Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0208/09.3BEPRT
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
MÉRITO DO RECURSO
Sumário:Tendo os arestos em confronto subjacentes situações de facto diversas, justificativas da diversidade das soluções adotadas quanto à inclusão ou não no regime simplificado de tributação em IRS, não existe entre eles “contradição de julgados” justificativa do conhecimento do mérito do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P32058
Nº do Documento:SAP202403210208/09
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – AA, não se conformando com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 16 de fevereiro de 2023, proferido nos presentes autos, vem, nos termos do artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dele interpor recurso para uniformização de jurisprudência, por alegada oposição com o decidido nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de fevereiro de 2020, proferido no processo n.º 0759/14.8BEALM e de 10 de março de 2021, proferido no processo n.º 0771/14.7BEALM, relativamente às seguintes questões fundamentais de Direito: i) Qual é o regime regra de determinação da matéria colectável, no âmbito dos rendimentos empresariais e profissionais, previsto no art. 28.º do Código do IRS? ii) Até quando pode o contribuinte fazer a opção pelo regime da contabilidade organizada?
O recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:
1.ª - O presente recurso vai apresentado contra o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), que decidiu que “claramente resulta que o art. 28.º do CIRS consagra um regime de opção pela contabilidade organizada e não, inversamente, uma opção pelo regime simplificado. (...) Se o sujeito passivo nada disser, fica enquadrado no regime simplificado. Da factualidade apurada resulta claro que o Recorrente nunca solicitou a sua inclusão no regime da contabilidade organizada e, por outro lado, que o volume de vendas apurado e não contestado para o exercício de 2002 foi de EUR 82.978,73 correspondendo a quota parte do aqui Recorrente a EUR 27.659,58 (ponto 4.2 do RIT, cf. ponto 6 da fundamentação de facto), logo, inferior à previsão do art. 28.º, n.º 2. A) do CIRS, o que implica a inclusão automática do sujeito passivo no regime simplificado, como aliás sucedeu.” – (sublinhado nosso) sic fls. 37 do acórdão recorrido;
2.ªO presente recurso vai apresentado, ao abrigo do art. 284.º do CPPT e tem como fundamento os acórdãos deste Supremo Tribunal, no âmbito dos processos n.ºs 0759/14.8BEALM e 0771/14.7BEALM;
3.ªO impugnante/recorrente considera que há contradição entre o acórdão recorrido do TCAN e os acórdãos deste Supremo Tribunal sobre estas duas questões Direito:
i) Qual é o regime regra de determinação da matéria colectável, no âmbito dos rendimentos empresariais e profissionais, previsto no art. 28.º do Código do IRS?
ii) Até quando pode o contribuinte fazer a opção pelo regime da contabilidade organizada?
4.ªEntende o impugnante/recorrente que o acórdão recorrido parece exigir uma opção formal pela contabilidade organizada, antes de se iniciar a tributação, através das obrigações declarativas que impendem sobre os contribuintes;
5.ªDe forma diversa, entende-se que o acórdão deste Supremo Tribunal, dado no processo n.º 0771/14.7BEALM, parece relacionar-se com um critério (substantivo) que faz apelo à tributação do rendimento real (art. 104.º/2 da Constituição da República Portuguesa);
6.ªDaquele aresto retira-se que, sendo o regime da contabilidade organizada aquele que determina o lucro real de uma empresa (individual ou colectiva), na senda da previsão constitucional presente no art. 104.º/2 da Constituição da República Portuguesa, isto significará que o contribuinte pode exercer essa opção (pela contabilidade organizada) a todo o tempo e independente da forma;
7.ªA vontade expressa pelo sujeito passivo deve sempre ser atendível à luz do princípio da capacidade contributiva;
8.ªEstamos em crer que é neste fundamento que assenta o acórdão deste Supremo Tribunal dado no processo n.º 0771/14.7BEALM, enquanto no acórdão recorrido parece entender-se que há uma preclusão do direito a ser tributado pela contabilidade organizada/lucro real, se essa opção não for realizada num determinado tempo;
9.ªEntende-se que só esta posição é compatível com aquela que sustenta que o regime da contabilidade organizada é o regime regra da tributação das empresas – cfr. acórdão deste Supremo Tribunal dado no processo n.º 0759/14.8BEALM;
10.ªFace ao exposto, entende-se que há uma contradição entre os acórdãos fundamento e o acórdão recorrido na interpretação da aplicação do regime da contabilidade organizada e no tempo em que pode haver a opção pela tributação segundo esse regime;
11.ªA aplicação dos regimes de determinação da matéria colectável das empresas (individuais e colectivas) deve-se nortear pelos princípios capacidade contributiva e da tributação sobre o rendimento real das empresas (art. 104.º/2 da CRP);
12.ªAssim, deverá ser proferida decisão que determine que o regime regra da tributação das empresas é o da contabilidade organizada e que a opção por esse regime poderá ser realizada a todo o tempo.
Nestes termos e, nos mais, de Direito, aplicáveis, deve ser proferido ACÓRDÃO que uniformize a jurisprudência, decidindo a questão controvertida, e, em consequência, revogue o acórdão recorrido, para que se cumpra a LEI e se faça JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido de não se encontrarem reunidos os requisitos legais para o conhecimento do recurso para uniformização de jurisprudência porquanto os arestos em confronto só aparentemente são divergentes pois apoiaram-se em pressupostos de facto diferentes, pelo que não deve conhecer-se do mérito do recurso.

