Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0797/09
Data do Acordão:02/10/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
APLICAÇÃO AUTOMATICA DE BENEFICIOS FISCAIS
UTILIDADE TURÍSTICA
Sumário:I - Os benefícios fiscais de isenção de Imposto Municipal Sobre Transmissões Onerosas de Imóveis e de redução a 1/5 do Imposto de Selo, previsto no n.º 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5.12, em conjugação com o nº 6 do artigo 31º do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12.11, não foram revogados pelo Decreto-Lei n.º 485/88, de 30 de Dezembro.
II - Tais benefícios são de aplicação automática, desde que verificados os requisitos legalmente exigidos, pelo que não é necessário que o seu reconhecimento conste do despacho de atribuição da utilidade turística ao empreendimento onde se insere a fracção alienada.
III - Anulado que seja o acto de liquidação do Imposto Municipal Sobre Transmissões Onerosas de Imóveis e do Imposto de Selo efectuada pela aquisição de imóvel que gozava daqueles benefícios, tem o contribuinte direito aos juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º da LGT.
Nº Convencional:JSTA00066272
Nº do Documento:SA2201002100797
Data de Entrada:07/24/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOULÉ PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - JUROS/IMT.
Legislação Nacional:DL 423/83 DE 1983/12/05 ART16 N1 B N2 N3 N4 ART19 ART20 N1.
DL 485/88 DE 1988/12/30 ART3.
DL 38/94 DE 1994/02/08 ART4 N4.
LGT98 ART43 ART55.
CPTRIB91 ART17 A.
CONST97 ART266 N1.
CPPTRIB99 ART61 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC783/09 DE 2009/12/02.; AC STA PROC907/09 DE 2009/12/09.; AC STA PROC934/09 DE 2009/12/09.; AC STA PROC936/09 DE 2009/12/16.; AC STA PROC937/09 DE 2010/01/20.; AC STA PROC681/09 DE 2009/11/12.
Referência a Doutrina:FREITAS DO AMARAL DIREITO ADMINISTRATIVO VIII PAG503.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou totalmente improcedente a impugnação que deduziu contra a liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissão de Imóveis, no montante de € 64.424,60, de Juros Compensatórios, no montante de € 2.339,63, e de Imposto de Selo, no montante de € 6.658,62.
Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões:
a. Tendo sido atribuída a utilidade turística ao Aldeamento Turístico B…, previamente à aquisição do bem imóvel pela Recorrente, a essa transmissão são aplicáveis os benefícios fiscais previstos no DL 423/83, de 05/12, mais concretamente os constantes do seu art.º 20.º, n.º 1 – isenção de IMT e redução a um quinto (1/5) do Imposto de Selo;
b. Os benefícios fiscais constantes do referido art.º 20.º, n.º 1, do DL 423/83 são de aplicação automática, estando verificadas as condições previstas nesse mesmo preceito;
c. As condições aí estabelecidas para que os benefícios sejam aplicados directa e automaticamente são apenas duas, a saber:
(i) A fracção adquirida se destine à instalação de empreendimentos turísticos;
(ii) Que esses empreendimentos turísticos tenham sido qualificados de utilidade turística, mesmo que essa qualificação tenha sido atribuída a título prévio;
d. A condição referida em c (i) está verificada, conforme reconheceu o Meritíssimo Juiz de 1.ª instância;
e. Não havendo igualmente dúvidas quanto à segunda condição [c) - (ii) supra], em face do despacho proferido pelo Secretário de Estado do Turismo de 10 de Outubro de 2006;
f. Não é condição de aplicação dos benefícios constantes do Decreto-Lei 423/83 que os mesmos tenham que constar deste despacho de atribuição de utilidade turística;
g. Tal resulta clara e inequivocamente da actual redacção do n.º 4 do art.º 16.º do DL 423/83, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 38/94, de 8 de Fevereiro;
h. De acordo com a qual o despacho de atribuição de utilidade turística apenas terá que estabelecer a medida e o prazo dos benefícios a conceder, para efeitos da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 16.º;
i. Na medida em que a natureza e o prazo deste benefício pode variar, pois o legislador não especificou nem quantificou o benefício a conceder, antes conferindo à entidade responsável pela atribuição de utilidade turística competência para definir se o benefício era a isenção total ou uma simples redução de taxa e qual o prazo máximo para a sua aplicação;
j. A favor desta tese joga ainda o elemento sistemático, pois se a intenção do legislador fosse a de os benefícios fiscais constantes do artigo 20.º, n.º 1, do DL 423/83 constarem do despacho de atribuição de utilidade turística, então tê-lo-ia referido expressamente neste preceito (como o fez para os benefícios do art.º 16.º) ou através da inclusão, no próprio Decreto (imediatamente após elencar os diversos benefícios fiscais ali previstos), de uma regra geral de obrigatoriedade de todos os benefícios constarem do despacho de utilidade turística;
k. Também a jurisprudência considera que os benefícios fiscais constantes do art.º 20.º, n.º 1 do DL 423/83 são de aplicação automática;
