Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0156/11
Data do Acordão:05/18/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
FUNDAMENTOS
Sumário: I - O objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise.
II - A impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.
Nº Convencional:JSTA000P12899
Nº do Documento:SA2201105180156
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A Representante da Fazenda Pública, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do TAF de Loulé que, atenta a procedência da excepção de caducidade invocada, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…, com os sinais dos autos, contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2005, e, em consequência, anulou a liquidação impugnada, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
a) A questão decidenda a apreciar é: se não tiver sido invocada a caducidade da liquidação na reclamação graciosa (sendo que a caducidade não é uma questão de conhecimento oficioso), o contribuinte pode vir a invocá-la em sede de impugnação judicial, no prazo previsto no n.º 2 do art.º 102.º do CPPT?);
b) A lei faculta a possibilidade do contribuinte deduzir impugnação no prazo de 90 dias, nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, no prazo de 15 dias na situação de indeferimento total ou parcial de reclamação graciosa e a todo o tempo se o fundamento for a nulidade, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do referido art.º 102.º;
c) Podendo sempre optar por utilizar simultaneamente os procedimentos graciosos e judiciais de reclamação e de impugnação, relativamente ao mesmo acto tributário, mas para utilizar fundamentos diferentes em ambos os procedimentos, tem que respeitar o prazo legal de dedução de acção estipulado para o efeito (cfr. n.º 1 do art.º 70.º, n.º 1 do art.º 102.º e n.º 4 do art.º 111.º, todos do CPPT);
d) Situação diferente é ser deduzida impugnação do indeferimento parcial de reclamação graciosa, cujos fundamentos alegados na impugnação têm que ser os mesmos que foram deduzidos na reclamação, sob pena de estarmos a extravasar o objecto da impugnação;
e) Já que a interposição do processo judicial decorreu necessariamente do indeferimento do processo gracioso, logo a possibilidade do contribuinte vir alegar fundamentos diferentes dos anteriormente peticionados (no caso dos autos: caducidade do direito de liquidação e violação dos artigos do Tratado da EU) é ilegítima porque lhe está a possibilitar o alargamento do prazo previsto no art.º 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT, que
f) Não foi por si utilizado, aí sim poderia sempre alegar aqueles fundamentos, pelo que afigura-se-nos que não poderá agora utilizar fundamentos distintos dos peticionados em sede de reclamação graciosa, sob pena de subvertermos a natureza e prazos do procedimento tributário;
g) Contrariamente ao reiterado na sentença, não deveria ter sido apreciado o mérito desta impugnação, só assim deveria ocorrer se a impugnação tivesse sido apresentada, nos termos do n.º 1 da al. a) do art.º 102.º do CPPT, e tal não se verificou. Estamos perante uma excepção peremptória, de intempestividade destes autos, nos termos dos art.ºs 496.º e 493.º, n.º 3, ambos do CPC;
h) A douta sentença alicerçou a sua decisão num Acórdão do TCA do Sul, mas salvo melhor entendimento, considera-se que o que está prescrito no sentido legal das normas aqui aplicáveis (vide art.ºs 70.º, 102.º e 111.º do CPPT) não permite retirar essa ilação porque estamos perante situações diferentes que também comportam prazos de defesa distintos (vide art.º 102.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT), só assim se poderá manter a estabilidade das decisões proferidas no procedimento gracioso, sob pena de abrir a “porta” aos contribuintes para discutirem questões novas com as quais a própria entidade decisora não podia contar;
i) A douta sentença incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, ao considerar que a excepção peremptória invocada pela Fazenda Pública não se verificou.
Contra-alegando, veio a impugnante sustentar que, improcedendo todas as conclusões do recurso, deve ser negado provimento ao mesmo.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
A) A A…, NIPC …, é uma entidade que não tem sede nem direcção efectiva em território português (fls. 27 dos autos);
B) A ora impugnante não entregou declaração modelo 22 de 2005 (fls. 27 dos autos);
C) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200901850, de 30/03/2009, foi realizada inspecção tributária de âmbito parcial (IRC), com incidência ao ano de 2005, à impugnante, tendo em 8 de Junho de 2009 realizado o relatório, nos termos seguintes (fls. 88 a 96 dos autos):
«1.3 Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção
Conforme fundamentos descritos no capítulo II, no âmbito da acção inspectiva interna efectuada ao sujeito passivo A…, NIPC …, com incidência no ano de 2005, foi verificado o seguinte:
- não entrega da declaração periódica de rendimentos modelo 22 do ano de 2005;
- omissão de lucro tributável relativamente ao ano de 2005, no valor de € 274.579,86.

