Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01138/11
Data do Acordão:02/08/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
EXECUÇÃO FISCAL
CITAÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Nos termos do artº 297º, nº 1 do Código Civil, a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
II - No caso dos autos, é aplicável o prazo de 8 anos previsto no artº 48º da LGT, contado a partir da entrada em vigor desta, pois que a prescrição ocorreria em primeiro lugar do que se fosse aplicado o prazo de 10 anos constante do artº 34º do CPT.
III - No entanto, relativamente às leis que estabelecem causas de suspensão e de interrupção da prescrição, por força do artº 12º do Código Civil, são aplicáveis as leis vigentes à data da respectiva ocorrência e não a que regula o prazo.
IV - Deste modo, tendo os reclamantes sido citados para a execução antes de completado o prazo de prescrição, esse acto interrompeu a prescrição, iniciando-se a contagem do novo prazo só após o trânsito da decisão que puser termo ao processo.
V - É irrelevante para o caso que, anteriormente a essa citação, os autos tivessem estado parados por mais de um ano por motivo não imputável aos reclamantes.
Nº Convencional:JSTA00067406
Nº do Documento:SA22012020801138
Data de Entrada:12/15/2011
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:DL 398/98 DE 1998/12/17 ART5 N1
CCIV66 ART12 ART297 N1 ART326 N1 ART327 N1
LGT98 ART48 ART49 N1 N2 N3
L 53-A/2006 DE 2006/12/29 ART90 ART91
CPTRIB91 ART34
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1012/11 DE 2011/11/30; AC STA PROC1057/11 DE 2011/12/14
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. – O Ministério Publico, veio recorrer da decisão da Mmª juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a reclamação contra decisão do órgão da execução fiscal, deduzida por A……, B……. e C……, com os demais sinais dos autos, que indeferiu o seu pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda no processo de execução fiscal nº 3476199080101441, contra eles revertido na qualidade de sócios gerentes e responsáveis subsidiários da sociedade D……& Cª Lda apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
Iª) - No dia 19/3/98, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3776-98/101044.1, para cobrança de dívidas de IVA do ano de 1996 - (cf. factos provados 1);
IIª) - O processo de execução fiscal esteve parado por facto não imputável ao sujeito passivo no período de 20/09/2000 a 02/10/2006 - (cfr. facto provado sob o n.º 5);
IIIª) - O processo de execução fiscal esteve suspenso no período de 04/05/99 a 20/09/2000 - (cf. facto provado sob n.º 4);
IVª) - Os reclamantes foram citados a 24/11/2006 - (cfr. facto provado sob o n.º 6);
Vª) - O prazo prescricional das dívidas exequendas é de dez anos, contados a partir do início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, de acordo com o disposto no artº 34.º, nºs 1 e 2 do CPT;
VIª) - A instauração da execução interrompe a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação - n.º 3 do dito preceito legal;
VIIª) - Entretanto, com a entrada em vigor da LGT, (aprovada pelo DL n.º 398/98 de 17 de Dezembro), que entrou em vigor a 01/01/99 (art.º 6.° do DL n.º 398/98), o prazo prescricional das dívidas tributárias foi reduzido para oito anos, contando-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu - (art.º 48°, 1.° versão);
VIIIª) - Havendo sucessão de regimes de prescrição e de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 5° do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, aplica-se o disposto no art.º 297º, n.º 1 do C. Civil, do qual resulta que o novo prazo de prescrição de oito anos aplica-se aos prazos que já estiverem em curso, mas só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, ou seja, desde 1/1/1999. E do mesmo preceito resulta que, a lei antiga apenas se aplica se de acordo com ela faltar menos tempo para o prazo se completar;
IXª) - A Mmª Juiz a quo considerou aplicável ao caso dos autos o regime de prescrição previsto na LGT, de acordo com o disposto no art.º 297° do C. Civil, sendo que, neste aspecto, a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo;
Xª) - Por isso, considerou prescritas as dívidas exequendas, nos termos do disposto nos arts 48°, n.º 1 e 49°, n.º 2 da LGT (redacção vigente antes da revogação efectuada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro). Para o efeito, contabilizou o tempo decorrido desde 01/01/99 até 04/05/99, e desde 20/09/2000 até 24/10/2006, acrescido do que decorreu desde a citação - 24/11/2006 - até à data da prolação da sentença — 06/09/2011- concluindo que se completou o prazo de prescrição de oito anos;
XIª) - Salvo o devido respeito, a Mmª Juiz a quo não interpretou correctamente o disposto no art.º 49º, nºs 1 e 2 da LGT, bem como não aplicou, como devia, o disposto nos arts 12º, 326°, n.º 1, 327°, n.º 1, do C. Civil, 90º e 91º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro;
XIIª) - Na verdade, o prazo de prescrição encontra-se sujeito às causas de interrupção e de suspensão ocorridas no domínio da LGT, de acordo com o disposto no artº 12° do C. Civil, razão pela qual a citação dos reclamantes a 24/11/2006 inutilizou para a prescrição todo o tempo decorrido até essa data, nos termos do art.º 326°, n.º 1 do C Civil. E, tendo a interrupção resultado da citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo, nos termos do art.º 327°, n.º 1, do C. Civil.
