Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:025/19.2BALSB
Data do Acordão:01/29/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário:Não havendo entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do artigo 25.º RJAT), por serem substancialmente diversas as situações de facto subjacentes aos julgados em confronto, não haverá que conhecer do mérito do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P25496
Nº do Documento:SAP20200129025/19
Data de Entrada:02/28/2019
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... PORTUGAL, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Relatório -

1 – A Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos dos n.º 2 a 5 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida a 24 de Janeiro de 2019 no processo n.º 367/2014-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito (referente à dedutibilidade fiscal dos encargos suportados pelo sujeito passivo com o financiamento gratuito de uma sociedade terceira), com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Maio de 2012, proferido no Processo n.º 0171/11, transitado em julgado.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

a) O presente recurso por oposição de acórdãos vem interposto do acórdão arbitral 24/01/2019, proferido nos autos supra mencionados, na parte em que o mesmo julgou procedente o pedido da liquidação adicional de IRC referente a 2009, liquidação nº 2013 8310014685, pronunciando-se relativamente à correcção ao lucro tributável no valor de € 97.278,08 a título de custos financeiros não fiscalmente aceites, elencada a fls. 23 do acórdão arbitral sob a alínea b) das questões a decidir.

b) Em causa estão os financiamentos gratuitos concedidos pela Requerente à A……….. 3 durante o ano de 2009, sendo que a montante a Requerente suportou encargos com financiamentos obtidos junto de terceiros, os quais foram deduzidos na sua totalidade ao abrigo do art. 23º do CIRC

c) A questão de direito respeita, por conseguinte, à aplicação do art. 23º do CIRC para efeitos de indispensabilidade e consequente dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com empréstimos gratuitos a terceiros.

d) O acórdão arbitral, na parte objecto do presente recurso, encontra-se em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, referente à dedutibilidade com custo fiscal dos encargos suportados com o financiamento gratuito de uma sociedade terceira, com o acórdão do STA de 30/05/12, no processo nº 171/11.

e) Entre o acórdão arbitral, na parte ora recorrida, proferido no processo nº 367/2014-T do CAAD, e o acórdão fundamento, acórdão do STA de 30/05/2012, prolatado no processo nº 171/11, existe uma oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, estando em causa em ambas as decisões a aplicação do nº 1 do art. 23º do CIRC, mais concretamente a dedutibilidade fiscal de encargos suportados com financiamentos concedidos a título gratuito.

f) Na solução a esta questão, o acórdão recorrido assenta unicamente numa análise ao acto de gestão da Requerente na perspectiva da sua razoabilidade para gerar proveitos, ainda que indirectamente, entendendo como completamente irrelevante o facto de os financiamentos que geraram os aludidos encargos terem como beneficiária directa uma sociedade terceira, a quem a Requerente concedeu empréstimos a título gratuito.

g) Deste modo, e na perspectiva do acórdão recorrido, estando provado que a A……….. 3, que beneficiou dos aludidos empréstimos gratuitos, é o fornecedor exclusivo de cortiça da Requerente, a qual tem como atividade a produção e comercialização de rolhas de cortiça, resulta forçoso concluir pela dedutibilidade fiscal dos encargos suportados pela Requerente na obtenção do capital necessário à realização daqueles empréstimos, por se entender razoável que a Requerente tenha financiado sem juros a A……….. 3 devido a “ter interesse próprio em assegurar o regular funcionamento da matéria prima necessária para o seu próprio funcionamento”, conforme fls. 40 da decisão arbitral.

h) Mais, conforme se transcreve de fls. 40 e 41 do acórdão arbitral, “Por outro lado, sendo de considerar seguro, à face das regras da vida e da experiência comum, que uma empresa comercial, que tem por objectivo a obtenção de lucros, não irá financiar gratuitamente outra sem que haja uma razão para o fazer, é de concluir, na falta de qualquer outra explicação razoável, que foi o alegado interesse da Requerente em assegurar o seu próprio funcionamento que justificou que providenciasse para que fosse assegurada a actividade da A……….. 3, através do financiamento gratuito”.

i) Constitui matéria de facto assente no acórdão arbitral que a Requerente e a beneficiária dos empréstimos gratuitos integram o mesmo Grupo A………., que a Requerente concedeu financiamento à A………. 3 sob a forma de conta corrente ao longo do ano de 2009, sem qualquer remuneração e que a Requerente endividou-se junto da banca, quer através de contas caucionadas, quer através de empréstimos bancários de médio e longo prazo, obtendo financiamento em 2009 num total de € 10.970.593,32 e suportando custos financeiros num total de € 633.729,58.

j) Oposta é a solução jurídica adoptada no acórdão fundamento, cuja situação fáctica se subsume de igual modo ao nº 1 do art. 23º do CIRC quanto aos encargos suportados com financiamentos gratuitos.

k) Quanto ao tema em causa no acórdão fundamento, o mesmo respeita ao seguinte, que se transcreve: “o objecto do presente recurso consiste em saber se, à luz do art. 23º do CIRC, devem ou não ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos pela impugnante, ainda que em seu prejuízo e não sejam estritamente necessários para a obtenção dos seus ganhos e proveitos individuais, sendo certo que entre a impugnante e as empresas beneficiadas existe uma relação de domínio total.

l) Por fim, no que respeita à solução jurídica, em oposição com a do acórdão arbitral na parte ora recorrida, concluiu o acórdão fundamento o seguinte, que se transcreve:

Dispõe o predito normativo legal “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: …c) encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso…”.

Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.

Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.

A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.

As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.

Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.

Por outro lado, não se trata aqui de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

E tal indispensabilidade está longe, neste caso, de ter sido demonstrada.
Em conclusão, se dirá, pois, que as verbas em causa não constituem custos para efeitos fiscais”.

m) Resulta, deste modo, inequívoca, a contradição quanto à mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral, na parte ora recorrida, e o acórdão fundamento.

n) Como se defendeu em sede de Resposta no processo arbitral, acompanha-se o entendimento acolhido no acórdão fundamento, segundo o qual só podem ser considerados custos dedutíveis os necessários à actividade desenvolvida pela própria, que suporta os encargos, e não por outras sociedades, ainda que em relação de domínio ou outra.

o) Preenchidos os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, existindo a semelhança entre as situações de facto em causa por serem subsumíveis ao mesmo quadro normativo (art. 23º do CIRC), e estando as soluções jurídicas em causa em manifesta contradição entre si quanto à mesma questão fundamental de direito,

p) Requer-se a admissão do recurso e o seu conhecimento de mérito, com a procedência do mesmo e a anulação da decisão arbitral na parte ora recorrida, com as devidas consequências legais.

Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá o presente recurso por oposição de acórdãos ser admitido, por se verificar uma contradição entre o acórdão arbitral na parte ora recorrida e o acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito, devendo o recurso ser julgado procedente com as devidas consequências legais”.

2 – Contra-alegou a Recorrida, concluindo nos seguintes termos:

A) A Recorrente interpôs o presente recurso para uniformização de jurisprudência por considerar que a decisão arbitral recorrida se encontra em oposição com a decisão proferida por esse Douto Tribunal ad quem no âmbito do processo n.º 0171/11 no que respeita à apreciação que em tais pronúncias jurisdicionais é alegadamente feita da dedutibilidade dos encargos financeiros supostamente incorridos para a concessão de empréstimos a título gratuito a sociedades com que o sujeito passivo se encontra em relação de domínio ou grupo;

B) Inexiste, porém, qualquer contradição entre as duas decisões jurisdicionais em confronto uma vez que, sem prejuízo de ambas versarem sobre a aplicação do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, o quadro factual no âmbito do qual foram proferidos é diferente, o que justifica a aplicação de soluções jurídicas diversas;

C) Com efeito, enquanto no Acórdão Fundamento o sujeito passivo concedeu, a título gratuito e sem obter qualquer contrapartida a si especificamente dirigida, empréstimos a duas sociedades comerciais que consigo se encontravam em relação de grupo, na decisão arbitral recorrida foi estabelecida uma conta-corrente de financiamento entre o sujeito passivo e outra sociedade comercial (igualmente em relação de grupo), até ao valor máximo de EUR 2.000.000,00, com carência de vencimento de juros até ao final de 2009, após o que passaram a ser devidos juros baseados na taxa Euribor acrescida de um spread de 4%;

D) Ademais, enquanto na situação subjacente ao Acórdão Fundamento inexistia qualquer interesse próprio da sociedade concedente do crédito na disponibilização de capital a uma sociedade terceira, na situação subjacente à decisão recorrida existia um justificado interesse próprio, autónomo e específico da sociedade concedente do crédito (a ora Recorrida), tendente à manutenção da sua fonte produtora e, por essa via, à salvaguarda da sua própria actividade comercial;

E) Neste contexto, é por demais evidente que as situações factuais subjacentes a ambos os arestos não são substancialmente idênticas, razão pela qual se conclui que as decisões jurisdicionais em confronto não se encontram em oposição – antes apreciam duas situações factuais que, sendo diferentes, não reclamam uma mesma solução jurídica;

F) Inexistindo oposição entre as pronúncias jurisdicionais em causa, necessariamente se conclui pela falta de verificação dos pressupostos necessários à admissibilidade do presente recurso, pelo que se requer a esse Douto Tribunal ad quem que o julgue findo;

G) Subsidiariamente, sempre se dirá que a dedutibilidade fiscal de um custo depende apenas da existência de uma relação causal e justificada entre o mesmo e a actividade da empresa, ficando de fora do conceito de indispensabilidade apenas os actos desconformes com o escopo social – i.e. aqueles que não se inserem no interesse da sociedade mas antes dizem respeito apenas a um interesse individual dos sócios ou do grupo de sociedades em que o sujeito passivo se insere, não visando o lucro ou a manutenção da empresa individualmente considerada enquanto fonte produtora de rendimentos;

H) Deste modo, ainda que se considere ser admissível o presente recurso – no que não se concede –, sempre terá de se concluir que decidiu bem o Douto Tribunal a quo quando considerou que os encargos suportados com financiamentos utilizados na concessão de crédito a outras sociedades são fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sempre que tais custos sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, o que sucede no caso em apreço;

I) Assim, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura, deve ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida;

J) Por último, caso esse Douto Tribunal ad quem considere (i) existir oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão Fundamento e (ii) que os encargos financeiros suportados com a concessão de empréstimos à A………. PORTUGAL 3 não são dedutíveis nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC – no que não se concede –, tornar-se-á imprescindível a apreciação da questão suscitada pela ora Recorrida no pedido de pronúncia arbitral quanto à inexistência de conexão entre os financiamentos por si obtidos e os empréstimos concedidos àquela sociedade sua fornecedora, pelo que se requer a esse Douto Tribunal ad quem que se pronuncie sobre esta questão, nos termos do artigo 636.º, n.º 1, do CPC;

K) Caso esse Douto Tribunal ad quem considere não estar na posse de todos os elementos de facto necessários para a apreciação desta última questão, requer-se que ordene devolução dos autos ao Douto Tribunal a quo para que aí sejam julgados tais elementos, nos termos do artigo 636.º, n.º 3, do CPC.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Ex.ª doutamente suprirá, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que, atenta a inexistência de oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento, julgue findo o presente recurso.


3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o douto parecer de fls. 58 a 63 dos autos, no sentido da verificação dos requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência por entender, em suma, que “
a situação fática subjacente nos dois arestos é similar e foram perfilhadas soluções jurídicas opostas na interpretação que foi feita em ambos os arestos do disposto no artigo 23º, nº1, do CIRC. Com efeito, em ambos casos os sujeitos passivos suportaram encargos financeiros (juros e imposto de selo) com empréstimos bancários que utilizaram no financiamento de outras empresas do mesmo grupo e não participadas. Tendo em ambos os casos sido colocada ao tribunal a questão de saber se esses encargos financeiros consubstanciavam custos ao abrigo do disposto no artigo 23º, nº1, do CIRC, na redação então em vigor e do mesmo teor nas duas situações. Questão que mereceu soluções jurídicas distintas e contraditórias nos dois arestos em confronto”.

Pronunciando-se, assim, pela verificação dos requisitos estabelecidos para a admissibilidade do recurso, concluiu depois o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA que a questão jurídica “colocada a este tribunal deve ser decidida no sentido da jurisprudência já firmada, ou seja, de que a indispensabilidade entre custos e proveitos à luz do disposto no nº1 do artigo 23º do CIRC deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na actividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa. Não reúnem tais requisitos os encargos financeiros suportados com empréstimos bancários, cujos capitais disponibilizados foram aplicados no financiamento de atividade de terceira sociedade, ainda que fornecedora de matéria-prima utilizada na laboração do sujeito passivo, por tais custos não serem contraídos no seu interesse, mas prosseguirem objetivos alheios”.