Imóvel alienado em 2005Mais-valia
Artigo 10818
Freguesia de …, concelho de Loulé
€ 274.579,86

(…)
II.2 Motivo, Âmbito e Incidência Temporal
Motivo
Da análise efectuada aos dados disponíveis neste serviço constatou-se que a sociedade não entregou a declaração de rendimentos modelo 22 referente ao ano de 2005, apesar de ter procedido à alienação de um imóvel no ano de 2005, da qual resultou mais-valia tributável em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC).
(…)
III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas da matéria tributável
Da análise efectuada aos elementos e valores conhecidos neste serviço, verificou-se que o sujeito passivo procedeu à venda de um imóvel no ano de 2005, não tendo, contudo, revelado as mais-valias obtidas, dado que conforme exposto no ponto anterior não entregou a respectiva declaração modelo 22.
O sujeito passivo foi notificado através do ofício n.º 026515, de 02-04-2009, para entregar declaração periódica de rendimentos modelo 22 bem como a declaração anual de 2005, não o tendo feito até à presente data (Anexo 2).
III – 1 Compra
O sujeito passivo A…, NIPC …, adquiriu o bem imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 10818, da freguesia de …, concelho de Loulé, pelo preço de € 224.459,00, conforme termo de declaração de Sisa n.º 824/8157/2002, de 14/06/2002, emitido pelo Serviço de Finanças de Loulé, tendo pago sisa no valor de € 11.445,90 (Anexo 3).
III – 2 Alienação
Em 17-06-2005 foi lavrada escritura pública de compra e venda, no Cartório Notarial de Loulé da Notária …, livro 3, fls. 70 e seguintes, na qual o sujeito passivo A…, representado por B…, NIF …, e C…, NIF …, na qualidade de, respectivamente, director e secretária, vendeu o referido prédio urbano, pelo preço de € 225.000,00 a B…, NIF … (Anexo 4).
III – 3 Ganhos Obtidos
O imóvel inscrito na matriz urbana sob o artigo 10818, freguesia de …, concelho de Loulé, foi avaliado, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário definitivo de € 533.830,00.
O sujeito passivo foi notificado do valor da avaliação em 2006 (Anexo 6).
Nos termos do art.º 58.º-A do CIRC, “os alienantes de direitos reais sobre imóveis devem adoptar, para efeitos de determinação do lucro tributável, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviram no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto …”.
“Sempre que nas transmissões onerosas o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante para determinação do lucro tributável …”.
Deste modo, sendo o valor da escritura (€ 225.000,00) inferior ao valor patrimonial tributário definitivo (€ 533.830,00), para apuramento da mais-valia será considerado o valor da avaliação, nos termos do art.º 58.º-A do CIRC.
Os rendimentos obtidos por entidades não residentes, relativos a imóveis situados em território nacional, estão sujeitos a imposto neste território, por força da alínea a) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC.
A determinação do rendimento, conforme referido no art.º 51.º do CIRC, segue as regras mencionadas nos art.ºs 43.º e 51.º do CIRC.
Nos termos da alínea b) do n.º 5 do art.º 12.º do CIRC, as entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e neste obtenham rendimentos, não imputáveis a estabelecimento estável aí situado, são obrigadas a apresentar declaração periódica de rendimentos modelo 22, relativamente a ganhos resultantes da transmissão onerosa, de imóveis, até ao último dia útil do prazo de 30 dias, a contar da data da transmissão.
O coeficiente de desvalorização monetária a aplicar aos bens alienados em 2005 e adquiridos em 2002 é de 1,05, de acordo com a Portaria 488/2005, de 20 de Maio.
