Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01017/09
Data do Acordão:12/09/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LÚCIO BARBOSA
Descritores:PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
PLANO MATEUS
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
Sumário:I - Nos termos do n. 5 do art. 5º do DL n. 124/96, de 10/8, “o prazo de prescrição das dívidas suspende-se durante o período de pagamento em prestações”.
II - Porém, esta norma é organicamente inconstitucional.
Nº Convencional:JSTA00066174
Nº do Documento:SA22009120901017
Data de Entrada:10/19/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART34 N3.
LGT98 ART48.
CCIV66 ART297.
DL 124/96 DE 1996/08/10 ART5 N5.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC258/09 DE 2009/10/14.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, identificado nos autos, deduziu, junto do TAF de Braga, oposição a uma execução fiscal, que contra ele reverteu.
Alegou caducidade da liquidação e prescrição da dívida.
O Mm. Juiz daquele Tribunal julgou a oposição improcedente.
Inconformado, o oponente interpôs recurso para este Supremo Tribunal. Formulou as seguintes conclusões nas respectivas alegações de recurso:
1. O Tribunal recorrido fez errada interpretação e inadequada aplicação do direito, salvo o devido respeito por opinião contrária.
2. O oponente não pode ser considerado responsável subsidiário por dívidas fiscais da executada principal – sociedade comercial por quotas denominada B…, LD. – relativamente a IVA do ano de 1993 no valor de € 3.075,82 euros, 3. … pois, a mesma encontra-se prescrita.
4. Está em causa uma dívida fiscal relativa ao ano de 1993 quanto a IVA, sendo aplicável o regime do Código do Processo Tributário (CPT).
5. O artigo 34° do citado código dispõe que a obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos.
6. O número 2 do referido artigo preceitua que o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário.
7. Determina o número 3 do artigo 34° do CPT que ( ... ) a execução interrompe a prescrição, cessando, porém esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
8. Conforme ficou provado na Douta decisão recorrida foi instaurado o processo de execução fiscal no dia 22.02.1995.
9. Tal processo após 15.11.1995, data do mandado de penhora, ficou parado por mais de um ano por facto não imputável ao aqui recorrente, somando-se o tempo que decorreu até à sua autuação e o posterior.
10. Ou seja, desde Janeiro de 1994 até 22.02.1995 e depois desde 15.11.1996 (um ano após a data do mandado de penhora) até 10.01.1997 (data em que aderiu ao D.L. 124/96 de 10.08), tendo deixado de pagar as prestações em Fevereiro de 1998 e até 16.04.2008 (data em que o aqui recorrente foi citado para os presentes autos) já decorreram há muito os 10 anos de prescrição,
11. O recorrente foi citado para o presente processo executivo em 16.04.2008, por isso, já há muito decorreu o prazo de prescrição de 10 anos, encontrando-se a dívida prescrita. Por outro lado,
12. Os Serviços de Finanças somente deram o despacho de exclusão do D.L. 124/96 de 10.08 em 18.07.2001.
13. O recorrente não pode padecer de tantos anos de suspensão do decurso do prazo de prescrição por inércia dos Serviços de Finanças.
14. Apenas poderá se contar os meses de Janeiro de 1997 até Fevereiro de 1998, último mês em que se pagou qualquer prestação, a não ser assim, está a pôr-se em causa os direitos do aqui recorrente.
15. A manter-se a suspensão da prescrição, prevista no n. 5 do artigo 5° do DL 124/96, de 10/8, desde o despacho de adesão ao regime previsto naquele DL até à data de exclusão desse regime é inconstitucional.
16. Por outro lado, a oposição à execução não consta do elenco dos factos interruptivos do artigo 49° n. 3 da LGT.
17. Apenas a partir da redacção dada ao artigo 49 n. 4 da LGT pela Lei 53-A/2006 de 29 de Dezembro é que a oposição passou a constar entre as causas de suspensão da prescrição.
18. Portanto, a instauração da execução não suspendeu o prazo da prescrição da obrigação tributária, uma vez que à data tal não estava previsto.
19. Por isso, mesmo considerando que existiu suspensão do decurso do prazo da prescrição, e começar-se a contar o decurso do prazo de prescrição a partir da data da instauração da execução fiscal, ou seja, o ano de 1995, descontando todos os períodos de suspensão,
20. A dívida dos presentes autos prescreveu no ano de 2008.
21. Mesmo que se aplique a nova LGT que entrou em vigor em 01.01.1999, passando o prazo de prescrição a ser de 5 anos, e mesmo contando que o processo teve suspenso até 18.07.2001 devido ao facto da devedora originária ter aderido ao chamado "Plano Mateus", a dívida in casu está prescrita, desde 18.07.2006 (5 anos a partir de 18.07.2001), pois a execução apenas consta como causa de suspensão do prazo de prescrição desde 2007.
22. Foram violadas as normas legais dos artigos 34° do CPT, 204º n. 1 d) do CPPT e 5° n. 5 do D.L. 124/96 de 10/08 e 49° n. 3 da LGT.
Não houve contra-alegações.
Neste STA, o EPGA defende que o recurso não merece provimento.
Foram colhidos os vistos legais.
2. É a seguinte a matéria de facto fixada na instância:
1. Foi instaurado execução fiscal n. 03531199401008005 e apensos contra B…, Ld. por dívidas proveniente de IVA do ano de 1993, no valor total de 3.075,82 €;
2. Em 22.02.1995, foi instaurado o processo de execução fiscal n. 03531199401008005, relativo a IVA, do ano de 1993;
3. Em 15.11.1995, foi emitido mandado de penhora;
4. Em 10.01.1997 o devedor originário aderiu ao plano de pagamento em prestações, ao abrigo do Dec-Lei n. 124/96, de 10.08 tendo sido excluído em 18.07.2001, por incumprimento prolongado;
5. Em 27.12.2001 no processo de execução foram citados os credores;
6. Em 22.10.2002 foi efectuado o anúncio para venda dos bens penhorados;
7. Em 15.11.2002, foi emitido o mandado de penhora;
8. Em 04.01.2008 foi elaborada a informação de que a devedora originária não possuía bens suficientes para garantir a dívida;
9. Em 15.01.2008 foi proferido o projecto de reversão;
10. Desde a data da emissão de mandado de penhora em 15.11.2002 até a 04.01.2008, início das diligências, com vista a reversão os autos encontraram parados por facto não imputável ao Oponente;
11. O Oponente foi citado em 16.04.2008.
3. Será que ocorreu a alegada prescrição?
Para responder a esta questão há que determinar qual o diploma aplicável: o CPT (prazo de prescrição de 10 anos – art. 34º do CPT) ou a LGT (prazo de prescrição de 8 anos – art. 48º da LGT).
Para decidir este ponto há que lançar mão do art. 297º do CC, que nos elucidará sobre qual o regime a seguir.
Mas há um aspecto que haverá que apreciar liminarmente, pois, a ser verdade o que alega o recorrente no ponto 9 das suas conclusões, tal facto revelar-se-á relevante para a solução a encontrar.
E que diz o recorrente nesse ponto?
Transcrevendo:
“Tal processo (de execução fiscal) após 15.11.1995, data do mandado de penhora, ficou parado por mais de um ano por facto não imputável ao aqui recorrente, somando-se o tempo que decorreu até à sua autuação e o posterior”.
Do probatório não consta tal facto.
Mas ele é verdadeiro.
Na verdade, em 15/11/95 foi passado mandado de penhora (fls. 13 do processo executivo apenso).
E a diligência seguinte (auto de penhora) tem data de 1 de Outubro de 1997.
Ou seja: o processo esteve aqui parado por mais de um ano por facto não imputável ao impugnante.
E veremos depois que este é realmente um dado relevante.
Vamos então ver qual o regime aplicável: se o CPT se a LGT.
O IVA em dívida é do ano de 1993.