l. Apenas fazendo depender essa automaticidade da declaração de utilidade turística anteriormente ao nascimento da obrigação de liquidação de IMT e de Imposto de Selo;
m. Neste sentido são claros os Acórdãos do STA supra referidos (Acórdão de 2 de Outubro de 1991 – Rec. 13016 e Acórdão de 21 de Janeiro de 1987 – Recurso 3873);
n. O legislador define benefícios fiscais automáticos, no artigo 5.º do EBF, como aqueles que resultam directa e imediatamente da lei, pelo que tendo sido reconhecida a utilidade turística ao empreendimento onde se situa o prédio adquirido pelo Recorrente a sua transmissão está isenta de IMT e beneficia da redução a um quinto do IS;
o. No que se refere ao entendimento da não revogação dos benefícios constantes do art.º 20.º do DL 423/83 e à desnecessidade de os mesmos virem expressamente referidos no despacho de atribuição de utilidade turística é de salientar o parecer emitido pela Digna Procuradora da República, onde perfilhou e concordou com as posições e argumentos apresentados pelo Recorrente;
p. É isso que resulta da introdução no final deste preceito da expressão “na parte que com aqueles estejam correlacionadas”;
q. Este foi o entendimento, também, do Grupo que, a pedido do Ministro de Estado e das Finanças, produziu o Relatório de Reavaliação dos Benefícios Fiscais – cfr. pág. 289 e seguintes do Caderno de Ciência e Técnica Fiscal n.º 198;
r. Sendo que a própria Administração Fiscal perfilha este entendimento ao esclarecer, em 14 de Junho de 1991 (alguns anos depois do DL 485/88), com a publicação do Ofício Circular D-1, quais os casos em que se podia beneficiar de isenção de sisa ao abrigo do DL 423/83;
s. O retardamento na liquidação dos impostos considerados – indevidamente – devidos pela Administração Fiscal não pode, de forma alguma, ser imputável ao ora Recorrente;
t. O duplo controlo a que a foi sujeita a incidência, ou não, de tributação da aquisição do prédio pelo Recorrente – primeiro pelo Notário interveniente na escritura pública de compra e venda e depois pelo Conservador do Registo Predial – constitui causa de exclusão da ilicitude;
u. Na verdade, se a entidade que, obrigada ao controlo e profunda conhecedora da lei, declara e averba expressamente, de forma fundamentada, na escritura pública de compra e venda, que as isenções previstas no art.º 20.º, n.º 1, do DL 423/83 são aplicáveis, seria, ainda assim, exigível ao Recorrente que procedesse à liquidação dos impostos?
v. A resposta a esta questão só pode ser uma – NÃO. A actuação do Recorrente não revestiu, pois, de qualquer culpa, dolosa ou negligente.
w. Neste sentido, aliás, se tem pronunciado, em situações muito semelhantes, a jurisprudência (cf. Acórdão do STA, 2.ª Secção, de 21-7-1976 e Acórdão do STA, 2.ª Secção, de 19-11-1975 – Rec. n.º 443), ao excluir a culpa dos sujeitos passivos, quando, tendo havido intervenção de Notário na transmissão de bens imóveis, estes tenham expressamente declarado ainda que erradamente – o que não é, diga-se, o caso presente – que essa transmissão estava isenta de Sisa (agora IMT):
Nestes termos e nos demais de Direito e com o sempre mui Douto Suprimento este Venerando Tribunal, deve ser dado provimento ao presente Recurso, anulando-se a Douta Sentença recorrida, por ilegal, com as demais consequências legais, nomeadamente a anulação da liquidação de IMT, IS e juros compensatórios pagos pela Recorrente, a devolução dos respectivos valores, acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios.
* * *
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3 O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso, enunciando, para o efeito, a seguinte motivação:
«A decisão recorrida entendeu que tanto a isenção do IMT como a redução do IS, previstas no artigo 20.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, ao não terem sido previstas no despacho do Secretário de Estado do Turismo de 25/08/2006, determinaram que a aquisição em causa não ficasse abrangida pelos benefícios fiscais previstos naquele normativo.
Entende, consequentemente, ser essencial que o despacho do membro do Governo que tutela o sector do turismo, defina os benefícios atribuídos ao empreendimento e prazos de realização, fundamentando esta interpretação no n.º 4 do artigo 16.° do Decreto-Lei nº 423/83.
Afirma-se, também, naquela douta decisão, que os benefícios fiscais previstos no artigo 20º, nº 1 do citado diploma legal, foram revogados pelo artigo 3°, alínea 22 do Decreto-Lei 485/88, de 30 de Dezembro.
Por tudo isto conclui que, no caso sub juditio, a aquisição não está isenta de IMT nem beneficia da redução de IS, designadamente por tais benefícios não estarem contemplados no respectivo despacho de utilidade turística.
Em nosso entender, porém, não terá sido feita a melhor interpretação e aplicação da lei. Com efeito, o artigo 5º do EBF classifica os benefícios fiscais em automáticos ou dependentes de reconhecimento, sendo que os primeiros resultam directa e imediatamente da lei e os segundos pressupõem um ou mais actos de reconhecimento.