Nestes termos, o lucro tributável respeitante ao ano de 2005 totaliza € 274.579,86 e resulta dos valores e cálculos mencionados no quadro que se segue:
Artigo 10818
1 – Valor de realização€ 225.000,00
2 – Valor de avaliação€ 533.830,00
3 – Valor de aquisição€ 224.459,00
4 – Ano de aquisição2002
5 – Encargos com a aquisição€ 22.445,90 (valor corrigido para € 24.641,72 no despacho que decidiu a reclamação graciosa)
6 – Coef. de correcção1,05
7 – Mais-valia [2-(3+5)+6]€ 274.579,86 (valor corrigido para € 273.506,33 no despacho que decidiu a reclamação graciosa)

(…)
IX – Direito de audição – fundamentação
No cumprimento do disposto no art.º 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do art.º 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), foi efectuado projecto de correcções de relatório que acompanhou a notificação enviada ao contribuinte, através do ofício n.º 038368, datado de 12-05-2009, registo n.º RC 0713 6445 4PT, concedendo-lhe um prazo de dez dias para o exercício do direito de audição (Anexo 6).
Foi igualmente remetido o projecto de relatório para B…, NIF …, na qualidade de director da A…, de acordo com a escritura pública, com domicílio fiscal na …, lote …, …, …, através do ofício n.º 038387, de 12-05-2009, registo n.º RC 071361695PT (Anexo 7).
Em resultado das notificações efectuadas o sujeito passivo solicitou, conforme entrada geral n.º 56563, de 21 de Maio de 2009, a prorrogação do prazo do direito de audição para mais 15 dias, pelo seguinte motivo “esta sociedade já foi dissolvida, pelo que terei de contactar os antigos sócios para fazer a entrega da notificação, o que demorará algum tempo”.
Em 01-06-2009, deu entrada nesta Direcção de Finanças uma petição (entrada geral n.º 061380) apresentada por escrito por B… no exercício do direito de audição prévia no âmbito do procedimento inspectivo ao sujeito passivo A… e que refere essencialmente as seguintes considerações:
“… peço-vos simpaticamente que tomem em consideração a seguinte explicitação da situação da A….
Comprei a casa em análise, com o meu próprio dinheiro, mas de acordo com as práticas habituais, na altura fui aconselhado a estabelecer a propriedade numa sociedade Offshore …
Esta sociedade não tinha actividade comercial e o seu único propósito era manter um activo que era a minha casa.
Quando houve alteração da lei das sociedades offshores … decidi simplificar o meu relacionamento e dissolver a sociedade distribuindo o seu activo para os accionistas, que eram de facto os verdadeiros proprietários da casa.
Não foi transaccionado dinheiro, nem eu consegui pagar a mim próprio. Na realidade não houve uma mais-valia realizada.
Devido à minha falta de conhecimentos da legislação e … dos meus consultores, o que foi uma distribuição correcta e um retorno dos activos de uma sociedade inglesa dissolvida em 14-07-2004 para os accionistas, foi registada em Portugal como venda em 17-06-2005 de um imóvel, venda esta que não chegou a acontecer na realidade.
… seis meses depois da transacção foi feita uma nova avaliação pela Câmara Municipal de Loulé, aumentando o valor patrimonial do imóvel, como foram feitos melhoramentos … assumi que a nova avaliação era relativa a esses melhoramentos e paguei o IMT adicional no valor de € 22.445,90”.
Apreciação dos argumentos apresentados:
Para sustentar os argumentos descritos no exercício do direito de audição prévia, o sujeito passivo juntou um documento escrito (Anexo 8) que alegadamente pretende comprovar a dissolução da sociedade em Inglaterra. No entanto, a verdade dos factos constantes da escritura de compra e venda lavrada no Cartório Notarial de Loulé de …, em 17-06-2005, sobrepõe aos efeitos de tributação em IR, a nível nacional, à alegada dissolução.
Ainda mais, porque a simples passagem da sociedade à situação de dissolução em Inglaterra não lhe retira o estatuto de sujeito passivo de IRC em Portugal. Atendendo ao disposto na alínea a) do n.º 10 do art.º 8.º do CIRC, o facto gerador de imposto considera-se verificado na data da transmissão onerosa de imóveis obtidos por entidades não residentes que não sejam imputáveis a estabelecimento estável situado em território português. Assim, a mais-valia gerada pela transmissão de um imóvel situado em território português é tributada em sede de IRC.
Os prédios urbanos já inscritos na matriz são avaliados nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor, com base em declaração do sujeito passivo (declaração modelo 1 do IMI).
