Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01051/14
Data do Acordão:07/13/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:ÂMBITO DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
ACTO LEGISLATIVO
ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário:A alteração dos Estatutos operada pelo Dec. Lei n.º 108/2014, de 2 de julho, tem natureza formal e materialmente normativa, estando a sua impugnação excluída do âmbito da jurisdição administrativa.
Nº Convencional:JSTA000P20822
Nº do Documento:SA12016071301051
Data de Entrada:10/02/2014
Recorrente:MUNICÍPIO DE LISBOA
Recorrido 1:CONSELHO DE MINISTROS E OUTROS (13)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: O Município de Lisboa, notificado do despacho saneador de fls. 440 a 449, que declarou “… a incompetência deste STA, para conhecer da matéria em causa nestes autos absolvendo os réus da instância”, vem reclamar para a conferência, ao abrigo do art. 27º, nº 2, do CPTA, concluindo:
“I- Através da leitura do despacho saneador não se vislumbra o alcance e fundamentação da decisão que o mesmo encerra, resultando o mesmo ininteligível.
II- O despacho saneador da relatora do processo, não procedendo à apreciação da matéria trazida aos autos pelo Autor, foi em grande medida, decalcado do conteúdo de um outro despacho que terá sido proferido em autos judiciais estranhos aos presentes.
III- O aproveitamento do texto de autos diversos dos presentes, foi de tal forma extensivo, que acabou por redundar nas nulidades de obscuridade, contradição, falta de fundamentação, ininteligibilidade e consequente omissão de pronúncia, previstas nas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, em violação do disposto no artigo 154.º n.º 1 do CPC e do previsto no artigo 205.º da CRP.
IV- A falta de fundamentação e omissão de pronúncia quanto à matéria e base legal que o Autor suscitou quanto à caracterização da natureza administrativa do acto impugnado e quanto à exceção de incompetência absoluta suscitada pela ED, transmite aliás a ideia de que o despacho em causa não foi precedido da devida leitura, atenta, da petição inicial e do requerimento de resposta à exceção de incompetência absoluta julgada verificada, ideia esta incutida pelo facto de o despacho em causa fazer referência a diplomas não aplicáveis à matéria dos presentes autos, nem tão pouco invocados pelo Autor, e a imputar ao Autor invocações e fundamentações a que este não recorreu.
V- No despacho saneador ora reclamado, posteriormente à transcrição parcial do Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 951/14 (página 4 do despacho), procede-se à exposição da fundamentação da decisão de verificação da excepção de incompetência material absoluta do STA, sem se estabelecer qualquer relação entre aquela transcrição e o raciocínio que se lhe segue de suposta apreciação dos fundamentos em que o Autor baseia a presente acção administrativa especial.
VI- Não procede igualmente à apreciação da fundamentação aduzida pelo Autor na sua resposta à excepção de incompetência material suscitada pela ED.
VI- Ao longo de praticamente 4 páginas de um total de 10, a relatora do processo imputa ao Autor invocações de normas legais e fundamentação a que este não recorreu, sendo que das repetidas referências aos Decretos-Lei nºs 53/97 e 104/2014, se conclui que foi vertido em grande parte, no despacho saneador de que se reclama, o teor de um despacho proferido em autos diversos dos presentes relativos à alteração de estatutos da A…………, S. A.
VII- Com efeito o Autor, contrariamente ao que lhe é imputado no douto despacho saneador nunca invocou os prazos de concessão entre os seus fundamentos de impugnação do acto administrativo que procedeu à alteração dos estatutos da B…………; bem como nunca invocou a violação do DL 58/97 pelo DL 104/2014 (nem tão pouco a violação do DL 68/2010 pelo DL 108/2014); não se limitou a impugnar a alteração dos estatutos na parte em que do mesmo resulta que a titularidade da maioria do capital passe para entidades privadas; nunca se referiu a “transformação extintiva” para caracterizar a alteração de estatutos processada através do DL 108/2014;
VIII- E não tendo o Autor invocado a violação do DL 68/2010 pelo DL 108/2014, quando, por referência ao DL 53/97 e ao DL 104/2014, no despacho saneador se refere que “a recorrente ter(á) qualificado erradamente o fundamento invocado e sendo que era a mesma que tinha o ónus de fazer corresponder um concreto vício relativo a uma verdadeira natureza administrativa”, tal apreciação de erro imputado ao Município de Lisboa, na qualificação do fundamento invocado, não tem qualquer correspondência com a matéria trazida aos autos pelo Autor, ora reclamante.
IX- Mesmo que se estabelecesse um paralelismo entre os diplomas aplicáveis exclusivamente à A………… e os equivalentes aplicáveis à B…………, a fundamentação do despacho saneador relativa a esta matéria,
não tem qualquer correspondência com a matéria levada aos autos na p.i., entrando aliás em contradição com o seu próprio primeiro parágrafo onde se pode ler que “O Município de Lisboa veio mover uma acção administrativa especial impugnando o acto administrativo praticado pelo Governo de Portugal através do DL 108/2014, publicado no DR, N. 125, I S., de 2.7, que alterou o DL 68/2010, de 15.6 e os Estatutos da Sociedade B…………, S.A. invocando a violação dos art.s 2.º, 165.º, n.º1 al. U), e 235.º, n.º2 da CRP, os arts. 14.º, n.º1, 36.º e 38.º, n.º2 do DL 133/2013, de 3.10 e os art.s 2.º, 7.º, 85.º, 375.º, n.º2 e 386.º, n.º3 do Código das Sociedades Comerciais.”