Ora, no caso concreto, os benefícios fiscais de isenção do IMT e redução do IS, resultam directamente da lei - nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro -, ou seja, são automáticos, verificados que estejam os pressupostos de aplicação que não compreendam actos de reconhecimento a não ser a qualificação de utilidade turística, ainda que atribuída a título prévio.
Assim entendeu este STA em acórdão de 2 de Outubro de 1991, recurso nº 13016 ao referir que “as isenções sucessivamente previstas nos artigos 13º da Lei nº 2073, 13º, nº 8, do CSISSD e 20º nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83 se apresentam com a natureza de automáticas e vinculadas e que tais preceitos se/oram substituindo uns aos outros.”
Entendemos que a atribuição daqueles benefícios não está dependente da sua inclusão no despacho de utilidade turística. Isso é o que pensamos resultar do disposto no nº 4 do artigo 16º do citado Decreto-Lei nº 423/83, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 4º do Decreto-Lei 38/94, de 8 de Fevereiro. Reza assim aquele preceito: “Para efeitos da alínea b) do nº 1, o despacho de atribuição de utilidade turística definirá, sob proposta da Comissão de Utilidade Turística, a medida e o prazo dos benefícios a conceder.”
O que vem referido naquela alínea b) do nº 1 do artigo 16º são a isenção ou redução de taxas devidas, por licenças, aos governos civis e à Direcção-Geral dos Espectáculos. Só estes benefícios têm de estar previstos naquele despacho.
Por último há que referir que os benefícios fiscais previstos no artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83 não foram revogados pelo artigo 3º alínea 22 do Decreto-Lei nº 485/88, de 30 de Dezembro, como parece defender-se na decisão recorrida.
Na verdade, nos termos daquela disposição legal, apenas foram revogados os benefícios fiscais respeitantes à contribuição industrial e ao imposto complementar. Como bem refere a recorrente na sua alegação, esta interpretação é a única possível face à introdução, no final deste preceito, da expressão “na parte que com aqueles estejam correlacionados”.».
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.
* * *
2. Na sentença recorrida julgou-se provada a seguinte matéria de facto:
A- Em 11 de Novembro de 2003 entre a empresa “C…, SA, NIPC, …, como primeiro outorgante e que virá a ter a seu cargo a exploração turística do Aldeamento Turístico, designado por B…” e A…, como segundo outorgante celebraram o Contrato Promessa de Exploração Turística da Fracção Autónoma n° 104, constante de fls. 36 a 44, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais e, com interesse para a decisão da causa se reproduzem as cláusulas 1ª, 2ª, 4ª, 6ª.
CLÁUSULA PRIMEIRA
(Objecto e vigência)
1. O SEGUNDO CONTRATANTE promete ceder a administração exclusiva da fracção imobiliária ao PRIMEIRO CONTRATANTE, que por sua vez promete aceitar, para que esta promova a sua exploração turística através da prestação de serviços de alojamento temporário a terceiros.
2. A exploração turística será concedida pelo período compreendido entre 1 de Janeiro de 2004 até 31 de Dezembro de 2005, com excepção dos seguintes períodos destinados a ocupação gratuita pelo proprietário:
De 1 a 7 de Março de 2004,
De 1 a 17 de Abril de 2004,
De 12 de Junho a 23 de Julho de 2004,
De 17 a 30 de Outubro de 2004.
CLÁUSULA SEGUNDA
(Convolação em contrato definitivo)
1. Os Contratantes comprometem-se a celebrar o contrato prometido nos termos da cláusula anterior na data da assinatura da escritura pública de compra e venda da fracção imobiliário, e cujos termos e condições essenciais são os constantes do presente contrato.
2. Caso na data da assinatura da escritura pública de compra e venda da fracção imobiliária, os Contratantes não tenham celebrado o contrato prometido a que se refere o número anterior, este contrato converter-se-á em contrato definitivo, devendo a partir dessa data considerar-se como não escritas todas as referências a promessas nele constantes.
CLÁUSULA QUARTA
(Remuneração)
1. Como contrapartida pela exploração turística da fracção imobiliária identificada no Considerando A), o PRIMEIRO CONTRATANTE pagará ao SEGUNDO CONTRATANTE uma remuneração correspondente a 50% sobre o rendimento obtido pela exploração da sua fracção.
2. A remuneração devida ao SEGUNDO CONTRATANTE vencer-se-á, respectivamente até 30 de Junho e 31 de Dezembro de cada período a que respeita, e será paga no mês seguinte, deduzida das taxas de condomínio que forem devidas, bem como das despesas efectuadas por conta deste, ou quaisquer eventuais impostos ou taxas imputáveis ao proprietário da fracção imobiliária.
3. Para efeitos do disposto no número 1, entende-se por rendimento a receita obtida no âmbito da exploração turística da fracção imobiliária, ou seja, a soma dos montantes facturados pelo PRIMEIRO CONTRATANTE deduzida de eventuais comissões devidas a operadores turísticos.
