplicação, uma janela de pré-visualização, com os campos preenchidos, que mostra se a certidão corresponde ao que o sujeito passivo pretendia, e onde se indica se é transmissão ou locação; que em relação a outra certidão solicitada nesse dia, com diferenças de minutos no log in, não houve qualquer “transformação” de locação para transmissão; que nunca existiu qualquer reporte de uma situação destas, sendo esta a primeira vez que isto se colocou e apenas na sequência da instrução deste processo arbitral; que a aplicação já é antiga, remontando a 2007, sem indicação de anomalias, apenas tendo variando o lay out por força unicamente de correspondentes modificações verificadas no Portal das Finanças e não por qualquer anomalia. Mais explicou que se ponderou no Núcleo esta situação e que não se considerou viável a existência de um tal bug e “que é impossível a existência deste tipo de troca”, mas que, em qualquer caso, se houver um erro por parte do contribuinte após a submissão do pedido basta que o segundo outorgante não confirme para a certidão não ser validada e poder ser corrigida.

Neste contexto, é convicção do Tribunal Arbitral que o Requerente, ainda que possa ter sido por erro, seleccionou a opção «Transmissão» em vez da opção «Locação» ao pedir os certificados de isenção relativos às fracções B, H e Q, que foram, pois, emitidos nesses termos (cfr. as alíneas M) e O) dos factos provados).


Na decisão fundamento proferida no processo n.º 494/2017-T, foram dados como provados os seguintes factos:

A. O Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular que se dirige fundamentalmente a investimentos associados a projetos de reabilitação e recuperação urbana destinados a comércio, habitação e escritórios, nomeadamente, através da aquisição de imóveis degradados e/ou com elevado grau de obsolescência, suscetíveis de serem reconvertidos ou de alterarem o seu uso.

B. Até 2012 a atividade do Requerente em sede de IVA consistiu fundamentalmente em operações económicas relativas a dois imóveis por si adquiridos:

(i) construção e exploração, através da atividade de arrendamento, do imóvel sito na ..., n.º..., em Lisboa; e

(ii) aquisição de serviços de construção referentes ao imóvel sito na Rua..., n.º..., em Lisboa;

C. Para efeitos de IVA, no ano de 2012 o Requerente encontrava-se enquadrado no regime normal com periodicidade trimestral;

D. O Requerente pratica, por um lado, operações sujeitas a IVA e dele não isentas e, por outro, operações sujeitas a imposto, mas dele isentas, apurando o IVA dedutível através do método da afetação real de todos os bens e serviços;

E. Foi promovida pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Lisboa uma ação de inspeção externa de âmbito parcial ao ano de 2012, sob a ordem de serviço n.º OI2016..., com vista à análise do reporte do IVA existente no período de 201212T, o qual persistia desde o período de 201012T e ascendia a € 503.362,14;

F. Na sequência da referida ação inspetiva foram realizadas correções em sede de IVA, no montante total de € 94.815,33, correspondendo € 10.357,12 a imposto não liquidado, alegadamente em falta, e € 84.458,21 a imposto deduzido indevidamente, no entendimento dos serviços de inspeção tributária;

G. A correção de € 10 357,12 é referente ao imposto que deveria ter sido liquidado, e não o foi, sobre o valor de três cauções prestadas em contratos de arrendamento celebrados em 2012 (2º, 3º e 4º trimestres) que, no entendimento da AT, constituem operações tributáveis;

H. A correção ao IVA deduzido, no valor total de € 84.458,21, respeita a imposto deduzido no período de 201012T, no qual se apurou um crédito de imposto ascendente a € 626.400,89, que foi sendo acumulado até ao período de 201112, tendo sido utilizado a partir do período de 201203T;

I. Na sequência das correções efetuadas o Requerente foi notificado, em maio de 2017, dos atos tributários em crise, dos quais resulta a desconsideração do crédito de imposto a reportar para os períodos seguintes, no montante total de € 94.815,33, o que deu origem a imposto a pagar naquele valor nos períodos de abril a setembro de 2014, apurando-se ainda juros moratórios no valor total de € 13.727,08;

J. Em consequência, o Requerente foi citado para os processos de execução fiscal números ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017... e ...2017... e ...2017..., relativos aos referidos períodos de abril a setembro de 2014, instaurados para cobrança coerciva do montante total de € 94.815,33;

K. A 16 de junho de 2017 o Requerente procedeu ao pagamento do imposto no âmbito dos identificados processos de execução fiscal, e em 11 de julho de 2017, dos correspondentes juros de mora;

L. Por não se conformar com os atos tributários em crise, em 1.09.2017 o Requerente requereu a constituição do tribunal arbitral.


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2.2.- Motivação de Direito

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se é admissível o pedido de uniformização de jurisprudência pretendido, uma vez que a decisão arbitral recorrida, perante o mesmo enquadramento, quer de facto, quer de direito, decidiu em sentido oposto ao da decisão fundamento, no que respeita à contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA, em caso de dedução indevida, tendo entendido que no caso da decisão fundamento, foi determinado que o início da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação para efeitos do artigo 45.º, n.º 1 e n.º 3 se verifica na data da declaração em que foi exercido efetivamente o direito à dedução, enquanto na decisão recorrida foi considerado que o início da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação para efeitos do artigo 45.º, n.º 1 e n.º 3 ocorre em cada momento em que o sujeito passivo exerce o direito à dedução ou vê renovado o direito à dedução (em várias declarações, ao longo do tempo).

Vejamos.

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2.2.1. Da admissibilidade do recurso de uniformização

O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi artigo 25.º, nºs. 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária — “RJAT”, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 763/2019–T, de 30/12/2020, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é Recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, invocando oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral com o nº 494/2017-T, de 27/06/2018, na apreciação que foi feita da questão relativa à contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA, em caso de dedução indevida.
Neste Supremo Tribunal o Ministério Público sustenta, pelas razões vertidas no seu douto Parecer supra transcrito e que infra se destacarão, a inverificação dos requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº 152º do CPTA, e das quais dissente o recorrente.
Importa, então e preliminarmente, perante o circunstancialismo fáctico-jurídico seleccionado aquilatar da verificação dos requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito previsto pelo artº 25º, nº 2 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, DL nº 10/2011, de 20/1).
Consoante o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Na redacção inicial do n.º 2 do art. 25.º do RJAT, o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral de mérito por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito estava previsto, exclusivamente, para as situações em que essa oposição fosse com acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo ou de um dos tribunais centrais administrativos (e já não para as situações de oposição com outras decisões dos tribunais arbitrais).
Com a nova redacção dada a esse preceito pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, entrada em vigor em 1 de Outubro de 2019, o legislador alargou o âmbito daquele recurso, de modo a nele passar a admitir a oposição entre decisões arbitrais [cfr. arts. 1.º, alínea m), 17.º e 26.º, n.º 1, da referida Lei].
Tendo a decisão sob recurso sido proferida depois da data de entrada em vigor da nova redacção, esta é-lhe aplicável.
Cfr. nesse sentido, o acórdão do Pleno da Secção do CT de 20.05.2020, no recurso de uniformização de jurisprudência nº 078/19.3BALSB, consultável em www.dgsi.pt .
A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral (cfr. o nº 3 do mesmo art. 25º).
O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (152º do CPTA) é a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados.
Nessa senda, os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cf., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, pags. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pág. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, todos in www.dgsi.pt.
Não obstante, determina o n.º 3 do artigo 152.° que, "o recurso não é admitido se a orientação perfilhada na decisão impugnada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.”
Em suma e tal como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, e o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/1 disponível no sítio da Internet wvww.dgsí.pt, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: (i) contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral; (ii) trânsito em julgado do acórdão fundamento; (iii) existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; (iv) ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Acresce que quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto, oposição que deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica. E as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais, podendo ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas em oposição ao acórdão recorrido.
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2.2.2.- Da análise do caso concreto:

No caso sub judicibus, seguindo a sinopse delineada pelo EPGA no seu douto Parecer e concordando inteiramente com a solução ali propugnada, é por demais manifesto, que as situações fáctico-jurídicas são dissemelhantes em ambas as decisões.
Assim, como flui cristalino do acima relatado, na decisão arbitral fundamento (494/2017-T CAAD), estavam em causa liquidações adicionais das quais advieram imposto a pagar e respectivos juros.
na decisão recorrida (763/2019-T CAAD) as liquidações somente originaram uma correcção ao montante de imposto a reportar, não tendo determinado qualquer montante a pagar.
Logo por aqui se antolha que a factualidade apurada não é idêntica na decisão recorrida e na decisão fundamento, como resulta da análise dos factos provados em ambas as decisões.
Na esteira do douto Parecer do Ministério Público, as decisões postas em confronto aparentam uma certa similitude pois num deles se considerou que o prazo de caducidade do direito à liquidação respeitante a correcções relativas ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo é de 4 anos a contar da entrega de cada declaração em que se exerce o direito à dedução ou crédito de imposto (tanto a primeira como cada renovação), e, no outro, se entendeu que o prazo de caducidade é de 4 anos a contar da data da declaração em que foi exercido o direito à dedução e não de cada renovação (reconduzível a uma nova declaração) do direito à dedução enquanto houver crédito de imposto.
Mas essa não corresponde à identidade requerida pelo que atrás se disse e é apontado pela recorrida AT: na decisão arbitral fundamento estavam em causa liquidações adicionais das quais resultaram imposto a pagar e respectivos juros, e, ao invés, na decisão recorrida, as liquidações apenas geraram uma correcção ao montante de imposto a reportar, não tendo determinado qualquer montante a pagar.
Por assim ser, como é, as situações de facto não são substancialmente idênticas na conceitualização acima fixada o que traz implicado, em perfeito silogismo lógico, que as soluções jurídicas adoptadas terão forçosamente que ser diferentes, tanto mais que o prazo de caducidade do direito à liquidação atinente a correcções operadas quanto ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo, não pode iniciar a sua contagem em igual momento.
Explicitando melhor: em ambas as decisões foi entendido que o prazo de caducidade do direito à liquidação se conta a partir do momento em que o direito à dedução é exercido mas esteve subjacente um entendimento diverso do que se entende por exercício do direito à dedução.
Assim, para a decisão arbitral fundamento, teve-se em conta para efeitos do exercício do direito à dedução o momento em que o valor a deduzir foi subtraído na declaração (subentende-se que pela primeira vez); já para a decisão arbitral recorrida, teve-se por exercício do direito à dedução pelo método do reporte cada operação de reporte em si mesma.
Tal implica que, a haver contradição, como se deixou antever, ela será meramente implícita, na acepção de que só pode surpreender-se no subentendido na decisão arbitral fundamento.
E, como se disse acima, as contradições implícitas não constituem fundamento bastante para uniformizar.
Assim, é forçoso concluir que as questões de facto e de direito versadas na decisão recorrida e na decisão fundamento são diversas, não tendo suficientes pontos em comum para que se possa concluir ocorrer uma efectiva contradição entre ambas e, nessa medida, o recurso não pode ser conhecido.

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3.- Decisão


Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela recorrente com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida nesta instância.

Comunique-se ao CAAD.

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Lisboa, 24 de Novembro de 2021

José Gomes Correia (Relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.