X- Igualmente o Autor, contrariamente ao que lhe vem imputado no douto despacho saneador identificou os vícios geradores da nulidade do acto impugnado, quer através da indicação das normas legais e constitucionais ofendidas quer através da indicação da cominação da nulidade prevista no artigo 133.º do CPA
XI- Já na parte decisória do despacho, determina-se que o STA é efectivamente incompetente para conhecer da ilegalidade/ inconstitucionalidade do DL 104/14 aplicável exclusivamente à A…………, determinando este despacho que o STA é incompetente para conhecer a ilegalidade/inconstitucionalidade de um diploma cuja legalidade/ inconstitucionalidade o Autor não pôs nem poderia pôr em causa.
XII- A ilegalidade/inconstitucionalidade que o Autor invocou foi a do ato administrativo que procedeu à alteração dos estatutos da B………… contido nos artigos 4.º a 6.º do DL 108/2014, conforme se encontra enunciado na parte da identificação do litígio (sétimo parágrafo da página 2) do despacho saneador.
XIII- Pelo que a presente decisão se reporta à incompetência desse Venerando Tribunal para conhecer da ilegalidade/inconstitucionalidade do DL 104/14 e não do acto administrativo que procedeu à alteração dos estatutos da B………… através do DL. 108/2014 que constitui o acto impugnado, encontrando-nos desta feita numa situação enquadrável na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, uma vez que a decisão acabou por recair sobre objecto diverso do do pedido.
XIV- Na sua globalidade o despacho em causa acaba por se apresentar ininteligível, o que determina a sua nulidade nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
XV- O despacho de que ora se reclama invoca assim fundamentos que servirão de fundamentação aos autos interpostos pela entidade que invocou a violação do Decreto-Lei n.º 53/97, mas não aos presentes autos em que se invocou a violação no disposto nos art.s 2.º, 165.º, n.º1 al. U), e 235.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), os arts. 14.º, n.º1, 36.º e 38.º, n.º2 do DL 133/2013, de 3.10 e os art.s 2.º, 7.º, 85.º, 375.º, n.º2 e 386.º, n.º3 do Código das Sociedades Comerciais.
XVI- E ao invocar fundamentação que se reporta a matéria que o Autor não trouxe aos presentes autos, constante de autos diversos destes, desconhecendo o Autor, nem tendo qualquer obrigação de conhecer, os termos e teor desses outros autos reveste-se de especial ambiguidade e obscuridade resultando ininteligível para o Autor, não se alcançando na sua integralidade o sentido daquela decisão, o que se enquadra na nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
XVII- Mais, ao reportar-se a questões que são objecto de autos diferentes dos presentes, e ao pronunciar-se sobre questões que não têm qualquer equivalência com as questões trazidas aos autos pelo Autor, acabando por declarar a incompetência do STA para conhecer da ilegalidade/inconstitucionalidade de diploma legal que não se encontra posto em crise nos presentes autos, não se pronunciando sobre o acto efectivamente impugnado, acabou a relatora por proferir decisão não fundamentada, assim incorrendo em nulidade, nos termos previstos nas alíneas b) d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Por todo o acima exposto, encontrando-se o despacho saneador em causa ferido das nulidades previstas nas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, e consequentemente levando a sua falta de fundamentação à violação do preceito constitucional contido no artigo 205.º da CRP e do artigo 154.º do CPC, deverá a presente reclamação ser julgada totalmente procedente por provada, devendo, em Conferência, o despacho ora reclamado, ser objecto de declaração de nulidade, nos termos conjugados do previsto no n.º 2 do artigo 27.º do CPTA e do n.º 4 do mesmo artigo 615.º do CPC com devidas consequências legais e constitucionais.”

A PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS, notificada da reclamação para a Conferência, veio arguir, e, em conclusão, que:
“Sendo inegável que o douto despacho reclamado contém certos lapsos notórios na identificação dos diplomas relevantes — fruto, aliás, da compreensível necessidade de dar célere vazão à grande quantidade de providências cautelares e ações administrativas especiais com pedidos e causas de pedir essencialmente idênticos, intentadas pelo Reclamante e por outros municípios, que deram entrada num curto espaço de tempo —, tais lapsos em nada prejudicam a inteligibilidade, a coerência e completude da decisão em crise, que não padece de qualquer vício suscetível de afetar a sua validade.
II. A nulidade de decisão judicial com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto apenas ocorre, segundo a jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores, quer da jurisdição civil, quer da jurisdição administrativa, nos casos em que falta em absoluto qualquer fundamentação, não bastando que esta seja errónea ou insuficiente — sendo certo que nem esse é o caso. A nulidade constitui um desvalor extremo que se destina a reagir contra situações em que falta um elemento essencial da decisão.
III. O douto despacho reclamado encerra fundamentos de facto e de direito, pelo que não pode dizer-se que careça, em absoluto, de fundamentação. Desde logo por esse motivo, não se verifica a suposta nulidade.
IV. A nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão ou ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível corresponde a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência em termos tais que os fundamentos invocados pelo juiz devessem logicamente conduzir a resultado oposto — ou, no mínimo, a resultado diferente — ao expresso na decisão.
V. No caso dos autos, pelo contrário, apesar dos lapsos na identificação de alguns diplomas, todo o conteúdo da fundamentação do despacho reclamado aponta indubitavelmente no sentido da decisão de declarar incompetente a jurisdição administrativa, tendo em conta a natureza legislativa dos supostos atos impugnados. Não existe, pois, qualquer contradição lógica ou ambiguidade entre a decisão e seus fundamentos que prejudique a respetiva inteligibilidade.
