Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0787/18
Data do Acordão:09/19/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:PROMITENTE COMPRADOR
Sumário:Nos termos do artigo 276º do CPPT tem legitimidade para requerer a extinção da execução, por prescrição, o promitente-comprador, com tradição da coisa, objeto da penhora na mesma execução.
Nº Convencional:JSTA000P23597
Nº do Documento:SA2201809190787
Data de Entrada:08/23/2018
Recorrente:A........
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A…….. reclamou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, do despacho que lhe indeferiu o pedido de extinção da execução por prescrição, proferido pelo Chefe de Finanças de Vila Nova de Famalicão no âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º 0450199201029614.
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1.2. Aquele Tribunal julgou, por sentença de 29/06/2018 (fls. 32/36), a reclamação improcedente e manteve o despacho reclamado.
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1.3. Inconformada recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo alegando o seguinte:
«A questão de direito que se coloca no presente recurso é a de apurar se o promitente-comprador de fracção autónoma de imóvel que foi penhorada no âmbito de uma execução fiscal é parte legítima para nessa mesma execução fiscal requerer a extinção da execução por via da declaração de prescrição.
Como decorre dos termos da decisão em recurso, as instâncias deram resposta negativa, entendendo falecer a mesma por não haver interesse atendível desta na pretensão.
Contudo, entende-se que as instâncias não tiveram uma correcta representação da relação jurídica e do interesse em causa. Com efeito, a consequência normal do prosseguimento da execução é a venda do bem objecto de penhora, bem em relação ao qual, a Requerente, enquanto titular de direito de aquisição da mesma, vê tal direito cerceado, pela venda executiva da fracção em causa, ou seja, a normal consequência do prosseguimento da execução é a venda em regime de leilão do bem, com a respectiva entrega da mesma ao comprador e com exclusão da promitente compradora, a qual, para além de credora, vê-se assim privada do bem. É assim atendível o seu interesse para intervir na execução, seja para reclamar o seu crédito, seja para deduzir pretensão extintiva do crédito, invocando a prescrição do mesmo.

EM CONCLUSÃO:
- O Promitente-comprador é parte legítima para deduzir pedido de extinção da execução promovida em relação a fracção prometida comprar, e bem assim, para reclamar do acto que não apreciou a sua pretensão com fundamento na falta de legitimidade para intervir na execução;
Termos em que deve ser julgado o presente recurso como procedente, deferindo-se a reclamação e ordenando-se a apreciação da questão da prescrição suscitada como é de JUSTIÇA.».
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1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.4. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«I. Inconformada, veio a Reclamante interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 30/06/2013, pela M. Juíza de Direito do TAF de Braga, que julgou improcedente a presente reclamação e, em consequência, manteve na ordem jurídica o despacho reclamado, que indeferiu o pedido de extinção da execução, por efeito da prescrição, com fundamento na ilegitimidade da ora Reclamante para o formular (cfr. a sentença recorrida, constante de fls. 32 a 36 e, ainda, as alegações recursivas, insertas a fls. 41 e 42 do processo em suporte físico, doravante p. f.)
A Recorrente veio imputar à decisão recorrida erros de julgamento, quanto à matéria de direito, sem que tivesse concretizado quais as disposições legais que se mostrariam concretamente violadas (cfr. as Conclusões das alegações, ínsitas de fls. 42 do p. f.)
Cumpre, pois, ao Ministério Público emitir parecer, o que fará, de imediato.
II. Do teor das conclusões alegatórias, emerge que a única questão decidenda radica na dilucidação da questão sobre a julgada ilegitimidade da Reclamante para formular o pedido de extinção da execução, por força da prescrição.
Da análise da decisão em crise, apura-se que, para assim decidir, a julgadora estribou-se no facto de que, na sua ótica, “não se vê em que medida é que a declaração de prescrição e extinção possa afetar a esfera jurídica da reclamante, o que é inócuo para si, desde logo, porque não é a mesma a devedora das dívidas exequendas nem à mesma lhe é exigido o seu pagamento, de modo a beneficiar diretamente com a prescrição e extinção da execução, sendo certo que, mesmo o prosseguimento da execução, a manter-se a penhora sobre o bem (não sendo a penhora o ato versado, recorde-se), o mesmo não lhe pertence, de acordo com o decidido pelo Tribunal Judicial no âmbito do processo n.º 1117/12.4TJVNF, o que, igualmente, realça a sua falta de interesse em agir e legitimidade” (cfr. fls. 35 verso do p. f.)
