Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0803/16
Data do Acordão:09/27/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:QUESTÃO DE FACTO
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
Sumário:Suscitando o recorrente questão de facto da qual pretende extrair consequências jurídicas, o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito, sendo, por isso, competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo e não o Supremo Tribunal Administrativo.
Nº Convencional:JSTA000P22286
Nº do Documento:SA2201709270803
Data de Entrada:06/24/2016
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem a Autoridade Tributária e Aduaneira recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que exarada a fls. 110/120, que julgou procedente a pretensão formulada pela recorrida e a intimou a proceder ao reembolso à recorrida do montante de € 11.357,16, no entendimento de que o dever jurídico da Administração Tributária se mostra definido por despacho do Chefe do Serviço de Finanças da Maia de 04/04/2011, sendo o despacho de 19/06/2012, que revogou aquele, ilegal face ao estatuído no artigo 141º do Código de Procedimento Administrativo, na redacção então vigente.


Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I- A sentença do Tribunal “a quo” determinou que a intimação para um comportamento era o meio adequado para acolher o pedido da intimante.
II- Não podemos concordar com tal entendimento, pois o pedido da intimante resumiu-se a”….constitui-se a Autoridade Tributária, através do despacho proferido pelo Sr. Chefe de Finanças da Maia que supra transcrevemos, na obrigação de reembolsar a aqui requerente no montante supra mencionado”.
III- Ora, tendo a garantia sido prestada em 23/03/2007 e a Oposição deduzida em 26/03/2007, poderia a intimante ter apresentado o pedido indemnização nos termos do artigo 53° da LGT.
IV- Consiste esta questão em saber se, no âmbito do pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, da conjugação do disposto nos art°s. 171° do CPPT e 53°, 100° e 102° da LGT resulta que, não tendo sido exercido tal direito através de pedido apresentado no procedimento ou processo tributário (no caso, oposição judicial) pode ainda formular-se esse pedido.
V- Com efeito, a mais recente jurisprudência desse Tribunal Superior, vem entendendo que, por força do art° 53° da LGT, o contribuinte tem direito a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária ou equivalente que este tenha oferecido para obter a suspensão do processo de execução fiscal, no caso de esta vir a revelar-se indevida por força do vencimento em processo judicial ou em procedimento tributário onde era discutida a legalidade da dívida. E mais tem entendido que essa indemnização tanto pode ser requerida nesse procedimento, nesse processo judicial ou autonomamente.
VI — Assim de acordo com jurisprudência dos Tribunais superiores, a intenção do legislador foi a de que esta indemnização pudesse ser requerida e definida logo no procedimento ou processo tributário onde se discute a legalidade da dívida garantida, sem prejuízo de a parte poder formular essa pretensão em processo autónomo, pois só esta leitura permite compatibilizar o direito expressamente consagrado no artigo 53.° da LGT com a norma ínsita no artigo 171º do CPPT.
VII- Resta a questão de saber se, não tendo a intimante exercido esse direito através do referido enxerto no processo tributário, não dispondo, assim, de decisão que condene a Administração ao pagamento da aludida indemnização, não estando esta obrigada ao seu pagamento em execução espontânea do julgado, pode, ainda assim, o lesado formular esse pedido em execução coerciva do julgado anulatório, isto é, no meio processual acessório do processo tributário onde foi anulada a dívida garantida.
VIII - Todavia, no contencioso tributário a tutela é indirecta, no sentido de que cabe à Administração tomar as providências adequadas em ordem a que a decisão anulatória produza os seus efeitos práticos normais. E daí que, salvo nos casos de impossibilidade ou de grave prejuízo para o interesse público, impenda sobre a Administração, na execução da decisão anulatória, o dever de reconstituir a situação (hipotética) que existiria à data do trânsito em julgado, como se o acto ilegal não tivesse sido praticado. É o que resulta das normas contidas nos artigos 100º e 102.° da Lei Geral Tributária.