4 - Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA.
- Fundamentação -

5 - Questões a decidir
Importa averiguar previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso por oposição de acórdãos, cuja não verificação impede o conhecimento do presente recurso.
Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso.

6 – Matéria de facto
6.1 É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão recorrido:
1. Por escrito particular datado de 31/08/1999, denominado de “Contrato de Consórcio” o Impugnante, na qualidade de 1º outorgante, BB, na qualidade de 2º outorgante, CC, na qualidade de 3ª outorgante, e A..., Lda, atualmente designada por B..., S.A., na qualidade de 4ª outorgante, acordaram entre si a execução e comercialização de um empreendimento denominado “...” num terreno sito à Rua ..., freguesia ..., em ..., propriedade do 1º, 2º e 3º outorgantes, consistindo na construção e venda de um prédio constituído por habitações, lojas e espaços de aparcamento – cfr. o doc.3 junto com a reclamação graciosa, constante do p.a. apenso.
2. Nos termos da cláusula 10ª do “Contrato de Consórcio” referido em 1), sob a epígrafe “Afectação da receita do consórcio”, as partes acordaram no seguinte:
«1. Depois de excluídas da comercialização pelo consórcio as fracções referidas na cláusula 9ª, as partes repartirão a receita do consórcio de acordo com as percentagens seguintes:
b. para o primeiro, segundo e terceiro outorgantes – 10%
c. para o terceiro outorgante – 90%.» – cfr. o doc. 3 junto com a reclamação graciosa, constante do p.a. apenso.
3. Por escrito particular datado de 20/03/2000, denominado de “Contrato de Consórcio” o Impugnante, na qualidade de 1º outorgante, BB, na qualidade de 2º outorgante e A..., Lda, atualmente designada por B..., S.A., na qualidade de 3ª outorgante, acordaram, entre si, a execução e comercialização de um empreendimento denominado “Edifício ...” num terreno sito na Rua ..., freguesia ..., em ..., propriedade do 1º e 2º outorgantes, consistindo na construção e venda de um prédio constituído por habitações e espaços de aparcamento – cfr. o doc. 2 junto com a reclamação graciosa, constante do p.a. apenso.
4. Nos termos da cláusula 10ª do “Contrato de Consórcio” referido em 3), sob a epígrafe “Afectação da receita do consórcio”, as partes acordaram no seguinte:
«1. Depois de excluídas da comercialização pelo consórcio as fracções referidas na cláusula 9ª, as partes repartirão a receita do consórcio de acordo com as percentagens seguintes:
b. para o primeiro e segundo outorgantes – 60%
c. para o terceiro outorgante – 40%.» – cfr. o doc. 2 junto com a reclamação graciosa, constante do p.a. apenso.
5. Em ação de inspeção à sociedade “B..., S.A.”, os Serviços de Inspeção verificaram a existência dos contratos referidos em 1) e 3) – cfr. fls. 44 do P.A. apenso.
6. Nesse seguimento, ao abrigo das ..., ...07, ...08 e ...09 foi efetuada ação inspetiva ao Impugnante, de âmbito parcial, em sede de IRS, aos exercícios de 2002, 2003, 2004 e 2005, finda a qual, em 22/08/2006 foi elaborado o respetivo relatório de inspeção tributária, com o seguinte teor:

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- cfr. o P.A. apenso.
7. Foram emitidas a liquidação adicional de IRS n.º ...20, relativa a 2003, no valor de €84.551,02 e a liquidação de juros compensatórios n.º ...07, que, após estorno da liquidação n.º ...96, deram origem à demonstração de acerto de contas n.º ...44, no valor a pagar de € 86.697,56, com data limite de pagamento de 22/11/2006 – cfr. o doc.1 junto com a reclamação graciosa, constante do p.a. apenso.
8. Em 19/03/2007, o Impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação referida em 7) – cfr. o P.A. apenso.
9. Sobre a reclamação referida em 7), em 11/12/2008, recaiu projeto de despacho de indeferimento, com base em “Informação”, com o seguinte teor:

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– cfr. o P.A. apenso.
10. Após o exercício pelo Impugnante do seu direito de audição sobre o projeto de despacho de indeferimento referido em 9), a reclamação veio a ser indeferida por despacho de 31/12/2008, com o seguinte teor:

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11. O despacho referido em 10) foi notificado pelo ofício n.º ...03, de 02/01/2009, remetido a “DD, mandatário de AA”, sob correio registado, com aviso de receção assinado em 07/01/2009 – cfr. o P.A. apenso.
12. Em 21/01/2009, a petição inicial da presente impugnação deu entrada neste TAF – cfr. fls. 2 dos autos.


6.2 É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão fundamento do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de fevereiro de 2020, proferido no processo n.º 0759/14.8BEALM;
1. O Impugnante A………… esteve colectado pela actividade de comércio a retalho de têxteis em estabelecimento especializado facto admitido por acordo;
2. O Impugnante A………… ficou, na sua actividade, sucessivamente enquadrado no regime de contabilidade organizada, desde o ano de 2001, por obrigação legal – facto admitido por acordo;
3. No exercício de 2011, o Impugnante A………… ficou enquadrado, para efeitos de tributação em IRS, no regime de contabilidade organizada – cfr. fls. 6 a 9 do processo administrativo apenso aos autos;
4. O volume de negócios respeitante ao total das vendas e prestações de serviços resultante da actividade do Impugnante A………… no ano de 2011 foi de € 148.881,83 – facto admitido por acordo;
5. No primeiro trimestre de 2012, o Impugnante A………… não declarou à Administração Fiscal pretender ser tributado pelo regime de contabilidade organizada – facto admitido por acordo;
6. No dia 23 de Maio de 2013, os Impugnantes submeteram, por transmissão electrónica de dados, a declaração de rendimentos do ano de 2012, na qual constava o Anexo “C”, relativo aos rendimentos da “categoria B – Contabilidade Organizada” – cfr. informação a fls. 48 do processo administrativo apenso aos autos;
7. A Administração Fiscal não aceitou a declaração de rendimentos referida no ponto anterior, com base na contabilidade organizada, por entender que o Impugnante A………… estava enquadrado no regime simplificado de tributação (Erro C70 – incompatibilidade entre o anexo entregue e opção em cadastro) – cfr. fls. 66 do processo administrativo apenso aos autos;
8. Em 20 de Junho de 2013, os Impugnantes apresentaram nova declaração de rendimentos para o ano de 2012, na qual a matéria tributável da categoria B do Impugnante A………… era apurada através do regime simplificado de tributação – cfr. fls. 18 a 20, bem como informação a fls. 48 do processo administrativo apenso aos autos;
9. Em resultado da declaração referida no ponto anterior foi emitida, com data de 22 de Julho de 2013 e em nome dos Impugnantes, a liquidação de IRS n.º 2013 5005206408, no montante a pagar de € 5.247,62 – cfr. fls. 69 do processo administrativo apenso aos autos;
10. Os Impugnantes deduziram Reclamação Graciosa contra a liquidação de IRS referida no ponto anterior – cfr. fls. 60 a 65 do processo administrativo apenso aos autos;
11. Por despacho proferido em 21 de Outubro de 2013, o Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal indeferiu a reclamação graciosa apresentada, com fundamento em que o Impugnante A………… não optou, em 2012, pelo regime de contabilidade organizada – cfr. despacho de fls. 78 e informação de fls. 72 a 74 do processo administrativo apenso aos autos;
12. Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida supra, os Impugnantes interpuseram recurso hierárquico, o qual mereceu decisão de indeferimento, em 31 de Março de 2014, da Directora de Serviços do IRS, com fundamento no regime simplificado ser o regime regra, acrescentando que os sujeitos passivos abrangidos pelo regime de contabilidade teriam de validar todos os anos o seu volume de negócios em face dos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 28.º do CIRS, de molde a optarem ou não, pelo regime de contabilidade, no caso do referido volume de negócios se reduzir novamente a valores inferiores ao fixado na norma atrás citada, o que não foi feito cfr. despacho e informação de fls. 47 a 54 dos autos.

6.3 É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão fundamento do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de março de 2021, proferido no processo n.º 0771/14.7BEALM:
1. A impugnante optou em 01/01/2006 pelo regime da contabilidade organizada (facto que se extrai da informação de fls. 40 do processo instrutor junto aos autos);
2. A impugnante apresentou um volume de negócios em 2006 de € 197.181,67 (facto que se extrai do processo instrutor junto aos autos e admitido pela AT – fls. 42);
3. A impugnante apresentou um volume de negócios em 2007 de € 201.154,93 (facto que se extrai do processo instrutor junto aos autos e admitido pela AT – fls. 42);
4. A impugnante apresentou um volume de negócios em 2008 de € 191.890,30 (facto que se extrai do processo instrutor junto aos autos e admitido pela AT – fls. 42);
5. A impugnante apresentou um volume de negócios em 2009 de € 181.091,71 (facto que se extrai do processo instrutor junto aos autos e admitido pela AT – fls. 42);
6. A impugnante apresentou um volume de negócios em 2010 de € 181.661,85 (facto que se extrai do processo instrutor junto aos autos e admitido pela AT – fls. 42);
7. No exercício de 2011 a Impugnante apresentou um volume de negócios de € 136.098,49 (cfr. doc. junto a fls. 32 do processo instrutor);
8. No exercício de 2012 o Impugnante teve um volume de negócios de € 111.353,40 (cfr. doc. junto a fls. 32 do processo instrutor);
9. Em 31/05/2013 a Impugnante apresentou uma declaração modelo 3 de IRS, da qual constava o Anexo C, relativo aos rendimentos da Categoria C/Regime de Contabilidade organizada (facto que se extrai da informação de fls. 40 do processo instrutor);
10. Em 11/06/2013 a Impugnante foi notificada de uma incompatibilidade entre o Anexo entregue e a opção em Cadastro (facto que se extrai da informação de fls. 40 do processo instrutor);
11. A Impugnante apresentou uma nova declaração de IRS (facto que se extrai da informação de fls. 40 do processo instrutor);
12. Em 11/07/2013, foi efectuada a liquidação nº 2013 5004964828, referente ao IRS de 2012 do Impugnante da qual consta o apuramento de IRS no montante de € 2.704,86 (facto que se extrai da informação de fls. 40 e 41 do processo instrutor junto aos autos e fls. 58 do mesmo processo);
13. Em 07/08/2013 o Impugnante reclamou graciosamente da liquidação de IRS referente ao exercício de 2012 (cfr. doc. fls. 51 e segs. do processo instrutor);
14. Por despacho de 21/10/2013 foi indeferida a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante (cfr. doc. de fls. 69 do processo instrutor);
15. A Impugnante deduziu recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si deduzida em 29/11/2013 (cfr. doc. de fls. 23 do processo instrutor);
16. Por despacho de 24/04/2014 foi indeferida o recurso hierárquico apresentado pelo impugnante (cfr. doc. de fls. 39 a 44 do processo instrutor);