Ora, examinada a decisão judicial em crise, verifica-se que a julgadora do TAF de Braga perfilhou uma posição doutrinária antagónica à defendida pelo Ministério Público junto do TAF de Braga (v. fls. do p. f.), posição esta que secundamos inteiramente.
Na verdade, antolha-se-nos que a solução encontrada pelo TAF a quo afronta o disposto nos artigos 103.º, n.º 2, da LGT e 276.º do CPPT, disposições que contemplam a matéria da legitimidade ativa para deduzir reclamação dos atos do órgão de execução fiscal que afetem os direitos e interesses legítimos dos interessados.
Assim, se – utilizando a terminologia legal – os “interessados” podem lançar mão da reclamação de atos praticados pelo órgão de execução fiscal, que reputem lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, então há que concluir que lhes é lícita a intervenção a montante, no âmbito do processo de execução fiscal, tendo em vista suscitar questões tendentes a fazer valer e proteger esses direitos e interesses e, obviamente, obter decisões, por banda do mesmo órgão, passíveis de ser objeto de reclamação para o juiz de execução fiscal.
E, em abono dessa posição, o Ministério Público reitera que secunda o sagaz entendimento do M.mo Juiz Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA, vertido na anotação 3, ao art.º 276.º, onde se enfatiza que “(...) Não é, porém, apenas relativamente ao executado que é necessário assegurar a possibilidade de impugnação das decisões proferidas por autoridades no processo de execução fiscal, como veio a esclarecer-se na redação introduzida pela Lei n.º 109- 8/2001, ao aditar-se expressamente ao texto deste art. 276.º a referência à possibilidade de reclamação por terceiro.
Na verdade, é constitucionalmente garantido a qualquer pessoa o direito de impugnação contenciosa de quaisquer atos da administração que lesem os seus direitos ou interesses legítimos (art. 268.º n.º 4, da CRP), pelo que esta possibilidade de impugnação terá de ser admitida a todos os que se sintam lesados.
Por outro lado, é também esse o alcance do art. 103.º, n.º 2, da LGT, em que se admite a quaisquer interessados, e não apenas ao executado, a possibilidade de impugnação dos atos materialmente administrativos praticados no processo de execução fiscal.” (in “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado”, 6.ª Edição) 2011, Áreas Editores, Vol. IV, pág. 268; o destaque consta do original).
E, para assim concluir, afigura-se-nos igualmente elucidativo o entendimento dos eminentes Jurisconsultos DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, o qual se extrai da Anotação n.º 2 ao citado artigo 103.º da LGT, segundo o qual “o direito de reclamação terá como objeto todos os atos materialmente administrativos cuja revogação total ou parcial ou cuja prática tenha utilidade objetiva, considerando-se como tal a não prática, no tempo devido, dos atos próprios do processo de execução.
(...) Ora, naquela figura de ato reclamável poderão caber tanto decisões, como abstenções vinculadas de agir e os afetados podem ser também outros que não só o executado, como ainda estar-se perante situações em que não existe um direito ou interesse conferidos pela lei substantiva, mas haver apenas um interesse processual, como o da celeridade: pense-se na não tramitação em devido tempo dos atos consequencialmente definidos na lei para o processo de execução fiscal e que poderão afetar ora o executado, ora os credores, ora até outros interessados (depositário, por exemplo)”.
Estamos perante uma situação em que se impõe fazer uma interpretação extensiva do preceito, dado ser evidente a falta de qualquer propósito de revogação da norma da LGT e tratar-se de caso em que o legislador se expressou, no texto, minus quam volit.” (in «Lei Geral Tributária Anotada e Comentada», 4.ª Edição, 2012, págs. 890 e 891).