CLÁUSULA SEXTA
(Obrigações do PRIMEIRO CONTRATANTE)
1. Após a recepção da fracção imobiliária e apenas no decurso do período de vigência da exploração turística, a PRIMEIRO CONTRATANTE obriga-se, a:
a) Prestar serviços de arrumação e limpeza, mantendo o interior da fracção imobiliária, assim como os seus móveis, equipamentos e utensílios em bom estado de conservação ressalvado o desgaste proveniente da sua normal e prudente utilização, e o decurso do tempo;
b) Suportar os custos com consumos de electricidade, água e gás, bem como os referentes a lavandaria, “food package” e “amenities”
c) Promover a Aldeamento Turístico B… e consequentemente a fracção imobiliária com vista à sua ocupação turística para fins de lazer, não lhe podendo ser em circunstância alguma imputada qualquer responsabilidade pela ausência de ocupação em parte ou na totalidade do período em que a mesma fracção se encontra disponível para exploração;
d) Suportar despesas relacionadas com a substituição de roupas e utensílios de cozinha decorrentes da sua normal e diligente utilização.
e) Proceder a pequenas intervenções de manutenção, reparação e conservação, no interior da fracção imobiliária bem como nos seus móveis e equipamentos, suportando despesas até ao limite de € 500.00 (quinhentos Euros). As despesas superiores a este montante, bem como aquelas que sejam necessárias devido ao desgaste provocado por uma adequada e normal utilização da fracção imobiliária, móveis e equipamentos, serão da responsabilidade do SEGUNDO CONTRATANTE, que será notificado para o efeito. Se no prazo máximo de 15 dias tais reparações/substituições não forem efectuadas, a PRIMEIRA CONTRATANTE incumbir-se-á de as fazer e de lançar o débito respectivo em conta corrente.
B- Nesse contrato promessa as partes que o outorgaram fizeram constar que (fls. 37 dos autos):
“O Aldeamento Turístico dispõe de um Titulo Constitutivo que foi aprovado pela Direcção Geral de Turismo em 20 de Fevereiro de 2002, elaborado segundo o Regime Jurídico da Instalação e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos, e do qual faz parte integrante o Regulamento de Administração do Aldeamento Turístico B…, documentos estes que ambos os Contratantes declaram conhecer perfeitamente:
A intenção do SEGUNDO CONTRATANTE que a fracção imobiliária acima identificada venha a ser gerida e administrada pela PRIMEIRA CONTRATANTE no âmbito do programa de exploração turística do Aldeamento acima mencionado (…)”.
C- Por despacho do Secretário de Estado do Turismo foi atribuída utilidade turística ao Aldeamento Turístico B… e publicado no DR, 2ª Série, n° 195, de 10 de Outubro de 2006, com o seguinte teor (fls. 35, dos autos):
«Por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 25 de Agosto de 2006, foi confirmada a utilidade turística, atribuída a titulo prévio ao Aldeamento Turístico B…, com a classificação de 4 estrelas, sito na Quinta do Lago, lote AL 10, Almancil, concelho de Loulé, distrito de Faro, de que é requerente D…, SA.
A referida utilidade turística é concedida nos termos do disposto nos artigos 2°, n°s 1, 2 e 3, n° 1, alínea a) (com a redacção dada pelo artigo 2°, do Decreto-Lei n° 38/94, de 8 de Fevereiro), 5º nº 1, alínea a), 7°, nºs 1 e 3 e 11º, nº 1, do Decreto-Lei 423/83, de 5 de Dezembro, valendo pelo prazo de sete anos contados a partir da data da emissão de licença de utilização turística pela Câmara Municipal, em 21 de Novembro de 2005, ficando nos termos do disposto no artigo 8°, do referido decreto-lei, dependente do cumprimento dos seguintes condicionamentos:
a) O estabelecimento deverá manter as exigências legais para a classificação definitiva atribuída, aldeamento turístico de 4 estrelas;
b) A empresa não poderá realizar sem prévia autorização da Direcção-Geral do Turismo e conhecimento da Comissão de Utilidade Turística quaisquer obras que impliquem alteração do projecto aprovado ou das circunstâncias arquitectónicas dos edifícios respectivos.
De acordo com o n° 4, do artigo 16°, do Decreto-Lei n° 423/83, de 5 de Dezembro (com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n° 38/94, de 8 de Fevereiro), conjugado com o disposto no artigo 22°, daquele diploma, a Comissão é de parecer que a empresa proprietária e exploradora do empreendimento fique isenta relativamente à propriedade e exploração do mesmo, das taxas devidas ao Governo Civil e à Inspecção Geral das Actividades Culturais desde a data da emissão da licença de utilização turística para um prazo correspondente ao legalmente estabelecido para efeitos de isenção do imposto municipal sobre imóveis (IMI) — sete anos — de acordo com o artigo 43°, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n° 198/2001, de 3 de Julho, conjugado com o n° 6, do artigo 31º do Decreto-Lei n° 287/2003, de 12 de Novembro, isto é, de 21 de Novembro de 2005 até 21 de Novembro de 2012.
27 de Setembro de 2006 — Pela Comissão de Utilidade Técnica.».
