Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01153/13
Data do Acordão:09/25/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PENHORA
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
Sumário:I - Um dos efeitos da penhora é marcar a data de aferição da preferência dos créditos garantidos por privilégios creditórios, quando a sua eficácia esteja dependente de limites temporais.
II - Havendo mais do que uma penhora nos autos, essa aferição deve ser efectuada com referência a todas elas, não havendo fundamento legal para relevar exclusivamente a última.
Nº Convencional:JSTA00068368
Nº do Documento:SA22013092501153
Data de Entrada:06/24/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CIMI03 ART122 N1
CCIV96 ART744 ART733 ART822 N1 ART824 N2
CIRS ART111
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0921/11 DE 2012/05/02
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de verificação e graduação de créditos com o n.º 1132/08.2 BESNT

1. RELATÓRIO

1.1 No processo de verificação e graduação de créditos a correr termos por apenso a uma execução fiscal instaurada contra A……………. para cobrança de uma dívida de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2002, vieram o “B……….., S.A.” e a Fazenda Pública (adiante Recorrente) reclamar os seguintes créditos para serem pagos pelo produto da venda do bem imóvel penhorado:

· o primeiro, um crédito proveniente de empréstimo garantido por hipoteca sobre o bem penhorado e vendido;

· a Fazenda Pública, créditos de IRS dos anos de 2003 e 2004 e créditos de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) dos anos de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou verificados os créditos reclamados e graduou-os com os exequendos, para serem pagos pela ordem seguinte:

«1.º Créditos reclamados pela FAZENDA PÚBLICA, referentes a IMI dos anos de 2004, 2005 e 2006 e respectivos juros;

2.º Créditos reclamados pelo B………………, S.A. e respectivos juros;

3.º Crédito reclamado pela FAZENDA PÚBLICA, referente a IRS do ano de 2004;

4.º Crédito exequendo de IRS de 2000 e respectivos juros;

5.º Crédito reclamado de IMI do ano de 2003».

1.3 A Fazenda Pública interpôs recurso da sentença para este Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
I) Como se refere expressamente na douta sentença recorrida, “sobre o imóvel em causa nos autos, existem duas penhoras uma datada de 29/12/2006 e outra datada de 30/01/2007”.

II) Assim sendo, verifica-se que os créditos reclamados pela Fazenda Pública respeitantes ao IMI do ano de 2003, inscrito para cobrança em 2004, como se refere na douta sentença recorrida, deveriam ter sido graduados em primeiro lugar, juntamente com os créditos de IMI dos anos de 2004, 2005 e 2006.

III) Isto porque, foi o referido crédito de IMI do ano de 2003 inscrito para cobrança em 2004, num dos dois anos anteriores ao da penhora (2006), cfr. art. 733.º, 748.º, al. a) e 751.º, todos do CC, gozando os respectivos juros do mesmo privilégio, nos termos do art. 8.º, do Dec. - Lei n.º 73/99, de 16 de Março.

IV) De modo semelhante, deveria o crédito reclamado pela Fazenda Pública, referente a IRS do ano de 2003, ter sido graduado em terceiro lugar, juntamente com o crédito reclamado referente a IRS do ano de 2004, nos termos do art. 111.º do CIRS, por respeitar a 2003 um dos últimos três anos anteriores à penhora (que teve lugar em 2006).

V) De facto, como se refere no Douto Acórdão deste Venerando Tribunal, de 02/05/2012, processo 0921/11, 2.ª Secção do STA, consultável integralmente em www.dgsi.pt, cuja doutrina é transponível paro o caso dos autos: “o relevo que a lei dá à penhora não a arvora em momento constitutivo do privilégio creditório. Tal como a generalidade das garantias das obrigações, o privilégio constitui um acessório do crédito que se destina a garantir. O que permite concluir que, atento esse carácter acessório, o privilégio se constitui quando da constituição da obrigação do imposto. Do artigo 733.º do CC resulta que a simples constituição do crédito determina o carácter privilegiado do mesmo, sem necessidade do credor ter que realizar quaisquer outras formalidades”.

VI) Continuando o citado aresto: “A penhora ou acto equivalente são pois actos processuais que não se reflectem no nascimento do imposto, mas apenas na definição da abrangência temporal da eficácia do privilégio”.