4 – Notificada do Parecer do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, e por dele discordar, a Recorrida veio exercer o seu direito de resposta ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 146.º do CPTA.

Começando por defender a não verificação dos requisitos estabelecidos para a admissibilidade do recurso em análise, referiu a Recorrida a este respeito que embora a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento “versem sobre a aplicação do artigo 23.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“CIRC”), inexiste qualquer contradição entre eles na medida em que o quadro factual no âmbito do qual foram proferidos é diferente e justifica a aplicação de soluções jurídicas diversas”. Neste contexto, a Recorrida reiterou as conclusões tecidas nas suas contra-alegações de recurso, sublinhando que na situação analisada na decisão arbitral recorrida se identifica (ao contrário da situação subjacente ao Acórdão fundamento) “um interesse próprio, autónomo e específico da Recorrida na concessão de crédito à A……….. PORTUGAL 3, MATÉRIAS PRIMAS UNIPESSOAL, LDA., tendente à manutenção da sua fonte produtora e, por essa via, à salvaguarda da sua própria actividade comercial”, tendo sido “estabelecida uma conta-corrente de financiamento entre o sujeito passivo e outra sociedade comercial (igualmente em relação de grupo), até ao valor máximo de EUR 2.000.000,00, com carência de vencimento de juros durante um período inicial de três anos, após o que passaram a ser devidos juros baseados na taxa Euribor acrescida de um spread de 4%”.

Por outro lado, e no que se refere à solução jurídica promovida pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, a Recorrida defendeu ser “indispensável, nos termos e para os efeitos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, o custo que resulta de um acto de gestão que se enquadra no âmbito da actividade empresarial concretamente prosseguida pelo sujeito passivo de IRC, independentemente de essa actividade ser a actividade principal ou uma actividade meramente acessória e de o acto de gestão se vir a traduzir, em concreto, na efectiva realização de rendimentos ou sequer traduzir uma boa opção de gestão”. Neste contexto, e em suma, a Recorrida relembra que não só não concedeu “qualquer financiamento a título gratuito à A……… PORTUGAL 3, MATÉRIAS PRIMAS UNIPESSOAL, LDA” (conforme supra explanado), como “a dedutibilidade fiscal de um custo não exige que o mesmo se insira no âmbito estrito do escopo social da sociedade, mas tão-somente que vise atingir esse fim, ainda que de forma indirecta. Ademais, também não é pelo facto de existirem outros fornecedores da mesma matéria-prima no mercado que a concessão de financiamento à A……….. PORTUGAL 3, MATÉRIAS PRIMAS UNIPESSOAL, LDA. deixa de visar a manutenção da fonte produtora da Recorrida. Com efeito, cabe inteiramente e apenas à Recorrida a escolha do fornecedor da cortiça a utilizar na produção das rolhas que comercializa, estando vedada à Administração Tributária qualquer valoração dessa escolha, nomeadamente para efeitos de determinação da dedutibilidade (ou não) dos custos incorridos com o fornecimento de matéria-prima”.

5 - Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.



- Fundamentação -

6 – Questões a decidir

Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber, a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e, bem assim, a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.

Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso.

7 – Matéria de facto

7.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:

A. A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a uma inspecção de âmbito geral à Requerente, relativa ao ano de 2009, que se iniciou em 14-01-2013 (notificação da Ordem de Serviço OI201201790);

B. A inspecção teve duas prorrogações por períodos de 90 dias;

C. A Requerente constituiu-se em 09-01-1995 e exerce a actividade de produção e comercialização de rolhas de cortiça, CAE 16294;

D. Em sede de IRC, a Requerente declarou um prejuízo contabilístico e fiscal elevado no exercício de 2008, e desde então, veio a deduzi-lo aos lucros tributáveis apurados nos exercícios seguintes;

E. A situação da Requerente a nível de IRC, resultante da declaração apresentada resume-se no quadro” cujo teor consta de fls. 2979 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido;

F. A Requerente apresentou em 21-06-2013 reclamação graciosa referente à autoliquidação de IRC do exercido de 2009 para utilização do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF (criação líquida de emprego), tendo sido aceite pela administração fiscal uma dedução de € 72.983,03 ao Resultado Tributável daquele exercício, que passou a ser de € 26.158,56;

G. A A……….. labora em duas unidades industriais localizadas no concelho de Santa Maria da Feira:

- a A……….. 1 (unidade principal) funciona nas instalações localizadas na Rua …………, n º ……, e na Rua ……….., n.º. ……, em ………., que constituem a sede da empresa e do "Grupo A……….." em Portugal, e compreendem um pavilhão industrial com várias naves e uma área de estaleiro que abrangem mais de 14.000 m2, onde se encontra a parte produtiva, os escritórios, o laboratório, e os armazéns de matérias-primas e produtos acabados; este imóvel corresponde ao artigo matricial urbano n.º 1936 da freguesia de ……….., foi recentemente construído (em 2007), e encontra-se arrendado ao contribuinte pela …………, S.A., NIF ………., entidade proprietária do mesmo;

- a A………… 2 funciona nas instalações localizadas na Zona Industrial de ……….., Rua ……, n.º ……., em ………., onde está instalada a unidade de acabamento de rolhas destinadas aos mercados europeus; este imóvel corresponde ao artigo matricial urbano nº. 2396 da freguesia de ………, e encontra-se arrendado ao contribuinte por B…………, NIF …………., proprietário do mesmo;

H. A Requerente controla todas as operações verticalmente integradas do processo produtivo, que podem resumir-se da seguinte forma:

- a cortiça é adquirida, escolhida e traçada pelo seu fornecedor exclusivo, a A……….. Portugal 3 Matérias-Primas Unipessoal, Lda (doravante designada somente por A……….. 3), NIF ……….., que possui sede social no mesmo local da A……….. e Instalações produtivas que foram expandidas e reconstruídas em 2003, no Montijo (e incluem um parque de estabilização de cortiça, um armazém de paletes de cortiça preparada e uma caldeira de alta eficiência em aço inoxidável);

- semanalmente, a cortiça é transportada em paletes que contém cerca de 750kg cada, da A………… 3 para as instalações da A……….. em ……..;