D- Em 28 de Novembro de 2006, no Cartório Notarial de Loulé na Rua …, em Loulé, perante a notária E…, foi celebrada a Escritura Pública de Compra e Venda de fls. 30 a 34 e da qual consta com interesse para a decisão da causa e se reproduz:
«PRIMEIRO - Drª F, (...), na qualidade de procuradora da sociedade anónima D…, SA, NIPC …, com sede na Avª …, Quinta do Lago, freguesia de Almancil, concelho de Loulé (...)
SEGUNDO – G…, (...) como procuradora de A… casada com H…, sob o regime de separação de bens, natural de Inglaterra, de nacionalidade britânica, residente em (…)
A PRIMEIRA OUTORGANTE DECLAROU:
Que pelo preço de seiscentos e setenta e três mil trezentos e setenta e sete euros e dezasseis cêntimos que já recebeu, vende a representada da segunda outorgante, uma fracção autónoma designada pelas letras “DM”, fracção imobiliária cento e quatro, moradia composta por rés-do-chão e primeiro andar de um prédio urbano, designado “Aldeamento Turístico B… “, lote AL dez, situado na Quinta do Lago, freguesia de Almancil, concelho de Loulé inscrito na matriz sob o artigo 11086, com o valor patrimonial tributário de 1 040 410,00, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé, sob o número zero zero novecentos e sessenta e cinco/zero quatro zero sete oitenta e seis, aí registado, a favor da sociedade vendedora, pela inscrição de aquisição G-três, registada a constituição do empreendimento turístico pela inscrição sobre a qual incidem dois registos de hipotecas voluntárias a favor do Banco I…, SA, registadas pelas inscrições C catorze e C quinze, cujo cancelamento se encontra assegurado (...). DECLAROU A SEGUNDA OUTORGANTE que aceita esta venda.
DECLARAM AINDA OS OUTORGANTES:
Que este empreendimento tem Regulamento de Administração do Aldeamento Turístico, o qual consta de um documento complementar elaborado nos termos do disposto no número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado que se arquiva ficando a fazer parte integrante desta escritura e cujo conteúdo declaram conhecer perfeitamente dispensando por isso, a sua leitura.
Que o prédio onde se integra a fracção se encontra classificado para fins turísticos e que foi efectuado o depósito do respectivo título constitutivo na Direcção-Geral de Turismo, conforme se infere de fotocópias certificadas por advogada de certidão emitida pela Direcção Geral de Turismo bem como do título constitutivo, já arquivados neste cartório, no maço competente, como documentos números setenta e cinco e setenta e seis, por estarem a instruir a escritura lavrada a folhas quarenta e uma do livro número quarenta e três de notas para escrituras diversas.
Que este contrato não foi objecto de intervenção de mediador imobiliário, tendo os mesmos sido advertidos de que incorrem na pena prevista para a crime de falsidade de depoimento ou declaração, se tiverem prestado declarações falsas.
ASSIM O OUTORGARAM
Certifiquei-me da existência da ficha técnica de habitação e de que a mesma foi entregue à representante da compradora.
Esta transmissão encontra-se isenta do pagamento do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, nos termos do disposto nos números um e dois do artigo 20° do Decreto-Lei número 423/83 de 5 de Dezembro, em virtude da fracção adquirida se destinar à instalação de empreendimento qualificado de utilidade turística conforme despacho proferido pelo Secretário de Estado do Turismo, em vinte e cinco de Agosto de dois mil e seis, publicado em aviso no Diário da República II Série, número cento e noventa e cinco de dez de Outubro de dois mil e seis (Parte Especial) e a sua exploração turística se encontrar assegurada por contrato de exploração turística celebrado com a empresa exploradora em dezasseis de Outubro de dois mil e seis, de que arquivo uma fotocópia certificada por advogada.
Já se encontra arquivada no maço competente como documento número cento e vinte, por ter ficado a instruir a escritura lavrada a folhas setenta e sete do livro número cinquenta e sete, de notas umas escrituras diversas, uma fotocópia certificada por advogada do citado Diário da República II Série, de 10 de Outubro de 2006 contendo a publicação do aviso comprovativo de ter sido confirmada a utilidade turística atribuída a título prévio ao empreendimento turístico. Por despacho do Secretario de Estado do Turismo de 25 de Agosto de 2006.».
E- O imposto do selo liquidado na escritura referida em D) foi de mil seiscentos e oitenta e nove euros e sessenta e seis cêntimos (fls. 34, dos autos);
F- A moradia n° …, propriedade da impugnante, está afecta à exploração turística (inquirição da testemunha apresentada);
G- Entre 2007 e 2008, a Quinta do Lago facturou, a diversos clientes, as despesas de alojamento, constantes das facturas de fls. 50 a 69, dos autos, pela ocupação da vivenda/moradia n° …;
H- Por ofício n° 9138, com data de 10-08-2007, a Direcção de Finanças de Faro notificou a impugnante para pagamento voluntário de IMT, no prazo de 15 dias (informação de fls. 12, do PA apenso);
I- Em 06-11-2007 a impugnante entregou a declaração Modelo 1, para liquidação de IMT, tendo sido liquidado IMT, no montante de € 62.424,60, acrescido de € 2.339,63 de juros compensatórios, pago em 06-11-2007 (informação de fls. 12, e fls. 33, 35 a 37, do PA apenso e fls. 25 e 26, dos autos);
J- Em 06-11-2007, o impugnante pagou a importância de € 6.658,62, a título de Imposto do selo (informação de fls. 12, do PA apenso e fls. 27, dos autos);
K- Foi liquidada a coima no montante de € 1.560,62, por entrega da declaração modelo 1, fora de prazo, paga em 06-11-2007 (informação de fls. 12, do PA apenso e fls. 28, dos autos);
L- O impugnante apresentou reclamação graciosa a que foi atribuído o n° 38/2008, a qual foi indeferida e notificada a decisão em 09-06-2008 (fls. 17 e ss, do PA apenso);
M- A presente impugnação deu entrada em 25-06-2008 (carimbo aposto no rosto de fls. 3, dos autos).
* * *
3. Em causa nos presentes autos está a legalidade dos actos de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis, Juros Compensatórios e Imposto de Selo, os quais têm por base a aquisição efectuada pela Impugnante em 28/11/2006 de uma fracção autónoma do prédio urbano designado “Aldeamento Turístico B…”, lote AL dez, situado na Quinta do Lago, concelho de Loulé, inscrito na matriz sob o artigo 11086.
Na tese da Impugnante, a utilidade turística do empreendimento onde se integra a fracção alienada fora reconhecida antes da transacção, já que declarada por despacho do Secretário de Estado do Turismo publicado no D.R. em 27/09/2006, que a concedeu desde 21/11/2005 até 21/11/2012, razão por que seriam aplicáveis automaticamente os benefícios fiscais previstos no Decreto-Lei n.º 423/83, de 5.12, mais concretamente os constantes do n.º 1 do artigo 20.º.
Todavia, a decisão recorrida julgou improcedente a impugnação com base no entendimento de que os invocados benefícios fiscais não se encontravam contemplados no despacho normativo que declarou a utilidade pública do empreendimento. E essa menção tornava-se imprescindível face à revogação dos artigos 16.º a 24.º do DL n.º 423/83 pelo artigo 3.º do DL nº 485/88, de 30.12. Razão por que julgou que os impostos em questão eram devidos e que era imputável à Recorrente o retardamento da sua liquidação, sendo, assim, legítima a liquidação dos juros compensatórios.
Insurgindo-se contra essa decisão, veio a Recorrente reiterar a sua tese, louvando-se, essencialmente, na seguinte argumentação:
os benefícios constantes do artigo 20.º, nº 1, do DL 423/83 são de aplicação automática, desde que verificados os requisitos legalmente exigidos, e verificam-se no caso vertente;
pelo que não é condição para a sua aplicação que eles constem do despacho que atribui a utilidade pública, salvo tratando-se dos benefícios a conceder para efeitos da alínea b) do nº 1 do artº 16º daquele diploma;
ao contrário do afirmado na decisão recorrida, os benefícios fiscais previstos no artº 20.º, nº 1 do DL nº 423/83 não foram revogados pelo DL nº 488/88, de 30 de Dezembro;
os juros compensatórios liquidados não são devidos, pois que o retardamento da liquidação não é imputável à Recorrente.
Neste enquadramento, conclui-se que a questão que urge resolver neste recurso consiste em saber se a sentença padece de erro de julgamento ao ter considerado que os benefícios fiscais previstos no n.º 1 do artigo 20.º do DL 423/83 foram revogados pelo DL 485/88 e ao ter julgado que os benefícios pretendidos pela Impugnante estavam dependentes de reconhecimento no despacho de concessão de “utilidade turística”. Em caso afirmativo, cumprirá ainda saber se são devidos os peticionados juros indemnizatórios.
Tal problemática foi já, por diversas vezes, colocada e resolvida por este Supremo Tribunal no âmbito de distintos processos de impugnação judicial instaurados contra actos de liquidação de IMT efectuados a diversos adquirentes de fracções no referido “Aldeamento Turístico B…”, como se pode ver pela leitura dos acórdãos proferidos em 2/12/2009 (no recurso n.º 783/09), em 9/12/2009 (nos recursos n.º 907/09 e 934/09), em 16/12/2009 (no recurso n.º 936/09) e em 20/01/2010 (no recurso n.º 937/09).
E porque acompanhamos, sem reservas de convicção, a orientação doutrinal que em todos eles foi acolhida e sufragada, iremos, com a devida vénia, reproduzir o discurso fundamentador daquele penúltimo aresto, relatado pelo Exmº Juiz Conselheiro que ora intervém como segundo Adjunto.
«Comecemos por conhecer da questão da revogação do artº 20º do DL nº 423/83, de 5 de Dezembro, pelo artº 3º do Decreto-Lei nº 485/88, de 30 de Dezembro.
A alínea 22) do citado artº 3º, veio estabelecer o seguinte:
“São revogados, a partir da entrada em vigor deste diploma, sem prejuízo da manutenção dos já concedidos e dos regimes de caducidade previstos na legislação ao abrigo da qual estão a ser usufruídos, os benefícios fiscais constantes da legislação a seguir indicada: 22) Alíneas a) e c) do nº 1 do artº 16º, no que respeita à contribuição industrial e ao imposto complementar – secções A e B, o artº 19º e, bem assim, as constantes dos arts. 16º a 27º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, diploma que estabelece benefícios susceptíveis de serem concedidos no âmbito da utilidade turística, na parte que com aqueles estejam correlacionadas”.
Uma leitura atenta da norma nos indica logo que o legislador não pretendeu revogar na totalidade os arts. 19º e 16º a 27º, mas tão só “na parte em que estes artigos estivessem correlacionados” com benefícios fiscais referentes à contribuição industrial e ao imposto complementar – Secção A e B.
E bem se compreende esta disposição já que, revogadas as alíneas a) e c), e estando previstos no mesmo diploma outros benefícios relacionados com aqueles impostos, não poderiam manter-se estes, após revogados os benefícios dos impostos com os quais estavam correlacionados (v. os nºs 2 e 3 do artº 16º e o artº 19º).
Neste mesmo sentido concluiu o Exm.º Magistrado do MºPº do TAF de Loulé, ao escrever no seu parecer de fls. 94/98, o seguinte:
”Com efeito, embora de redacção bastante confusa, a norma do artº 3º, nº 22 do DL nº 485/88, que revogou diversos benefícios fiscais, restringe essa revogação unicamente à contribuição industrial e ao imposto complementar, tanto no que diz respeito ao artº 16º, como ao artº 20º, uma vez que contém na sua parte final tal restrição, constituída pela expressão “na parte que com aquelas estejam relacionadas” (a palavra “aqueles” aplica-se, a nosso ver, aqueles impostos referidos na parte inicial da norma, ou seja, a contribuição industrial e o imposto complementar)”.
Este entendimento encontra ainda apoio no Relatório do Grupo de Trabalho criado pelo Ministro de Estado e das Finanças em Maio de 2005, destinado a realizar uma reavaliação dos Benefícios Fiscais em vigor nessa data, e publicado no nº 198 da Revista Ciência e Técnica Fiscal, págs. 289 e segs. Com efeito, sobre esta questão, ali ficou escrito o seguinte: “... o nº 22 do artº 3º do Decreto-Lei nº 485/88, de 30 de Dezembro, revogou algumas das normas de benefícios fiscais do citado Decreto-Lei nº 423/83. Embora a técnica de redacção da norma confira alguma margem de incerteza, é consensual, e resulta, aliás, do processo subsequente de aplicação da norma e de sucessivas intervenções do legislador, que o mencionado diploma de 1988, visou apenas a revogação, sem prejuízo das situações já constituídas à data da respectiva entrada em vigor, da isenção de contribuição industrial e de imposto complementar... não tendo sido visados pela revogação os benefícios em sede de contribuição predial, sisa e selo”.
E, mais adiante, concluiu-se, relativamente a benefícios fiscais em vigor aplicáveis no sector do turismo:
“Em síntese, os benefícios fiscais em vigor aplicáveis ao sector do turismo limitam-se a: a) Isenção de IMT e redução a um quinto do Imposto do Selo, relativos a aquisições autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, por aplicação do artº 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, em conjugação com o nº 6 do artº 31º do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, que procede à reforma da tributação do património, aprovando o Código do IMI e o Código do IMT”.
Finalmente, até a própria Administração Tributária, através do Ofício-Circular D-1/91, de 14/06 - Direcção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património, veio reconhecer a manutenção em vigor daquele artº 20º, ao determinar o seguinte:
“4. Nestes termos, esclarece-se que só podem beneficiar de isenção de sisa, ao abrigo do DL 423/83, de 5 de Dezembro, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos já qualificados de utilidade turística, ainda que a título prévio na data da transmissão daqueles bens”.
Ora, como bem refere o recorrente na conclusão da alínea f), se o benefício fiscal tivesse sido revogado pelo Decreto-Lei nº 485/88, de 30 de Dezembro, não se compreenderia a necessidade de a Administração Fiscal vir prestar esclarecimentos quanto à aplicação do mesmo em 1991, isto é, quase dois anos e meio passados sobre a publicação daquele diploma.
Concluímos então no sentido de que os benefícios fiscais em causa nos autos e previstos no artº 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, se mantinham à data do despacho que atribuiu a utilidade turística – 25 de Agosto de 2006 – e à data da aquisição da fracção autónoma pelo recorrente – 27.11.2006.
(...) Vejamos agora se os citados benefícios fiscais necessitavam de ser especificados e reconhecidos no Despacho atributivo de utilidade turística.
O Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, que veio definir utilidade turística e estabelecer os princípios e requisitos necessários para a sua concessão, consagrou também alguns benefícios fiscais para as empresas proprietárias ou exploradoras dos respectivos empreendimentos.