VII) E assim: “Se a penhora também tem esta função, a de marcar a data com base na qual se deve aferir a preferência do crédito garantido pelo privilégio no confronto com os demais, não pode deixar de se considerar a segunda ou terceira penhora como momento concretizador da eficácia dos privilégios que se constituíram após a primeira penhora do mesmo imóvel. (...)
As novas penhoras; ainda que efectuadas em processos diferentes, mantém todas as funções, efeitos e virtualidades que a lei comete a tal acto processual. Mantém-se, desde logo, a função que lhe é própria, de envolver a constituição de um direito real de garantia a favor do exequente, o qual lhe confere o direito de ser pago com preferência a qualquer credor que não tenha garantia real anterior (art. 822.º, n.º 1, do CC). De igual modo, mantém o efeito de marcar a data de aferição da preferência dos créditos garantidos por privilégios creditórios, quando a sua eficácia esteja dependente de limites temporais” (sublinhado nosso)

VIII) Concluindo: “Deste modo, a penhora sobre os bens penhorados, além de constituir uma garantia real da obrigação exequenda, na medida em que vincula o bem penhorado ao pagamento preferencial dessa obrigação (art. 822.º do CC), serve de ponto de referência à definição do limite temporal que determina o carácter privilegiado do crédito do IMI. Ora, o credor reclamante por penhora posterior nos mesmos bens em execução própria, além da garantia da penhora, tem o privilégio que se concretizou com essa penhora”.

IX) Deste modo, estando documentadas nos autos duas penhoras sobre o mesmo bem, e seguindo a doutrina constante do citado acórdão, que embora referindo-se a uma situação em que na sentença recorrida foi desconsiderada a penhora posterior, considera válidos os efeitos quer desta penhora posterior quer da primeira penhora, deverão ser graduados os créditos reclamados nos termos ora propostos.

X) Refere, contudo, por outro lado, a douta sentença a dado passo, a respeito do crédito exequendo de IRS de 2000, que: “tendo a penhora sido efectuada em 2007 concretamente em 29/12/2006, registada em 02/02/2007]”, e parecendo nessa medida dar relevância constitutiva ao registo, sem para tal ter base legal, cumprirá dizer que discordamos deste entendimento, considerando que a penhora terá de se considerar efectuada em 2006, a data que consta no auto de penhora.

XI) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos supra mencionados, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça».

1.4 Não foram apresentadas contra alegações.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença na parte recorrida e graduados os créditos de IMI do ano de 2003 e de IRS do mesmo ano «em 1.º e 3.º lugar, juntamente com os restantes créditos reclamados de IMI de 2004, 2005 e 2006 e IRS de 2004, respectivamente».

Isto, com a seguinte fundamentação:

«Nos termos do estatuído no artigo 122.º/1 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) goza das garantias especiais previstas no Código Civil (CC) para a Contribuição Predial.
Por força do disposto no artigo 744.º/1 do Código Civil, os créditos por Contribuição Predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição.
Ora, como resulta do ponto do probatório a penhora do imóvel foi efectuada em 29 de Dezembro de 2006 e 30 de Janeiro de 2007.
Também, como resulta do mesmo probatório o reclamado crédito relativo ao IMI de 2003 foi inscrito para cobrança em 2004, portanto dentro do limite temporal referido no artigo 744.º/1 do CC.
Assim, por força do estatuído no artigo 744.º/1 do CC, goza de privilégio imobiliário sobre o imóvel (e respectivo produto da venda) penhorado.
Deve, pois, ser graduado em 1.º lugar, juntamente com os demais créditos provenientes de IMI dos anos de 2004, 2005 e 2006.
Nos termos do estatuído no artigo 111.º do CIRS, o IRS relativo aos últimos 3 anos goza de privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora.
Assim sendo, o crédito reclamado relativo ao IRS do ano de 2003 deverá ser graduado em 3.º, juntamente com o crédito reclamado de IRS de 2004».