- na unidade industrial principal da empresa (designada internamente por A……….. 1), em ………., a cortiça é transformada em rolhas, sendo aí realizadas todas as operações do processo produtivo até à obtenção do produto acabado: rabaneação, brocagem manual e automática, secagem, rectificação, escolha electrónica e manual, lavação e pré-secagem, controlo da bactéria TCA7 através do sistema patenteado Inno….. (exclusivo do Grupo A………..), secagem, revestimento;

- quando se destinam ao mercado de países terceiros, designadamente ao mercado americano (Estados Unidos e Argentina), as rolhas são expedidas a partir da A………. 1, sendo as operações de acabamento efectuadas nas empresas do grupo que existem nesses países;

- quando se destinam ao mercado intracomunitário, designadamente a Espanha e França, as rolhas vão para a unidade de …….. (designada internamente por A……….. 2) para realização dos acabamentos (tais como marcação, humidificação e tratamento), que são efectuados de acordo com os pedidos e especificações dos clientes, e só depois são então expedidas para os clientes intracomunitários;

- isto acontece porque o Grupo A……….. nos países europeus apenas possui agentes comerciais, entidades a quem pagam comissões pelas vendas intermediárias, ao passo que nos Estados Unidos da América, na Austrália e na África do Sul e Argentina possui mesmo empresas distribuidoras do grupo, com capacidade para a realização dos acabamentos das rolhas antes de serem entregues aos clientes finais;

- em Portugal, a Requerente possui apenas 1 vendedor, dada a reduzida dimensão deste mercado no Volume de Negócios da empresa;

I. No Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se uma análise dos encargos financeiros suportados pela Requerente no ano de 2009 nos seguintes termos:

II.3.8. Análise dos encargos financeiros suportados no exercício de 2009

Procedeu-se a uma análise da indispensabilidade dos encargos financeiros que influenciaram negativamente o Resultado Tributável deste contribuinte no exercício de 2009. Resultando do endividamento da empresa para fazer face às suas necessidades financeiras de médio e longo prazo, parte desses recursos estão a ser utilizados para financiar gratuitamente uma empresa do grupo, a A………… 3, onerando, consequentemente, a A……….. sem qualquer remuneração.

II.3.8.1. A sociedade A………. Portugal 3 – Matérias-Primas, Unipessoal, Lda Sociedade por quotas denominada A……….. Portugal 3 – Matérias-Primas, Unipessoal, Lda, NIF …………, constituída em 15 de Novembro de 2006 na Conservatória do Registo Predial e Comercial de Santa Maria da Feira, com o objecto de compra e venda de cortiça, preparação de cortiça para o fabrico de rolhas e para quaisquer outras aplicações industriais, Indústria e comércio de produtos de cortiça e seus derivados, e prestação de serviços relacionados com tais actividades.

A firma possui a sua sede social na Rua ………., n.º ….., 4535-…… ………., concelho de Santa Maria da Feira, e foi constituída com um capital social de 50.000,00€, dividido numa única quota, pertencente inicialmente à A………...

Em 19 de Março de 2007 a A………… alienou a participação total que detinha na A……….. 3 à sociedade CSG Portugal, SGPS, Lda, NIF ……….., que possui sede na ………., Edf. ……., piso 1, 2780-….. Paço de Arcos – Oeiras, mantendo-se esta sociedade actualmente como única detentora do capital social da A………… 3.

Note-se que a A……….. apenas participou no capital social da A………. 3 durante cerca de 4 meses (entre 15 de Novembro de 2006 e 19 de Março de 2007).

A gerência da A……….. 3 nomeada à data da sua constituição era composta por 4 membros (exactamente os mesmos que integram o Conselho de Administração da A………..) ……….., ………, ……….. e ………..

Em 15 de Setembro de 2006 foi nomeado também gerente ………. (igualmente administrador da A………..). Verifica-se portanto que a A………… e a A……….. 3 são entidades relacionadas, ou seja, entre as quais existem relações especiais, do modo como são definidas nas alíneas d) e g) do nº. 4 do artigo 63º do Código do IRC (CIRC)

Esta informação consta da Certidão Permanente do Registo Comercial da A………… 3 Matérias-primas, Unipessoal, Lda de que se junta cópia em Anexo 8 (5 páginas).

II.3.8.2. Financiamento a título gratuito da A……….. 3

A A…………. celebrou com a A………….. 3 em 01 de Janeiro de 2007 um Contrato de Conta Corrente de Suprimentos, que se junta em Anexo 9 (3 páginas), mediante o qual:

- a A………….. concede à A…………. 3 um empréstimo sob a forma de conta corrente pelo valor global máximo de 2.000.000€;

- este contrato tem a duração de 60 meses, com início em 01-01-2007, sendo renovável automaticamente;

- o montante de empréstimo concedido será utilizado de acordo com as necessidades de tesouraria da A……….. 3, sob a forma de conta-corrente, na qual serão registados os fluxos financeiros entre a A……….. e a A……….. 3,

- sobre os capitais utilizados no âmbito deste contrato não serão devidos quaisquer juros.

Os argumentos indicados no referido Contrato pelo sujeito passivo para a não remuneração deste empréstimo foram os seguintes:

- a A……….. 3 iniciou a sua actividade em 2007 num contexto de elevada incerteza quanto ao seu sucesso comercial, e encontra-se assim numa fase de "start up";

- a A……….. 3 opera em regime de quase exclusividade para a A……….., o que significa que qualquer aumento dos custos seria inevitavelmente reflectido nas condições de venda da cortiça para a A………..;

- a A………… 3 (em carências financeiras que poderão condicionar o seu desempenho comercial e com Isso afectar a actividade da A………… enquanto destinatária da generalidade da produção da A………... 3;

- a A……….., enquanto sócia única da A………… 3, está disposta a ajudar financeiramente a A………… 3, tendo em vista viabilizar a sua actividade.

Quanto às operações financeiras realizadas entra a A………. e a A…………. 3 (financiamento concedido pela primeira à segunda), estas não foram sequer objeto de qualquer análise ao nível do dossier de preços de transferência (ver capítulo II.3.9.2 deste Relatório), não tendo sido apresentada nenhuma justificação para tal, exceto o argumento de que a A………… 3 se encontra numa fase de start-up, tendo a A………… entendido que o financiamento lhe deveria ser concedido sem qualquer remuneração.

