Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0342/14
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
REMESSA DO PROCESSO AO TRIBUNAL COMPETENTE
INCONSTITUCIONALIDADE
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I - Nos processos em que seja aplicável o CPPT, no caso de o tribunal ad quem decidir no sentido da sua incompetência em razão da hierarquia, a remessa dos autos ao tribunal que essa decisão considere o competente só se fará mediante requerimento do interessado, que para o efeito dispõe do prazo de 14 dias a contar da notificação da decisão (art. 18.º, n.º 2, do CPPT).
II - Caso contrário, a decisão transita em julgado com a consequente extinção da instância e remessa do processo à conta sendo disso caso.
Nº Convencional:JSTA00069072
Nº do Documento:SA2201502120342
Data de Entrada:03/20/2014
Recorrente:A....., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESP TAF AVEIRO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CONST97 ART20 N1 ART32 N1.
CPPTRIB99 ART16 N1 N2 ART18 N2 N3.
CPC13 ART494 A.
CPP ART412 N2.
Jurisprudência Nacional:AC TC 46/05 DE 2005/01/26 IN DR IIS N118 DE 2005/06/22.; AC TC PROC754/01 DE 2002/07/09.; AC STA PROC0472/06 DE 2006/11/02.; AC STA PROC0844/06 DE 2007/02/28.; AC STA PROC0905/11 DE 2015/01/21.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLI PAG259.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A……., S.A., com os sinais dos autos, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte do despacho da Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 22 de Maio de 2013 (de fls. 163 dos autos), que julgou a instância de recurso extinta pelo facto de a impugnante não ter requerido nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do CPPT, a remessa dos autos ao Tribunal competente.

A recorrente concluiu as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A) Do disposto no art. 18.º n.º 2, do CPPT, não resulta uma consagração expressa no sentido de um efeito cominatório pleno, associado ao não exercício da faculdade de requerer a remessa do processo ao tribunal competente;

B) Deste modo e desde logo, entende a recorrente ter plena aplicação neste caso o princípio interpretativo “ubi lex non distinguit nec nos destinguere habemus”;

C) No entendimento da recorrente, o correspondente efeito cominatório não prescinde de uma prévia notificação judicial, advertindo da ocorrência desse efeito cominatório;

D) Sob pena de esse efeito ser extraído da lei, pelo intérprete, a título meramente presuntivo, no sentido de que o recorrente, de algum modo, pretendeu “desistir” de um recurso já prévia e expressamente apresentado;

E) Tal efeito, por assim dizer, automático, afigura-se contrário ao princípio subjacente ao disposto no artigo 20.º n.º 1, da Constituição, facto que alega, para todos os devidos efeitos;

F) Bem como se afigura contrário ao princípio subjacente ao disposto no art. 13.º n.º 1, do CPPT;

G) Subjacente ao douto despacho recorrido está um entendimento que privilegia a forma, em detrimento da substância, com claro prejuízo para o direito e expetativa a uma tutela jurisdicional efetiva, que buscam todos quantos recorrem aos tribunais para exercerem os seus direitos;

H) Entende a recorrente que foram violadas as normas referidas nas presentes conclusões.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente e por via disso ser revogado o douto despacho recorrido, com os efeitos legais decorrentes.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – Por Acórdão de 30 de Janeiro de 2014 (de fls. 195 a 204 dos autos) o Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecimento do recurso e competente para esse efeito este STA - no entendimento de que o recurso só tem fundamento em matéria de direito – tendo os autos sido remetidos a este STA após requerimento da recorrente nesse sentido (cfr. requerimento de fls. 209 dos autos).

4 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:

Objecto do recurso: decisão de extinção da instância de recurso proferida na impugnação judicial deduzida contra liquidação de IRC (exercício de 1998) no montante de €54.388,30 (fls. 163).


FUNDAMENTAÇÃO

1. Em caso de declaração judicial de incompetência do tribunal em razão da hierarquia pode o interessado, no prazo de 14 dias a contar da notificação da decisão, requerer a remessa ao tribunal considerado competente (art. 18.º n.º 2 do CPPT).

Tratando-se de um prazo peremptório, o inexercício desta faculdade tem como consequência a perda do direito legalmente conferido, conduzindo à extinção da instância (art. 139.º n.º 3 CPC vigente; na doutrina Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6.ª edição 2001 Volume I, p. 259; na jurisprudência acórdãos STA – SCT 18.10.2000 processo nº 25 007, 12.03.2003 processo nº 42/03, 2.11.2006 processo nº 472/06, 28.02.2007 processo n.º 844/06).