XIIIª) - Por outro lado, por força do disposto nos arts 90° e 91° da Lei n° 53- A/2006, de 29 de Dezembro, não tendo decorrido um período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo desde a citação - 24/11/2006 - até à entrada em vigor daquela Lei - 01/01/2007 -, a interrupção da prescrição ocorrida no domínio da LGT mantém-se válida e plenamente eficaz.
XIVª) - Decidindo como decidiu, a Mmª Juiz a quo não interpretou correctamente o disposto no artº 49°, nºs 1 e 2 da LGT, bem como não aplicou, como devia, o disposto nos artºs 12º, 326°, nº, 327°, nº 1 do C. Civil, 90º e 9l° da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
Pelo que, revogando a douta sentença recorrida e julgando improcedente a excepção de prescrição invocada pelos reclamantes, por não se ter consumado a prescrição, VOSSAS EXCELÊNCIAS farão, agora como sempre, a costumada Justiça.
2. Não foram apresentadas contra alegações.
3. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
4. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos.
1º). Em 19.03.1998 foi instaurado a execução fiscal nº 3776- 98/101044.1, pelos Serviços de Finanças de Guimarães-1, contra a D…….& Comp., Lda. por dívida de IVA, IRS e juros compensatórios, dos anos de 1994 e 1996 (fls.1 do PEF);
2º). Em 31.01.1997, a executada aderiu ao plano de pagamento em prestações nos termos do Decreto-lei n.º 124/96 de 10 de Agosto, para regularizar dívidas de IVA do ano de 1993 e 1994, (fls. 82 a 89 dos autos);
3º). Em 24.05.2006, foi a executada excluída do sistema de regularização das dívidas fiscais (fls. 122 dos autos);
4º). Em 04.05.1999 a executada originária foi declarada falida tendo o processo sido declarado findo por despacho de 20.09.2000 (fls. 59 a 68 do PEF);
5º). No período compreendido entre 20.09.2000, data em que o processo de falência foi declarado findo e 02.10.2006, data em que os Serviços de Finanças fizeram diligência, junto da Conservatória do Registo Predial, para proceder à reversão da dívida exequenda, os autos encontraram-se parados durante 6 anos e 12 dias, por facto não imputável aos reclamantes (fls. 53 do PEF);
6º). Em 24.11.2006, os executados foram citados para esta execução, através de citação postal, nos termos do art.º 191°, n.º 2, do C.P.P.T e de citação pessoal (fls. 70 e 89 do PEF apenso aos autos)
7º). Em 28.02.2007, foi penhorado prédio urbano com o art.º 1737, da freguesia de Urgeses, Guimarães (fls. 121 dos autos);
8º). Em 19.04.2004 e 21.10.2009, os reclamantes vieram requerer a prescrição da dívida exequenda (fls. 139 e 140 do PEF);
9º). Em 22.10.2009, por despacho o Chefe de Finanças, indeferiu a reclamação, conforme documento de fls. 145 e 146 que aqui se dá por reproduzido;
10º). Os reclamantes, em 23.11.2009, vieram pedir a correcção do despacho (fls. 149 e 150 do PEF);
11º). Em 28.10.2009, foi proferido novo despacho no qual indeferiu o pedido, acto que reclama.
12º). O despacho de indeferimento foi notificado aos reclamantes, em 27.11.2009 e a presente reclamação foi interposta em 04.12.2009.
5. A única questão a decidir no presente recurso é a de saber se o despacho reclamado foi mal anulado por não ter, efectivamente, ocorrido a prescrição.
A decisão recorrida entendeu ser aplicável ao caso o prazo de oito anos previsto no artº 48º da LGT. Depois, para efectuar a contagem do prazo, contabilizou o tempo decorrido desde 01/01/99 até 04/05/99, e desde 20/09/2000 até 24/10/2006, acrescido do que decorreu desde a citação - 24/11/2006 - até à data da prolação da sentença - 06/09/2011- concluindo que se completou o prazo de prescrição de oito anos.
