Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0210/11
Data do Acordão:01/25/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IRS
REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
ALTERAÇÃO
CONTABILIDADE ORGANIZADA
Sumário:I - Em sede de IRS, o período mínimo de permanência no regime simplificado de tributação é o de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido (nº 5 do art. 28º do CIRS).
II - De acordo com o nº 6 deste mesmo normativo, a abrangência por esse regime simplificado cessa quando tiver sido ultrapassado, em dois períodos de tributação consecutivos, algum dos limites a que se refere o nº 2 ou se, num único exercício, o for em montante superior a 25%, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada opera a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.
Nº Convencional:JSTA00067366
Nº do Documento:SA2201201250210
Data de Entrada:03/07/2011
Recorrente:DIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A...... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:CPC96 ART668 N1 C
CIRS88 ART28
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC127/09 DE 2009/05/06; AC STA PROC1032/09 DE 2010/06/23
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VV PAG141
ANTUNES VARELA E OUTRO MANUAL DE PROCESSO CIVIL PAG689-690
RUI MORAIS SOBRE O IRS 2ED PAG95
MANUEL FAUSTINO OE2007 ALTERAÇÕES AO IRS E BENEFÍCIOS FISCAIS IN FISCALIDADE N28 PAG34-91
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. O Ministério das Finanças recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na acção administrativa especial interposta por A……… e B……… contra o acto proferido, em 24/1/2007, pela Directora de Serviços do IRS, de indeferimento do recurso hierárquico apresentado relativamente a decisão de indeferimento da reclamação graciosa da decisão de enquadramento do sujeito passivo no regime simplificado de determinação de matéria colectável, julgou a acção procedente e declarou nulo o acto praticado.
1.2. A entidade recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. Do nº 2 artigo 28° do Código do IRS resulta, a contrario, que não ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no período de tributação imediatamente anterior, tenham ultrapassado qualquer dos limites aí referidos.
2. Diversamente do que se entendeu na sentença recorrida o n° 5 do artigo 28° do Código do IRS completa o seu n° 2.
3. Tem de se proceder à interpretação conjugada desses preceitos.
4. E da interpretação conjugada desses preceitos resulta que a prorrogação do regime simplificado de tributação (para o período de tributação seguinte) apenas se opera caso não ocorram quaisquer das situações consignadas no n° 2 atrás referido, isto é, não seja formalizada a opção ou não seja excedido o limite de € 99.759,58”.
5. Ora, no caso sub judice esta última condição não se verificou, pois que o A., no período de tributação imediatamente anterior, ultrapassou o limite estabelecido na alínea b) do n° 2 do artigo 28° do Código do IRS (€ 99.759,58).
6. E assim sendo, contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida e em conformidade com o n° 2 do artigo 28° do Código do IRS, não podia o A. deixar de ser integrado, no ano de 2004, no regime de determinação dos rendimentos profissionais com base na contabilidade organizada.
7. O entendimento expresso na sentença recorrida de que os limites impostos no n° 2 da norma em apreço constituem requisitos para a aplicação inicial do preceito, afronta directamente a letra da lei, pois que o mesmo (redacção à data vigente) se refere especificamente à actividade anteriormente desenvolvida e ao período de tributação anterior.
8. Acresce que, também mal andou a sentença recorrida ao entender que o n° 6 do artigo 28° constitui uma restrição ao seu n° 5 ou um limite à prorrogação automática prevista neste último normativo.
9. Isso porque o n° 6 do artigo 28° do Código do IRS tem um diferente âmbito de aplicação.
10. Essa disposição rege as situações em que cessa a aplicação do regime simplificado.
11. Ora, assim sendo, o seu regime aplica-se, e apenas, quando esteja a decorrer o período de tributação nesse regime.
12. Ou, noutras palavras, aplica-se somente na vigência de um período de três anos de permanência obrigatória do sujeito passivo no regime simplificado.
13. Pelo que o seu regime não era sequer aplicável na situação em apreço, pois que então estava findo o período de tributação em causa.
14. Por assim não entender, a douta sentença recorrida padece de erro na apreciação da matéria de direito, sendo ilegal por desconforme com todos os preceitos acima referenciados.