1.6 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcta interpretação e aplicação da lei quando, em virtude de não ter relevado a data da primeira penhora sobre o bem imóvel (2006), mas apenas a segunda (2007), (i) não graduou o crédito reclamado por IMI do ano de 2003, inscrito para cobrança no ano de 2004, a par com os demais créditos reclamados da mesma proveniência dos anos de 2004, 2005 e 2006 e também (ii) não graduou o crédito reclamado proveniente de IRS do ano de 2003 a par com o crédito reclamado por IRS do ano de 2004.
Dito de outro modo, cumpre averiguar se, perante duas penhoras sobre o mesmo bem imóvel, se deve relevar apenas a última para efeito de apreciar da existência de privilégio imobiliário que esteja sujeito a condição temporal.


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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida fixou a seguinte factualidade:

«Nos presentes autos de RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS que correm por apenso à execução fiscal instaurada contra A………………….. (Proc. n.º 1503200501125141 e aps. – Serviço de Finanças de Cascais - 1, para cobrança coerciva de dívidas tributárias provenientes de IRS do ano de 2000, foram reclamados os seguintes créditos:

- Pelo B…………….., SA., p.i. a fls. 4, a quantia de € 101.037,02, proveniente de contrato de compra e venda e de mútuo com hipoteca que celebrou com o Executado, a que corresponde:

- € 72.204,46, de capital em dívida;

- € 11.675,00, de juros à taxa de 3,25% ao ano, contados desde a data do último pagamento efectuado pelo Executado até à entrada da reclamação em Tribunal;

- € 14.125,28, de cláusula penal;

- € 1.032,01, de Imposto de Selo.

- Pela FAZENDA PÚBLICA, a quantia de € 20.259,74, referente a dívidas provenientes de:

- IRS, referente aos anos de 2003 e 2004, no valor de € 14.178,66 de imposto, € 3.065,13, de juros, e € 152,65, de custas;

- IMI, referente aos anos de 2003 a 2007, no valor de € 2.235,35, de imposto, € 605,06 de juros de mora e € 22,88 de custas.

Nos autos de execução supra referidos foi em 29.12.2006 e 30.01.2007, pela Fazenda Nacional, penhorada a fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra “B”, a que corresponde o rés-do-chão frente, do prédio urbano sito na Rua …………., n.º ……………, …………., em São Domingos de Rana, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ……………, sob o art. 17980, fracção “B” e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais-1, sob o n.º 7388-B – cfr. Autos de Penhora a fls. 19-20, do PEF e fls. 47-48 dos autos e certidão do Registo Predial a fls. 21 e segs. do PEF.

As penhoras supra referidas, a favor da Fazenda Nacional, foram registadas em 02.02.2007 e 05.02.2007, respectivamente – cfr. certidão do Registo Predial a fls. 21 e s. do PEF.

Os créditos reclamados pelo B…………….., S.A. encontram-se garantidos por hipoteca sobre o imóvel penhorado, registada em 02.10.2002 – cfr. certidão do Registo Predial a fls. 21 e s. do PEF.

Os créditos reclamados pela ERFP referentes a IMI, dos anos de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007, encontram-se titulados por certidão, tendo sido inscritos para cobrança em 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008, respectivamente – cfr. fls. 31-34 dos autos».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Numa execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de uma dívida proveniente de IRS e juros compensatórios e na qual foi penhorado um prédio, foi reclamado pelo “B……………., S.A.” um crédito proveniente de mútuo garantido por hipoteca sobre aquele prédio e foram reclamados pela Fazenda Pública diversos créditos, provenientes de IMI, uns, e de IRS, outros.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra procedeu à verificação e graduação dos créditos reclamados nos termos que ficaram referidos em 1.2.
A Fazenda Pública insurgiu-se contra essa graduação porque considera que o crédito reclamado proveniente de IMI do ano 2003 deveria ter sido graduado a par com os créditos reclamados da mesma proveniência respeitantes aos anos de 2004, 2005 e 2006 (ao invés de ter sido relegado para o último lugar), bem como que o crédito proveniente de IRS de 2003 (que a sentença não graduou) deveria ter sido graduado a par com o crédito reclamado de IRS de 2004.
Na verdade, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra considerou que os créditos em causa não gozavam de privilégio imobiliário uma vez que, relevando exclusivamente a penhora efectuada em 2007, entendeu que (i) o crédito de IRS do ano de 2003 não respeitava o prazo fixado no art. 111.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares Para pagamento do IRS relativo aos últimos três anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente».) (CIRS) – «relativo aos últimos 3 anos» – e que (ii) o crédito de IMI do ano de 2003, porque inscrito para cobrança no ano de 2004, não respeitava o prazo fixado no art. 744.º, n.º 1, do Código Civil («Os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição».) (CC) – «inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores», aplicável ex vi do n.º 1 do art. 122.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis («O imposto municipal sobre imóveis goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial».) (CIMI).
A Recorrente discorda desse entendimento, porque considera que a sentença, para além da penhora que considerou, realizada em 2007, deveria também ter considerado a penhora efectuada em 2006. Se o tivesse feito, como se impunha fazer, verificaria que, ao contrário do que considerou, foram respeitados, relativamente aos créditos por IMI do ano de 2003 e por IRS do mesmo ano, os limites temporais fixados nas normas acima referidas e que estabelecem os privilégios imobiliários de que gozam os créditos daquela proveniência.
Não está em causa que os créditos provenientes de IRS e de IMI gozem de privilégio imobiliário, sendo que a única questão que cumpre dirimir é a de saber se, para efeito de apreciar do requisito temporal estabelecido naquelas normas, se deve ou não relevar a primeira das penhoras efectuadas sobre o bem penhorado nos presentes autos.
Daí que a questão a apreciar e decidir seja a que enunciámos em 1.7.


