Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:050/14
Data do Acordão:02/26/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário:I – Evidenciada a realização pelo contribuinte de suprimentos de montante superior a € 50.000,00 quando nesse ano declarou rendimentos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 50% do valor dos suprimentos - cf. tabela constante do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável desse ano ao abrigo do disposto na alínea d) do art. 87.º da LGT.
II – Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta ou do erro na respectiva quantificação, não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa (e, muito menos, se essa demonstração se refere a ano anterior) detinha meios financeiros que lhe permitissem, total ou parcialmente os suprimentos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização desses suprimentos, sob pena de não se poder ter como justificada a manifestação de fortuna evidenciada (cf. n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, que exige ao contribuinte a «comprovação […] de que é outra a fonte das manifestações de fortuna» evidenciadas).
Nº Convencional:JSTA000P17136
Nº do Documento:SA220140226050
Data de Entrada:01/16/2014
Recorrente:A...
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A……………., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 10 de Dezembro de 2013, que julgou improcedente o recurso por si interposto contra a decisão do Director de Finanças de Santarém que fixou o seu rendimento tributável para efeitos de IRS dos anos de 2009, 2010 e 2011 com recurso a métodos indirectos (artigo 89.º-A n.º 4 da LGT), apresentando para tal as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo fez um errado julgamento da matéria de facto devendo ser alterada a fundamentação da matéria de facto, mais concretamente o ponto 13 da mesma, uma vez que resulta provado que o Requerente juntou elementos necessários que permitem concluir que as declarações de IRS são verdadeiras e que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas.
2. Resultando provado que o Recorrente tinha meios suficientes para fazer face aos suprimentos realizados que determinaram a avaliação indirecta, ficou provado que era outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas.
3. Resultando provado que o Recorrente tinha meios financeiros suficientes para fazer face aos suprimentos efectuados resulta consequentemente provado que a “fortuna” foi obtida em anos anteriores.
4. O Recorrente cumpriu a inversão do ónus da prova prevista no n..º 3 do artigo 89.º-A da LGT, que contemplando uma excepção ao princípio da veracidade das declarações e dos elementos dos contribuintes (proclamado no artigo 75.º, n.º 1 da LGT), somente refere que, verificadas as situações previstas no n.º 1 daquela norma, cabe ao sujeito passivo a prova de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas.
5. O legislador restringiu a possibilidade de recurso à avaliação indirecta da matéria colectável por métodos indirectos a título excepcional e, bem assim, como uma medida de combate à fraude e evasão fiscal sustentada na existência de fortes indícios de a matéria tributável real não corresponder à declarada. (Cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro (LGT).
6. Demonstrando o Recorrente que tinha meios financeiros para realização dos suprimentos, que deram origem à avaliação indirecta, ficou demonstrado que não houve qualquer fraude ou evasão fiscal, ratio da norma em causa.
7. O n.º 3 do artigo 89.ºA da LGT apenas exige que o sujeito passivo faça prova da fonte de manifestação de fortuna, não exige que faça prova de que essa fonte tenha sido usada em concreto na realização dos suprimentos em causa que deram origem à avaliação indirecta.
8. Conforme declarou o Tribunal Administrativo Sul (in www.dgsi.pt), Acórdão de 17/05/13, Processo n.º 06579/13) “se o contribuinte provar que a fortuna foi obtida em anos anteriores, emerge a presunção de que a sua declaração de rendimentos do ano em causa corresponde à verdade”.
9. Uma interpretação do n.º 3 do art. 89.º-A da LGT que exigisse prova diferente daquela que foi feita, isto é, que exigisse prova de uma relação direta entre os meios financeiros que possuía e os suprimentos em causa, que parece ser essa a interpretação do Tribunal sem o referir expressamente, conduziria à inconstitucionalidade da norma por violação do princípio da proporcionalidade (consagrado no n.º 2 do art. 18.º da Constituição da República Portuguesa), nas suas vertentes de (i) adequação, (ii) exigibilidade e (iii) proporcionalidade em sentido estrito, inconstitucionalidade que se argui.
10. Exigir mais do que se provou, e que consta dos documentos junto aos autos, seria exigir uma probatio diabólica que, nem o legislador quis, nem a jurisprudência superior aceita.