VI. Ao aferir da eventual verificação da nulidade de uma decisão judicial por omissão de pronúncia, importa verificar se o juiz conheceu de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão. O conceito de «questões» não se confunde, pois, com o de argumentos aduzidos pelas partes, não pesando sobre o juiz o dever de se pronunciar sobre todos e cada um destes;
VII O despacho impugnado pronunciou-se, de uma forma aliás completa, quanto à questão da natureza do ato requerido. Dado que concluiu no sentido da natureza legislativa desse ato, tal conclusão, que lógica e necessariamente conduz à declaração de incompetência do tribunal, prejudica todas as demais. As ideias que o Reclamante afirma encontrarem-se omissas no douto despacho reclamado constituem meras linhas argumentativas, não um pedido, uma causa de pedir ou exceção. Logo, o tribunal a quo não omitiu qualquer questão de que devesse obrigatoriamente conhecer.
VIII. Também não se verifica qualquer excesso de pronúncia, dado que o tribunal não se pronunciou sobre questões não suscitadas na petição inicial ou na contestação que não são de conhecimento oficioso. As referências a diplomas aplicáveis a outras concessionárias que não a B………… correspondem a lapsos notórios, que aliás não prejudicam minimamente o conteúdo útil da decisão e da respetiva fundamentação, pelo que são irrelevantes. Mesmo que se entendesse que tais lapsos resultaram numa pronúncia (não intencional — se é que isso é possível) sobre matéria estranha aos autos, nunca seria uma nulidade suscetível de ferir toda a decisão. Com efeito, tal não prejudicaria a subsistência do despacho reclamado em tudo o resto, sendo certo que o despacho, mesmo sem os parágrafos em crise, se afigura perfeitamente completo, coerente e claro.
IX. Tão pouco se verifica nulidade por condenação em objeto diverso do pedido, seja porque é notório que tais referências a um outro diploma não aplicável ao objeto dos autos correspondem a lapsos e que efetivamente a decisão reclamada incide sobre o diploma questionado pelo Autor na p.i. e não sobre qualquer outro diploma; seja ainda porque a decisão de declaração da incompetência do STA para conhecer da matéria em causa nos autos assenta na apreciação de uma questão de conhecimento oficioso.
X. Além de não conter qualquer nulidade, o douto despacho recorrido procede a uma correta interpretação e aplicação do direito aplicável — algo que nem, de resto, o reclamante põe em causa na reclamação —, pelo que deverá ser mantido.
Nestes termos e nos demais de direito, como o douto suprimento de Vossas Excelências, deve a presente reclamação ser julgada improcedente por não provada, confirmando-se a douta decisão reclamada, que determinou a absolvição da instância da Entidade Demandada.”

C…………, S.A., D…………, S.A., E…………, S.A. e B…………, S.A., Contra-interessadas nos presentes autos, vieram responder à reclamação para a conferência, nos termos seguintes:
“1.º
Na presente reclamação o Autor invoca a ininteligibilidade e falta de fundamentação do despacho reclamado, sustentando que o mesmo «foi, em grande medida, decalcado do conteúdo de um outro despacho que terá sido proferido em autos judiciais estranhos aos presentes» (cf. conclusão II da reclamação sob resposta).
2.º
Ora, não há dúvida que o despacho reclamado se louvou, em grande medida, em outra decisão judicial, isto é, o Acórdão (e não despacho, como afirma o Autor) de 9 de outubro de 2014, proferido no Proc. n.º 951/2014 deste mesmo STA.
3.º
Simplesmente, os autos em que esta última decisão foi proferida foram os autos de providência cautelar em que o reclamante requereu a suspensão de eficácia do ato administrativo alegadamente contido no Decreto-Lei n.º 108/2014, de 2 de julho.
4.º
Por sua vez, os presentes autos dizem respeito à ação principal em que o ora reclamante impugna o ato administrativo alegadamente contido no Decreto-Lei n.º 108/2014, de 2 de julho...
5.º
As considerações anteriores são bem demonstrativas do espírito que preside à presente reclamação, através da qual o Município de Lisboa não se coíbe de afirmar que «o despacho em causa não foi precedido da devida leitura, atenta, da petição inicial e do requerimento de resposta à exceção de incompetência absoluta julgada verificada» (cf. conclusão IV da reclamação sob resposta).
6.º
De igual modo, não parece aceitável considerar que o despacho reclamado se baseou em matéria «constante de autos diversos destes, desconhecendo o Autor, nem tendo qualquer obrigação de conhecer, os termos e teor desses mesmos autos» (cf. conclusão XVI das conclusão da reclamação sob resposta).
7.º
Pelo contrário, a matéria sobre a qual se pronunciou o despacho reclamado, bem como o Acórdão de 9 de outubro de 2014 proferido no Processo n.º 951/2014, incidiram precisamente sobre a mesma matéria, isto é, sobre a competência material do STA para conhecer de alegados atos administrativos contidos no Decreto-Lei n.º 108/2014.
8.º
A este propósito, importa sublinhar que o Acórdão de 9 de outubro de 2014, proferido no Processo n.º 951/2014, foi entretanto confirmado pelo Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste STA de 19 de março de 2015.
9.º
De resto, o despacho sob reclamação, ao decidir no sentido em que decidiu, segue a orientação firmada em jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, expressa nos Acórdãos de 6 de novembro de 2014 (proferido no Proc. n.° 940/14), de 23 de outubro de 2014 e de 19 de março de 2015 (ambos proferidos no Proc. n.º 856/14, de 30 de abril de 2015 (proferido no Proc. n.° 1049/14) e de 19 de março de 2015 (Proferido no Proc. n.° 949/14).