Deste entendimento discorda o recorrente MºPº, invocando a seguinte argumentação:
Havendo sucessão de regimes de prescrição e de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 5° do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, aplica-se o disposto no art.º 297º, n.º 1 do C. Civil, do qual resulta que o novo prazo de prescrição de oito anos aplica-se aos prazos que já estiverem em curso, mas só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, ou seja, desde 1/1/1999. E do mesmo preceito resulta que, a lei antiga apenas se aplica se de acordo com ela faltar menos tempo para o prazo se completar.
Deste modo, como bem decidiu a sentença recorrida, é aplicável o prazo do artº 48º da LGT.
Porém, o prazo de prescrição encontra-se também sujeito às causas de interrupção e de suspensão ocorridas no domínio da LGT, de acordo com o disposto no artº 12° do C. Civil, razão pela qual a citação dos reclamantes a 24/11/2006 inutilizou para a prescrição todo o tempo decorrido até essa data, nos termos do art.º 326°, n.º 1 do C Civil.
E, tendo a interrupção resultado da citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo, nos termos do art.º 327°, n.º 1, do C. Civil;
Por outro lado, por força do disposto nos arts 90° e 91° da Lei n° 53- A/2006, de 29 de Dezembro, não tendo decorrido um período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo desde a citação - 24/11/2006 - até à entrada em vigor daquela Lei - 01/01/2007 -, a interrupção da prescrição ocorrida no domínio da LGT mantém-se válida e plenamente eficaz.
Deste modo, decidindo como decidiu, a Mmª Juiz a quo não interpretou correctamente o disposto no artº 49°, nºs 1 e 2 da LGT, bem como não aplicou, como devia, o disposto nos artºs 12º, 326°, nº, 327°, nº 1 do C. Civil, 90º e 9l° da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
Vejamos então se o recurso merece provimento.
6. O recorrente não questiona a aplicação do prazo de prescrição previsto no artº 48º, nº 1 da LGT. Na verdade, por aplicação do artº 297º do Código Civil, e considerando a entrada em vigor da LGT - 01.01.1999 -, o prazo de prescrição completar-se-ia primeiramente do que aplicando o prazo de 10 anos previsto no artº 34º do CPT. E, mesmo em relação ao imposto de 1994, estando o prazo interrompido por força da instauração da execução (v. facto 1º do probatório), sempre o prazo de prescrição de 10 anos terminaria depois do previsto na LGT, contado a partir de 01.01.1999.
Porém, como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar repetida e uniformemente, as causas de interrupção ou suspensão da prescrição atendíveis para o cômputo em concreto do prazo de prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, e não, as previstas na lei cujo prazo for aplicável, independentemente do momento em que tais factos se tenham efectivamente verificado.
Deste modo, as causas de interrupção da prescrição que ocorreram antes da alteração ao nº 3 do artº. 49º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, ou seja, antes de 01.01.2007, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte. (Neste sentido, entre muitos outros, v. os Acórdãos de 14.12.2011 – Processos nºs 0655/11 e 01057/11, de 30.11.2011 – Processo nº 01012/11 e de 16.11.2011 – Processo nº 0289/11).
No caso dos autos resulta do probatório (v. o nº 5º) que, tendo os autos estado parados por mais de um ano, ocorreu depois a citação dos reclamantes, facto interruptivo do prazo (artº 49º, nº 1 da LGT) – v. nº 6º do probatório
E, como refere o recorrente MºPº, depois dessa citação não ocorreu nenhum outros facto suspensivo, nomeadamente a paragem do processo por mais de um ano, pelo que, por aplicação do disposto no artº 327º, nº 1 do Código Civil, o novo prazo de prescrição não começa a contar enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
Concluindo então, temos que na data da citação dos reclamantes - 14.11.2006 - ainda não se havia completado o prazo de prescrição; a citação interrompeu a prescrição com a inutilização do prazo anteriormente decorrido (artº 49º da LGT). Desde a data da citação o prazo não voltou a correr, tal acontecendo só após o trânsito da decisão judicial que puser termo ao processo.
Pelo que ficou dito, é irrelevante que o processo tenha anteriormente estado parado por motivo não imputável aos reclamantes, anteriormente à citação, procedendo, assim, o recurso do MºPº.
7. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e mantendo-se o despacho reclamado que indeferiu o pedido de declaração da prescrição da dívida exequenda.
Sem custas.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2012. – Valente Torrão (relator) – Francisco Rothes – Fernanda Maçãs.