11. Ainda que o Tribunal a quo entendesse que era fundamental o recorrente provar que os meios financeiros ao seu dispor, fonte da manifestação de fortuna, foram usados em concreto para realização dos suprimentos, que deram origem à avaliação indirecta, deveria o mesmo ter sido notificado para realização dessa prova, o que nunca aconteceu.
12. Mais se acrescenta que, tendo a Administração Fiscal e o Tribunal a quo entendido que a demonstração dos meios financeiros suficientes para a realização dos suprimentos não era suficiente para demonstrar que essa era a manifestação de fortuna deveriam, em nome do princípio do inquisitório, averiguar se aqueles meios financeiros foram ou não utilizados para a realização dos suprimentos.
13. Tanto a Administração Fiscal como o Tribunal estão vinculados ao princípio do inquisitório, nos termos do art. 58.º da LGT, e art. 13 n.º 1 do CPPT e art. 99º da LGT, respectivamente, devendo realizar e promover todas as diligências que entenda necessárias para a descoberta da verdade material.
14. As regras e critérios do ónus da prova não interferem com a actuação do princípio do inquisitório, pelo que a Administração Fiscal e o Tribunal não podiam apenas valer-se das regras do n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, para deixar de realizar as diligências que sejam necessárias ao apuramento da verdade material.
15. A falta de realização pela Administração Tributária, e pelo Tribunal a quo, de diligências que lhes seja possível levar a cabo, ou a falta de solicitação ao Recorrente de elementos probatórios necessários à instrução do procedimento, constitui vício que implica anulação da sentença recorrida.
16. Acrescenta-se ainda que, estando demonstrado que o Recorrente tinha meios financeiros suficientes para realizar os suprimentos, deveria pelo menos ter suscitado a dúvida no Tribunal a quo de que aqueles meios financeiros foram usados para realização dos suprimentos, sendo que essa margem de dúvida deveria ter sido valorada a favor do contribuinte nos termos do art. 100.º do CPPT.
17. Resulta ainda da sentença recorrida que “tendo em conta os rendimentos líquidos declarados pelo Requerente, quer nos anos de 2009 a 2011, quer nos anos anteriores a 2004, e os suprimentos realizados, o recorrente não demonstrou corresponderem à verdade os rendimentos declarados, em qualquer dos anos – nem a soma total dos mesmos corresponde ao valor dos suprimentos”.
18. O Recorrente não necessitava, por a tal não estar obrigado, de demonstrar como adquiriu os rendimentos anteriores a 2009, pois o que está em causa é apenas averiguar se foram ou não omitidos rendimentos nas declarações de rendimentos dos anos de 2009, 2010 e 2011 e não quaisquer outras.
19. Sendo esse o entendimento da nossa jurisprudência, a título exemplificativo veja-se os acórdãos do Tribunal Central Administrativo de 23/09/08, Processo n.º 02605/08, e do Tribunal Administrativo Sul, Acórdão de 14/07/10, Processo n.º 03851/10, e Acórdão de 05/07/05, Processo n.º 00649/05.
20. Sendo certo que, ainda que se considere que apenas foi produzida uma prova parcial da fonte dos seus sinais exteriores de riqueza sempre teria de se afastar parcialmente a presunção de rendimento consagrada no art. 89.º-A (cfr. Acórdão de 07/05/13 do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.º 06579/13).
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá deverá julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, deverá ser anulada a decisão ora recorrida ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

2 – Contra-alegou a recorrida nos termos de fls. 179 a 204 dos autos, suscitando a incompetência deste STA para conhecimento do objecto do recurso e no demais sustentando que a interpretação do n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT adoptada pelo tribunal “a quo” é o mais adequado e conforme à jurisprudência dos Tribunais Superiores desta Jurisdição, devendo ser integralmente mantida.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 211 a 213 dos autos no sentido da improcedência da excepção de incompetência suscitada pela recorrida em contra-alegações e, quanto ao mérito, pronunciando-se pela improcedência do recuso.

4 – Por despacho de 29/01/2014 (a fls. 214 dos autos) determinou-se a notificação do recorrente para, querendo, se pronunciar sobre a excepção de incompetência suscitada pela recorrida nas suas contra-alegações, vindo este responder (fls. 217 a 220 dos autos), dizendo que o que resulta do ponto 13 da sentença recorrida é uma conclusão jurídica e não um facto, pois que o que está em causa é saber se face à prova produzida pelo A. este cumpriu o ónus da prova previsto no n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, pelo que o STA é competente para apreciar o recurso, que tem por exclusivo fundamento matéria de direito.