15. E a douta sentença padece ainda de nulidade por oposição da decisão com os respectivos fundamentos, pois que inexistindo acto administrativo, carece de qualquer sentido decidir-se ser o “acto” nulo por “carecer em absoluto de forma legal”.
16. Também por isso não merecendo ser confirmada por esse Venerando Tribunal.
Termina pedindo a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida.
1.3. Contra-alegando, os recorridos formularam as seguintes conclusões:
(i) os AA. não ultrapassaram qualquer dos limites a que se refere o nº 2 do art. 28° do CIRS em dois períodos de tributação consecutivos ou num único exercício em montante superior a 25% desse limite;
(ii) motivo pelo qual deveriam e devem permanecer no regime simplificado para efeitos de determinação do rendimento em sede de Categoria B;
(iii) que se renova automaticamente por iguais períodos de 3 anos (sendo assim renovado automaticamente em 2005 por novo triénio);
(iv) pois, a lei apenas prevê que a mudança para o regime de contabilidade organizada seja efectuada mediante declaração do sujeito passivo nesse sentido ou ope legis quando ultrapasse os limites legais acima indicados;
(v) esta é a única situação em que se admite a cessação do regime simplificado independentemente de declaração expressa do contribuinte;
(vi) não se verificando, como ficou já provado, não pode concluir-se pela ilegalidade do acto impugnado por violação do disposto no art. 28° do CIRS, conforme sentença já proferida em Tribunal Tributário de Lisboa e cujo entendimento foi superiormente sancionado por decisão do STA;
(vii) propugnando-se assim pela anulação do acto praticado em 24.01.2007 pela Directora de Serviços de IRS e pela reposição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado,
(viii) passando os A.A, ora contra-alegantes, a ficar enquadrados no regime simplificado para determinação de rendimentos profissionais de Categoria B e a serem ressarcidos de todos os valores indevidamente pagos e suportados desde 01 de Janeiro de 2005.
1.4. O MP não emitiu parecer (fls. 229 verso).
1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. Os AA. submeteram a sua Declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano e exercício de 2005, através dos serviços online, no dia 23 de Abril de 2006 (cf. print a fls. 107-119, dos autos).
2. Nessa declaração, como também nas entregues nos três anos e exercícios anteriores (2004, 2003 e 2002), o sujeito passivo A, A………, enquanto titular de rendimentos da categoria B, indicou a tributação de acordo com o regime simplificado (cf. print a fls. 107-119, dos autos e acordo).
3. No dia 25 de Abril de 2006, os AA. receberam mensagem electrónica avisando-os os para a existência de um erro na sua declaração (cf. print a fls. 121, dos autos).
4. No dia 27 de Abril de 2006, os AA. receberam comunicação escrita por via postal com aviso de igual teor (cf. documento a fls. 23, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
5. Segundo o qual, o erro em causa na declaração é a falta de entrega do Anexo C (cf. documento a fls. 23, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
6. No dia 4 de Maio de 2006, os AA. deslocaram-se ao Serviço de Finanças da sua área de residência (Serviço de Finanças de Lisboa 11), para averiguarem da razão do referido erro, tendo sido informados de que a exigência do Anexo C resultava da “passagem automática” do sujeito passivo A para o regime de contabilidade organizada, ocorrida no início do ano de 2005, conforme informação que surgia no terminal informático do posto de atendimento (acordo e cf. print a fls. 24-25, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
7. Em 16 de Maio do 2006, os AA. apresentaram reclamação graciosa do acto de enquadramento do sujeito passivo A……… no regime da contabilidade organizada para determinação dos rendimentos profissionais (categoria B do IRS), nos termos do documento nº 5 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido (cf. RI e carimbo aposto na primeira página do mesmo, a fls. 26-28, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
8. Em 14 de Junho de 2006, o A. foi notificado do projecto de decisão da reclamação graciosa através do ofício nº 3534 datado de 26 de Maio de 2006 do mesmo ano (cf. fls. 34-37, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
9. Em 20 de Junho de 2006, o 1º A. exerceu o direito de audiência prévia (cf. fls. 39-42, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
10. Em 5 de Julho de 2006, o A. foi notificado do despacho proferido pelo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 11 em 26.06.2006, indeferindo a reclamação graciosa (cf. fls. 42-46, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
11. Em 21 de Julho de 2006, os AA. interpuseram recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa reproduzido (cf. RI e carimbo aposto na primeira página do mesmo, a fls. 48-55, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