10.º
Resulta, assim, claro que ao alegar desconhecer a matéria sobre a qual incidiu o Acórdão transcrito na decisão sob reclamação, o reclamante procede com evidente má-fé, a ser valorada para os efeitos previstos no artigo 542.º do Código de Processo Civil, pois tal decisão foi proferida em processo em que foi parte.
11.º
Na mesma senda, o reclamante sustenta que o despacho reclamado se reporta à incompetência deste STA «para conhecer da ilegalidade/inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 104/2014 e não do ato administrativo que procedeu à alteração dos estatutos da B………… através do Decreto-Lei n.º 108/2014 que constitui o ato impugnado» (cf. conclusão XIII da reclamação sob resposta)
12.º
Desde logo, é evidente que quaisquer referências ao Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de julho, contidas no despacho sob reclamação devem ser entendidas como mero lapso de escrita, que apenas darão azo à respetiva retificação nos termos gerais de direito.
13.º
Mas, mais uma vez, se torna evidente que o reclamante não se coíbe de atribuir a um simples lapso de escrita, revelado no próprio contexto do despacho sob reclamação, um significado que o mesmo manifestamente não comporta.
14.º
Aliás, a fundamentação que pode ser aduzida no sentido de sustentar a incompetência do STA para conhecer dum pretenso ato administrativo contido no Decreto-Lei n.º 104/2014 pode ser «totalmente transposta para o que respeita ao Decreto-Lei n.º 108/2014», como se afirmou no Acórdão de 19 de março de 2015, proferido no Proc. n.° 951/2014-20, do Pleno da Secção, como de resto a reclamante não deixa de admitir na conclusão IX da reclamação sob resposta.
15.º
Em qualquer caso, o que se afigura decisivo é o facto de o despacho reclamado afirmar (neste ponto sem transcrever qualquer outra decisão judicial), que «quanto à alegada questão de que o que está aqui em causa é a alteração dos Estatutos da B………… e que por isso estaríamos perante um ato administrativo, a verdade é que a materialização da opção política que está na génese de toda a reforma legislativa operada no sector, concretiza-se também no regime normativo/estatutário da B………… não como forma de reger concretamente uma situação, mas antes como extensão da criação dum direito novo».
16.°
Por outras palavras, não é a circunstância de o reclamante invocar que a presente ação tem como objeto «o ato administrativo praticado pelo Governo de Portugal através do Decreto-Lei n.º 108/2014» (cf. conclusão IX da reclamação sob resposta) que se revela capaz de conferir a tal medida a natureza de verdadeiro ato administrativo.
17.°
Com efeito, e como a este propósito se afirma no despacho reclamado, a natureza administrativa do ato impugnado deve resultar do direito aplicável e não da sua mera qualificação pelo reclamante.
18.°
Ora, como resulta com toda a clareza do despacho sob reclamação, ao impugnar os atos contidos no Decreto-Lei n.º 108/2014, de 2 de julho, o reclamante pretende na verdade a «sindicância de preceitos materialmente legislativos, isto é a alteração daquilo que é o quadro legal na ordem jurídica vigente» (cf. pág. 9 do despacho sob reclamação).
19°
Não existe, assim, qualquer obscuridade ou deficiência de fundamentação no despacho sob reclamação, a qual pode apenas ser invocada com base em manifesta distorção do entendimento que nele foi vertido e que aponta, com toda a clareza e com base em jurisprudência constante do STA, para a exclusão dos atos impugnados da competência material da jurisdição administrativa.
NESSES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS QUE V. EX.AS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE A PRESENTE RECLAMAÇÃO SER INDEFERIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.”
Em 22.05.2015, porém, foi apenso a estes autos um requerimento destes contra-interessados, solicitando que não se dê por escrito o artigo 10º desta resposta à reclamação.
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Cumpre decidir.
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Vem o autor Município de Lisboa reclamar do despacho saneador invocando a sua nulidade por violação do art. 165º nº1 als. b), c) d) e e) do CPC pedindo que tal seja declarado nos termos do nº4 do mesmo preceito e art. 27º do CPTA.
Alega que o despacho reclamado invoca fundamentos que ele não invocou assim como a referência a diplomas que não os por si alegados não tendo em consideração a sua resposta à exceção de incompetência pelo que é nulo por obscuridade, contradição, falta de fundamentação, ininteligibilidade e consequente omissão de pronúncia, previstas nas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC
Então vejamos.
Nos termos do referido art. 615º do novo CPC a sentença é nula quando:
“b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão; ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. (...)
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 sóì podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”
Quanto à nulidade a que se reporta a alínea b) tem a jurisprudência unanimemente entendido que ela só se verifica quando ocorra total ausência de fundamentação e não apenas quando seja incompleta ou deficiente já que apenas naquela situação o destinatário da decisão ficará sem saber porque se decidiu de uma maneira e não de outra.
Nos termos da alínea c) só ocorre nulidade quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si segue caminho oposto, isto é, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.
Esta nulidade pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância da fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada.
Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Por seu lado a nulidade prevista na alínea d) do art. 615º do novo CPC) dispõe que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cujas decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” E, qual o sentido da palavra “questões”? Ora, jurisprudência e doutrina têm entendido que há que distinguir “questões” de “razões” (ou seja, argumentos), e que a falta de apreciação de todos os motivos indicados, não constituem causa de nulidade de sentença ou acórdão.