Por seu turno, a jurisprudência consagrada por este Colendo STA acolheu esta noção ampla de legitimidade, como decorre, v. g, do teor dos doutos Acórdãos de 09/04/2014, no âmbito do Processo n.º 0366/14 (Resulta, do respetivo sumário, que “Da articulação do disposto nos arts 103.º da LGT com os arts. 9.º e 152.º e ss. do CPPT, resulta um conceito amplo de legitimidade para o processo de execução fiscal (tanto que o art. 276.º do CPPT atribui legitimidade quer ao executado quer a terceiros para reclamarem para o juiz das decisões do órgão de execução fiscal que afetem os seus direitos e interesses legítimos)”.) e de 07/07/2010, no Processo n.º 0532/10 (O citado douto aresto firmou a seguinte doutrina: “I - Da articulação do disposto nos arts. 103.º da LGT com os arts. 9.º e 152.º sgts. do CPPT, resulta um conceito amplo de legitimidade para o processo de execução fiscal (tanto que o art. 276.º do CPPT atribui legitimidade quer ao executado quer a terceiros para reclamarem para o juiz das decisões do órgão de execução fiscal que afetem os seus direitos e interesses legítimos).
II - Na penhora de créditos, a legitimidade processual do devedor destes, para reclamar do ato do órgão da execução fiscal que a ordenou, deriva do seu manifesto interesse em agir, expresso na consequência jurídica favorável de uma eventual procedência da reclamação (levantamento da penhora incidente sobre os créditos) e na repercussão negativa na sua esfera jurídica, no caso de improcedência da reclamação com o fundamento invocado, traduzida no eventual prosseguimento da execução contra ele, na qualidade de executado por responsabilidade pessoal”.), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
III. Revertendo ao caso em presença, constata-se que a Reclamante veio invocar a prescrição da dívida exequenda, questão que nem sequer foi debatida pelo competente órgão de execução fiscal, sob a invocação da respetiva falta de legitimidade para deduzir essa pretensão.
Na esteira das considerações aduzidas supra, tratou-se aqui de uma “abstenção vinculada de agir”, atendendo a que, nos termos do artigo 175.º do CPPT, a prescrição é de conhecimento oficioso, cumprindo, pois, ao órgão de execução fiscal e/ou ao tribunal, a obrigação de a declarar, independentemente da sua invocação pelo contribuinte.
Ainda que abstraindo deste facto, é inegável que a questão suscitada pela ora Reclamante, sobre a eventual prescrição da dívida tributária, irá repercutir, inelutavelmente, na sua esfera jurídica e patrimonial, já que contende, ainda que indireta ou mediatamente, com a legalidade da penhora que incidiu sobre o imóvel objeto do contrato promessa de compra e venda.
Ademais, para a hipótese da procedência da prescrição, a mesma implicará a extinção do processo executivo e, obviamente, a penhora será dada sem efeito, assim se dando total satisfação aos legítimos interesses da Reclamante, cuja salvaguarda visou alcançar com a formulação do pedido de declaração de prescrição das dívidas tributárias.
A ser assim, contrariamente à argumentação avançada pela julgadora do TAF de Braga, a título de fundamentação jurídica da decisão em crise, ao Ministério Público afigura-se óbvia a asserção de que a Reclamante detém um interesse imediato e legítimo no conhecimento da prescrição por banda do órgão de execução fiscal.
Em suma, a sentença recorrida merece censura, ao decidir ao arrepio da doutrina e, outrossim, da jurisprudência deste Colendo STA que granjeiam a inequívoca concordância do Ministério Público.
IV. Nos termos e com os fundamentos aduzidos supra, o Ministério Público emite parecer no sentido de que deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, ser revogada a decisão recorrida e como decorrência, determinar-se a baixa dos autos ao TAF de Braga, a fim de que emita pronúncia e decisão sobre o mérito da reclamação.».
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1.5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar e decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. O Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão instaurou o Processo de Execução Fiscal (PEF) n° 0450199201029614, contra a sociedade B………., Lda. – Cfr. fls. 20 do processo físico.
2. Em 2008, no âmbito do PEF referido em 01) foi penhorada a fracção “AY” do artigo matricial 13210 de Vila Nova de Famalicão, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob n.º 178/19990322 e registado em nome da sociedade B…………, Lda. – Cfr fls. 20 do processo físico e fls. 01/04 do PEF apenso.
3. A sociedade executada foi citado da Penhora referida em 02) em 18.11.2008 – Cfr. fls. 04) do PEF.
4. A sociedade B………, Lda. e a reclamante redigiram um documento a que apelidaram “CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA”, onde aquela sociedade declarou que prometia vender à reclamante, e esta a comprar, a fracção AY, registada na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob n.º 178 e inscrito na matriz predial no artigo 1.321 – Cfr. fls. 22 verso, do PEF.