Esta declaração foi entregue pelo adquirente do prédio em 25-08-2005 (fls. 1 do Anexo 5) e o valor patrimonial tributário atribuído ao prédio resultante desta avaliação foi de € 533.830,00.
Apesar do sujeito passivo ter sido notificado da avaliação apenas seis meses depois da transmissão a avaliação reporta-se à data do pedido efectuado pelo sujeito passivo, pelo que, estava obrigado a entregar declaração periódica de rendimentos modelo 22 do ano de 2005, para efeitos de determinação do lucro tributável, conforme previsto no art.º 58.º-A e alínea b) do n.º 5 do art.º 112.º do CIRC.
(…).»;
D) Dão-se por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais os anexos ao relatório de inspecção que fazem parte integrante deste (fls. 35 a 46 do processo apenso);
E) Sobre o relatório de inspecção recaiu parecer do Chefe de Equipa (fls. 23 dos autos):
«Concordo com o teor e fundamentos do relatório de inspecção em anexo.
Tendo-se verificado no âmbito da acção especial a entidades que efectuaram vendas de imóveis no ano de 2005 e 2008 e que não entregaram declaração de rendimentos – modelo 22 de IRC, que o sujeito passivo não residente A…, com o NIF …, apesar de haver alienado um imóvel situado em território nacional, no ano de 2005, não entregou a respectiva declaração de rendimentos a que estava obrigado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 109.º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) e alínea b) do n.º 5 do artigo 112.º do mesmo diploma legal, procederam estes serviços ao apuramento da matéria tributável omissa, conforme descrito no relatório de inspecção.
No âmbito do direito de audição, legalmente notificado nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), que efectivamente exerceu, o sujeito passivo vem solicitar que se tenham em consideração as circunstâncias em que se procederam quer a aquisição quer a alienação do imóvel, depreendendo-se das referidas considerações não concordar com a correcção proposta.
No entanto, o descrito no direito de audição, conjugado com os elementos apresentados pelo sujeito passivo, nomeadamente a escritura de venda vem comprovar a legalidade da correcção proposta, nomeadamente, que a alienação em causa se estabeleceu a título oneroso (vide folha 2 do Anexo 4) correspondendo a uma transferência para o património particular de um bem afecto à actividade empresarial.
Assim, da presente acção de inspecção, conforme descrito no Relatório de Conclusões, resulta o apuramento do rendimento tributável, no montante de € 274.579,86, correspondente à mais-valia gerada pela alienação do imóvel, tendo em consideração o valor da avaliação, nos termos do artigo 58.º-A do CIRC.
(…).»;
F) Sobre o parecer recaiu despacho de concordância, conforme fls. 22 dos autos;
G) Em 19 de Junho de 2009, foi efectuada a liquidação n.º 2009 83110015972 relativa ao exercício de 2005, no valor a pagar de € 79.342,28 (fls. 79 dos autos);
H) A impugnante reclamou graciosamente, tendo em 7 de Abril de 2010 sido proferido despacho de deferimento parcial, de fls. 81/82 dos autos, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais:
«A reclamação de fls. 3 e 4, dos autos, efectuada nos termos do art.º 128.º do CIRC e 70.º do CPPT, devidamente identificada quanto à reclamante A…, NIPC …, representada no presente acto por B…, NIF …, com domicílio fiscal em …, …, lote …, bem como ao pedido, é legal, legítima, interposta em tempo.
Analisados os documentos juntos ao processo, reputados convenientes para a decisão, sendo objectivo da presente reclamação a anulação da liquidação de IRC, efectuada sob o n.º 2009 83110015972, respeitante ao ano de 2005, verifica-se que a liquidação em causa foi originada pelo facto da reclamante, sociedade não residente sem estabelecimento estável, ter alienado, em 2005/06/17, o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de …, sob o artigo 10818 e não ter procedido à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 e consequentemente ao pagamento do imposto, no prazo de 30 dias contados da data da transmissão (al. b) do n.º 5 do art.º 112.º do CIRC).
Sendo alegada a inexistência da transmissão com base no facto do imóvel em causa ter sido habitado, desde a aquisição (2002), pelos actuais proprietários (ao tempo accionistas, director e secretária da empresa reclamante), tendo sido efectuada a escritura de compra e venda para efeitos de actualização do registo predial, tal não altera o facto tributário e consequentemente a liquidação em causa. Quanto à existência de despesas da aquisição (imposto de selo, de registo e profissionais) bem como da alienação (profissionais) verifica-se que os recibos emitidos não comprovam que respeitam a despesas de aquisição e alienação do imóvel já identificado, pelo que, para determinação das mais-valias, sujeitas a IRC, não poderão ser aceites.