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2.2.2 DA RELEVÂNCIA DE TODAS AS PENHORAS NA AFERIÇÃO DA EFICÁCIA DA PREFERÊNCIA DOS CRÉDITOS GARANTIDOS POR PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS, QUANDO DEPENDENTE DE LIMITES TEMPORAIS.

Como resulta do que deixámos dito, no presente recurso está em causa apenas saber se deve relevar-se apenas a última penhora para efeito de verificar se os créditos em causa – IMI de 2003 e IRS de 2003 – estão fora do limite temporal definido pela penhora efectuada no processo. Se assim for, a sentença decidiu bem; se, pelo contrário, houver também de relevar-se a penhora efectuada em 2006, teremos de concluir que a sentença decidiu mal e que aqueles créditos estão dentro do limite temporal que garante a eficácia do privilégio creditório.
Permitimo-nos aqui remeter para o acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Maio de 2012, proferido no processo com o n.º 921/11, citado pela Recorrente:

«(…) nos termos do art. 122.º do CIMI e art. 744º do CC, os créditos fiscais relativos ao IMI gozam de privilégio imobiliário especial se «inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores».
Como se vê, esta norma estabelece um limite temporal dos créditos garantidos pelos privilégios nela referidos, que tem a sua razão de ser no facto do acréscimo de débitos poder lesar outros credores, que não tenham conhecimento da dívida fiscal, assumindo a data da penhora grande importância na definição dessa abrangência temporal. É por referência à data da penhora que se determina se o crédito é ou não garantido com privilégios creditórios. Deste modo, os créditos de IMI inscritos para cobrança ou nascidos posteriormente à penhora não gozam dos referidos privilégios.
Todavia, o relevo que a lei dá à penhora não a arvora em momento constitutivo do privilégio creditório. Tal como a generalidade das garantias das obrigações, o privilégio constitui um acessório do crédito que se destina a garantir. O que permite concluir que, atento esse carácter acessório, o privilégio se constitui quando da constituição da obrigação do imposto. Do art. 733.º do CC resulta que a simples constituição do crédito determina o carácter privilegiado do mesmo, sem necessidade do credor ter que realizar quaisquer outras formalidades.
A penhora ou acto equivalente são pois actos processuais que não se reflectem no nascimento do imposto, mas apenas na definição da abrangência temporal da eficácia do privilégio. Como refere Salvador da Costa, o privilégio creditório «surge com a constituição do direito de crédito que garante, mas a sua eficácia depende do acto de penhora sobre os bens que são objecto da sua incidência, o que significa que a sua constituição se verifica quando ocorrem os actos ou os factos de que a lei faz depender a sua atribuição, e que se concretizam nos bens penhorado na acção executiva» (O Concurso de Credores, 1998, pág. 171).
Se a penhora também tem esta função, a de marcar a data com base na qual se deve aferir a preferência do crédito garantido pelo privilégio no confronto com os demais, não pode deixar de se considerar a segunda ou terceira penhora como momento concretizador da eficácia dos privilégios que se constituíram após a primeira penhora do mesmo imóvel. As penhoras posteriores sobre o mesmo bem têm relevância processual, como sustar o processo de execução civil (cfr. arts. 871.º e 865.º, n.º 3, do CPC) ou eventualmente a apensação dos diferentes processos de execução fiscal (art. 179.º, n.º 1 do CPPT), e relevância substantiva, servindo de garantia real para legitimar a reclamação de créditos noutro processo de execução (cfr. art. 865.º, nºs 3 e 5º do CPC).