5. O Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão l suspendeu a venda do prédio referido em 02) – Cfr. fls. 05) do PEF.
6. Em 2011 a reclamante intentou uma acção no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão contra a sociedade executada e outro, pedindo, entre outros que fosse declarado que a mesma é dona e legitima possuidora do prédio referido em 02), o qual correu termos com n° 1117/12.4TJVNF – Cfr. fls. 11/20 do PEF.
7. Em 09.01.2012 o serviço de finanças de Vila Nova de Famalicão 1 proferiu o seguinte despacho:
“(…)
Artº 132-AY – Por ter sido suspensa em virtude de se terem suscitado dúvidas quanto à titularidade da propriedade do imóvel. No entanto, para além de não terem sido embargada a penhora, verifica-se agora, através do documento de fls. 360 que o contrato de compra e venda celebrado entre a executada e a potencial compradora do prédio, apenas foi celebrado em 16.12.2009, por consequência, já em data posterior à penhora e ao seu registo na Conservatória.
(…)
DETERMINO que se inicie nos presentes autos um novo procedimento de venda, segundo as novas regras definidas no citado artigo 248.º
Para o efeito, para a venda, na modalidade de “Leilão Electrónico” dos bens penhorados nos autos, a seguir mencionados, designo o próximo dia 28 DE FEVEREIRO 2012 pelas 10 Horas neste Serviço de Finanças (...)” - Cfr fls. 05) do PEF cujo teor se tem por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais
8. Em 29.03.2012 a reclamante dirigiu ao Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão a pedir a suspensão da venda do prédio referido em 01) e 06), alegando ser dona e legitima possuidora do mesmo e que intentou uma acção para reconhecimento do seu direito no Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão com no 1117/12.4TJVNF – Cfr. fls. 06/07 do PEF cujo teor se tem por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
9. Em 29.03.2012 o serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão deferiu o requerimento da reclamante, referido em 08), e determinou a suspensão da execução relativamente aos actos processuais de venda do prédio em questão - Cfr. fls. 10) do PEF cujo teor se tem por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
10. Em 01.05.2015 a reclamante requereu ao Chefe de Finanças de Vila Nova de Famalicão a extinção do PEF referido em 02), formulando o seguinte pedido:
“…proceder em conformidade, declarando a prescrição da presente execução e consequente extinção.” - Cfr fls. 21/22 do PEF cujo teor se tem por Integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
11. Em 04.04.2016 foi pelo Tribunal Judicial proferida decisão no processo 1117/1 2.4TJVNF, tendo o Tribunal julgado a acção totalmente improcedente e absolveu as Rés B…………LDA e CGD,SA do pedido - Cfr. fls. 11/20) do PEF cujo teor se tem por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
12. Em 26.04.2018 o Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 1 determinou o arquivamento do requerimento da reclamante, referido em 10), com base na Informação de 24.04.2018 daquele Serviço de Finanças — Cfr. fls. 23 do PEF cujo teor se tem por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
13. Consta da Informação referida no ponto anterior, entre o mais, o seguinte:
“(...)
a) Na petição é requerido a prescrição da execução.
b) …a requerente apresentou, em 29/03/2012, o “requerimento...no qual solicitou a suspensão da venda da fracção AY, juntando comprovativo do pedido apresentado no Tribunal…, para que lhe fosse reconhecido o direito de propriedade.
c) (...) sendo julgado totalmente improcedente …
d) Analisada a execução, verifica-se que a requerente nunca foi citada para a execução, pelo que não é executada nos autos apenas intervindo nestes com o incidente da discussão da propriedade da fracção A) penhorada nos autos, cuja acção se encontra finda como se refere na alínea d).
e) Verifica-se assim que a requerente não tem legitimidade na presente execução, artigo 9º e 153.º...(CPPT)” – Cfr. fls. 23 do PEF apenso.».
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3.1. Segundo a sentença recorrida cada um dos interessados só tem legitimidade (enquanto pressuposto processual) para reclamar dos atos suscetíveis de afetar a sua esfera jurídica e já não dos atos que apenas possam afetar a esfera jurídica dos demais.