12. O recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa melhor identificado no ponto anterior veio a ser indeferido por despacho da Directora de Serviços do IRS de 24.01.2007, exarado sobre informação dos serviços da divisão de administração II da direcção de serviços do IRS da DGCI datada de 16 de Janeiro de 2007, e notificado ao A. em 14.03.2007, através do ofício 831 datado da 13 de Março de 2007 (cf. fls. 56-61, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
13. Da fundamentação aduzida em sede de despacho de indeferimento da reclamação graciosa, é entendimento da Administração Tributária que a situação do contribuinte será reavaliada no último ano de cada triénio de aplicação do regime simplificado, no sentido de verificar se os limites fixados no nº 2 do artigo 28° do CIRS foram ou não ultrapassados e, sendo-o, o contribuinte será automaticamente reenquadrado no regime da contabilidade organizada, entendimento que é também veiculado na fundamentação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, na qual se lê (cf. fls. 56-61, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
(…)
- O âmbito do nº 6 do art. 28º do CIRS circunscreve-se ao período de 3 anos em que decorre a aplicação do regime simplificado (doravante RS), ou seja, apenas releva a ultrapassagem de um dos dois limites aí estabelecidos quando não se esteja no último ano dos 3 anos de aplicação do CIRS;
- Tendo o sujeito passivo ultrapassado no 3º ano de aplicação do RS (período de tributação imediatamente anterior ao de novo ciclo de 3 anos) o limite de € 99.759,58 estabelecido no nº 2, al. b) do art. 28º do CIRS, fica obrigatoriamente enquadrado no regime da Contabilidade Organizada, sem possibilidade de opção pelo RS,
- Assim, tendo o sujeito passivo ficado enquadrado no RS de 2002 a 2004 (3 anos) e tendo em 2004 obtido rendimento da categoria B no montante de € 112.436,00 logo valor superior ao estabelecido na al. b) do nº 2 do art. 28º do CIRS, foi, e bem, enquadrado no regime da contabilidade organizada.
17. Assim, e porque tal enquadramento deriva automaticamente e obrigatoriamente da aplicação da lei, não se encontra dependente de qualquer decisão administração, não se encontrava esta obrigada a comunicar a alteração ao recorrente.
(…)
14 - Os rendimentos declarados pelo 1º A. nos três anos anteriores ao ano em causa foram os seguintes (cf. fls. 56-61, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
ANO
Rendimentos declarados Categoria B
2002
€ 81.468,51
2003
€ 64.184,48
2004
€ 112.436,00
15. A PI da presente acção deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa no dia 12 de Junho de 2007 (cf. carimbo aposto a fls. 3, dos autos).
3.1. Julgando procedente a acção, a sentença recorrida anulou, consequentemente, o acto praticado, em 24/1/2007, pela directora de serviços de IRS, condenando, igualmente, «o R. ao restabelecimento da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, reenquadrando o sujeito passivo A……… de imediato no regime simplificado, para determinação dos rendimentos profissionais da categoria B, considerando a Declaração Modelo 3 relativa ao ano de 2005 tempestiva e correctamente entregue, tal como apresentada em 23 de Abril de 2006, e ainda e em consequência, determinando os rendimentos tributáveis da categoria B nela indicados de acordo com as regras do regime simplificado.»
Para tanto, a sentença considera que, de acordo com o que resulta do disposto no art. 28º do CIRS (na redacção à data dos factos) uma vez exercida a opção pelo regime simplificado, a permanência no mesmo se renova automaticamente por períodos de 3 anos, a menos que o contribuinte expressamente declare que pretende ser abrangido pelo regime de contabilidade organizada, ou caso ultrapasse os limites impostos no nº 6 desse artigo, sendo esta a única circunstância em que a lei admite a cessação de aplicação do regime simplificado independentemente de declaração expressa do contribuinte e sendo, ainda, que relativamente aos limites impostos no nº 2 desse mesmo normativo, apenas constituem requisitos para a aplicação inicial do regime. Pelo que, no caso, porque não se provou que tenha sido ultrapassado qualquer dos limites a que se refere o nº 2 em dois períodos de tributação consecutivos ou num único exercício em montante superior a 25% desse limite, deveria a entidade inicialmente recorrida ter dado provimento ao recurso hierárquico em causa, determinado a anulação do acto de cessação do regime simplificado independentemente de declaração do contribuinte, devendo, assim, concluir-se pela ilegalidade do acto impugnado por violação do disposto no mencionado art. 28º do CIRS (ou seja, por erro de facto e de direito nos pressupostos do acto).