Com dispensa de vistos, dado o carácter urgente do processo, vêm os autos à Conferência.
- Fundamentação -

5 – Questões a decidir
Importa, previamente, ajuizar da competência deste STA para conhecimento do objecto do recurso, questão suscitada pela recorrida nas suas contra-alegações e que, a proceder, determina o não conhecimento por este STA do mérito do presente recurso.
Sendo de conhecer do mérito do recurso, importará determinar se a interpretação adoptada da sentença recorrida do disposto no n.º 3 do artigo 89.º- A da Lei Geral Tributária (LGT) se afigura a mais adequada ou se, ao invés, padece a sentença de erro de julgamento quando considerou que ao recorrente não bastava provar que detinha, em anos anteriores, meios financeiros suficientes para fazer face aos suprimentos que, conjugadamente com o valor dos rendimentos declarados em IRS nos anos de 2009 a 2011, determinaram o recurso a métodos indirectos (manifestações de fortuna), sendo necessário que provasse que tais meios tinham sido afectos aos questionados suprimentos, se a interpretação adoptada padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade (cfr. conclusão 9. das alegações de recurso), se houve violação do princípio do inquisitório (conclusões 11. a 15.) ou do disposto no artigo 100.º do CPPT (conclusão 16. das alegações e finalmente se devia ter sido considerado parcialmente justificada a manifestação de fortuna (conclusão 20. das alegações de recurso).

6 – Matéria de facto
Na sentença objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em cumprimento das ordens de serviço internas 01 201201776, OI201201777 e OI201201778, datadas de 22/11/2012, foi determinada uma ação inspetiva ao recorrente A………………, casado com B……………. (fls. 18 verso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
a. No âmbito do qual foi elaborado o relatório junto a fls. 17 e segs. dos autos e cujo conteúdo se dá por reproduzido.
2. O procedimento inspetivo resultou do cruzamento de informação e da análise efetuada aos valores declarados, nos exercícios de 2009, 2010 e 2011 na Informação Empresarial Simplificada, de diversas entidades empresariais, detidas pelo recorrente e onde foram detetados indícios suscetíveis de aplicação do artigo 89.º-A da LGT, em consequência da concessão de suprimentos efetuados por aquele, nos exercícios de 2009, 2010 e 2011 (fls. 18 verso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
3. A análise efetuada à IES das referidas entidades empresariais os SPIT Santarém verificaram que nos exercícios de 2009, 2010 e 2011 o recorrente efetuou suprimentos/empréstimos de valor superior a 50.000,00 €, nos seguintes valores:
a. No ano de 2009 totalizaram €971.838,89
b. No ano de 2010 totalizaram €1.258.066,36;
c. No ano de 2011 totalizaram €348.982,68 (tudo como consta de fls. 19 dos autos, a fls. 5 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido);
4. Nos mesmos anos o recorrente e seu agregado familiar declararam os seguintes rendimentos líquidos:
a. No ano de 2009: €80.090,52;
b. No ano de 2010: €67.946,08;
c. No ano de 2011: €60.119,16 (fls. 5 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido)
5. Mediante ofício n.º 241, de 11/1/2013 o recorrente foi notificado para em dez dias demonstrar a fonte dos rendimentos/montantes utilizados (fls. 19 verso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
6. Respondendo, disse o ora recorrente que os suprimentos tiveram origem em rendimentos obtidos até 2004 e que contraiu um empréstimo bancário junto do Banco C……………… com vista à realização dos suprimentos (apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
a. E requereu ainda prazo suplementar para apresentação de documentação.
7. Mediante ofício n.º 546, de 29/11/2013, o sujeito passivo foi notificado de que o prazo fora prorrogado por mais 15 dias (fls. 7 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
a. Em 13 de Fevereiro de 2013 disse ter celebrado um contrato de financiamento individual com vista à realização de suprimentos na D…………. e nas demais sociedades. Disse ainda ter solicitado junto do Banco E…………….. e do F…………… S.A. a respetiva documentação a fim de comprovar a operação referida (fls. 7 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido)
b. Não remeteu qualquer cópia dos alegados contratos de financiamento.
