Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01946/20.5BELSB
Data do Acordão:05/05/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
EXCLUSÃO DE PROPOSTAS
Sumário:Pelas dúvidas que suscita no caso concreto e pela relevância jurídica e social que tem, é de admitir a revista sobre questão acerca da exclusão de proposta baseada na falta de cumprimento de «alegados termos e condições» constantes do caderno de encargos.
Nº Convencional:JSTA000P29386
Nº do Documento:SA12022050501946/20
Data de Entrada:04/18/2022
Recorrente:A…………., S.A.
Recorrido 1:B………………, SA (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.A…………., S.A. - autora da presente acção do «contencioso pré- contratual», por substituição da autora primitiva C………….., S.A. - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, pedir revista do acórdão do TCAS de 17.02.2022, pelo qual foi revogada a sentença do TAC de Lisboa - 02.09.2021 - e julgada totalmente improcedente a acção.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social das questões» a apreciar e a decidir.

A «entidade demandada» - INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. - e as «contra-interessadas» - D………………, S.A., e E…………., S.A. - contra-alegaram no sentido, além do mais, da inadmissibilidade legal do recurso de revista, por «falta de verificação dos pressupostos para o efeito».

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O presente recurso de revista vem interposto pela «autora da acção» do acórdão do TCAS que, em sede de recurso, concedeu provimento às «apelações» interpostas - pela entidade demandada e pela supra-referidas contra-interessadas, de forma independente -, revogou a sentença de 1ª instância - que havia julgado procedente a acção, «anulando» a decisão de adjudicação relativamente aos lotes 3, 6, 8, 10, 14, e 17, do concurso público para Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 [18 lotes], e «condenando» a entidade demandada a reordenar as respectivas propostas, e a adjudicar os mesmos às propostas da autora - e, em consequência, «julgou improcedente» a acção de contencioso pré-contratual.

O tribunal de 1ª instância - TAC de Lisboa - tinha, seguindo fundamentalmente a «tese da autora» - A………….. -, julgado procedente a acção porque - e nomeadamente - considerou não cumpridos, pelas propostas das respectivas contra-interessadas – E………., S.A., D……………., S.A., e Agrupamento constituído pelas empresas F……….., Lda., G………….. Unipessoal, Lda., e H…………, Lda. -, «termos e condições» integrados no «capítulo 5º do caderno de encargos», e nessa base entendeu que deveriam ter sido «excluídas» as propostas em causa ao abrigo do artigo 70º, nº2 alínea a), ex vi 146º, nº2 alínea o), do CCP. É que - entende-se na sentença - os equipamentos a alocar na execução dos trabalhos, e que estão listados, a propósito dos mesmos, nesse capítulo 5º, são obrigatórios, não podendo os concorrentes propor outros em sua substituição, e que, não obstante a sua declaração de aceitação do caderno de encargos, as contra-interessadas não ficaram dispensadas de demonstrar o efectivo cumprimento desses termos e condições. E, no seguimento de aresto deste Supremo Tribunal [AC de 29.09.2016, processo 0876/16], que cita, conclui que aquela «desconformidade com aspectos não submetidos à concorrência» determina «a exclusão das propostas» [artigo 70º, nº2 alínea a), por referência ao artigo 57º, nº1 alíneas b) e c), ambos do CCP].

O tribunal de 2ª instância - TCAS - conhecendo das «apelações» que lhe foram dirigidas pela entidade demandada - INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL - e pelas contra-interessadas, desmontou a arrazoado jurídico da sentença recorrida e julgou improcedente a acção. No seu entender, a ilegalidade das propostas das contra-interessadas, justificativas da sua exclusão, resultou da interpretação dada - pela 1ª instância - ao capítulo 5º do caderno de encargos, segundo a qual a listagem dos equipamentos aí descritos será obrigatória e deveria ter sido cumprida por cada uma delas. Todavia, para o tribunal de apelação, da interpretação desse capítulo 5º resulta que os equipamentos listados cumprem uma função informativa e auxiliar, para ajudar o adjudicatário a cumprir adequadamente as suas obrigações. Aduz que para essa listagem ser obrigatória, isso teria de «resultar do programa do concurso» [artigo 57º, nº1 alínea c), do CCP], uma vez que o caderno de encargos contém, já, as cláusulas a incluir no contrato a celebrar [artigo 42º, nº1 do CCP], sendo que do artigo 8º desse «programa» não resulta qualquer exigência no tocante ao conteúdo do plano de equipamentos. Mas além disso, diz, ainda que dúvidas houvesse, sempre poderia a entidade adjudicante ter solicitado esclarecimentos às contra-interessadas - artigo 72º, nº3, do CCP.

Este acórdão mereceu uma declaração de voto.

Agora é a autora da acção que discorda do assim decidido pelo tribunal de apelação, e, imputando «erro de julgamento de direito» ao respectivo acórdão, dele pede revista.

Alega que deve ser mantido o decidido pelo tribunal de 1ª instância porque no acórdão recorrido se faz uma interpretação e aplicação do direito «que conflitua com o que tem vindo a ser entendimento deste STA» - invoca os acórdãos de 22.04.2021, processo 076/20.4BEMDL, de 18.09.2019, processo nº02178/18.8BEPRT, de 29.09.2016, processo nº0867/16, e 03.04.2020, nº01777/19.5BEPRT].

O «dissídio» ainda vigente centra-se portanto, e fundamentalmente, na interpretação e aplicação ao presente caso do disposto nos «artigos 57º, nº1 alínea c), 70º, nº2 alínea a), e 72º, nº3, todos do CCP». Doutro modo, a «questão» centra-se em saber se as propostas apresentadas pelas contra-interessadas – F…………, D…………., E…………..- de facto omitiram «termos e condições» exigidos pelo capítulo 5º do caderno de encargos, e se essa omissão, a ocorrer, implica a exclusão das respectivas propostas nos termos do artigo 70º, nº2 alínea a), ex vi 146º, nº2 alínea o), ambos do CCP.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

E, começando por este último, importa salientar desde logo o dissenso existente entre as decisões das duas instâncias, e até, na última, a necessidade de uma declaração de voto por parte de uma das «Senhoras Desembargadoras Adjuntas». O que não poderá deixar de significar que estamos face a uma questão de configuração jurídica complexa sobretudo pela necessidade de integrar as exigências de equipamentos, resultantes do capítulo 5º do caderno de encargos, no âmbito dos termos e condições das propostas, e o seu incumprimento numa causa de necessária exclusão das mesmas. Sendo que, muito embora a interpretação e aplicação da lei, realizada no acórdão recorrido, não se mostre claramente errada, ela suscita algumas dúvidas, legítimas, face a jurisprudência deste STA que vem invocada pela ora recorrente. A necessitar, ao menos de precisão e esclarecimento por parte deste tribunal de revista.

Ao que acresce, ainda, a circunstância do litígio surgir no âmbito amplo e juridicamente complexo da contratação pública, e que, sendo verdade que a questão trazida à revista tem obtido respostas frequentes da jurisprudência, não é de subestimar que ela, neste caso concreto, assume algumas particularidades carentes de esclarecimento que acaba por ter interesse «paradigmático», ou seja, que sobreleva o presente caso e ilumina a resposta jurídica a dar a outros semelhantes.

Assim, importa, neste caso, quebrar a regra da excepcionalidade do recurso de revista, e admitir o agora interposto pela sociedade A…………….

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 5 de Maio de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.