3.2. Discorda a entidade recorrente sustentando, como se viu, que que a prorrogação automática do período de permanência do contribuinte no regime simplificado, prevista no nº 5 do art. 28º do CIRS, está dependente da verificação dos requisitos descritos no seu nº 2, não se aplicando aqui o seu nº 6 por ter findado, entretanto, aquele período.
Mas, além disso, a recorrente também imputa (na Conclusão 15ª) à sentença recorrida a nulidade substanciada na existência de oposição da decisão com os respectivos fundamentos, já que, inexistindo acto administrativo, não tem sentido decidir-se ser o “acto” nulo por “carecer em absoluto de forma legal”.
3.3. Comecemos pela arguida nulidade da sentença.
A respectiva arguição é sustentada (cfr. a al. C) do corpo das alegações) no entendimento de que, no caso, «não foi proferido nenhum acto administrativo a enquadrar o A. no regime de determinação dos rendimentos com base na contabilidade organizada», porque a mudança de regime se verifica automaticamente (ope legis), pelo que, assim sendo, e inexistindo acto, não tem sentido decidir-se declará-lo nulo por falta de forma legal.
Mas, a nosso ver, tal nulidade não se verifica.
É sabido que esta causa de nulidade da sentença (al. c) do n° 1 do art. 668° do CPC) se verifica quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto. Trata-se, portanto, de vício (vício real no raciocínio do julgador) que afecta a estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas de facto e de direito e a respectiva conclusão (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 141 e Antunes Varela et al., Manual de Processo Civil, pp. 689/690).
Ora, no caso, a decisão é a seguinte: «Julgo a presente acção integralmente procedente, pelo que declaro nulo o acto o acto praticado em 24.01.2007 pela directora de serviços de IRS, e condeno o R. ao restabelecimento da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, reenquadrando o sujeito passivo A……… de imediato no regime simplificado, para determinação dos rendimentos profissionais da categoria B, considerando a Declaração Modelo 3 relativa ao ano de 2005 tempestiva e correctamente entregue, tal como apresentada em 23 de Abril de 2006, e ainda e em consequência, determinando os rendimentos tributáveis da categoria B nela indicados de acordo com as regras do regime simplificado.»
E, atentando na fundamentação, vemos que, contrariamente ao alegado pela recorrente, o que a sentença considera é que foi praticado um «acto ilegal» (o reenquadramento imediato do sujeito passivo no regime da contabilidade organizada) e, por isso, julgando procedente a acção, decidiu anular o acto da directora de serviços do IRS que indeferiu o recurso hierárquico apresentado contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida, precisamente, contra aquele outro acto (decisão) de reenquadramento substanciado, nas palavras da sentença, no acto que determinou a «cessação do regime simplificado independentemente de declaração do contribuinte» ou no «acto por força do qual não foi aceite a sua declaração de IRS referente rendimentos de 2005 por se considerar que a mesma tinha de incluir o anexo C» (cfr. fls. 10 da sentença).
Não se vê, pois, que ocorra o invocado vício real de raciocínio, em termos de os fundamentos invocados (ilegalidade do reenquadramento no regime da contabilidade organizada) deverem conduzir a resultado oposto ao da decisão. Ou seja, independentemente da correcção ou incorrecção do raciocínio constante da sentença (de que foi, na realidade, praticado um acto ilegal de reenquadramento imediato do sujeito passivo no regime da contabilidade organizada, retirando-o do regime simplificado), o que não se verifica é a alegada contradição entre os fundamentos e a decisão, improcedendo, assim, a arguida nulidade.
