Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0480/14
Data do Acordão:07/10/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:APOSENTAÇÃO POR INCAPACIDADE
JUNTA MÉDICA
RESPONSABILIDADE CIVIL
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não há lugar a admitir revista excepcional se o quadro de responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações, em virtude de actuação no âmbito de procedimento de aposentação por incapacidade, se revela muito localizado, sendo reduzida a possibilidade de se voltar a verificar com os mesmo contornos e está em causa um montante indemnizatório que não é exorbitante.
Nº Convencional:JSTA000P17822
Nº do Documento:SA1201407100480
Data de Entrada:04/28/2014
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.

1.1. A………… intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, acção administrativa comum contra o Estado Português, a Caixa Geral de Aposentações, B…………, C………… e D…………, em virtude de actuação no âmbito de procedimento de aposentação por incapacidade de sua mãe, peticionando a condenação dos réus ao pagamento de uma quantia de € 300.000,00 respeitante a: «a) danos não patrimoniais sofridos por E…………, que computa em 200.000,00 € (duzentos mil euros);
b) danos não patrimoniais sofridos por si, que computa em 100.000,00 € (cem mil euros)» contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

1.2. Depois de absolver da instância o réu Estado e os réus particulares, o TAF de Viseu, por sentença de 31/10/2012 (fls. 777 a 798), julgou a acção parcialmente procedente por provada e condenou a CGA a pagar à autora a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de indemnização, acrescida de juros moratórios, contados desde a citação até integral pagamento.

1.3. A autora e o réu inconformados com esta decisão recorrem para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por acórdão de 31/01/2014 (fls. 936 a 974) negou provimento aos recursos interpostos.

1.4. É desse acórdão que a Caixa Geral de Aposentações vem, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, requerer a admissão do recurso de revista, sustentando, para tanto, a necessidade de ser reapreciada a questão relativa «à existência de nexo causal entre a perícia médica efectuada pela junta médica da CGA e os danos invocados no presente processo, face à matéria de facto provada» (conclusão 1.ª). E ainda deverá ser admitido «uma vez que no acórdão se aplicou e interpretou «o conceito de estado de “remissão completa” doença, através do recurso à Wikipédia […] desconsiderando os pareceres próprios da ciência médica» (conclusão 2.ª) situação que urge rectificar, designadamente num caso «em que estão causa as regras e o regime jurídico de responsabilidade civil extracontratual do Estado subjacentes à verificação do nexo de causalidade entre os danos que vêm alegados pela Recorrida e o ato praticado pela CGA, cuja aplicação interessa a um alargado universo social» (conclusão 3.ª).

1.5. A recorrida sustenta a não admissão do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. No caso em apreço, a autora, ora recorrida, pediu a condenação da CGA ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, alegando que a conduta desta entidade, consubstanciada no despacho de 24/11/2006, que indeferiu o pedido de aposentação da sua mãe, foi ilícita e culposa. Este indeferimento causou grande sofrimento, designadamente no período em que sua mãe já extremamente doente continuou a exercer funções de docência.
A CGA sustentou a inexistência de qualquer nexo de causalidade entre a sua actuação e os alegados danos, e a inexistência de conduta ilícita, na medida em que a situação clínica da requerente fora avaliada de acordo com o que se encontrava documentalmente atestado.
O acórdão recorrido ponderou, entre o mais que «… o pedido de aposentação apresentado em dezembro de 2005, pela mãe da Autora, teve um fundamento/causa diferente do foro oncológico (…). / Porém, em Novembro do ano seguinte, ou seja, em 2006, quando foi chamada a comparecer à junta médica, já lhe tinha sido diagnosticada uma leucemia mieloblástica aguda M1 [o que ocorreu em 09/03/2006] e bem assim iniciado tratamento de quimioterapia (…)».
E considerou «… não só não se entende que a convicção do médico chefe tenha sido formulada com base num parecer médico, que não estando, certamente errado, não possuía um grau de certeza quanto à evolução da doença, uma vez que só retratava e atestava o que essa médica tinha observado em 17/08/2006, situação que, inclusive, em 16/11/2006, data da junta médica, já poderia estar alterada; acresce que existia igualmente um outro relatório médico, elaborado em 09/09/2006 que não comungava das mesmas referências, como supra se deixou enunciado. (…).»
Assim, concluiu que, «… existiu nesta fase uma atitude extremamente negligente por parte da junta médica a que a requerente se submeteu, mais concretamente por parte do médico chefe e do órgão decisor e, igualmente, mais tarde, quando a CGA desatendeu, sem mais, o pedido de revisão (…). / … da conjugação de toda esta factualidade, não temos dificuldade em concluir que a CGA praticou um acto ilícito e culposo [na modalidade de mera culpa] dada a ofensa dos direitos subjectivos da requerente em não ver deferido de forma atempada e de acordo, com a natureza e progressão da doença, a aposentação por incapacidade, em completa violação das regras de ordem técnica e de prudência comum que deviam ser tidas em consideração».

O artigo 150.º n.º 4 do CPTA determina que «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.»
Na circunstância a problemática jurídica que aparece suscitada pela recorrente é inseparável de uma situação factual muito delimitada cuja possibilidade de se voltar a verificar é reduzida.
Além disso, o acórdão não afirma uma tese jurídica que possa ser directamente contraposta a outra tese jurídica.
Depois, mesmo o Ministério Público, quando interveio emitindo parecer ainda em sede do recurso no TCA, apenas manifestou objecção quanto ao montante indemnizatório.
Finalmente, existiu concordância nas instâncias, concordância que é indício de menor complexidade e de menor evidência de claro erro na aplicação do direito. E, na verdade, o modo como a acção foi tratada não se revela fora de um quadro de plausibilidade.
O recurso não se apresenta, pois, nem socialmente, nem juridicamente, nem em termos de necessidade para melhor aplicação do direito, como preenchendo os pressupostos de admissão do artigo 150.º do CPTA.

3. Pelo exposto, não se admite a presente revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 10 de Julho de 2014. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.