Concluiu-se que para efeitos de liquidação serão de considerar as despesas e encargos no montante de € 24.641,72, constantes dos documentos de fls. 7, 8 e 55 dos autos, e consequentemente as mais-valias sujeitas a IRC no montante de € 273.506,33, conforme demonstração de fls. 60 dos autos, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais (…).»;
I) Em 12 de Abril de 2010 foi a impugnante notificada do despacho que deferiu parcialmente a reclamação graciosa da liquidação (fls. 80 dos autos).
III – Vem o presente recurso interposto da decisão da Mma. Juíza do TAF de Loulé que, considerando verificada a excepção de caducidade invocada, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrida contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2005, e, em consequência, anulou esta.
A questão decidenda é saber se não tendo sido invocada a caducidade do direito de liquidação em sede de reclamação graciosa (sendo que a caducidade não é uma questão de conhecimento oficioso), o contribuinte pode vir a invocá-la em sede de impugnação apresentada no prazo previsto no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, após deferimento apenas parcial daquela reclamação.
Alega a recorrente que, sendo deduzida impugnação do indeferimento parcial de reclamação graciosa, os fundamentos invocados na impugnação têm de ser os mesmos que foram deduzidos na reclamação, sob pena de se estar a extravasar o objecto da impugnação, já que a interposição do processo judicial decorreu necessariamente do indeferimento do processo gracioso e, por isso, a possibilidade do contribuinte vir alegar fundamentos diferentes dos anteriormente invocados é ilegítima por lhe estar a possibilitar o alargamento do prazo previsto no artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.
Carece, porém, a recorrente de razão.
Desde logo, há que ter presente que o artigo 99.º do CPPT dispõe que constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade do acto tributário, não se fazendo aí qualquer restrição.
Por outro lado, o que resulta do artigo 70.º, n.º 1 do CPPT é que a reclamação graciosa, meio processual alternativo à impugnação, pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial mas daí não decorre que esta esteja vinculada aos fundamentos invocados naquela.
Também o que o n.º 4 do artigo 111.º do CPPT dispõe é que caso posteriormente à recepção da petição de impugnação seja apresentada reclamação graciosa, relativamente ao mesmo acto e com diverso fundamento, deve esta ser apensa à impugnação judicial, sendo igualmente considerada, para todos os efeitos, no âmbito do processo de impugnação.
Ou seja, o que resulta desta norma (apresentação de impugnação judicial e reclamação graciosa relativamente ao mesmo acto e com diverso fundamento), ainda que a mesma não tenha aqui aplicação uma vez que a impugnação não foi apresentada antes da reclamação graciosa, é precisamente o contrário do que pretende a recorrente.
E, sendo assim, não se compreende que se admita a apresentação de reclamação graciosa e impugnação judicial com fundamento diverso quando o contribuinte opte por impugnar primeiro e reclamar depois, e já se não admita o mesmo quando se reclame primeiro e impugne posteriormente.
Mesmo na hipótese prevista no artigo 68.º, n.º 2 do CPPT, a proibição de instauração de reclamação graciosa apenas abrange a que tenha fundamento idêntico ao da impugnação judicial, donde se depreende que é possível apresentar reclamação graciosa, na pendência da impugnação judicial, desde que seja invocado outro fundamento (cfr., neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, comentado e anotado, vol. I, pág. 546).
Além de que, o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise.
Como se disse, entre outros, no acórdão deste STA de 28/10/2009, proferido no recurso n.º 595/09, «nos casos em que a reclamação graciosa é expressamente indeferida, o objecto do processo de impugnação judicial é, formal e directamente, o acto de indeferimento, que manteve a liquidação que foi objecto da reclamação, mas o objecto real da impugnação, o acto cuja legalidade está em causa apurar, é o acto de liquidação que foi mantido pelo acto de indeferimento da reclamação».
A impugnação não está, pois, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.
O recurso não pode, por isso, proceder.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 18 de Maio de 2011. - António Calhau (relator) - Casimiro Gonçalves - Brandão de Pinho.