O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – ver neste sentido o Ac. STJ de 25/09/2003 - Proc. n.º 03B659).
Quanto à alínea e) há condenação em objeto diverso do pedido quando aquela não tem qualquer correspondência com a pretensão formulada em juízo
Então vejamos se o despacho aqui em causa padece de algum dos tipos de nulidade invocados.
O despacho reclamado começa por identificar a questão que está em causa ao referir “O município de Lisboa veio mover uma acção administrativa especial, impugnando o acto administrativo praticado pelo Governo de Portugal através do DL. 108/2014, publicado no DR, Nº 125, I S., de 2.7., que alterou o DL 68/2010, de 15.6. e os Estatutos da Sociedade B…………, S.A. invocando a violação dos art.s 2º, 165º, nº1, al. u), e 235º, nº2 da CRP, os arts. 14º, nº1, 36º e 38º, nº2 do DL. 133/2013, de 3.10. e os art.s 2º, 7º, 85º, 375º, nº 2 e 386º, nº3 do Código das Sociedades Comerciais.
E termina pedindo a procedência da ação de impugnação do ato que procedeu à alteração dos estatutos da sociedade B………… formalizado através do DL 108/2014 de 2/7 publicado no DR 125 1ª série.
Para tanto refere que o DL 68/2010, de 15.6. constituiu a B…………, S.A. e criou o sistema multimunicipal de triagem, recolha, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos das regiões de Lisboa e do Oeste, resultando da cooperação e colaboração dos municípios envolvidos, no âmbito das atribuições e competências no sector dos resíduos sólidos urbanos, dotadas de autonomia local prevista em lei especial (art. 3º Carta Europeia da Autonomia Local, art. 235º CRP e Lei das Autarquias Locais (L. 75/2013, de 12.9.)
E que, os seus accionistas sempre foram entidades públicas ou sociedades de capitais exclusivamente públicos, daí resultando imperativamente a natureza pública da B………… em conformidade com o referido DL 68/2010, que também previa a forma de proceder às alterações dos Estatutos.
Por fim diz que com a aprovação do referido DL. 108/2014 se procedeu a alterações profundas ao Estatuto da Sociedade B…………, o que reveste a forma de ato materialmente administrativo ilegal e inconstitucional.”
E, assim é, a recorrente, conforme resulta da petição veio impugnar o ato administrativo praticado pelo Governo através do DL 108/2014 de 2/7 que alterou o DL 68/2010 de 15/6 e os Estatutos da B………….
No despacho reclamado também se alude à resposta dada pela reclamante à exceção de incompetência suscitada pela Presidência do Conselho de Ministros ao referir:
“Notificado o Município de Lisboa para se pronunciar sobre a exceção de incompetência suscitada vem o mesmo dizer que o ato administrativo que vem impugnar é o que procedeu à alteração dos estatutos da sociedade B………… pelo que o STA é o competente.”
E, depois, refere, o referido despacho:
“Responde o Município de Lisboa que o ato administrativo que vem impugnar é o que procedeu à alteração dos estatutos da sociedade B………… formalizado através dos arts 4º a 6º do DL 108/2014 de 2/7 e que a alteração dos estatutos da sociedade B………… consiste num ato administrativo cuja sindicância compete aos tribunais administrativos.”
Continua o referido despacho:
“O A. requereu a suspensão de eficácia do ato administrativo, agora impugnado, a qual veio a ser julgada por ac. deste STA, de 9.10.2014, Proc. nº 951/2014, que absolveu da instância as entidades demandadas, declarando «a jurisdição administrativa incompetente, em razão da matéria…(...)
Como se decidiu no referido Ac. deste STA, Proc. nº 951/2014 de 9.10.2014 : “ (...) O requerente vislumbra tal acto administrativo no DL n.º 108/2014, de 2/7, tomado na sua globalidade. E este modo de identificação do acto — que nada tem a ver com a sua prova, questão que o Conselho de Ministros colocou e agora não releva — põe-nos imediatamente de sobreaviso; pois, se é indiscutível a possibilidade dum decreto-lei conter actos administrativos («vide» os arts. 268°, n.º 4, da CRP, e 52°, n.º 1, do CPTA), já começa a ser assaz improvável que um diploma desse tipo, que se espraia por quinze artigos, se reconduza à definição inserta no art. 120° do CPA.
Mas deixemos as probabilidades e procuremos as certezas. O DL n.º 108/2014, isto é, o acto ora suspendendo, alterou o DL n.º 68/2010, de 15/6, e o seu anexo. Este diploma incidira fundamentalmente sobre quatro pontos: criara o sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos das regiões de Lisboa e do Oeste; constituíra a sociedade ……………………., SA; atribuíra a concessão da exploração e gestão do sistema a essa sociedade; e, em anexo, aprovara os estatutos da ………………... Todos esses pontos persistem no regime trazido pelo DL n.º 108/2014, embora com alterações várias em que avulta uma, que especialmente desagrada ao requerente — a possibilidade, antes excluída, do capital social da ……………… ser maioritariamente detido por entidades privadas.
Assim, o DL n.º 108/2014 cumpriu uma função alteradora, e substitutiva, relativamente à versão original do DL n.º 68/2010. Ora, tendo em conta as características dessa função, o DL n.º 108/2014 só poderá ser um acto administrativo se o DL n.º 68/2010 o for também. E isto não decorre de meros ideais de simetria lógica, aliás merecedores de atenção; pois funda-se na própria natureza das coisas, que há-de ser idêntica em dois diplomas que intentaram reger sucessivamente o mesmo assunto, tratando-o num único e mesmo plano. Portanto, a resposta ao problema de saber se o DL n.º 108/2014 é, ou não, um acto administrativo tanto pode ser dada a partir deste diploma como a partir do DL n.º 68/2010 — posto que a natureza de ambos tem de ser idêntica.