Em 01 de Janeiro de 2010 foi efectuada uma Adenda a este Contrato – em Anexo 10 – para alterar a cláusula inicial relativa à taxa de juro, passando assim a prever a remuneração do financiamento em condições de mercado, mediante o cálculo de juros anuais baseados na Euribor acrescida de um spread de mercado, a partir do exercício de 2010. Assim, nos exercícios de 2010 e 2011 a A……….. debitou à A………… 3 juros e Imposto de selo suportados por sua conta, aplicando a taxa de juro Euribor acrescida de um spread de 4%. nos” montantes cujo teor consta de fls. 2982 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido;

J. “Na sequência da análise a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcção aritmética relativa aos custos de financiamento da A………… 3, com os seguintes fundamentos:

III.1.1. Custos de Financiamento da A………… 3

III.1.1.1. Factos apurados

No âmbito do Contrato de Conta-Corrente de Suprimentos descrito no capítulo II.3.8 deste Relatório, a A……….. financiou a sua ex-participada A………… 3 durante o exercício de 2009 sem lhe debitar qualquer remuneração por esses financiamentos. No quadro seguinte apresentamos os valores em débito da A……….. 3, sobre os quais não foram debitados juros, à data de 31 de dezembro”, conforme a tabela que consta de fls. 2983 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido;

(...)

“Verificamos também que a empresa se endividou junto da banca, quer através de contas caucionadas, quer através de empréstimos bancários de médio e longo prazo. Em resultado destes financiamentos, a A……….. está a suportar custos financeiros de montante elevado.

No quadro seguinte discriminamos o valor dos referidos financiamentos obtidos no exercício em a data de 31 de dezembro”, cujo teor consta de fls. 2983 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido;

“Os custos financeiros suportados neste exercício com os referidos financiamentos foram os” indicados no quadro que consta de fls. 2983 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido

“Relativamente aos Juros suportados de empréstimos bancários e aos Serviços bancários comissões de papel comercial, os montantes em questão correspondem aos saldos das respetivas contas no exercido de 2009. Foram analisados os movimentos da conta 608109/698102, e elaborado o mapa que se junta em Anexo 83. tendo-se concluído que respeitavam todos a comissões de gestão de contas caucionadas ou comissões relativas a financiamento de médio e longo prazo.

(...)

III.1.1.2. Enquadramento legal

Tomando em consideração o disposto no artigo 23.º do Código do IRC, as correcções a propor obedecerão ao seguinte enquadramento legal:

Diz-nos o n.º 1 deste artigo que "consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora...".

Dentro deste enquadramento facilmente se depreende que os financiamentos contraídos pela A……….. e utilizados pela A……….. 3 a custo zero (numa lógica de tesouraria de grupo), geraram (e ainda geram) custos na A………… que não contribuíram (e continuam a não contribuir) para a realização de proveitos ou ganhos ou para a manutenção desta empresa.

Assim sendo, propomos que os custos financeiros contabilizados na A………….. sejam corrigidos no sentido de refletir apenas e somente o custo do capital efetivamente utilizado por este sujeito passivo. Deste modo, não serão aceites fiscalmente (valor das correções a efectuar) os custos financeiros que a empresa suportou, os custos nesta contabilizados que corresponderam aos financiamentos concedidos à A………… 3. relevando assim no valor restante os custos financeiros que a empresa suportou e que foram efetivamente necessários para o exercício da sua atividade.

Para o efeito, o critério que propomos passará por:

1. Calcular o saldo médio de endividamento anual da empresa;

2 Apurar os custos de endividamento efetivamente suportados pela empresa no período em análise;

3. Determinar a taxa do custo efetivo de endividamento da A………..;

4. Aplicar esta taxa ao valor dos financiamentos efetuados por esta à A………….. 3 no ano de 2009;

5. Desconsiderar como custo fiscal o valor assim determinado.

(...)

III.1.1.4. Cálculo do valor a desconsiderar como custo

III.1.1.4.1. Saldo médio de endividamento da A……….. Da análise da contabilidade e recolha dos extratos bancários das contas em causa, constatamos que no exercício de 2009 a A………… se financiou junto da banca através de contas caucionadas e empréstimos bancários. No quadro abaixo resumem-se os movimentos das contas consideradas na presente análise durante o ano de 2009”, cujo teor consta de fls. 2985 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido.

(...)

“Efectuando o somatório dos saldos de endividamento médios diários assim obtidos, apuramos um Saldo Médio de Endividamento da A……….. de € 9.758 109,37 no exercício de 2009”, discriminado no quadro que consta de fls. 2986 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido.

(…)

“III.1.1.4.2. Custo efetivo de endividamento da A……….. Tendo determinado o valor do endividamento bancário de médio e longo prazo diário, e apurados os custos financeiros suportados pela A………. com ele relacionados durante o exercício de 2009 (que, como vimos no capítulo III.1.1.1 deste Relatório, ascenderam a € 633.729,58), estamos em condições de calcular a Taxa de custo efetivo do capital alheio, que se cifrou em 6,49%”, conforme quadro cujo teor consta de fls. 2986 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido.

“Se compararmos os valores obtidos com a taxa de referência usada pela empresa nos anos de 2010 e 2011 para débito de juros à A……….. 3. que, como vimos, foi a Euribor a 3 meses mais um spread de 4%, constatamos que os valores obtidos situam-se próximos mas sempre acima deste indicador, que reproduzimos no quadro da página seguinte, e que, como é sabido, sofreu acentuada quebra em 2009.

A taxa Euribor a 3 meses no ano em analisa sofreu a evolução” que consta de fls. 2986 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido.

“III. 1.1.4.3. Cálculo dos custos de financiamento da A………… 3

Como já referimos, a A……….. concedeu financiamentos à A………… 3 sob a forma de conta corrente ao longo do ano de 2009, que foram registados contabilisticamente nas contas 268156 – CSP3 Transferências e 2783156 – CSP3 Transferências, cujos extratos se encontram em Anexos 81 e 82, respetivamente.

Utilizando a taxa do custo efetivo do capital alheio determinada no capítulo anterior e aplicando-a ao número de dias que a empresa esteve a financiar a A………… 3, obtemos o valor dos custos financeiros a desconsiderar nos termos do artigo 23.º do CIRC. Encontram-se em Anexo 86 (6 páginas) quadros onde se apresentam os cálculos realizados para determinação do valor a desconsiderar como custo.