É que, segundo a mesma sentença, na situação dos autos “não se vê em que medida é que a declaração de prescrição e extinção possa afectar a esfera jurídica da reclamante, o que é inócuo para si, desde logo porque não é a mesma a devedora das dívidas exequendas nem à mesma lhe é exigido o seu pagamento de modo a beneficiar directamente com a prescrição e extinção da execução, sendo certo que, mesmo o prosseguimento da execução, a manter-se a penhora sobre o bem (não sendo a penhora o acto versado, recorde-se), o mesmo não lhe pertence de acordo com o decidido pelo Tribunal Judicial no âmbito do processo a° 1117/12.4TJVNF, o que, igualmente, realça a sua falta de interesse em agir e legitimidade.”.
Para assim se pronunciar afirmou a mesma sentença o seguinte:
Inicialmente a reclamante solicitou que fosse suspensa a venda da fração penhorada, uma vez que, segundo alega, a mesma pertence-lhe, tendo apresentado um contrato promessa de compra e venda em 2009 (posteriormente ao registo da penhora), salientando que é proprietária da mesma.
Em 2011, a reclamante intentou contra a sociedade executada no PEF em causa nestes autos, uma ação judicial onde pedia que fosse reconhecido ser proprietária da fração (penhorada), tendo aquela ação sido julgada improcedente por decisão de 04.04.2016, proferida no processo n.º 1117/12.4TJVNF.
O PEF referido em 02) esteve suspenso, designadamente através de despacho de 2012, na sequência da instauração do Processo n.º 1117/12.4TJVNF atrás referido.
Em 01.05.2015 a reclamante pediu a extinção do PEF a que se reportam os presentes autos por ocorrer a prescrição (Cfr. ponto 10) dos factos provados), o que foi desatendido em 26.04.2018, por entender o Chefe do Serviço de Finanças que a reclamante não tinha sequer legitimidade para o fazer.
Defendeu a continua a sustentar a reclamante e agora recorrente que é parte legítima para intervir na execução por ser beneficiária do contrato promessa de compra e venda e ser detentora do imóvel penhorado e que assim viu ofendida a sua posse.
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3.2. A questão controvertida, no presente recurso, implica que se responda à questão de saber se tem a reclamante legitimidade para requerer, no processo executivo, que se declare a extinção deste, por prescrição da dívida exequenda.
Com efeito alega ser promitente compradora do imóvel penhorado na execução, o qual constitui a casa de morada de família, onde tem centrada a sua vida familiar e que a executada lho havia prometido vender.
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3.3. Como já se referiu afirma a sentença recorrida que o bem executado “não lhe pertence de acordo com o decidido pelo Tribunal Judicial no âmbito do processo a° 1117/12.4TJVNF, o que, igualmente, realça a sua falta de interesse em agir e legitimidade.”.
No ponto 4 da matéria de fato consta que a “sociedade B………, Lda. e a reclamante redigiram um documento a que apelidaram “CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA”, onde aquela sociedade declarou que prometia vender à reclamante, e esta a comprar, a fracção AY, registada na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob n.º 178 e inscrito na matriz predial no artigo 1.321”.
Consta, ainda, do ponto 7 da mesma matéria de fato que, em 09.01.2012 o serviço de finanças de Vila Nova de Famalicão 1 proferiu o seguinte despacho:
“(…)
Artº 132-AY – Por ter sido suspensa em virtude de se terem suscitado dúvidas quanto à titularidade da propriedade do imóvel. No entanto, para além de não terem sido embargada a penhora, verifica-se agora, através do documento de fls. 360 que o contrato de compra e venda celebrado entre a executada e a potencial compradora do prédio, apenas foi celebrado em 16.12.2009, por consequência, já em data posterior à penhora e ao seu registo na Conservatória.
(…)”.
Conforme se referiu no ponto anterior e consta da sentença, fls. 34V, 5º §, a reclamante e ora recorrente apresentou “um contrato promessa de compra e venda em 2009 (posteriormente ao registo da penhora), salientando que é proprietária da mesma.”.
Segundo afirma a FP (fls. 27) a sentença proferida neste processo (1117/12) concluiu que “assentando originariamente o direito da Autora numa situação de detenção do imóvel e não tendo sido invocada a figura da inversão do título da posse, nem factos que a integrem, improcede o pedido de aquisição originária do direito de propriedade com base na usucapião”.
Nesta sentença concluiu-se que “improcede o pedido de aquisição originária do direito de propriedade com base na usucapião”.
