Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0868/11.5BELSB
Data do Acordão:06/26/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ACTO IMPUGNÁVEL
Sumário:Justifica-se admitir revista relativamente à questão da qualificação de actos proferidos no âmbito contratual que ponham fim ao mesmo, alegadamente fora dos precisos termos em que a denúncia do contrato se mostra regulada.
Nº Convencional:JSTA000P24726
Nº do Documento:SA1201906260868/11
Data de Entrada:04/29/2019
Recorrente:A...
Recorrido 1:AGÊNCIA PARA A MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar - art. 150º, 1, do CPTA.
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1 A………… recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, do acórdão do TCA Norte, proferido em 25 de Janeiro de 2019, que confirmou a sentença proferida pelo TAF do Porto e que por seu turno julgou verificada a excepção de inimpugnabilidade do acto objecto da ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL por si instaurada contra O CONSELHO DIRECTIVO DA AGÊNCIA PARA A MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA IP.

1.2. Justifica a admissibilidade da revista por estarem em causa direitos fundamentais da recorrente enquanto trabalhadora.

1.3. A entidade recorrida pugna pela improcedência do recurso.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. A sentença proferida na 1ª instância julgou verificada a excepção da inimpugnabilidade do acto por entender que o “e-mail que é enviado à autora, referido no ponto 4 dos factos provados, ao informar a autora que o seu contrato terminará em Dezembro e que não será prorrogado o acordo de cedência especial, nos termos referidos na cláusula segunda do mesmo (cfr. doc. junto aos autos com a p.i. e acima dado como reproduzido) não emite qualquer acto administrativo ou decisão materialmente administrativa, na medida em que não define qualquer situação jurídica ou produz qualquer efeito, pois a caducidade opera-se por efeito automático do clausulado caso inexista o interesse público que lhe subjaz. É algo unilateral e que só depende da manifestação da vontade de um dos contraentes, decorrido que esteja o período de 1 (um) ano sobre a anterior renovação".

3.2. O TCA Norte manteve a sentença, apesar de ter reconhecido que o objecto da acção não era o e-mail informativo, mas sim “o acto administrativo praticado pelo Conselho Directivo da Agência para a Modernização Administrativa IP e comunicado à autora em 28-12-2010 (doc. N.º 1) que determinou a cessação de funções da autora”. Justificou a sua decisão por entender que o acto impugnado, nos presentes autos, configura “uma mera declaração unilateral receptícia e não um acto administrativo”.

Em suma entendeu o TCA que, de acordo com jurisprudência do TCA que citou, o acto de denúncia de relação contratual “configura um acto administrativo, excepto nas situações em que tenha sido praticado ao abrigo da cláusula que preveja a possibilidade de ambas as partes poderem fazer cessar o contrato por simples aviso prévio, independentemente do motivo, pois aqui estaremos perante uma mera declaração negocial receptícia”. Como no presente caso era indubitável a existência de uma cláusula daquele tipo, a denúncia do contrato não configurava um acto administrativo impugnável e, portanto, manteve a decisão da primeira instância.

3.4. A recorrente sustenta que, no presente caso, a recorrida não usou uma faculdade contratualmente estabelecida, mas decidiu, por acto de autoridade fazer cessar as suas funções. Uma vez que, alega a recorrente, para existir denúncia, esta teria de ser feita com a antecedência de 30 dias sobre o termos da renovação que então vigorava e tal não aconteceu, pois recebeu a comunicação três dias antes da data da caducidade do contrato.

Esta questão – qualificação da actuação da recorrida como denúncia, não obstante a alegada falta dos requisitos de que esta contratualmente dependia – que não foi expressamente apreciada pelo TCA, justifica a admissão da revista. Com efeito, se existe jurisprudência (citada pelo acórdão recorrido) que tem negado a natureza de acto administrativo impugnável à decisão de denunciar um contrato, nos casos e termos nele previstos, também é verdade que – fora desses termos – a decisão de pôr fim a um contrato administrativo pode revestir a natureza de acto administrativo. A delimitação da fronteira entre actos administrativos proferidos na vigência de um contrato administrativo e actos unilaterais que não tenham essa natureza e, portanto, não sejam impugnáveis é claramente complexa e pode vir a colocar-se no futuro em muitos outros casos.

Assim, quer pela complexidade da questão, quer pela sua relevância processual (definição de um pressuposto processual) justifica-se admitir a revista.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Porto, 26 de Junho de 2019. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.