As novas penhoras, ainda que efectuadas em processos diferentes, mantém todas as funções, efeitos e virtualidades que a lei comete a tal acto processual. Mantém-se, desde logo, a função que lhe é própria, de envolver a constituição de um direito real de garantia a favor do exequente, o qual lhe confere o direito de ser pago com preferência a qualquer credor que não tenha garantia real anterior (art. 822.º, n.º 1, do CC). De igual modo, mantém o efeito de marcar a data de aferição da preferência dos créditos garantidos por privilégios creditórios, quando a sua eficácia esteja dependente de limites temporais».
Deste modo, a penhora sobre os bens penhorados, além de constituir uma garantia real da obrigação exequenda, na medida em que vincula o bem penhorado ao pagamento preferencial dessa obrigação (art. 822.º do CC), serve de ponto de referência à definição do limite temporal que determina o carácter privilegiado do crédito do IMI.
Ora, o credor reclamante por penhora posterior nos mesmos bens em execução própria, além da garantia da penhora, tem o privilégio que se concretizou com essa penhora. Se tivermos em conta que a penhora, em regra, é acompanhada da transmissão dos bens do executado livres de todos os direitos reais de garantia que os oneravam (cf. n.º 2 do art. 824.º do CC), compreende-se que o chamamento do credor provido da garantia da penhora noutra execução também possa invocar a garantia real que não seja a própria penhora, mas que com ela se tornou operativa. Como escreve Lebres de Feitas, os credores vêm ao processo «não tanto para fazerem valer os seus direitos de crédito e obterem pagamento, como para fazerem valer os seus direitos de garantia sobre os bens penhorados» (cfr. Acção Executiva, 5ª ed. pág. 302). Daí que o credor privilegiado, sob pena de extinção da garantia em consequência da venda forçada, deva reclamar o privilégio, a fim do direito que ele confere ser transferido para o produto da venda sobre que recaía».

Assim, e valendo os considerandos expendidos não apenas para o IMI, como também para o IRS, podemos concluir que os créditos reclamados por IMI do ano de 2003 e por IRS do mesmo ano, estão dentro dos limites temporais definidos pela penhora efectuada em 2006, e, por conseguinte gozam de privilégio imobiliário, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 744.º do CC, aplicável ex vi do art. 122.º, n.º 1, do CIMI e com o disposto no art. 111.º do CIRS, respectivamente.
Por isso, como sustentou a Recorrente devem ser graduados a par com os demais créditos reclamados de cada uma daquelas proveniências e aos quais se reconheceu beneficiarem do privilégio imobiliário.

Face ao exposto, o recurso merece provimento, motivo por que revogaremos a sentença na parte recorrida, respeitante à graduação, que refaremos de acordo com a doutrina que deixámos exposta, tudo como decidiremos a final.


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2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Um dos efeitos da penhora é marcar a data de aferição da preferência dos créditos garantidos por privilégios creditórios, quando a sua eficácia esteja dependente de limites temporais.

II - Havendo mais do que uma penhora nos autos, essa aferição deve ser efectuada com referência a todas elas, não havendo fundamento legal para relevar exclusivamente a última.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência,

a) conceder provimento ao recurso,

b) revogar a sentença na parte recorrida e, em substituição,

c) reformular a graduação nos termos seguintes:

1.º os créditos reclamados pela Fazenda Pública de IMI dos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006;
2.º os créditos reclamados pelo “B……………, S.A.”;
3.º os créditos reclamados pela Fazenda Pública de IRS dos anos de 2003 e 2004;
4.º o crédito exequendo.

Sem custas.


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Lisboa, 25 de Setembro de 2013. - Francisco Rothes (relator) - Valente Torrão - Ascensão Lopes.