8. No período compreendido entre 1989 e 2004 o recorrente declarou, no total, um rendimento de €681.456,26.
9. Após análise efetuada às contas de suprimentos das diversas sociedades, foi o recorrente novamente notificado através do ofício n.º 3524, de 13/6/2013 para no prazo “de dez dias remeter todos os elementos e esclarecimentos que comprovadamente demonstrem a fonte dos rendimentos e montantes utilizados na realização dos suprimentos por forma a demonstrar quais os concretos meios financeiros que afetou àquela operação, de modo a que fosse possível a comprovação da necessária correlação entre a origem dos recursos financeiros e a sua mobilização na realização daqueles suprimentos (fls. 13 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
10. Em resposta, disse o recorrente que os suprimentos não foram realizados com rendimentos auferidos durante os anos de 2009, 2010 e 2011, e que antes destas datas tinham fundos necessários para a realização dos suprimentos (fls. 13 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
a. Juntou extratos de contas bancárias pertencentes a todos os sócios.
11. Analisados os documentos apresentados em resposta ao ofício supra, verificou-se que se tratavam de documentos bancários, referentes a contas detidas pelo recorrente.
12. Resultando dos documentos supra que aquele possuía em 2007 e primeiro trimestre de 2008 meios financeiros (depósitos e aplicações financeiras) suficientes para fazer face aos suprimentos efetuados (fls. 15 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
13. Mas não juntou qualquer comprovativo de que em face dos suprimentos efetuados as declarações de IRS são verdadeiras e que outra é a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas.

7 – Apreciando.
7.1 Questão prévia: da alegada excepção de incompetência deste STA para conhecimento do objecto do recurso
Nas suas contra-alegações, suscita a Fazenda Pública a excepção de incompetência deste STA para conhecimento do objecto do recurso porquanto “refere o Recorrente nas suas alegações que: «… fez o Tribunal a quo um julgamento da matéria de facto devendo ser alterada a fundamentação da matéria de facto»”, razão pela qual entende que o presente recuso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo (cfr. o n.º II, das contra-alegações, a fls. 180/181 e respectivas conclusões A. a C.)
Notificada para responder à invocada excepção de incompetência, veio o recorrente remeter para a resposta que dera aquando da notificação das contra-alegações, da qual consta por que entende estar-se perante questão meramente de direito e ser o STA o competente para conhecimento do recurso, a saber: “2. Apesar do A. referir nas suas alegações que deverá ser feita uma alteração da matéria de facto, mais concretamente do ponto 13 da sentença recorrida, a análise da questão é jurídica”; “3. Saber se o A. juntou, ou não, comprovativo de que em face dos suprimentos efectuados as declarações de IRS são verdadeiras e que outra é a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas é uma conclusão jurídica, não implica uma reapreciação da prova produzida.”; “4. O que resulta do ponto 13 da sentença recorrida é uma conclusão jurídica e não um facto,” “5. Uma vez que o que está em causa é saber se face à prova produzida pelo A. este cumpriu o ónus da prova previsto no n.º 3 do art. 89.º-A da LGT”.
Também o Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste STA entende que não se verifica a invocada excepção (cfr. parecer, a fls. 211 dos autos), porquanto o ponto 13 do probatório contém, claramente, uma ilação de direito e não de facto e, assim sendo, o recurso apenas tem por fundamento matéria de direito, pelo que o STA é competente para dele conhecer.
Entendemo-lo também assim.
Constitui jurisprudência pacífica deste STA que para aferir da competência, em razão da hierarquia, do STA, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso (sabido que elas definem e delimitam o objecto e âmbito do mesmo - cf. os arts. 684.°, n.º 3, e 690.°, n.º 1 e 3, do CPC) e verificar se, perante elas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto - seja porque o recorrente defende que os factos levados ao probatório não estão provados, seja porque diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, seja porque invoca factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa (cfr., entre muitos outros, o Ac. deste Tribunal de 30 de Junho de 2010, rec. n.º 201/10).