2. No caso concreto, a aplicação da regra interpretativa segundo a qual a ignorância ou má interpretação da lei não justifica o seu incumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas revela-se particularmente adequada, se considerarmos que a recorrente está representada por advogado, mestre em direito tributário e fiscal (art. 6.º do CCivil; cf. fls. 177)

A aplicação desta regra interpretativa não conflitua com a garantia de acesso ao direito ou aos tribunais, em termos que permitam considerar ter ocorrido violação do princípio constitucional (art. 20.º n.º 1 CRP; cf. conclusão E)


CONCLUSÃO

O recurso não merece provimento.

A decisão recorrida deve ser confirmada.

Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 214/216 dos autos), nada vieram dizer.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


- Fundamentação -

5 – Questões a decidir

São as de saber se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento ao julgar extinta a instância de recurso por a impugnante não ter requerido nos termos do n.º 2 do art. 18.º do CPPT a remessa dos autos ao Tribunal julgado competente pelo Acórdão do TCA-Norte que se declarou incompetente em razão da hierarquia para dele conhecer e bem assim se é inconstitucional, por violação do princípio subjacente ao artigo 20.º n.º 1 da CRP, a interpretação efectuada pelo despacho recorrido no sentido de que não sendo requerida a remessa dos autos ao Tribunal julgado competente a instância de recurso se extingue automaticamente, sem que para que tal efeito se produza seja necessária prévia notificação judicial, advertindo da ocorrência desse efeito cominatório.

26 – Apreciando.

Da sentença do TAF de Aveiro de 13 de Setembro de 2011 (de fls. 112 a 118 dos autos) – que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 1998 –, interpôs a ora recorrente recurso para o TCA-Norte, que, por Acórdão de 14 de Março de 2013 (de fls. 154/155 dos autos) se julgou incompetente em razão da hierarquia para dele conhecer e competente para o efeito este STA.

Do referido Acórdão consta expressamente (fls. 155 dos autos), além do mais, que:

«2.2. A infracção às regras da competência em razão da hierarquia, da matéria (e da nacionalidade) determina a incompetência absoluta do tribunal – artigo 16.º, n.º 1, do CPPT.

A incompetência absoluta é uma exceção dilatória – artigo 494.º, alínea a), do CPC – de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final – artigo 16.º n.º 2 do CPPT.

A decisão que declare a incompetência absoluta indicará o tribunal considerado competente – artigo 18.º n.º 3, do CPPT.

Declarada a incompetência, pode o interessado requerer a remessa ao tribunal competente, no prazo de 14 dias – n.º 2 do mesmo artigo.».

A recorrente foi notificada do referido acórdão do TCA-Norte (fls. 158 dos autos) e nada requereu, tendo os autos sido remetidos ao TAF de Aveiro em 13 de Maio de 2013, nele dando entrada no dia seguinte (fls. 161 dos autos).

Em 22 de Maio foi proferido o despacho recorrido nos presentes autos de recurso, que é do seguinte teor (fls. 163 dos autos):

«A impugnante não requereu nos termos do n.º 2 do art. 18.º do CPPT, a remessa dos presentes autos ao Tribunal competente.

Assim sendo, considera-se a instância de recurso extinta.

Notifique-se.

Após, vão os autos à conta.»

A recorrente, reconhecendo embora que é um facto que (…) não solicitou, no referido prazo de 14 dias, a remessa dos autos ao tribunal competente e que existe uma certa corrente jurisprudencial no sentido de que na falta do requerimento a que alude a referida norma legal, a instância considera-se extinta reconhecendo igualmente que em termos doutrinais, também existem adeptos deste entendimento, alega que a norma em apreço não pode ser interpretada no sentido de dispensar uma notificação expressa ao interessado, no sentido de exercer o direito ali prescrito, sob pena de violação do direito fundamental do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, constante do disposto no art. 20.º, n.º 1, primeira parte, da Constituição, ou seja, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do art. 20.º, n.º 1, da Constituição, o referido art. 18.º, n.º 2, do CPPT, não pode ser interpretado no sentido de permitir a extinção da instância jurídico-tributária sem que previamente ocorra a notificação do recorrente para exercer a faculdade nele prevista, pois que a referida norma legal não prevê expressamente qual o efeito cominatório associado ao não exercício da faculdade ali prevista, no referido prazo legal e não vislumbra a recorrente fundamento para se considerar que do não cumprimento do referido ónus resulta, em termos verdadeiramente automáticos, a preclusão de um direito já devida e antecipadamente manifestado nos autos: o de recorrer de decisão judicial, advogando a aplicação ao caso, com as devidas adaptações, as considerações tecidas pelo Tribunal Constitucional em matéria de ónus de formulação de conclusões, onde se declarou “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do art. 32.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do art. 412.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (…) – Acórdão do tribunal Constitucional de 9-7-2002, processo n.º 754/01 (cfr. alegações de recurso, a fls. 173/174 dos autos).