Contudo refere a FP, fls. 25 e V, que existe um contrato promessa de 20-05-1988 e que assim que a fração ficou pronta para habitação, no final de 1988, a reclamante e o seu então marido ocuparam-na, o que está de acordo com o alegado no ponto 4, 5 e 9 da reclamação (fls. 9 e 10).
Do exposto resulta que não é incontroversa a data da celebração do mencionado contrato-promessa de compra e venda.
E igualmente não se encontra fixada a existência de tradição e a data em que esta ocorreu.
Como refere a sentença recorrida, em 01.05.2015, a reclamante pediu a extinção do PEF, a que se reportam os presentes autos, invocando a prescrição e extinção da execução, o que foi desatendido em 26.04.2018, por entender o Chefe do Serviço de Finanças que a reclamante não tinha sequer legitimidade para o fazer.
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3.4. A única questão suscitada nas conclusões das alegações prende-se com saber se a reclamante tem legitimidade para formular o pedido de extinção da execução, com invocação da prescrição.
A sentença recorrida entendeu que “não se vê em que medida é que a declaração de prescrição e extinção possa afetar a esfera jurídica da reclamante, o que é inócuo para si, desde logo, porque não é a mesma a devedora das dívidas exequendas nem à mesma lhe é exigido o seu pagamento, de modo a beneficiar diretamente com a prescrição e extinção da execução, sendo certo que, mesmo o prosseguimento da execução, a manter-se a penhora sobre o bem (não sendo a penhora o ato versado, recorde-se), o mesmo não lhe pertence, de acordo com o decidido pelo Tribunal Judicial no âmbito do processo n.º 1117/12.4TJVNF, o que, igualmente, realça a sua falta de interesse em agir e legitimidade”.
O artigo 103.º, n.º 2, da LGT, referindo-se ao processo de execução fiscal, afirma que “é garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos atos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número anterior”.
Acrescenta o artigo 276.º do CPPT, referindo-se à reclamação das decisões do órgão da execução fiscal, que destas decisões “que no processo afetem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são suscetíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância”.
Podemos adiantar que estes preceitos se referem à legitimidade ativa para deduzir reclamação dos atos do órgão de execução fiscal que afetem os direitos e interesses legítimos dos interessados.
Como refere o MP se os “interessados” podem lançar mão da reclamação de atos praticados pelo órgão de execução fiscal, que reputem lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, então há que concluir que lhes é lícita a intervenção a montante, no âmbito do processo de execução fiscal, tendo em vista suscitar questões tendentes a fazer valer e proteger esses direitos e interesses e, obviamente, obter decisões, por banda do mesmo órgão, passíveis de ser objeto de reclamação para o juiz de execução fiscal.
É ainda esta a posição de JORGE LOPES DE SOUSA, anotação 3, ao art.º 276.º, quando afirma que “(...) Não é, porém, apenas relativamente ao executado que é necessário assegurar a possibilidade de impugnação das decisões proferidas por autoridades no processo de execução fiscal, como veio a esclarecer-se na redação introduzida pela Lei n.º 109-8/2001, ao aditar-se expressamente ao texto deste art. 276.º a referência à possibilidade de reclamação por terceiro.
Na verdade, é constitucionalmente garantido a qualquer pessoa o direito de impugnação contenciosa de quaisquer atos da administração que lesem os seus direitos ou interesses legítimos (art. 268.º n.º 4, da CRP), pelo que esta possibilidade de impugnação terá de ser admitida a todos os que se sintam lesados.
Por outro lado, é também esse o alcance do art. 103.º, n.º 2, da LGT, em que se admite a quaisquer interessados, e não apenas ao executado, a possibilidade de impugnação dos atos materialmente administrativos praticados no processo de execução fiscal.” (in “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado”, 6.ª Edição) 2011, Áreas Editores, Vol. IV, pág. 268; o destaque consta do original).”.
Parece ser este, igualmente o entendimento de DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, também citados pelo MP, anotação n.º 2 ao citado artigo 103.º da LGT, segundo a qual “o direito de reclamação terá como objeto todos os atos materialmente administrativos cuja revogação total ou parcial ou cuja prática tenha utilidade objetiva, considerando-se como tal a não prática, no tempo devido, dos atos próprios do processo de execução.