3.4. Quanto à questão de fundo:
Na tese da entidade recorrente a sentença incorreu em erro de direito por julgar que o acto de «reenquadramento do sujeito passivo no regime da contabilidade organizada» era ilegal por violação do disposto no nº 6 do art. 28º do CIRS, em virtude de a norma legal aplicável ser, antes, a prevista no nº 2 desse preceito legal.
Pelo contrário, os recorridos entendem que por não terem ultrapassado qualquer dos limites a que se refere o nº 2 do art. 28° do CIRS em dois períodos de tributação consecutivos ou num único exercício em montante superior a 25% desse limite, deveriam e devem permanecer no regime simplificado para efeitos de determinação do rendimento em sede de Categoria B.
Vejamos.
3.4.1. O citado art. 28º do CIRS dispõe (na redacção aqui aplicável, ou seja, antes das alterações introduzidas pelo DL nº 211/2005, de 7/12):
«1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20°, faz-se:
a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;
b) Com base na contabilidade.
2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, não tendo optado pelo regime de contabilidade organizada, não tenham ultrapassado na sua actividade, no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos seguintes limites:
a) Volume de vendas: 30.000.000$00; (€149.739,37);
b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: 20.000.000$00 - (€ 99.759,58).
3 - Ficam excluídos do regime simplificado os sujeitos passivos que, por exigência legal, se encontrem obrigados a possuir contabilidade organizada.
4 - A opção a que se refere o nº 2 deve ser formalizada pelos sujeitos passivos:
a) Na declaração de início de actividade;
b) Até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem utilizar a contabilidade organizada como forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações.
5 - O período mínimo de permanência no regime simplificado é de três anos, prorrogável automaticamente por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a opção pela aplicação do regime de contabilidade organizada.
6 - Cessa a aplicação do regime simplificado quando algum dos limites a que se refere o nº 2 for ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25% desse limite, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.
(…)».
3.4.2. De acordo com a factualidade que a sentença julgou provada, nos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, o recorrido (sujeito passivo A, A………), enquanto titular de rendimentos da categoria B, indicou na respectiva declaração modelo 3 de IRS, a tributação de acordo com o regime simplificado.
E nesses exercícios os rendimentos declarados em sede dessa Categoria B foram os seguintes:
2002: Euros 81.468,51; 2003: Euros 64.184,48; 2004: Euros 112.436,00.
Para a recorrente, a circunstância de este rendimento de Euros 112.436,00, referente ao exercício ano de 2005, ser superior a um dos valores previstos no nº 2 do art. 28º do CIRS, determinou o enquadramento automático do recorrido no regime de contabilidade organizada, dado que o âmbito do nº 6 do art. 28º do CIRS se circunscreve ao período de 3 anos em que decorre a aplicação do regime simplificado; ou seja, a ultrapassagem de um dos dois limites aí estabelecidos releva quando não se esteja no último ano dos 3 anos de aplicação do regime simplificado; daí que, no caso, tendo o sujeito passivo ultrapassado no 3º ano de aplicação desse regime (período de tributação imediatamente anterior ao de novo ciclo de 3 anos) o limite de € 99.759,58 estabelecido na al. b) do nº 2 do art. 28º do CIRS, fica obrigatoriamente enquadrado no regime da contabilidade organizada, sem possibilidade de opção pelo regime simplificado [tendo o sujeito passivo ficado enquadrado no regime simplificado durante os anos de 2002 a 2004 (3 anos) e tendo em 2004 obtido rendimento da categoria B no montante de € 112.436,00 (valor superior ao estabelecido na al. b) do nº 2 do art. 28º do CIRS), foi bem enquadrado no regime da contabilidade organizada]; e porque tal enquadramento deriva automaticamente e obrigatoriamente da aplicação da lei e não se encontra dependente de qualquer decisão administração, esta não se encontrava obrigada a comunicar a alteração ao recorrente.
Ou seja, a prorrogação automática do período de três anos de permanência no regime simplificado, prevista no nº 5 do art. 28º do CIRS, está dependente da verificação dos requisitos descritos no nº 2 e não dos requisitos previstos no nº 6. E não tendo, no caso, ocorrido aqueles requisitos previstos no nº 2 (dado que sujeito passivo A excedeu o limite previsto na alínea b) do nº 2 ao declarar, no exercício de 2005, rendimentos superiores a € 99.759,58), é de concluir pela legalidade da actuação da DGI, ao determinar a substituição do anexo B pelo anexo C.