Facto não provado:
a) Não ficou provado que a Impugnante tivesse apresentado declaração de alterações de IRS no sentido de passar a ser tributada pelo regime simplificado de tributação;

6 – Apreciando
6.1 Dos requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência
Vem o presente recurso para uniformização de jurisprudência interposto do acórdão do TCA Norte, proferido nos presentes autos, por alegada contradição do ali decidido com o que o foi nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de fevereiro de 2020, proferido no processo n.º 0759/14.8BEALM e de 10 de março de 2021, proferido no processo n.º 0771/14.7BEALM, relativamente às seguintes questões fundamentais de Direito: i) Qual é o regime regra de determinação da matéria colectável, no âmbito dos rendimentos empresariais e profissionais, previsto no art. 28.º do Código do IRS? ii) Até quando pode o contribuinte fazer a opção pelo regime da contabilidade organizada?
Uma vez que são duas as questões que o recorrente alega terem sido decididas em sentido contraditório e tendo apresentado como Acórdãos fundamento dois Acórdãos deste STA, vamos assumir que defende haver contradição relativamente à primeira questão com o Acórdão primeiramente indicado e relativamente à segunda questão com o Acórdão indicado em segundo lugar.
Importa, pois, determinar se, como alegado, se verificam os requisitos de que depende o conhecimento do mérito do recurso, a saber, determinar se existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e ainda, havendo contradição, se a decisão impugnada é desconforme à jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão - artigo 284.º n.º 1 e 3 do CPPT.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido numerosas vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- Identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- Que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se “sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica” (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente). Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume II, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).
Vejamos.
6.1.1 Do confronto entre o acórdão recorrido e o Acórdão deste STA de 5 de fevereiro de 2020 (processo n.º 759/14.8BEALM) relativamente à questão de saber Qual é o regime regra de determinação da matéria colectável, no âmbito dos rendimentos empresariais e profissionais, previsto no art. 28.º do Código do IRS?
O acórdão do TCA Norte recorrido negou provimento ao recurso que foi interposto de sentença que sancionara o enquadramento efectuado pela AT aos rendimentos do recorrente resultantes da participação do ora recorrente em consórcio destinado à construção de dois empreendimentos imobiliários da qual resultaram no ano considerado – 2003 – rendimentos comerciais, apurados segundo o regime simplificado de tributação, por ausência de opção do sujeito passivo pelo regime de contabilidade organizada e por este não ser legalmente imposto por força do valor dos rendimentos obtidos.
Estava em causa nos autos a interpretação e aplicação dos artigos 28.º n.ºs 1 e 2 e 31.º n.º 2 do Código do IRS, na redacção que lhe conferida pela Lei n.º 109-B/01, de 27/12 (LOE2002), aplicável ao caso.
Por seu turno, o Acórdão fundamento - Acórdão do STA de 5 de fevereiro de 2020, processo n.º 759/14.8BEALM – negou provimento ao recurso interposto pela AT de sentença que rejeitara a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais do sujeito passivo de acordo com o regime simplificado de tributação no entendimento, assumido por maioria no Acórdão fundamento, de que no ano em causa – 2012 – não era exigível ao sujeito passivo opção expressa pelo regime de contabilidade organizada porquanto naquele ano - de 2012 - decorria ainda o “período mínimo de três anos de permanência no regime”, razão pela qual se concluiu pela ilegalidade do reenquadramento (operado pela AT) do sujeito passivo no regime simplificado.
Estava em causa nos autos a interpretação e aplicação do n.º 5 do artigo 28.º do Código do IRS, antes e depois da redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro.
Ou seja, embora os arestos em confronto tenham versado sobre o regime simplificado de tributação da matéria tributável, fizeram-no em contextos factuais diversos e em resposta a concretas questões decidendas diversas, que convocavam em concreto segmentos diferentes do artigo 28.º do Código do IRS.
Não pode, por isso, assumir-se haver entre os arestos em confronto oposição juridicamente relevante que possibilite o conhecimento do mérito do recurso.