(...) Ora, naquela figura de ato reclamável poderão caber tanto decisões, como abstenções vinculadas de agir e os afetados podem ser também outros que não só o executado, como ainda estar-se perante situações em que não existe um direito ou interesse conferidos pela lei substantiva, mas haver apenas um interesse processual, como o da celeridade: pense-se na não tramitação em devido tempo dos atos consequencialmente definidos na lei para o processo de execução fiscal e que poderão afetar ora o executado, ora os credores, ora até outros interessados (depositário, por exemplo).
Estamos perante uma situação em que se impõe fazer uma interpretação extensiva do preceito, dado ser evidente a falta de qualquer propósito de revogação da norma da LGT e tratar-se de caso em que o legislador se expressou, no texto, minus quam volit.” (in «Lei Geral Tributária Anotada e Comentada», 4.ª Edição, 2012, págs. 890 e 891).
Acompanha-se, ainda, o MP quando afirma que a jurisprudência deste STA vem defendendo uma noção ampla de legitimidade quando afirma no acórdão de 09/04/2014, Processo n.º 0366/14 que “da articulação do disposto nos arts 103.º da LGT com os arts. 9.º e 152.º e ss. do CPPT, resulta um conceito amplo de legitimidade para o processo de execução fiscal (tanto que o art. 276.º do CPPT atribui legitimidade quer ao executado quer a terceiros para reclamarem para o juiz das decisões do órgão de execução fiscal que afetem os seus direitos e interesses legítimos)” e no acórdão de 07/07/2010, no Processo n.º 0532/10, depois de reafirmar o que consta do anterior acórdão anteriormente citado acrescenta que “na penhora de créditos, a legitimidade processual do devedor destes, para reclamar do ato do órgão da execução fiscal que a ordenou, deriva do seu manifesto interesse em agir, expresso na consequência jurídica favorável de uma eventual procedência da reclamação (levantamento da penhora incidente sobre os créditos) e na repercussão negativa na sua esfera jurídica, no caso de improcedência da reclamação com o fundamento invocado, traduzida no eventual prosseguimento da execução contra ele, na qualidade de executado por responsabilidade pessoal”.
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3.5. É certo que a procedência da prescrição implicaria a extinção do processo executivo e o fim da penhora contudo a sentença recorrida confirmou decisão proferida no âmbito da execução sustentando que não tinha a ora reclamante legitimidade para efetuar tal pedido de declaração de prescrição.
De todo o modo nem esta decisão nem a sentença recorrida se pronunciaram sobre a questão de saber se é oficioso o conhecimento da invocada prescrição.
Com efeito dispõe o artigo 175º do CPPT que a prescrição será conhecida “oficiosamente pelo juiz se o órgão de execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito”.
Entende-se, contudo, na situação concreta e para a economia dos presentes autos, desnecessário apreciar esta questão
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3.6. A sentença recorrida apesar de afirmar a alegada existência de um contrato-promessa não afirmou, expressamente, a data do mesmo nem se ocorreu a tradição e, por isso, a data desta.
Refere, contudo, que a reclamante apresentou um contrato promessa de compra e venda em 2009, posteriormente ao registo da penhora.
Parece, de todo o modo, que a reclamante e ora recorrente alega e fundamenta o seu pedido na existência de um contrato-promessa, com tradição da coisa.
Sustenta, contudo, a FP (fls. 25 e v) que tal contrato tem data de 20-05-1988 e que a tradição ocorreu no mesmo ano.
Pretenderá, por isso, a reclamante e recorrente exercitar um eventual direito de retenção, que visará garantir créditos, podendo ser entendido o pedido neste âmbito e com vista a acautelar tal direito.
Com efeito estabelece o artigo 755º 1 do C. Civil que goza, ainda, do direito de retenção “o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável á outra parte, nos termos do artigo 442º”.
Por força do nº 2 deste artigo pode o promitente-comprador, em caso de incumprimento do promitente-vendedor, exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa, o seu valor nos termos indicados neste preceito.
Acrescenta o nº 3 do mesmo artigo 442º que “em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso, pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830º".
Visando, ainda, proteger a posição do promitente-comprador acrescenta o artigo 410º nº 3 que o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão dos requisitos a que se refere a primeira parte deste número “quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte”.
Tendo havido tradição da fração de um prédio urbano o promitente-comprador goza do referido direito de retenção.