Ora, o que a sentença recorrida fez constar do ponto 13. do probatório fixado não é um facto, ou sequer uma ilação de facto retirada do probatório fixado, antes uma conclusão jurídica que erradamente se fez constar do probatório, no sentido de que a prova oferecida pelo recorrente não era suficiente para que se entendesse ter efectuado a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna, como lhe impunha o n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT para afastar a tributação indirecta em razão de “manifestações de fortuna”, sendo a questão central do presente recurso a de saber se bem julgou ao entendê-lo assim, ou se, pelo contrário, como alega o recorrente e resulta do ponto 12. do probatório fixado, tendo feito prova de que possuía em 2007 e primeiro trimestre de 2008 meios financeiros (depósitos e aplicações financeiras) suficientes para fazer face aos suprimentos efetuados, deve entender-se que, em face daquele mesmo artigo 89.º-A n.º 3 da LGT, satisfez o ónus da prova que a lei lhe impunha para afastar a tributação por métodos indirectos por “manifestações de fortuna”.
Ora, a questão de saber se, a prova da existência em anos anteriores de meios financeiros bastantes para fazer face aos suprimentos realizados, é ou não suficiente para afastar a tributação por métodos indirectos em razão de “manifestações de fortuna” é uma mera questão de direito, que se resolve por interpretação do disposto no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, sem necessidade de apurar quaisquer factos que não os fixados no probatório e que este STA necessariamente tomará como assentes.

Improcede, pois, a alegada excepção de incompetência, havendo que conhecer do mérito do recurso.

7.2 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
A sentença recorrida, a fls. 137 a 146 dos autos, julgou improcedente o recurso judicial interposto pela ora recorrente, mantendo o despacho recorrido que fixara ao sujeito passivo para os anos de 2009, 2010 e 2011 rendimentos tributáveis para efeitos de IRS com recurso a métodos indirectos, em razão da realização, em cada um desses anos, de suprimentos/empréstimos de valor superior a 50.000,00 € e de as declarações de rendimentos que apresentou naqueles anos revelarem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão apurado nos termos da tabela a que se refere o n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT.
Para assim julgar considerou a sentença recorrida que a AT demonstrou estarem reunidos os requisitos previstos na alínea d) do art. 87.º LGT para proceder à avaliação indirecta da matéria colectável, tendo cumprido o seu ónus. O sujeito passivo, por seu lado, estava onerado com a demonstração de que correspondem à realidades rendimentos declarados, e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada (Art. 89.º-A/3 LGT). E, não obstante ter demonstrado possuir meios financeiros bastantes para efetuar os suprimentos (…) não lhe basta demonstrar possuir meios financeiros bastantes (…) deve demonstrar, não que tinha meios suficientes para a despesa efetuada, mas sim a “origem dos rendimentos” (…) por conseguinte não efetuou a prova a que alude o Art. 89.º-A/3 da LGT, tendo para tal sido notificado (cfr. sentença recorrida, a fls. 143/144 dos autos).
Discorda do decidido o recorrente, alegando, em síntese, que o n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT não lhe impunha a prova da afectação concreta dos meios financeiros de que dispunha aos suprimentos realizados, que tal interpretação do n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT é inconstitucional por violadora do princípio da proporcionalidade, que se assim se entendia, houve, então, violação do princípio do inquisitório e do disposto no artigo 100.º do CPPT e que, em qualquer dos casos, se devia ter por parcialmente justificada a manifestação de fortuna.
O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste STA no seu parecer junto aos autos defende o não provimento do recurso.
Vejamos.
A interpretação adoptada na sentença recorrida segundo a qual para satisfazer o ónus probatório que cabe ao contribuinte, nos termos do n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, para afastar a tributação por métodos indirectos em razão de “manifestações de fortuna” previstas na Tabela do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT, este tem de provar não apenas que dispunha dos meios financeiros necessários à realização da despesa tipificada, mas também que tais meios foram efectivamente utilizados na realização de tais despesas, não merece censura, antes corresponde à melhor interpretação daquela disposição legal e à que vem sendo adoptada por este STA.
Consignou-se, a este propósito, no recente Acórdão deste Supremo Tribunal de 29 de Janeiro de 2014 (rec. n.º 35/14), o seguinte entendimento, no qual nos revemos:
«Tendo presente o regime da avaliação indirecta previsto no art. 89.º-A e a sua teleologia, logo resulta claro que só a demonstração de quais os concretos meios financeiros não sujeitos a declaração foram afectados à manifestação de fortuna evidenciada permitirá considerar satisfeita a exigência de justificação feita no n.º 3 daquele artigo.