É significativo que o requerente não tenha ousado dizer que o DL n.º 68/2010 era, já, um acto administrativo — revogado, por substituição, pelo DL n.º 108/2014. Mas isso, que o requerente silenciou, concorda, «ex necessitate», com a ideia exposta no requerimento inicial. Com efeito, já acima dissemos que as preocupações do requerente se centram na recomposição da estrutura accionista da ………………., operada pelo DL n.º 108/2014. Ora, tenderíamos a aceitar que a qualificação deste diploma, como acto administrativo, estava certa se o DL n.º 68/2010, ao constituir a ………………… tal e qual fez — isto é, com os estatutos aprovados em anexo e alterados pelo acto suspendendo — contivesse logo um acto administrativo.
Em tese, não é absolutamente impossível que a lei preveja que uma sociedade venha a constituir-se por acto administrativo, pois até já se reconheceu que uma hipótese desse género existira no passado (cfr. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I, pág. 353). Mas, à resolução do problema presente, interessa, não o que a lei poderia ter previsto, mas o que efectivamente previu — o que nos remete para a pesquisa do título jurídico que legitimou a edição do DL n.º 68/2010.
Ora, esse título não está no regime jurídico do sector público empresarial, que constou do DL n.º 558/99, de 17/12, e está hoje vertido no DL n.º 133/2013, de 3/10 — como alvitra o requerente; nem está noutros diplomas que as partes exuberantemente convocaram. O dito título constava, sim, do DL n.º 379/93, de 5/11 — aliás, citado no preâmbulo do DL n.º 68/2010, de 15/6 — cujo art. 3°, n.º 2, impusera que a «criação e a concessão» dos sistemas multimunicipais do sobredito género fossem «objecto de decreto-lei». E é óbvio que, ao prever a «criação e a concessão» desses sistemas por «decreto-lei», o legislador do DL n.º 379/93 estava a impor a concomitante constituição, subordinada à mesma forma, das sociedades concessionárias que haveriam de geri-los, se elas ainda não existissem; pois seria impossível passar-se à concessão do sistema criado por decreto-lei sem aí se constituir também, e «uno actu», a sociedade concessionária.
A imposição de que tais matérias se regulassem por decreto-lei não era insignificante nem casual — e, tanto assim, que persiste no art. 3°, nº 1, do DL n.º 92/2013, de 11/7, cujo art. 13° revogou o referido DL n.º 379/93. Se o legislador impôs essa forma — legislativa — de expressão é porque a considerou mais adequada ao caso que previu (art. 9º, n.º 3, do Código Civil); e essa melhor adequação só poderia advir do facto de, nos decretos-leis criadores dos mencionados sistemas multimunicipais, se corporizarem opções de índole normativa, em vez de pronúncias que pudessem ser assimiladas a actos administrativos.
Ora, quando o próprio legislador qualifica as suas intervenções de um certo tipo como legislativas, fica, «ipso facto», autenticado o género de actuação que ele realizará. Persiste, evidentemente, a possibilidade de, dentro dessa actividade legislativa, se ter anomalamente insinuado a prática de algum acto administrativo «proprio sensu». Mas a insistência em olhar-se todo um diploma legal, cuja produção foi prevista noutro, como um acto administrativo esbarra num decisivo obstáculo — o dessa qualificação ser imediatamente «contra legem».
Assim, tanto o DL n.º 68/2010 como o DL n.º 108/2014 assumiram forma legislativa porque havia leis anteriores que a impunham. E tal imposição, por si só, descaracteriza logo tais diplomas como actos administrativos e insta a encará-los como actos normativos.
E, contra isto, é vão argumentar — como faz o requerente — em torno das características de generalidade e abstracção. Estas são, decerto, duas notas que normalmente acompanham a normatividade e habilitam a distinguir entre actos e normas. Mas nem sempre, já que é sabido que o intervencionismo estatal opera hoje frequentemente através de comandos que incidem sobre realidades particularizadas ou determinadas e que, não obstante, adoptam e possuem o valor de lei. E os diplomas legais dotados dessas especiais características têm sido agrupados num conceito significativamente designado como «leis-medida» ou «leis-providência» (cfr., v.g., o acórdão do STA de 12/1/99, proferido no recurso n.º 44.490).
Aliás, parece ter sido isso que ocorreu «in casu», com os DL’s ns.° 68/2010 e 108/2014 — enquanto actuantes no plano da constituição e da modificação da estrutura accionista de uma sociedade anónima. Seja qual for o grau de generalidade e de abstracção que divisemos nesses diplomas, é inequívoco — até pelo que sucessivamente dispuseram os DL’s ns.° 379/93 e 92/2013 quanto à necessidade do assunto ser «objecto de decreto-lei» — que as pronúncias vertidas no «acto» suspendendo e no decreto-lei que ele modificou se pretenderam normativas e foram-no na realidade.
Ademais, se dúvidas houvesse, elas haveriam de resolver-se em favor da normatividade — como este STA já decidiu («vide» o acórdão de 3/11/2004, proferido no proc. n.º 678/04).