3.4.3. Todavia, não lhe assiste razão legal.
Com efeito, o que decorre do citado art. 28º do CIRS, acima transcrito, é que ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior qualquer dos limites fixados no nº 2 (Euros 149 739,37 de volume de vendas ou Euros 99 759,58 de valor ilíquido dos restantes rendimentos) e não tenham optado pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade na declaração de início de actividade ou até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação dos rendimentos.
Ora, no caso, o recorrido sujeito passivo A encontrava-se abrangido pelo regime simplificado de tributação no triénio 2002/2004, sendo que, por força do nº 5 do mesmo art. 28º, o período mínimo de permanência nesse regime é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se ele tivesse comunicado, até ao fim do mês de Março, a alteração do regime pelo qual se encontrava abrangido («… uma vez inserido no regime simplificado, o contribuinte tem de aí permanecer por três anos. Findo este prazo tem, então, nova possibilidade de optar pelo regime da contabilidade organizada (art. 28º, nº 4, al. b)). Se não o fizer, terá de permanecer neste regime durante, pelo menos, mais três anos.» (cfr. Rui Morais, Sobre o IRS, 2ª ed., Almedina, 2008, p. 95); sobre a matéria cfr., ainda, Manuel Faustino, «OE 2007 – alterações ao IRS e benefícios fiscais», Fiscalidade nº 28 (2006) pp. 34 a 91.).
Assim sendo, e porque o recorrido não optou pela referida alteração, foi automaticamente prorrogado, por igual período (triénio de 2005/2007), o período de permanência no regime simplificado. E em face da redacção conferida ao nº 6 do art. 28º, é evidente que esse regime só cessava se algum dos limites a que se refere o nº 2 do art. 28º do CIRS tivesse sido ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou num único exercício em montante superior a 25% desses limites, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faria, então, a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos. «O sujeito passivo é obrigatoriamente excluído do regime simplificado - passando a estar sujeito ao regime normal - se, em dois exercícios consecutivos, ultrapassar um dos limites previstos no art. 28º, nº 2 ou se, num único exercício, ultrapassar em mais de 25% um desses limites (art. 28º, nº 6)» (Rui Morais, ibidem).
Neste sentido, tem, aliás, vindo a decidir este STA (cfr. os acs. desta Secção do Contencioso Tributário, de 6/5/2009, rec. nº 0127/09 e de 23/6/2010, rec. nº 01032/09).
Ora, retornando ao caso dos autos, no período de permanência do recorrido no regime simplificado, não ocorreu nenhuma das situações previstas no nº 6 do art. 28º do CIRS, pois os limites referidos no n° 2 não foram ultrapassados durante dois períodos consecutivos, nem foram ultrapassados esses limites num só exercício em montante superior a 25% (o que só aconteceria se, num dos exercícios, o total das vendas fosse superior a € 187.174,21 [149.739,37 x 25%)] ou se o total dos outros rendimentos fosse superior a € 124.699,47 [€ 99.759,58 x 25%)]. O que não ocorreu, sequer, no exercício de 2005, já que o rendimento declarado nesse exercício foi de Euros € 112.436,00 (cfr. anexo B da declaração modelo 3, respectiva, a fls. 55/56 do apenso instrutor).
Em suma, encontrando-se o recorrido (sujeito passivo A) enquadrado no regime simplificado no triénio 2002/2004 e não tendo optado pela alteração desse regime no momento em que o poderia ter feito, tal regime foi automaticamente prorrogado por igual período, nos termos do nº 5 do art. 28º do CIRS, mantendo-se até que aquele (sujeito passivo) opte pela determinação do rendimento com base na contabilidade ou até que cesse pela verificação de alguma das situações previstas no nº 6 do mesmo artigo.
Pelo exposto, a sentença deve ser confirmada, por não enfermar do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, improcedendo as Conclusões do recurso.
DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela entidade recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) - Dulce Neto – Lino Ribeiro.