O fundamento da legitimação de um tal direito de retenção é a tradição de tal fração, não a posse já que se reconhece, por regra, a ausência de animus possidendi, na pessoa do promitente-comprador pois que a detenção cria uma expetativa de cumprimento do contrato que merece a tutela do direito.
Foi propósito do legislador, assento (anteriormente assento e agora com o valor de acórdão uniformizador de jurisprudência) do STJ de 12-03-1996, proc. 084119, BMJ 455, p. 53 e ss “colocar sob a tutela da referida garantia os prédios ou frações objecto do contrato-promessa, quer estivessem construídos, quer em construção, quer mesmo a construir, logo que, obviamente, seja materialmente possível a tradição.”
Como se escreveu no acórdão do STJ de 03-07-2018, proc. 2717/16:
“Historicamente, o direito de retenção (ainda que então direcionado apenas para a defesa do promitente-comprador [de edifícios ou frações autónomas deles]) em sede de incumprimento de contrato-promessa surgiu com a alteração introduzida no Código Civil pelo DL nº 236/80. Aí (nº 3 do art. 443º) se concedia um direito de retenção para garantia do “crédito resultante do incumprimento pelo promitente-vendedor”. Literalmente, este direito não surgia vinculado ao crédito decorrente do regime do sinal ou do valor da coisa. Por isso, parece que era de entender que o direito de retenção garantia também créditos emergentes do incumprimento da promessa para além dos decorrentes do regime do sinal [1]. O que é dizer, o direito de retenção não estaria necessariamente dependente da constituição de sinal, senão e apenas do incumprimento do promitente-vendedor (com o consequente crédito do promitente-comprador) e da tradição da coisa.
O DL 379/86, que de igual forma alterou o Código Civil, manteve o direito de retenção, desta feita nos termos supra transcritos do artigo 755 n.º 1 al. f). Como resulta do respetivo preâmbulo (ponto 4), um tal direito foi suportado pelo legislador na seguinte argumentação: “Tem de reconhecer-se que, na maioria dos casos, a entrega da coisa ao adquirente apenas se verifica com o contrato definitivo. E, quando se produza antes, não há dúvida de que se cria legitimamente, ao beneficiário da promessa, uma confiança mais forte na estabilidade ou concretização do negócio. A boa-fé sugere, portanto, que lhe corresponda um acréscimo de segurança”. Do mesmo passo que o legislador considerou que se afigurava razoável atribuir prioridade (mediante esse direito de retenção) à tutela dos particulares em geral, o que, mais aduziu, vinha “na lógica da defesa do consumidor”. Também destes incisos se retira que a ratio do direito de retenção passou á margem do sinal, centrando-se exclusivamente no propósito de fortalecer (garantia acessória) os direitos do beneficiário (consumidor) da promessa de transmissão ou constituição de direito real.”.
Parece, por isso, podermos concluir que a reclamante e ora recorrente, beneficiário da promessa de transmissão de direito real, com tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, beneficia do direito de retenção, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte.
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3.7. Como já se referiu a sentença recorrida, apesar de afirmar a alegada existência de um contrato-promessa não afirmou, expressamente, a data do mesmo nem se ocorreu a tradição e, por isso, a data desta.
Apenas referiu, sobre esta questão, que a reclamante apresentou um contrato promessa de compra e venda, em 2009, posteriormente ao registo da penhora.
Contudo a FP, como já se referiu, parece afirmar a celebração de tal contrato, com tradição, em 1988.
Torna-se, por isso, necessário que o tribunal a quo amplie a matéria de facto de modo a fixar o quadro factual suficiente para o julgamento da causa.
Com efeito este STA não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional.
Acresce que este tribunal, como tribunal de revista, carece de poderes de cognição em sede de matéria de facto.
Do exposto resulta que é de anular a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que decida após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que acima se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.
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Nos termos do artigo 276º do CPPT tem legitimidade para requerer a extinção da execução, por prescrição, o promitente-comprador, com tradição da coisa, objeto da penhora na mesma execução.
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4. Assim sendo acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar que os autos baixem à 1.ª instância nos termos e para os efeitos referidos.
Custas pela FP, com dispensa da taxa de justiça, por não ter alegado.

Lisboa, 19 de setembro de 2018. – António Pimpão (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.