Face à índole normativa do DL n.º 108/2014, é ocioso averiguar se ele foi o fruto de uma opção política ou meramente administrativa. É que, nesta última hipótese — a que tomasse o DL n.º 108/2014 como uma mera particularização modal de uma escolha política de fundo — continuaríamos a ter de afirmar a natureza legislativa do acto suspendendo, visto que não há regulamentos sob forma legislativa. Neste ponto, a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de que as normas formalmente legislativas emanadas do Governo são havidas como tal, não sendo possível negá-lo a pretexto de que elas seriam materialmente administrativas (cfr. v.g., o acórdão do Pleno do STA, proferido em 7/6/2006 no recurso n.º 1257/05).”
Isto é, o despacho reclamado identifica que o ato impugnado é precisamente o mesmo ato que foi objeto de processo cautelar, cuja decisão foi a de considerar que a jurisdição administrativa era incompetente para conhecer do mesmo.
E, nessa sequência transcreve a decisão aí proferida que conduziu à decisão de incompetência do tribunal, que aliás, já foi objeto de decisão do Pleno.
E, depois, continua, referindo que:
“....Por outro lado e quanto à alegada questão de que o que está aqui em causa é a alteração dos Estatutos da B………… e que por isso estaríamos perante um ato administrativo, a verdade é que a materialização da opção política que está na génese de toda a reforma legislativa operada no setor, concretiza-se também no regime normativo/estatutário da B………… não como forma de reger concretamente uma situação mas antes como extensão da criação de um direito novo.
É que, tendo as sociedades concessionárias dos sistemas multimunicipais de triagem, recolha seletiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos, bem como os respetivos estatutos, sido criadas por DL também a alteração daquilo que era o seu regime normativo e estatutário deve realizar-se por ato como o mesmo valor e dignidade normativa sob pena de infração do comando constitucional do art. 112.º da CRP.
Não altera a sua natureza legislativa que a alteração do seu regime e estatutos das referidas sociedades se realize por ato com a mesma natureza, valor e dignidade que o da sua criação sendo que os fundamentos invocados para a ilegalidade/inconstitucionalidade dos atos do referido estatuto contidos no DL 108/14 (relativos aos prazos da concessão, regras de procedimentos de alteração dos estatutos da sociedade, governação pelos órgãos societários, e respetivo funcionamento, competências e fiscalização, com necessárias consequências) têm a ver com modificação da sua natureza de entidade pública.”
1_Diz o reclamante que na petição não falou em prazos de concessão.
Ora, tal questão, é, a nosso ver, irrelevante no contexto das várias ilegalidades referidas quer pelo parêntesis em que está inserida que logo indicia exemplificação quer no contexto das várias ilegalidades invocadas, pelo que tal é inócuo para a decisão final, nem o juiz está limitado a referir pela positiva ou negativa todos os argumentos ou fundamentos invocados pelo autor.
2_Diz também a reclamante que a decisão recorrida refere que: “A recorrente sindica este DL n.º 108/2014, de 2 de Julho na alteração que do mesmo resulta aos Estatutos da B………… mas na parte em que do mesmo resulta que a titularidade da maioria do capital da sociedade passa para entidades privadas.” quando indicou os artigos 4º a 6º do DL 108/2014 sendo que estes referem diversas alterações do Estatuto que não apenas as que resultam da titularidade da maioria do capital passar de pública a privada.
E que tal constitui uma omissão de pronúncia.
Ora, tal não constitui qualquer omissão de pronúncia nos termos em que supra referimos.
A questão aqui em causa que foi objeto de conhecimento foi a exceção de incompetência material da jurisdição administrativa.
Tudo o mais constitui fundamentação no sentido da ocorrência daquela incompetência que poderá padecer de erro sobre os pressupostos da mesma, que não de omissão de pronúncia.
3-Refere, ainda, que a decisão recorrida refere:
“O aqui recorrente apenas sindica os referidos preceitos e diploma na parte em que o mesmo a privatizou pelo que a ilegalidade imputada aos atos jurídico-administrativos de alteração dos referidos estatutos aprovados pelo DL n.º 108/2014, de 2 de Julho, seja a de “transformação extintiva” da sociedade, retirando a natureza pública da B………… integrando-a no setor público empresarial em violação do art. 53/97 de 4/3.”
E que, não se limitou a sindicar os preceitos relativos à parte em que o diploma a privatizou assim como não utilizou a expressão “transformação extintiva” nem o DL 53/97 de 4/3.
Refere, também, que não invocou a violação do DL 68/2010 pelo DL 108/2014, nem fez qualquer referência aos DLs 53/97 e ao DLs 104/2014.
Quanto à questão de se ter ou não limitado a sindicar estes ou aqueles preceitos tal não constitui qualquer omissão como supra referimos mas antes e tão só fundamento, se for caso disso, de erro no despacho por, se tivesse em consideração outra realidade, que não teve, merecer decisão diversa.
O mesmo se diga quanto ao facto de que não se limitou a sindicar os preceitos relativos à parte em que o diploma a privatizou.
Quanto ao facto de não ter referido a expressão “transformação extintiva” tal não impede o tribunal de traduzir em palavras diversas uma realidade que resulta do que se pretende no conjunto da peça processual assim como o de invocar argumentos que não tenham sido trazidos pelas partes.
Em suma, não ocorre a referida nulidade do despacho por qualquer dos fundamentos supra referidos.
4- O que, não significa que o referido não padeça de lapsos a retificar.
Desde já se admite que o referido despacho padece de alguns erros materiais que cumpre retificar.
a_Onde se refere o DL 104/2014 a fls 447, 448 e 449 quer-se aludir ao DL 108/2014;
b_Onde a fls 447 e 448 se refere o DL 53/97 quer-se referir o DL 68/2010;
c_Onde a fls 448 se refere o art. 3º nº3 do DL 53/97 de 4 de Março quer-se referir o art. 6º nº3 do DL 68/2010.
d_Deve eliminar-se a referência a fls 448 ao art 18º dos Estatutos da Sociedade .