Em resumo, os custos a corrigir no exercício de 2009 são” os que constam de fls. 2987 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido.

“Face ao exposto, a A……….. fez concorrer para o apuramento do seu Resultado Tributável referente ao exercício de 2009 custos financeiros que não contribuem para a formação de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, no valor de € 97.278,08, pelo que deverá acrescer ao Resultado Tributável deste exercício os custos aqui desconsiderados.

K. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcção aritmética baseada em incumprimento do princípio da especialização dos exercícios, com os” fundamentos que constam de fls. 2987 e 2988 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido;

L. “No Relatório da Inspecção Tributária a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu também ser de fazer uma correcção relativa aos proveitos imputados à sociedade irlandesa Global C………. Trading, nos” termos que constam de fls. 2988 a 2993 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido;

M. “No Relatório da Inspecção Tributária da Autoridade Tributária e Aduaneira reuniram-se as correcções propostas nos seguintes termos:

III.1.41 Correções propostas ao Resultado Tributável do exercício de 2009

Em face das correções propostas nos capítulos III. 1.1.4.3, III.1.2.3 e III. 1.3.4 deste Relatório, o Resultado Tributável do exercício de 2009, no montante de € 26.158,96, passará a cifrar-se em € 2.363.687,36, conforme” o quadro que consta de fls. 2993, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido;

N. “Na sequência da notificação do projecto de Relatório da Inspecção Tributária, a Requerente pronunciou-se dizendo, em suma, o seguinte:

A. Relativamente aos custos de financiamento da A…………._3_Matérias-primas, Unipessoal:

• a desconsideração dos custos financeiros resulta inadmissível porque nenhum dos financiamentos obtidos pela A………. junto de terceiros (e com os quais incorreu em 2009 em custos de juros, comissões bancárias e Imposto de Selo) se destinou a financiar a A……….. 3;

• a análise dos financiamentos concedidos à A……….. 3 confrontada com os fluxos de caixa referentes a recebimentos de clientes demonstra que nenhum desses financiamentos foi feito com recurso a capital alheio (juntando quadro demonstrativo);

• o critério utilizado pela AT de desconsiderar custos financeiros efetivamente suportados através da aplicação de uma taxa calculada com referência ao total dos financiamentos existentes no ano de 2009 é desprovido de qualquer base legal, ignorando o facto de não existirem financiamentos obtidos pela A……….. para concessão de crédito à A………… 3, e a existência de recebimentos de clientes em valor bastante superior ao dos financiamentos concedidos

B. Relativamente ao incumprimento do princípio da especialização dos exercícios”, a resposta que consta de fls. 2993 e 2994 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido;

“Relativamente à omissão de proveitos de vendas à A……….. USA DAL”, resposta que consta de fls. 2994 e 2995 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido;

O. “No Relatório da Inspecção Tributária referiu-se o seguinte, sobre as questões colocadas pela Requerente no exercício do direito de audição:

A. Relativamente aos custos de financiamento da A……….. 3 Matérias-primas. Unipessoal:

O financiamento concedido à A……….. 3 no exercício de 2009 (no valor de € 378.501,26) traduz-se efetivamente, para a A…………, numa disponibilização de avultados meios monetários sem qualquer remuneração, que, muito embora se encontre fora do âmbito do seu objeto social, não deixa de configurar uma atividade de concessão de crédito, atividade esta que deverá naturalmente ser geradora de proveitos, à semelhança das restantes atividades exercidas pela empresa.

O argumento invocado pelo sujeito passivo para justificar a não cobrança de juros não colhe (como de resto já se explicou nos capítulos II.3.8 e III.1.1 deste Relatório) basicamente porque, tratando-se de financiamentos concedidos a uma entidade terceira, em nada são indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora do contribuinte. Isto foi aliás reconhecido pela própria A………… quando, a partir do ano de 2010, e doravante em todos os exercícios seguintes, passou a debitar juros à A………… 3 a uma taxa de juro de mercado.

Por fim, e a respeito da alegada existência de fluxos de caixa referentes a recebimentos de clientes de montante muito superior ao dos financiamentos concedidos à A……….. 3, não nos parece que seja possível estabelecer qualquer conexão entre os mesmos. Na realidade, o próprio contribuinte também não o consegue fazer, limita-se apenas a invocar esse facto.

Isto explica-se pela característica da fungibilidade do dinheiro: não é possível assegurar que foram exatamente as verbas recebidas dos clientes que foram aplicadas para financiar a A……….. 3, verificando-se sim, um endividamento bancário significativo por parte do contribuinte, o qual seria provavelmente menor se aqueles financiamentos não tivessem ocorrido de igual modo, os custos financeiros que tal endividamento acarreta seriam naturalmente mitigados com os proveitos que a referida concessão de crédito não gerou em 2009, e passou a gerar nos exercícios subsequentes. Neste sentido vai também a jurisprudência citada no capítulo III.1 1 deste Relatório.

B. Relativamente ao incumprimento do princípio da especialização dos exercícios”, correcção que consta de fls. 2996 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido;

C. “Relativamente à omissão de proveitos de vendas à A……….. USA. Inc.”, correcção que consta de fls. 2996 e 2997 do processo, em suporte electrónico, que correu termos no Tribunal Arbitral e que aqui se dá como integralmente reproduzido;

P. Por despacho de 29-1-2013 proferido na primeira página do Relatório da Inspecção Tributária, o Senhor Director de Finanças de Aveiro, em regime de substituição, manifestou concordância com as correcções propostas naquele Relatório, no valor total de € 2.337.528,80, sendo € 1.908.524,06 a título de proveitos imputados a terceira entidade, € 97.278,08 a título de custos financeiros não fiscalmente aceites e € 331.726,66 a título de incumprimento do princípio da especialização dos exercícios;

Q. A referida correcção do lucro tributável da Requerente do ano de 2009 no valor total de € 2.337.528,80 determinou a fixação de um lucro tributável de € 2.363.687,36 e uma matéria colectável do exercício no montante de € 2.121.580,30, em função da dedução (oficiosa) de € 215.948,50 de prejuízos fiscais reportáveis de exercícios anteriores – cfr. página 76 do Relatório Final da inspecção Tributária;

R. Na sequência das correcções referidas, foram elaboradas a liquidação adicional de IRC n.º 2013 8310014685, datada de 05-12-2013, no montante de € 590.394,46, em que se incluem juros compensatórios e a demonstração de acerto de contas n.º 2013 00006036167, com data limite de pagamento voluntário de 03-02-2014 (documento junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