Assim, os arts. 16º, nºs 1 e 4 e 20º, nº 1 do citado diploma, vieram estabelecer, respectivamente, o seguinte:
“1. As empresas proprietárias e ou exploradoras dos empreendimentos, aos quais tenha sido atribuída utilidade turística, gozarão, relativamente à propriedade e exploração dos mesmos, dos benefícios fiscais a seguir indicados, nos termos estabelecidos no presente diploma:
a) Isenção ou redução das taxas de contribuição predial, de contribuição industrial e do imposto complementar – secções A e B- relativamente aos rendimentos provenientes dos mesmos empreendimentos;
b) Isenção ou redução das taxas, por licenças devidas, aos governos civis e à Direcção-Geral dos Espectáculos” (artº 16º, nº 1)”
“4. O despacho de atribuição de utilidade turística definirá os benefícios atribuídos em cada caso e os respectivos prazos, mediante despacho conjunto do Ministro da Tutela e das Finanças e do Plano, com base em parecer fundamentado da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, ouvida a Direcção-Geral do Turismo” (artº 16º, nº 4).
“São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto de selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino a instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento” (artº 20º, nº 1).
Ora, em face do nº 4 do artº 16º, parece não restarem dúvidas de que os benefícios atribuídos e os respectivos prazos deveriam ser definidos no respectivo despacho de atribuição de utilidade turística.
Acontece, porém, que o artº 4º do Decreto-Lei nº 38/94, de 8 de Fevereiro, deu aquele nº 4 a seguinte redacção:
“Para efeitos da alínea b) do nº 1, o despacho de atribuição da utilidade turística definirá, sob proposta da Comissão de Utilidade Turística, a medida e os prazos dos benefícios a conceder”
Perante esta alteração da norma e passando apenas a fazer-se referência à alínea b) do nº 1, tem de entender-se que o legislador pretendeu apenas que no despacho atributivo se fizesse referência a estes benefícios, considerando-se os restantes aí não previstos de aplicação automática.
É que se o legislador quisesse manter o regime anterior não teria alterado a norma.
Deste modo, após a nova redacção dada ao artº 16º, nº 4, só quanto a isenções ou reduções de taxas por licenças aos governos civis e à Direcção-Geral de Espectáculos, passaram a ser exigidos no despacho atributivo de utilidade turística, a definição e prazos dos benefícios a conceder.
É esta a razão pela qual só estes últimos benefícios estão contemplados no Aviso a que se reporta a alínea O) do probatório, uma vez que os restantes benefícios fiscais eram de aplicação automática.
Pelo que ficou dito, a sentença recorrida fez interpretação incorrecta da lei - artº 16º, nº 4 citado.
Concluímos então que os benefícios fiscais em causa nos autos e previstos no artº 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, se mantinham à data do despacho que atribuiu a utilidade turística – 25 de Agosto de 2006 – e da aquisição da fracção e eram de aplicação automática, não necessitando de ser reconhecidos expressamente naquele despacho.».
Neste contexto, torna-se evidente que a sentença recorrida padece do erro de julgamento que lhe é imputado, impondo-se a sua revogação e substituição por decisão de procedência da impugnação judicial com a anulação dos actos de liquidação impugnados (imposto e juros compensatórios).
Resta saber se são devidos os peticionados juros indemnizatórios, tendo em conta que as quantias liquidadas se mostram pagas (cfr. alíneas I e J do probatório).
Como se deixou dito no supracitado aresto, em que a questão dos juros indemnizatórios também se colocava, «O direito a juros indemnizatórios está consagrado no artº 43º da LGT, no qual se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Como se concluiu no recente acórdão deste Tribunal e Secção, de 12.11.2009 – Recurso nº 681/2009 “Havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.
Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro.
Na verdade, a letra da lei, ao referir a imputabilidade do erro aos serviços, aponta manifestamente no sentido de poder servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado, como aliás, é admitido em geral. (Neste sentido, pode ver-se FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, volume III, página 503). A administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei [arts. 266.°, n.° 1, da C.R.P., 17.°, alínea a), do C.P.T. e 55.° da L.G.T.], pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”.
No caso dos autos, verifica-se claramente um erro de direito por parte da Administração Tributária, na medida em que procedeu a uma liquidação de impostos e juros compensatórios, quando a lei concedia benefícios fiscais ao recorrente. O recorrente efectuou, por isso, pagamento indevido, vendo-se assim desembolsado ilegalmente da quantia paga.
Deste modo e em face da norma acima referida - artº 43º da LGT- , impõe-se a condenação da entidade liquidadora a pagar juros indemnizatórios ao impugnante, contados desde a data do pagamento do imposto liquidado até à data da emissão da nota de crédito a favor da impugnante (artº. 61.°, n.° 3, do C.P.P.T.).».
Por conseguinte, atendendo à procedência da impugnação nos termos supra expostos e ao expresso pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Impugnante, impõe-se a condenação da Administração Fiscal ao seu pagamento, os quais serão contados desde a data do pagamento dos impostos liquidados até à data da emissão da nota de crédito a favor daquela.
* * *
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder total provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência:
- revogar a sentença recorrida e, julgando procedente a impugnação judicial, anular os actos de liquidação impugnados com todas as devidas e legais consequências;
- condenar a Administração Fiscal a pagar juros indemnizatórios à Impugnante, ora Recorrente, contados desde a data do pagamento dos impostos liquidados até à data da emissão da respectiva nota de crédito a favor daquela.
Custas pela Fazenda Pública, apenas na 1.ª instância (dado que não contra-alegou), fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2010. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Pimenta do Vale - Valente Torrão.