IX- Destes preceitos, conjugados com as normas do CPTA sobre a execução de sentenças de anulação de actos administrativos, aplicáveis por força daquele n.° 1 do artigo 102.° da LGT, resulta, pois, que em caso de procedência da impugnação (meio judicial onde foi proferida decisão anulatória da liquidação em causa nestes autos), a Administração fica obrigada a reconstituir a situação jurídica hipotética, repondo a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, por forma a que a ordem jurídica seja reintegrada e o beneficiário da anulação veja reparado os danos sofridos em resultado da prática desse acto (cfr. artigo 173.° do CPTA).
X- Deve, assim, a Administração praticar, na execução da decisão anulatória, os actos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada e à reconstituição da situação actual hipotética, isto é, restabeleça a situação que o interessado tinha à data do acto ilegal e reconstitua, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o acto não tivesse sido praticado.
XI- E a este propósito refere o Acórdão de 24/11/2010, processo n° 01103/09 do STA: "….resulta o dever, para a Administração, de reconstituir a situação que actualmente existiria se tal acto ilegal não tivesse sido praticado, dever que decorre directamente da lei, sem necessidade de uma decisão declarativa, não fazendo hoje sentido a doutrina, antes seguida, de obrigar o contribuinte a munir-se previamente de uma prévia decisão condenatória do pagamento dessa indemnização, obtida no processo de impugnação judicial. E é este dever de reconstituição que justifica que a pretensão indemnizatória prevista no artigo 53.° da LGT seja requerida e obtida em processo de execução de julgado”.
XII- O erro na forma do processo que, como é sabido, se afere pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo.
XIII- No caso sub judice, o pedido formulado pela intimante — que transcrevemos no ponto 3 a) — é de que lhe devolvido o montante suportado com a prestação da garantia.
XIV- Tal pedido é típico do processo de Execução de sentenças, não do processo de intimação para um comportamento.
XV- A acção de intimação para um comportamento, regulada no artigo 147° do CPPT, exige vários requisitos cumulativos, sendo que basta que exista outro meio contencioso mais adequado ao caso concreto, para que este tipo de acção não se aplique. E, efectivamente é o que sucede.
XVI - Assim, caso se verificassem os restantes requisitos acima enunciados, caberia ainda apurar se este meio processual era o mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva do direito que a intimante pretende fazer valer, ou se existem outros que satisfaçam esse requisito.
XVII- Ora, no caso o meio adequado para reagir e a acção de execução de julgados nos termos do CPPT, que remete para o CPTA.
XVIII- Isto, em teoria, já que, se a recorrente deixou correr os prazos legais sem usar desse meio contencioso, não pode agora usar o presente meio só porque este não depende de prazo.
XIX- Concluímos então que o meio processual usado pela intimante não é o adequado para satisfação do direito que pretende fazer valer.
XX- Concluindo-se que não estão verificados os requisitos legais para uso do meio processual de intimação para um comportamento, previsto no art° 147° do CPPT, põe-se a questão de saber se pode ser corrigida a forma processual, em obediência ao disposto nos art°s 97°, n° 3 da LGT e 93°, n° 4 do CPPT, mandando seguir a legalmente adequada?
XXI- Na verdade, essa convolação não pode ser ordenada quando existam obstáculos de ordem legal impeditivos da mesma, nomeadamente a intempestividade, a inadmissibilidade do pedido e a adequação do pedido e da causa de pedir à forma processual correcta.
XXII- No caso dos autos, nem o pedido nem a causa de pedir se adequam a um pedido de intimação para um comportamento, uma vez que existe pelo menos um outro meio contencioso que tutela de forma mais eficaz o direito de que a intimante se arroga.
XXIII- Além do mais, e tal como defendemos na nossa Resposta, a intimante não tem qualquer direito a ser reembolsada dos montantes com os encargos prestados com a garantia.
XXIV- A ora intimante deduziu oposição à execução fiscal contra si revertida no processo de execução fiscal n° 3506200107000162, solicitando a extinção da execução fiscal. Veio suscitar a questão da prescrição das dívidas tributárias (artigo 204/1 al.d) do CPPT), no sentido de extinguir o processo de execução fiscal. (Oposição n° 22//07.0 BEPRT)
XXV- O Tribunal analisou a questão da prescrição e concluiu pela” verificação da prescrição da divida exequenda, cujo processo executivo se encontra apenso aos presentes autos.(...) determinando, em consequência, a extinção da execução revertida contra a oponente...”.