Não obstante o engenho das alegações da recorrente, entendemos que não lhe assiste razão.

Desde logo, não há qualquer similitude entre o caso objecto do Acórdão do Tribunal Constitucional que a recorrente cita e o caso dos autos, sequer quanto ao princípio constitucional alegadamente violado, tendo, aliás, o Tribunal Constitucional proferido já decisão no sentido de não julgar materialmente inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva, a norma do n.º 2 do artigo 18.º do CPPT na interpretação segundo a qual o relator do Tribunal «a quo» não pode remeter o processo para o Tribunal «a[d] quem» oficiosamente, carecendo sempre de requerimento do particular – cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 46/2005, de 26 de Janeiro de 2005, DR, II Série, n.º 118, de 22 de Junho de 2005 -, como no passado dia 21 de Janeiro recordou o Acórdão deste STA proferido no rec. n.º 905/11 (que julgou igualmente não padecer o artigo 18.º, n.º 2 do CPPT de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade).

Por outro lado, resulta claramente do artigo 18.º, n.º 2 do CPPT que o prazo de 14 dias de que o interessado dispõe para requerer a remessa do processo ao tribunal competente se conta da notificação da decisão que declare a incompetência do tribunal a quem foi dirigida a acção ou o recurso e indique o tribunal julgado competente, não prevendo a lei qualquer outra notificação ao eventual interessado para além desta.

Assim, decorrido tal prazo sem que a remessa dos autos ao tribunal competente seja requerida, a decisão judicial de incompetência transita em julgado, extinguindo-se, consequentemente, a instância de recurso, pois que o prazo em causa é um prazo peremptório (cfr., entre outros, os Acórdãos deste STA de 2 de Novembro de 2006, rec. n.º 0472/06 e de 28 de Fevereiro de 2007, rec. n.º 844/06, bem como JORGE LOPES de SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6.ª ed., Vol. I, p. 259 – nota 5 in fine ao art. 18.º do CPPT).

Acresce que, como supra reproduzido, no caso dos autos o Acórdão que julgou o TCA-Norte incompetente em razão da hierarquia para conhecimento do recurso e competente para o efeito o Supremo Tribunal Administrativo fez constar que: «2.2. A infracção às regras da competência em razão da hierarquia, da matéria (e da nacionalidade) determina a incompetência absoluta do tribunal – artigo 16.º, n.º 1, do CPPT.// A incompetência absoluta é uma exceção dilatória – artigo 494.º, alínea a), do CPC – de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final – artigo 16.º n.º 2 do CPPT. //A decisão que declare a incompetência absoluta indicará o tribunal considerado competente – artigo 18.º n.º 3, do CPPT. //Declarada a incompetência, pode o interessado requerer a remessa ao tribunal competente, no prazo de 14 dias – n.º 2 do mesmo artigo.». Ou seja, recordou ao requerente que sobre si impendia o ónus de, querendo, requerer a remessa dos autos ao Tribunal competente, indicando-lhe o prazo de que para tal dispunha e a norma legal de onde decorria tal possibilidade.

Não obstante, a recorrente não requereu a remessa dos autos ao tribunal competente, quiçá por esquecimento, e não se conformando agora com a extinção da instância de recurso pretende que devia ter sido expressamente advertida de que se não requeresse tal remessa o recurso se extinguiria, solução esta que decorre do trânsito em julgado da decisão de incompetência e do carácter peremptório do prazo de que dispõe para requerer a remessa ao tribunal julgado competente.

A sua pretensão não encontra, porém apoio legal e não parece impor-se como decorrência dos princípios constitucionais e legais que invoca, razão pela qual o seu recurso está votado ao insucesso.


- Decisão -

7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2015. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Casimiro Gonçalves.