Como tem vindo a afirmar a jurisprudência desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (…) a exigência legal que decorre do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, impõe que o sujeito passivo alegue e prove quais os meios financeiros que, concretamente, mobilizou para manifestar fortuna. Só assim se pode considerar que o contribuinte, para evidenciar determinada manifestação de fortuna, não despendeu rendimentos sujeitos a declaração. A não ser assim, bem podia suceder que o contribuinte continuasse a manter na sua disponibilidade, totalmente incólumes (i.é, não consumidos por manifestação de fortuna alguma), os meios financeiros que alegou e demonstrou não estarem sujeitos a declaração; e poderia até usar os mesmos meios financeiros para justificar diferentes manifestações de fortuna ou, pelo menos, manifestações de fortuna evidenciadas em anos diferentes. Dito de outro modo, aqueles que mantivessem meios financeiros não sujeitos a declaração que excedessem o rendimento padrão estariam sempre a salvo da tributação por manifestações de fortuna que fossem evidenciando. Ora, manifestamente, não pode ser isso que quis o legislador nem esse entendimento colhe apoio na letra da lei. A nosso ver, a melhor interpretação do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, exige que o contribuinte prove a relação de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação nesse ano) a determinada manifestação de fortuna evidenciada». (fim de citação).
No caso dos autos, não obstante o recorrente ter demonstrado que possuía em 2007 e primeiro trimestre de 2008 meios financeiros (depósitos e aplicações financeiras) suficientes para fazer face aos suprimentos efetuados (cfr. o ponto 12. do probatório fixado), ficou por demonstrar, total ou parcialmente, que aqueles meios financeiros foram mobilizados para fazer face aos suprimentos realizados, sendo certo também, que ao contrário do alegado, tal demonstração não se configuraria como uma “diabólica probatio”, violadora do princípio constitucional da proporcionalidade, porquanto, como igualmente se consignou no Acórdão citado, tal demonstração nem exigiria dos Contribuintes grande esforço, pois poderia ser feita mediante a mera apresentação dos extractos bancários que, revelando as movimentações da referida conta, permitissem concluir inequivocamente que o rendimento declarado em anos anteriores foi utilizado para a realização dos suprimentos efectuados ou, dito de outro modo, que estes suprimentos foram efectuados com meios não sujeitos a declaração nos anos em que foram realizados.
Tais elementos, que permitiriam inequivocamente concluir que o rendimento obtido em anos anteriores fora utilizado para a realização dos suprimentos, foram expressamente solicitados pela Administração fiscal ao contribuinte (cfr. os pontos 5. e 9. do probatório fixado), que os não forneceu, não tendo igualmente sido fornecidos no recurso interposto pelo contribuinte da decisão de fixação da matéria tributável, razão pela qual se mostra infundada a alegada violação do princípio do inquisitório, pois que ninguém melhor que o contribuinte estaria em condições de fornecer tais elementos e não parece que deva impor-se a derrogação administrativa do segredo bancário para satisfação do ónus da prova que a lei põe a cargo do contribuinte.
E o mesmo se diga da alegada violação do artigo 100.º do CPPT, que igualmente não se verifica, porquanto existindo normas específicas para as situações de determinação da matéria tributável por métodos indirectos – o n.º 3 do artigo 74.º e o n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT – é por aplicação destas, e não da norma geral do artigo 100.º do CPPT, que deve resolver-se os casos de persistência de dúvida fundada quanto aos pressupostos ou à justificação para o recurso a tais métodos.
Diga-se finalmente que, como alegado e tantas vezes decidido por este STA, embora a justificação parcial das manifestações de fortuna deva ser considera na quantificação da matéria tributável apurada, é pressuposto de tal consideração que tenha havido justificação parcial da manifestação de fortuna, o que manifestamente não sucedeu no caso dos autos, porquanto nem sequer em relação aos empréstimos bancários que o recorrente alegou (mas sem demonstrar), em sede administrativa, ter contraído, se estabeleceu qualquer relação de afectação concreta aos suprimentos realizados.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida que bem julgou.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 26 de Fevereiro de 2014. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Ascensão Lopes.