Mas, destes lapsos não resulta qualquer ininteligibilidade, contradição ou falta de fundamentação da decisão reclamada.
Na verdade, desde logo, o parágrafo que se segue aos lapsos é de que:
Ou seja, a sindicância aqui feita ao diploma em causa e na parte em que o mesmo altera os Estatutos da B………… são precisamente na vertente cuja natureza legislativa é patente pois trata-se de adaptar um diploma que tem natureza legislativa às alterações legislativas entretanto ocorridas.”
E, também no decurso do referido despacho está claro que:
“Aferir se o DL nº 108/2004 (e outros diplomas que surgiram neste mesmo ano e que procederam às alterações das regras relativas aos vários sistemas multimunicipais de triagem, recolha seletiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos e aos estatutos das sociedades concessionárias) exprime tão só uma vontade política, primária e inovadora do Governo, no exercício da função legislativa ou se do mesmo também constam atos que se devem considerar de natureza administrativa e se, portanto, estamos perante a previsão do art. 4º do novo ETAF, aprovado pela referida Lei nº 13/2003 de 19 de Fevereiro, já muito se tem dito neste STA.
E assim é nos seguintes acórdãos: Ac. do STA de 09.10.2014 [Processo nº 0951/14], a propósito do DL 108/2014 e no mesmo sentido pelos acórdãos de 23.10.2014 [Proc.º 0856/14], de 06.11.2014 [Proc.º 940/14] os acórdãos de 09.07.2014 (proc. 0561/14), de 25.09.2014 (proc. 0799/14) e de 23/10/2014 (proc. 725/14).
Recentemente e nos acórdãos 949/14, 951/14 e 856/14 de 12/3/015 deste STA – Pleno fixou-se jurisprudência clara no sentido de que quer no diploma em si quer na parte em que o mesmo altera os estatutos das entidades está em causa a sindicância de preceitos materialmente legislativos, isto é, a alteração daquilo que é o quadro legal na ordem jurídica vigente, a concretização de uma opção legislativa e que têm na sua base o DL nº 92/2013, de 11/7 que “veio permitir a entrada de capital privado nas entidades gestoras de sistemas multimunicipais no setor dos resíduos, adaptando o quadro legal destas entidades, numa linha de continuidade, à evolução setorial registada nos últimos 20 anos.” (cfr. preâmbulo do DL nº 104/2014).
O entendimento tem, pois, sido unânime no sentido de que estes diplomas, como é o caso do DL 108/04, constituem um ato integrante dum processo legislativo complexo por estar em causa a publicação e alteração de vários diplomas legais, como a Lei n.º 35/2003, que alterou Lei n.º 88-A/97 e o DL n.º 92/2003 que exprimem uma vontade política definindo o interesse geral e exprimindo novas opções legislativas na matéria.”
Ou seja, está perfeitamente clarificado no referido despacho de que a questão de o DL 108/2014 ser um ato legislativo era uma questão comum a diversos outros diplomas cujo tratamento jurisprudencial se chamou à colação, entre os quais estava o referido DL 104/2014.
Por outro lado a eliminação dos parágrafos em que se alude ao DL 104/2014 em nada altera o sentido do despacho reclamado que é profícuo em referir que está em causa o DL 108/2014.
Pelo que, não existe qualquer contradição lógica ou ambiguidade entre a decisão e seus fundamentos que prejudique a respetiva inteligibilidade.
Nem os lapsos supra referidos na referência a diplomas que expressamente se referiu estarem na mesma situação dos diplomas aqui em causa implicam qualquer diverso sentido da decisão de declarar incompetente a jurisdição administrativa, tendo em conta a natureza legislativa dos supostos atos impugnados, sendo, depois de eliminados completamente inócuos para a decisão.
Em suma, o despacho apesar dos lapsos é inteligível e lógica e necessariamente conduz à declaração de incompetência do tribunal, questão de que cumpria conhecer independentemente de referência ou não a todas as linhas argumentativas invocadas.
E, não ocorre também nulidade por condenação em objeto diverso do pedido, já que é notório que a referência a outro diploma que não aplicável ao objeto dos autos correspondeu a um lapso que, eliminado do contexto, em nada perturba o resto da decisão proferida.
Sendo sintomático que o aqui reclamante apenas invoque a nulidade do despacho e não qualquer erro do mesmo na correta interpretação e aplicação do direito aplicável.
E, independentemente da alusão a todos os argumentos referidos pelo aqui reclamante não há dúvida que, como resulta do Ac.do Pleno deste STA processo 0943/14 de 04/17/2015, nomeadamente do ponto 2.2. do mesmo, o ato que procede à alteração dos Estatutos da aqui reclamante contido no DL n.º 108/2014, de 02.07.14, possui natureza normativa, tendo sido praticado no exercício da função legislativa.
Pelo que, tratando-se de um ato formal e materialmente legislativo, o conhecimento de litígios que o tenham por objecto está excluído do âmbito da jurisdição administrativa, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, al. a), do ETAF.
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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste em STA em:
a) retificar o despacho reclamado, corrigindo-o nos termos supra referidos em 4.a.b.c. e d.
b) Indeferir o pedido de declaração de nulidade do mesmo.
c) Manter o despacho com as correções que constam deste mesmo despacho.
Sem custas.
Lisboa,13 de Julho de 2016. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa ReisAntónio Bento São Pedro.