6.1.2 Do confronto entre o acórdão recorrido e o Acórdão deste STA de 10 de março de 2021 (processo n.º 0771/14.7BEALM) relativamente à questão de saber Até quando pode o contribuinte fazer a opção pelo regime da contabilidade organizada?
Salvo o devido respeito pela alegação do recorrente, nenhum dos arestos em confronto trata a questão enunciada como alegadamente em oposição de “até quando pode o contribuinte fazer a opção pelo regime da contabilidade organizada”.
É que, no acórdão recorrido, resulta da factualidade apurada que o Recorrente nunca solicitou a sua inclusão no regime de contabilidade organizada e, por outro lado, que o volume de vendas apurado e não contestado para o exercício de 2002 foi de EUR 82.978,73, correspondendo a quota parte do aqui Recorrente a EUR 27.659,58 (ponto 4.2 do RIT, cf. ponto 6 da fundamentação de facto), logo, inferior à previsão do art. 28.º, n.º 2, al. a) do CIRS, o que implica a inclusão automática do sujeito passivo no regime simplificado, como aliás sucedeu (cf. fls. 37 do acórdão).
Por sua vez, no Acórdão fundamento, considerou-se que a única questão que suscitada nos presentes autos é a de saber se existe erro de julgamento do TAF de Almada ao considerar que o sujeito passivo que faz uma opção expressa pelo regime de contabilidade organizada em 2006 (data em que apresentou a declaração de início da actividade) e relativamente ao qual não se prove que tenha apresentado declaração de alterações no sentido de passar a ser tributado pelo regime simplificado, se deve considerar ainda abrangido pelo regime da contabilidade organizada no exercício fiscal de 2012, independentemente de os seus rendimentos permitirem a respectiva tributação pelo regime simplificado – cf. fls, 4 do Acórdão fundamento (destacado nosso)..
Ora, há assim uma radical diferença entre os arestos em confronto no que respeita aos factos provados e relevantes para a decisão das respectivas causas, porquanto o pressuposto do acórdão recorrido é a da inexistência de qualquer opção do sujeito passivo pela contabilidade organizada e o do Acórdão fundamento o de que essa opção foi formalizada logo no inicio de atividade.
Como tal, e sem mais, é manifesto que não existe entre os arestos contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que, relativamente à segunda questão colocada pelo recorrente, nem um nem outro dos arestos sobre ela se pronunciou.

Como tal, não haverá que conhecer do mérito do recurso.

Concluindo:
Tendo os arestos em confronto subjacentes situações de facto diversas, justificativas da diversidade das soluções adotadas quanto à inclusão ou não no regime simplificado de tributação em IRS, não existe entre eles “contradição de julgados” justificativa do conhecimento do mérito do recurso.

- Decisão -
7 – Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 21 de março de 2024. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves – João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.