XXVI- No caso concreto, chamamos à colação o Acórdão desse Tribunal, no processo n° 0889/10 de 29-06-2011 que no seu Sumário refere o seguinte:
‘1 - Desde que o tribunal invoque uma razão para justificar a abstenção de conhecer de quaisquer questões que lhe tenham sido colocadas, não se verifica a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, mesmo que, segundo a tese exposta, tivesse cabimento ou fosse justificado o conhecimento dessas questões.
II - O facto de o lesado não ter exercido o direito à indemnização pela prestação de garantia indevida, previsto no artigo 53.° da LGT, dentro do processo tributário de impugnação judicial, e de não dispor, assim, de decisão que condene a Administração Tributária ao pagamento dessa indemnização, não obsta à formulação desse pedido em execução coerciva do julgado.
III - O direito de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia indevida, previsto no artigo 53.° da Lei Geral Tributária, só é reconhecido na proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida: no caso de vencimento total, serão indemnizáveis todos os prejuízos, com o limite previsto no n.° 3 deste artigo; no caso de vencimento parcial, esses prejuízos serão indemnizáveis na proporção do vencimento.
IV - Não há suporte legal para aplicar esse regime indemnizatório às situações em que a instância impugnatória se extinguiu por inutilidade superveniente da lide face à prescrição das dívidas tributárias impugnadas.”
XXVII- Assim, tal como foi reconhecido em sede de processo administrativo está aqui em causa um pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, cujo regime legal consta do artigo 53° da LGT.
XXVIII- O Acórdão citado é claro no que respeita à situação dos presentes autos, pelo que transcrevemos na parte que nos parece mais relevante: Donde decorre, desde logo, que o direito de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia só é reconhecido na proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida: no caso de vencimento total, serão indemnizáveis todos os prejuízos, com o limite previsto no n.° 3 deste artigo; no caso de vencimento parcial, esses prejuízos serão indemnizáveis na proporção do vencimento. Por conseguinte, e como se vê, aliás, pela epígrafe deste artigo 53.° da Lei Geral Tributária, esta norma só reconhece o direito à indemnização do contribuinte pelo prejuízo decorrente da prestação de garantia quando esta tenha sido indevidamente prestada, e a natureza indevida tem de ser evidenciada pelo vencimento de reclamação, impugnação, recurso ou oposição à execução com que estiver conexionada a prestação de garantia. Como se deixou explicado no acórdão proferido por esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, em 24/09/2008, no Proc. n.° 412/08, «é nesses casos em que o contribuinte tinha total ou parcialmente razão e prestou garantia para suspender a execução fiscal que se poderá falar com alguma propriedade, em «prestação indevida», por esta prestação só se ter tornado necessária, total ou parcialmente, por ter praticado um acto ilegal, um acto indevido, um acto que não devia ter sido praticado à face da lei.». “Sendo assim, não há suporte legal para aplicar o citado regime indemnizatório às situações em que a instância impugnatória se extinguiu por inutilidade superveniente da lide face à prescrição das dívidas tributárias impugnadas. Nessas situações, não há uma sentença de anulação, total ou parcial, dos actos de liquidação impugnados, não há vencimento, parcial ou total, da acção.” (sublinhado nosso).
E, conclui: “Com efeito, como vem sendo repetidamente afirmado pela doutrina e pela jurisprudência, a prescrição da obrigação tributária não constitui um vício que inquine o acto tributário de liquidação, pois não afecta a sua validade, apenas podendo conduzir à ineficácia, pela inexigibilidade da obrigação. E é legítima a apreciação da prescrição no processo de impugnação, não como questão de fundo, tendente à procedência da demanda, mas com vista à eventual declaração da inutilidade da lide impugnatória, pois que se a dívida decorrente do acto de liquidação estiver prescrita, nem o credor a pode exigir, nem o devedor pode ser constrangido a pagá-la, o que torna inútil a apreciação da legalidade do acto impugnado e a sua anulação. Deste modo, quando a sentença é de extinção da instância por inutilidade da lide face à prescrição da dívida, os actos impugnados não são apreciados quanto à sua validade nem eliminados da ordem jurídica, pelo que, em tal situação, não se pode afirmar que o contribuinte foi forçado a suportar despesas para obter a suspensão da cobrança coerciva da dívida emergente de acto ilegal.
Não havendo violação da ordem jurídica, não há razão para a sua reconstituição nos termos previstos no artigo 100.° da LGT, bastando-se a execução dessa sentença com a extinção dos processos de execução onde estavam a ser cobradas coercivamente as obrigações tributárias que foram declaradas extintas por prescrição. Ante o exposto, improcede o pedido formulado, por falta de verificação dos requisitos previstos no artigo 53.° da LGT para a condenação da Administração Tributária ao pagamento de indemnização pelos encargos suportados pela Impugnante com a prestação de garantias.(sublinhado nosso)
XXIX - Pelo exposto, e na senda da jurisprudência dos Tribunais superiores, é nosso entendimento, que a intimante não tem direito à indemnização nos termos do artigo 53° da LGT.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser provido o presente recurso e revogada a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer, que na parte relevante se transcreve:
(…) A nosso ver e ressalvado melhor juízo o presente recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito.
Na delimitação da competência do STA em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso (art. 635.°/4 do CPC), o recorrente pede a alteração da matéria de facto fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida (CPPT, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, 1 volume, páginas 223/225, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
O recurso não tem exclusivamente por fundamento matéria de direito se nas respectivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (acórdão do STA, de 2009.12.16-P.0738/09, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
São juízos de facto as ilações que o tribunal retira da factualidade apurada que não envolvem a interpretação de regras jurídicas ou a aplicação da sensibilidade jurídica do julgador.
Não devem considerar-se como invocação de matéria de facto as referências a peças constantes do processo, uma vez que todas as ocorrências processuais são de conhecimento oficioso acórdão do STA, de 2001.06.20-P. 26033, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Ora, resulta do teor das conclusões da recorrente em conjugação com o alegado a fls. 133 dos autos que aquela sustenta que inexiste o dever por banda da AT de proceder ao pagamento das despesas com a prestação da garantia por inexistência de título judicial ou administrativo que garanta o direito a tal montante. De facto, a recorrida fundamenta a intimação na existência do despacho de 04/04/2011 do Chefe do SLF respectivo que determina o pagamento dos juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 53.°/1 d da LGT, o que foi corroborado pela sentença recorrida, pois que a revogação de tal despacho teria sido operada em 19/06/2012, portanto para além do prazo de um ano, sendo por isso ilegal nos termos do disposto no artigo 141.° do CPA.
Sucede que a Fazenda Pública sustenta que a revogação do despacho em causa ocorreu em 29/02/2012, embora, por lapso tal despacho não tenha sido notificado, oportunamente, o que só veio a suceder em 2015, portanto dentro do prazo de um ano, o quer contraria a factualidade vertida no ponto 11 do probatório e consequentes ilações de facto tiradas pela decisão sindicada.
Ao alegar tal factualidade pretende a recorrente tirar evidentes consequências jurídicas, a saber, que não se mostram preenchidos os pressupostos para utilização da intimação para um comportamento, nos termos do disposto no artigo 147.° do CPPT, no caso a prévia definição, por via administrativa ou judicial, do dever jurídico da AT em pagar as despesas despendidas com a prestação da garantia.
Assim sendo, salvo melhor juízo, o STA é incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, sendo competente par o efeito o TCAN.
A recorrida poderá requerer a remessa do processo ao Tribunal competente, nos termos do estatuído no artigo 18.°/2 do CPPT.
Termos em que deve ser julgada por verificada a excepção de incompetência deste STA, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso julgando-se competente para o efeito o TCAN.

4 – Notificadas as partes desta questão prévia suscitada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, veio a recorrente argumentar o seguinte:
«A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) Ré e Recorrente nos autos supra e à margem identificados, em que é Autora e Recorrida A…………….., notificada do Parecer do Sr. Procurador-Geral Adjunto de 13/07/2016, vem, expor e requer o seguinte:
1 - Considera a ora Recorrente que o recurso por si apresentado versa apenas sobre matéria de direito;
2- Na verdade, em sede de conclusões das alegações do recurso interposto, a recorrente apenas vem suscitar a questão da impropriedade do meio processual e a correspondente impossibilidade de convolação na forma processual correcta; 3 — A recorrente limita-se a delimitar o âmbito do objecto do recurso ao erro na forma de processo, a indicar o meio processual adequado à pretensão da ora Recorrida e, a possibilidade de convolação, recorrendo inclusive a jurisprudência de Tribunais superiores.
4- Porém, caso assim não entenda esse douto Tribunal superior, requerer-se a remessa do processo ao competente Tribunal Central Administrativo Norte.»

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

6- Do probatório resulta apurada a seguinte matéria de facto:
1. Contra a recorrente reverteu o PEF n° 3506200107000162, instaurado pelo Serviço de Finanças da Maia 2 — Cfr. fls. 61 do processo físico.
2. A Requerente deduziu oposição à execução fiscal referida em 01), tendo alegado a prescrição da dívida exequenda e tendo a oposição sido julgada procedente e em consequência extinta a execução fiscal contra si revertida com base na prescrição alegada — Cfr. fls. 61/67 do processo físico cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
3. A requerente teve despesas com aprestação de garantia no processo executivo referido em 01) no montante de € 11.357,16 — Facto não controvertido; Cfr. fls. 08 do processo físico.
4. Na sequência da procedência da oposição referida em 02) a requerente solicitou o reembolso da quantia de € 11.357,16 por despesas decorrentes de ter prestado garantia bancária para suspender a execução referida em 01) — Cfr. fls. 68/69 do processo físico.
5. Em 04.04.2011 o Chefe do Serviço de Finanças, com base na Proposta do Chefe de Finanças Adjunto da mesma data, proferiu o despacho seguinte: “...De harmonia com o disposto no n° 1 do artigo 53º da LGT proceda-se à devolução dos juros indemnizatórios do montante de 11.357,166...”— Cfr. fls. 70 do processo físico.
6. A requerente foi notificada do despacho referido em 05) por ofício de 04.05.2011 e bem assim de que o despacho “...foi enviado ao Centro Regional de Segurança Social do Norte (...) para efeitos de pagamento” — Cfr. fls. 71/73 do processo físico.
7. Por ofício de 13.05.2011 foi oficiado à Direcção de Finanças do Porto — Divisão de Gestão da Dívida Executiva, no sentido de se apurar a quem cabe a responsabilidade pelo pagamento da indemnização requerida pela requerente — Cfr. fls. 74 do processo físico.
8. Em 06.10.2011 foi prestada, pela Direcção de Finanças do Porto — Divisão de Gestão da Dívida executiva, informação n° 2011-096, onde, entre o mais consta o seguinte:
“(...) O artigo 53º da LGT consagra o direito do contribuinte a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes da prestação da garantia bancária ou equivalente que tenha oferecido para a suspensão da execução fiscal, no caso de esta vir a revelar-se indevida por força do vencimento do procedimento ou processo tributário em que era controvertida a legalidade da dívida exequenda, podendo essa indemnização ser formulada tanto nesse procedimento ou processo tributário, como autonomamente. (...) este preceito consagra o direito do contribuinte a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária ou equivalente que tenha oferecido para obter a suspensão da execução fiscal, no caso de esta vir a revelar-se indevida por força do vencimento do processo em que era controvertida a legalidade da dívida exequenda, podendo essa indemnização “ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente”
(...) O revertido na sua oposição veio invocar a prescrição da dívida executiva, por sentença julgou-se extinta a execução, obtendo o vencimento da causa, ocorreu prestação de uma garantia “indevida”.
Parecer
Pelo exposto sou do seguinte parecer:
a) Que seja remetida cópia do presente parecer ao Serviço de Finanças, para eventual revogação do despacho proferido e reapreciação à luz dos dispositivos aplicáveis;
b) Mais se propõe, que o Serviço de Finanças na apreciação do pedido leve em consideração:
(...)“- Cfr. fls. 75/82 do processo físico.
9. Com base na informação e parecer referidos no ponto anterior foi pela Directora de Finanças Adjunta proferido despacho de “Concordo. Proceda-se como proposto”, em 11.11.2011 — Cfr. fls. 75 do processo físico.
10. Em 09.02.2012, na sequência do despacho referido no ponto anterior, foi prestada a seguinte informação:
“(...) JUNTADA/INFORMAÇÃO
A 2012-02-09 juntei aos presentes autos o Ofício (...) da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da DF do Porto que devolve a informação (...) averbada do Despacho da Directora de Finanças Adjunta proferido no âmbito do requerimento apresentado pela contribuinte A………….. (..) solicitando o reembolso de todas as despesas inerentes à garantia bancária apresentada.
1. Diz a informação que “Não está em causa um pedido de indemnização por caducidade de garantia previsto no n°6 do artigo 183°-A do CPPT (...) mas um pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, cujo regime substantivo consta do Art. 53º da LGT”.
2. O despacho da directora de Finanças Adjunta determina a revogação do despacho do Chefe de Serviço de Finanças proferido nos autos em 2011.04.04 e neles constante de fls. 199, que determinava a “(...) devolução dos juros indemnizatórios no montante de 11.357,16 e...”
3. Em face do exposto cumpre-me informar o seguinte:
3.1 A executada deduziu oposição alegando a prescrição da dívida, tendo visto a sua pretensão atendida por sentença de 2010-10-11 do TAF do Porto no Proc. 22/07.0 BEPRT.
3.2 Importa o total dos encargos suportados com a prestação de garantia, desde 2007-03-23 a 2011-03-03, o montante de € 11.357,16 (...), conforme a executada comprovou com os documentos bancários juntos aos autos (...)
3.3 O limite máximo a que se refere o Art 53º, n°3 da LGT é de €16.898,53.
3.4 A executada não é devedora de quaisquer dívidas à Fazenda Nacional.
4. Pelo exposto parece-me ser de atender à pretensão da requerente, porém, V EXª melhor decidirá...”
11. Na sequência da informação referida no ponto anterior, em 29.02.2012, o Chefe de Serviço de Finanças da Maia deferiu o pagamento da quantia reclamada pela requerente — Cfr. fls. 84 do processo físico.
12. Para efeitos de apreciação pelo pagamento a efectuar à requerente, o Serviço de Finanças da Maia remeteu à Direcção de Finanças do Porto — Divisão de Gestão da Dívida, entre o mais, o Despacho referido no ponto anterior — Cfr. fls. 85 do processo físico.
13. Em 19.03.2012 foi proferida informação pela Direcção de Finanças do Porto — Área de Justiça Administrativa, Divisão de Gestão da Divida Executiva, onde consta, entre o mais, o seguinte:
“(…) APRECIAÇÃO
O oponente alegou a prescrição da dívida executiva.
Vem o contribuinte, requerer o pagamento dos encargos suportados com a manutenção da garantia bancária apresentada, ao abrigo do artigo 53º da LGT.
(...) Aliás, o erro imputável encontra-se associado à legalidade da dívida (...)
Apesar de no caso em apreço, não se encontrar em discussão a legalidade da dívida, e apenas se fazer menção ao processo de reclamação e impugnação judicial (...)
Em face do exposto e tendo em conta a petição apresentada, propõem-se o indeferimento da petição, não sendo esta considerando meio próprio para o requerido, nem se considerando ver verificados os pressupostos da indemnização. “- Cfr. Fls. 87/91 do processo físico cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
14. Tendo por base a informação referida no ponto anterior, a Directora de Finanças, em 19.06.2012, indeferiu o pedido da requerente — Cfr. fls. 86 do processo físico requerente foi notificada do despacho e informação referidos nos dois pontos anteriores e bem assim da revogação do despacho referido em 04) em 2015 — Cfr. fls. 92/93 do processo físico.


7. Em face do teor da alegação de recurso e das respectivas conclusões e do teor do parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto a questão que aqui deve ser prioritariamente colocada é a de saber da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo.
A competência em razão da hierarquia integra pressuposto processual relativo ao Tribunal, constituindo requisito de interesse e ordem pública, devendo, por isso mesmo, o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria – cf. artigos 16º n.º 1 e 2 do CPPT e 13º do CPTA.
Ora, de harmonia com o disposto nos artigos 26º al. b) e 38º al. a) do novo ETAF e 280º n.º 1 do CPPT-, à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo compete apenas conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com exclusivo fundamento em matéria de direito.
Sendo que aos Tribunais Centrais Administrativos compete, por sua vez conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com excepção dos referidos na alínea b) do n.º 1, do citado art. 26.º do referido Estatuto.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à do Tribunal Central Administrativo deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas alegações e respectivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos. - vide neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 30.11.2016, recurso 637/16, de 12.03.2014, recurso 186/14, de 26.04.2012, recurso 1088/11, de 20.05.2009, recurso 18/09, de 03.10.2007, recurso 373/07, de 31.01.2007, recurso 1027/06 e de 17.01.2007, recurso 962/06, todos in www.dgsi.pt.
Como se disse no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 26.04.2012, recurso 1088/11, «para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos artigos 26º al. b), 38º al. a) do ETAF e 280º n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida».

E embora para aferir da competência, em razão da hierarquia, do Supremo Tribunal Administrativo, haja que atentar, em princípio, apenas no teor das conclusões da alegação do recurso (pois por aquelas se define o objecto e se delimita o âmbito deste - cfr. art. 635º do CPC) e verificar se, perante tais conclusões, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, a sua apreciação implica a necessidade de dirimir questões de facto (ou porque o recorrente defende que os factos levados ao probatório não estão provados, ou porque diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, ou, ainda, porque invoca factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa), não deixa de ser necessário confrontar as conclusões com a própria substância das alegações do recurso, nomeadamente, se nestas se afrontar expressamente, como é o caso, a factualidade que suporta a decisão.
Se o recorrente suscitar qualquer questão de facto, o recurso já não terá por fundamento exclusivamente matéria de direito, ficando, desde logo, definida a competência do Tribunal Central Administrativo (cf. neste sentido, o supra citado Acórdão de 30.11.2016, recurso 637/16).

No caso vertente o cerne da fundamentação da sentença recorrida assenta na constatação de que permanece na ordem jurídica o acto/Despacho do Chefe do Serviço de Finanças de 04.04.2011 que confere à requerente o reconhecimento ao recebimento da quantia peticionada a título de despesas havidas com a prestação de garantia, no montante de € 11.357,16, pois que a alegada revogação de tal despacho teria sido operada por despacho do Director de Finanças do Porto em 19/06/2012, portanto para além do prazo de um ano, sendo por isso ilegal nos termos do disposto nos artigos 138º e 141.° do Código de Procedimento Administrativo então vigente (cf. fundamentação da sentença a fls. 118/119).
Ora, como bem nota o Ministério Público no seu parecer, resulta do alegado a fls. 133 dos autos, em conjugação teor das conclusões, que a Fazenda Pública sustenta que a revogação do despacho em causa ocorreu em 29/02/2012, portanto dentro do prazo de um ano, embora, por lapso tal despacho não tenha sido notificado, oportunamente, o que só veio a suceder em 2015, o que contraria a factualidade vertida no ponto 11 do probatório e consequentes ilações de facto tiradas pela decisão sindicada.


Ou seja a Fazenda Pública, questiona, no essencial, a factualidade que suporta a decisão recorrida.

Com a alegação de tal factualidade pretende a recorrente obter evidentes consequências jurídicas, a saber que inexiste o dever por banda da Administração Tributária de proceder ao pagamento das despesas com a prestação da garantia por inexistência de título judicial ou administrativo que garanta o direito a tal montante.

Em face do exposto, ocorre, a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, já que versando o recurso, também, matéria de facto, será competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo Norte – arts. 280º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26º alínea b) e 38º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

8- DECISÃO
Termos em que se decide julgar a Secção de Contencioso Tributário do STA incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional, declarando-se competente para o efeito o Tribunal Central Administrativo Norte (Secção do Contencioso Tributário), para onde se remeterão os autos, tal como solicitado pela recorrente.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Setembro de 2017. – Pedro Delgado (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.