S. Em 2009, a Global C………. Trading, Ltd tinha arrendado instalações de escritório no centro de espaços de escritórios «Regus» em Upper Pembroke Street 28-32, Dublin, D2 (documento n.º 390 e http://www.regus.ie/office-space/ireland/dublin);

T. A Global C……. Trading, Ltd, efectuou pagamentos a “D……..” com referência aos meses de Fevereiro a Dezembro de 2009, com as indicações «payroll» e «refund of expenses» (documento n.º 390 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

U. A Global C…….. Trading, Ltd pagava à Vodafone irlandesa uma conta de telemóvel com o n.º ……….. usado por D……….. (documento n.º 390, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

V. Ao longo do ano de 2009, de um telemóvel utilizado pela Requerente foram efectuados vários telefonemas e enviadas mensagens escritas para o número de telemóvel referido na alínea anterior (documentos n.ºs 314 a 379, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

W. Em Dezembro de 2009, um funcionário da Requerente dirigiu-se à Irlanda (documento n.º 380, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

X. Em 19-12-2013, a Requerente pagou a quantia de € 517.960,15, referente à liquidação de IRC, tendo o pagamento dos juros compensatórios sido dispensado ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº 151-A/2013, de 31 de Outubro;

Y. Em 05-05-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

7.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado no Acórdão fundamento:

1. A Administração Fiscal, no âmbito de acção de inspecção, procedeu a correcções aritméticas, as quais deram origem a liquidação adicional de IRC;

2. A Impugnante, foi notificada da liquidação adicional nº 2005 8310006609 de IRC relativo ao ano de 2002, no valor de 76 782.14 €, cuja data limite de pagamento voluntário terminava no dia 15.06.2005;

3. Do relatório da inspecção, datado de 21.04.2005, e com relevância para o caso consta de fls. 20 a 44 do Processo Administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

4. A Impugnante tem por objecto social a compra e venda de bens imobiliários e está enquadrada no regime geral para efeitos de determinação do lucro tributável;

5. A Impugnante é uma sociedade anónima, com capital social de 1 247 500€, sendo detido pela sociedade E………. – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.;

6. A Impugnante insere-se num grupo de empresas, das quais fazem parte E……….. – Industrias Têxteis e Gráficas, S.A. que são detidos a 100% pela E……….. – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.;

7. No decurso da inspecção foi detectado que a Impugnante contabilizou no exercício de 2002, como custo fiscal, os encargos financeiros (juros e imposto de selo) relacionados com a obtenção de crédito junto de instituições financeiras, no valor de 15 296.61 €;

8. Os encargos financeiros são derivados de juros e impostos de selo incidente sobre os financiamentos às E………… – Industrias Têxteis e Gráficas, S.A. e E……….. – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.;

9. A Administração Fiscal procedeu à correcção da matéria colectável em sede de IRC do exercício de 2002, no valor de 217 706.74 €;

10. Em 28.07.2005, a lmpugnante reclamou graciosamente, a qual por despacho de 12.09.2006 veio a se indeferida;

11. Em 28.09.2006 a Impugnante apresentou a presente impugnação judicial”.


8 – Decidindo

8.1 Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão deste STA invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos.

Alega a Recorrente que entre os arestos em confronto existe oposição juridicamente relevante para o efeito de admitir o presente recurso por oposição de julgados, pois que entre os mesmos, e em suma, “existe uma oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, estando em causa em ambas as decisões a aplicação do nº 1 do art. 23º do CIRC, mais concretamente a dedutibilidade fiscal de encargos suportados com financiamentos concedidos a título gratuito”, encontrando-se preenchidos “os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, existindo a semelhança entre as situações de facto em causa por serem subsumíveis ao mesmo quadro normativo (art. 23º do CIRC), e estando as soluções jurídicas em causa em manifesta contradição entre si quanto à mesma questão fundamental de direito”.

A posição da Recorrente quanto à existência de oposição juridicamente relevante entre os arestos em confronto é secundada pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, para quem “a situação fática subjacente nos dois arestos é similar e foram perfilhadas soluções jurídicas opostas na interpretação que foi feita em ambos os arestos do disposto no artigo 23º, nº1, do CIRC. Com efeito, em ambos casos os sujeitos passivos suportaram encargos financeiros (juros e imposto de selo) com empréstimos bancários que utilizaram no financiamento de outras empresas do mesmo grupo e não participadas. Tendo em ambos os casos sido colocada ao tribunal a questão de saber se esses encargos financeiros consubstanciavam custos ao abrigo do disposto no artigo 23º, nº1, do CIRC, na redação então em vigor e do mesmo teor nas duas situações. Questão que mereceu soluções jurídicas distintas e contraditórias nos dois arestos em confronto”.

Diversamente, a posição da Recorrente é rejeitada pela Recorrida nas suas contra-alegações e na sua resposta ao Parecer do Ministério Público, por considerar que inexiste “qualquer contradição entre as duas decisões jurisdicionais em confronto uma vez que, sem prejuízo de ambas versarem sobre a aplicação do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, o quadro factual no âmbito do qual foram proferidos é diferente, o que justifica a aplicação de soluções jurídicas diversas”. Para a Recorrida, “enquanto no Acórdão Fundamento o sujeito passivo concedeu, a título gratuito e sem obter qualquer contrapartida a si especificamente dirigida, empréstimos a duas sociedades comerciais que consigo se encontravam em relação de grupo, na decisão arbitral recorrida foi estabelecida uma conta-corrente de financiamento entre o sujeito passivo e outra sociedade comercial (igualmente em relação de grupo), até ao valor máximo de EUR 2.000.000,00, com carência de vencimento de juros até ao final de 2009, após o que passaram a ser devidos juros baseados na taxa Euribor acrescida de um spread de 4%”. Ademais, “enquanto na situação subjacente ao Acórdão Fundamento inexistia qualquer interesse próprio da sociedade concedente do crédito na disponibilização de capital a uma sociedade terceira, na situação subjacente à decisão recorrida existia um justificado interesse próprio, autónomo e específico da sociedade concedente do crédito (a ora Recorrida), tendente à manutenção da sua fonte produtora e, por essa via, à salvaguarda da sua própria actividade comercial”.

E, efectivamente, julgamos que assiste razão à Recorrida.