Por isso, o início do prazo prescricional ocorreu em 1 de Janeiro de 1994, ou seja, na vigência do CPT.
O processo de execução fiscal referido em 1 do probatório foi instaurado em 4 de Abril de 1994 – vide processo executivo apenso.
Logo aí se interrompeu a prescrição – art. 34º, 3, do CPT.
Mas – vimo-lo atrás – o processo executivo esteve parado, por facto não imputável ao oponente, entre 15/11/95 e 1 de Outubro de 1997.
Quer isto dizer que, a partir de 16/11/96, voltou a correr o prazo prescricional, somando-se o tempo que decorra posteriormente com o anterior à instauração da execução fiscal.
Significa isto que à data de 1 de Janeiro de 1999 – data da entrada em vigor da LGT, tinham já decorridos 2 anos 4 meses e 18 dias (de 1/1/94 a 4/4/94 e 16/11/96 a 1/1/1999).
Quer isto dizer que o regime aplicável é o previsto no CPT – art. 34º. Isto porque faltava então menos tempo de que ao abrigo da LGT.
Assim, em 1/1/99, faltavam, para ocorrer a prescrição 7 anos, 7 meses e 12 dias.
Feitas as contas, verifica-se que os 10 anos tiveram o seu termo em 12 de Agosto de 2006.
Ou seja, a dívida de IVA prescreveu nesse dia, por não ter surgido, no entretanto, qualquer outra causa interruptiva.
É certo que, como resulta do probatório, o oponente pediu a sua adesão (que lhe foi concedida) ao plano de pagamento em prestações, ao abrigo do Dec-Lei n. 124/96, de 10.08 tendo sido excluído em 18.07.2001, por incumprimento prolongado.
E, nos termos do n. 5 do art. 5º do referido DL “o prazo de prescrição das dívidas suspende-se durante o período de pagamento em prestações”.
Porém esta norma é organicamente inconstitucional.
Na verdade, não tendo o Governo legislado ao abrigo de autorização legislativa e sendo inovadora a causa de suspensão prevista no n. 5 do art. 5º do DL n. 124/96 (e o CPT não previa causas gerais de suspensão da prescrição) é de concluir pela inconstitucionalidade orgânica da norma.
Vide, a propósito, o acórdão deste STA de 14/10/2009 (rec. n. 258/09), e que o ora relator subscreveu, e para cuja ampla fundamentação se remete expressamente.
E, sendo inconstitucional tal norma, é como se a mesma não existisse.
Assim, continuou o prazo prescricional a decorrer.
Está pois prescrita a dívida de IVA exequenda.
4. Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar prescrita a dívida exequenda, e, em consequência, procedente a oposição, e julgar extinta a execução contra o oponente.
Sem custas.
Lisboa, 9 de Dezembro de 2009 Lúcio Barbosa (relator) - Casimiro Gonçalves - Jorge Lino (vencido, nos termos da declaração anexa).
A meu ver, o regime do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, não pode ser desaplicado em algum dos seus segmentos, uma vez que foi estabelecido para ter aplicação na sua globalidade, e só assim faz sentido.
A norma desaplicada no douto acórdão, sob pena de ser absolutamente inútil e não ter sentido algum por absurda, não pode, em meu fraco entender, ser isolada do todo de que faz parte integrante: o Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, que estatui um regime de pagamento em prestações de obrigações tributárias exequendas - regime que aliás se representa livre, voluntário, opcional e de favor para o contribuinte relapso.
Um regime assim delineado pelo Governo respeita, em meu modo de ver, o disposto na Constituição e os princípios nela consignados. E não ofende nenhuma das “garantias” do contribuinte. Bem ao invés.
Interpretadas e aplicadas de modo conjugado, concatenado e conjunto, como deve ser, nenhuma das normas do regime do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, sofrerá de inconstitucionalidade de espécie alguma - cf. ainda o voto de vencido deixado no recurso n.º 962/09 desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 2-12-2009.
Jorge Lino