Desde já se diga que acompanhamos o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo quando sublinha que “a fixação da matéria de facto nos dois arestos se nos afigura deficiente, por insuficiente fixação de elementos sobre os termos dos financiamentos (no caso do acórdão fundamento por a matéria estar demasiado sintética, e no acórdão arbitral por se ter limitado a dar como provado o relatório dos serviços de inspeção tributária, ainda que em sede da discussão da matéria de direito tenha dado como provados outros factos)”.

Não obstante, deles se extrai que, nos dois casos, os sujeitos passivos suportaram encargos financeiros (juros e imposto de selo) com empréstimos bancários que utilizaram no financiamento de outras empresas do mesmo grupo, não participadas directamente por eles. Nos dois casos, os sujeitos passivos não cobraram qualquer contrapartida financeira às entidades beneficiárias dos financiamentos nos exercícios em análise nos respectivos processos judiciais (2009 no caso da decisão arbitral recorrida e 2002 no caso do Acórdão fundamento). E, de igual forma, nos dois casos os Sujeitos Passivos e as entidades beneficiárias dos financiamentos não se encontram inseridas num grupo de empresas tributado ao abrigo do Regime Especial dos Grupos de Sociedades.

Há, porém, uma diferença essencial que obsta à existência de uma similitude fáctica entre as duas decisões em confronto, ancorada em importantes diferenças ao nível da relação comercial estabelecida entre os sujeitos passivos e as entidades beneficiárias dos financiamentos e que motivou a existência de justificações diversas para a concessão do financiamento nas duas situações em confronto.

Com efeito, no caso analisado pela decisão arbitral recorrida, a Recorrida alega que o beneficiário dos financiamentos é o seu fornecedor exclusivo de cortiça, razão pela qual tem um “interesse próprio, autónomo e específico” em assegurar o regular fornecimento da matéria-prima necessária “à salvaguarda da sua própria actividade comercial”. Neste contexto, e percorrido o probatório fixado naquela decisão arbitral, verifica-se no respectivo ponto H que “a Requerente controla todas as operações verticalmente integradas do processo produtivo, que podem resumir-se da seguinte forma: - a cortiça é adquirida, escolhida e traçada pelo seu fornecedor exclusivo, a A……….. Portugal 3 Matérias-Primas Unipessoal, Lda (doravante designada somente por A……….. 3), NIF ……….. (…)”.

Diversamente, no caso decidido pelo Acórdão fundamento não é possível descortinar no probatório qualquer relação comercial de relevo entre o sujeito passivo e a entidade beneficiária do financiamento, sendo que a motivação que presidiu à concessão do financiamento foi a maximização dos resultados do grupo de empresas (rectius, dos seus accionistas e administradores) e não o resultado da própria empresa concedente do financiamento. É, aliás, o próprio sujeito passivo que reconhece, nas suas conclusões das alegações de recurso, que o financiamento concedido foi “inequivocamente uma correcta e boa decisão de gestão empresarial (atenta a “lógica de grupo”)” (…), sendo que “nas relações que se estabelecem entre as sociedades do grupo está presente uma estratégia e uma lógica empresarial de “grupo”, i.e, uma estratégia de convergência e congregação de esforços mútuos com vista à maximização do lucro naquelas sociedades que pode justificar e justifica uma política comercial e económica pensada em termos de conjunto, a qual não pode ser perspectivada isolada e singularmente”, “podendo mesmo, num grupo de sociedades, serem as sociedades filhas obrigadas a praticar actos que sejam, para ela, desvantajosos e até causadores de prejuízo, desde que os mesmos visem os interesses do “grupo” (cfr. artigo 503°, no 2 CSC aplicável ex vi artigo 491° CSC)” (nosso sublinhado).

Ora, as diferentes circunstâncias fácticas acabadas de expor são relevantes no caso em análise porque, como ensina RUI DUARTE MORAIS, “Apontamentos ao IRC”, Almedina: Coimbra, 2007, p. 87, a aceitação de um determinado gasto para efeitos fiscais “não pode ser referido à natureza do encargo, mas sim às circunstâncias em que o mesmo aconteceu” (nosso sublinhado). O que encontra eco na mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo.

Com efeito, e conforme se deixou consignado no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo proferido a 27 de Junho de 2018 no âmbito do Processo n.º 01402/17, o conceito de indispensabilidade dos custos a que se reporta “o artº 23º do CIRC tem sido ligado aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados” (nosso sublinhado). Como tal, o que temos “é um duplo critério para a qualificação dos custos ou perdas como indispensáveis: o critério do fim e o critério da fonte. São indispensáveis os custos que apresentam conexão com o fim último de qualquer empresa, que é a obtenção do lucro; e são indispensáveis os custos que apresentam conexão a montante com a atividade por ela prosseguida” (assim, Acórdão recentemente proferido por esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do Processo n.º 01775/15.8BELRA, datado de 4 de Dezembro de 2019 – nosso sublinhado). Neste contexto, e “sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte”, a noção “legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” da própria empresa que nele incorre (Acórdão proferido por este STA a 30 de Novembro de 2011 no âmbito do Processo n.º 0107/11).

Assim, se no caso subjacente ao Acórdão Fundamento é o próprio sujeito passivo que afasta a ligação entre o financiamento concedido e a sua própria actividade empresarial, no caso subjacente à decisão arbitral recorrida há uma relação comercial de fornecimento exclusivo entre as duas entidades (financiadora e beneficiária) o que, não sendo condição sine qua non para a aceitação do gasto, implica a apreciação das concretas circunstâncias em que o mesmo ocorreu, designadamente pela necessária “prova dos factos concretos que evidenciem a sua ligação à fonte produtora” (neste sentido, o Acórdão deste STA de 4 de Dezembro último, proc. n.º 01775/15.8BELRA). O que impede, naturalmente, a existência de uma análise similar e objectiva à indispensabilidade dos gastos incorridos nos dois financiamentos em análise ao ponto de suscitar a uniformização das decisões proferidas nos dois casos em confronto.

Inexiste, pois, oposição juridicamente relevante que justifique o presente recurso, já que não pode afirmar-se ter a decisão arbitral recorrida adoptado entendimento oposto ao do Acórdão fundamento no quadro de uma situação de facto similar.

Não se verificam, pois, os pressupostos de que depende o conhecimento do recurso.


- Decisão -

9 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2020. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes.