Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01051/16.9BELSB 0805/18
Data do Acordão:01/10/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DO PAGAMENTO
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
RECLAMAÇÃO DA CONTA
Sumário:I - A reclamação da conta de custas não é o meio processualmente adequado à dedução da pretensão de dispensa da taxa de justiça remanescente ao abrigo do nº7 do artigo 6º do RCP, tendo em conta que essa reclamação constitui, tão só, e como o próprio nome indica, uma reacção contra um erro de contagem, com vista a que esta seja alterada em conformidade com a lei;
II - Caso tal dispensa não tenha sido decidida anteriormente, deverá solicitada pela parte interessada em sede de reforma de custas;
III - Esta interpretação não é inconstitucional, por a mesma não contender com a tutela efectiva de um direito, mas antes com o momento e meio adequado ao seu exercício.
Nº Convencional:JSTA000P24044
Nº do Documento:SA12019011001051/16
Data de Entrada:09/03/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:EPAL - EMPRESA PORTUGUESA DAS ÁGUAS LIVRES, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A…………, S.A., identificada nos autos, interpõe recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], datado de 24.05.2018, que negou provimento à apelação por ela interposta e confirmou o despacho do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa [TAC] que indeferiu o seu «pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça» [artigo 6º, nº7, do RCP], formulado em sede de «reclamação da conta».

Conclui assim as suas alegações de revista:

1ª- Na conta, a taxa de justiça foi calculada no total de 34.986,00€, sendo a «taxa inicial» paga de 1.836,00€ e o total agora a pagar de 33.150,00€;

2ª- Encontram-se presentes os pressupostos do nº7, do artigo 6º, do RCP, para a «dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça» [33.150,00€];

3ª- [i] Desde logo, a petição inicial limitou-se a pôr em questão a aplicação ou não, ao caso concreto, da alínea b) do nº2 do artigo 70º do CCP, em 24 artigos, 16 páginas, 8 folhas A4, pelo que não se pode dizer que o articulado foi prolixo. O mesmo se diga relativamente às contestações, uma ocupou 34 e outra 36 folhas; [ii] Em 7 folhas o tribunal decidiu o «incidente de levantamento do efeito suspensivo»; [iii] Não houve lugar à produção de prova, nem se realizou audiência final, tendo sido decidida a acção por sentença de 8 folhas; [iv] As alegações de recurso da sentença interposto pelo autor ficaram-se pelas 13 páginas [sem as conclusões], e circunscreveu-se à mesma questão, tendo as demais partes junto alegações consentâneas com os articulados apresentados na 1ª instância, o mesmo acontecendo com as alegações para esse STA;

4ª- Isto é, os articulados não são prolixos e, por isso, só se poderá concluir que a sua extensão é normal;

5ª- A questão de fundo, a aplicação ou não da alínea b) do nº2 do artigo 70º do CCP aos factos do processo nada tem de complexa, sendo abundante a jurisprudência sobre a matéria;

6ª- O comportamento das partes não merecerá qualquer reparo, tendo todos os intervenientes adoptado uma postura consentânea com os ditames da lei;

7ª- Como decorre do AC RC de 11.07.2015, Rº342/09.0TBCTB-H.C1, o critério da complexidade da causa pode ser retirado do artigo 530º, nº7, do CPC, e a conduta processual das partes deve ser orientada pelo disposto nos artigos 7º, nº1, e 8º, do CPC;

8ª- É, assim, entendimento da recorrente que estão preenchidos, neste caso, os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;

9ª- Este pedido, feito na reclamação da conta, não é «extemporâneo», como refere o tribunal a quo sustentado no AC STJ de 13.07.2017, Rº669/10.8 cujo excerto foi transcrito:

«III. A dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do artigo 6º, nº7, do RCP, decorre de uma decisão constitutiva proferida pelo juiz, podendo naturalmente inferir-se – se nada se disser sobre esta matéria na parte da sentença atinente à responsabilidade pelas custas – que os pressupostos de que dependeria tal dispensa não se consideraram verificados, sendo consequentemente previsível para a parte, total ou parcialmente vencida, que a conta de custas a elaborar não contemplará seguramente essa dispensa…»

10ª- O artigo 607º, nº6, do CPC, refere unicamente «No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respectiva responsabilidade», e todos sabemos o que tal quer dizer, no final da sentença o juiz condena nas custas, sendo caso disso, e indica a respectiva proporção, mas nada se refere quanto à obrigatoriedade de o juiz dever pronunciar-se quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos autos de valor superior a 275.000,00€;

11ª- Nos processos de valor superior a 275.000,00€, alguns magistrados, mais sensíveis à questão, até pelo elevado montante que atingem as taxas de justiça, em sede de sentença pronunciam-se sobre os pressupostos da dispensa em causa e decidem em conformidade, mas outros há que se limitam a cumprir escrupulosamente o nº6 do artigo 607º do CPC;

12ª- Daí que, neste último caso, não se deverá inferir o que quer que seja, sobretudo quando estão em causa valores muito elevados de taxa de justiça, sob pena de violação do direito de acesso aos tribunais do artigo 20º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade que decorre dos artigos 2º, 18º, nº2-2ª parte, da CRP;

13ª- Aliás, a decisão quanto a custas, em obediência ao estipulado no nº7 do artigo 6º do RCP sempre terá de ser fundamentada, nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 607º do CPC, o que não ocorreu nos presentes autos;

14ª- A sentença/acórdão são «completamente omissos» quanto aos pressupostos da dispensa aqui problematizada;

15ª- Coloca-se, pois, a questão de saber se a «reclamação da conta» é meio processual idónea para atacar a conta no que diz respeito à dispensa de tal pagamento;

16ª- Diga-se, antes de mais, que a recorrente não põe em causa a decisão de custas constante da sentença/acórdão, mas sim o valor claramente exorbitante constante da conta e do qual só teve conhecimento com a sua emissão;

17ª- A jurisprudência tem-se dividido relativamente a esta questão, mas é já vasta a que se inclina para acolher como meio processual idóneo a reclamação da conta;

18ª- De forma exemplar, devidamente fundamentado, o AC TCAS de 15.02.2018, Rº2562/12, disse que «…não pode ser considerado extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado após a notificação da conta de custas, mediante a apresentação de reclamação da conta…»;

19ª- O caso dos presentes autos é em tudo idêntico ao caso deste acórdão; quer a sentença quer o acórdão que se lhe seguiu não se pronunciaram sobre essa dispensa, limitando-se a indicar a parte responsável pelo pagamento das custas;

20ª- Isto é, nos termos do nº1 do artigo 613º do CPC [aplicável ex vi 1º do CPTA], não se pode dizer, pois, que se tenha esgotado o poder jurisdicional do juiz, já que esta matéria nunca foi apreciada;

21ª- Por outro lado, a recorrente nem sequer foi notificada, por força da sentença recorrida, da condenação no pagamento do remanescente da taxa de justiça, para efeito do estabelecido no nº9 do artigo 14º do RCP;

22ª- Só com a conta o recorrente veio a saber o montante efectivo da taxa de justiça a pagar e por isso, porque entende que se encontram presentes os pressupostos da dispensa, também só nessa altura reclamou;

23ª- O acórdão em crise refere, a folha 9, transcrevendo do ponto 1.4 do Parecer do EPGR «…o fundamento legal da reclamação da conta é a divergência dos elementos contabilísticos nela inseridos em relação ao decidido judicialmente quanto a custas lato sensu e ao valor da causa, pelo que não é o meio processualmente adequado a obter a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça…»;

24ª- É precisamente pelo facto de a recorrente entender que existe divergência dos elementos contabilísticos inseridos na conta que reclama desta, não se podendo confundir o que é a conta, na óptica do contador, e quais devem ser os elementos contabilísticos da conta, na óptica do julgador;

25ª- Isto é, se a sentença não se pronuncia sobre a questão, o contador terá de ter em conta o valor da acção; mas se a parte reclama da conta, por entender que os elementos contabilísticos da mesma são exorbitantes, então deve o julgador decidir se existe exorbitância ou não, tendo em conta os dados do processo e os princípios de direito aplicáveis, ínsitos na lei, afirmados na doutrina e na jurisprudência;

26ª- O despacho posto em crise padece de «erro de julgamento», pelo que se deverá admitir a reclamação da conta como meio processual idóneo para o pedido de «dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça» e, uma vez verificados os pressupostos constantes do nº7 do artigo 6º do RCP, deve esse Supremo Tribunal conceder à recorrente essa dispensa.

2. Não foram juntas contra-alegações.

3. O recurso de revista foi admitido por este Supremo Tribunal [formação a que alude o nº6 do artigo 150º do CPTA].

4. Sem vistos, por se tratar de processo de natureza urgente, cumpre apreciar e decidir a revista [artigo 36º, nº2, do CPTA].

II. Apreciação

1. A ora recorrente intentou no TAC de Lisboa esta acção administrativa urgente do contencioso pré-contratual, pedindo - além do mais - a anulação da deliberação que excluiu a sua proposta do concurso aberto para a «Aquisição de Serviços de Manutenção de Infra-estruturas de Rede, Equipamentos Mecânicos, Eléctricos e Electromecânicos do Sistema de Abastecimento de Água da EPAL».

Por sentença de 10.01.2017, esse tribunal julgou improcedente a acção, «fixou-lhe o valor em 2.950.715,20€» e condenou a autora - ora recorrente - no pagamento das custas processuais.

Foi negado provimento ao «recurso de apelação» interposto pela autora, e não foi admitido o «recurso de revista excepcional» por ela deduzido para o STA.

Devolvido o processo à 1ª instância, por despacho judicial foi remetido à conta, e, uma vez notificada desta, a autora dela veio reclamar, considerando a taxa de justiça exorbitante [valor de 34.986,00€ e um total a pagar de 33.150,00€], e pedindo a dispensa do pagamento do seu remanescente, ao abrigo do artigo 6º nº7 do RCP, bem como a rectificação da conta em conformidade.

A conta, conforme cota presente nos autos, foi elaborada de acordo com o que é preceituado nos artigos 7º, nº1 e nº4 [1ª instância], e 6º, nº2 e nº7 [recursos], do RCP.

Por despacho judicial de 28.02.2018, foi indeferida a reclamação, essencialmente por se ter entendido que perante a moldura legal aplicável, tal como vem sendo interpretada pela doutrina e pela maioria dos tribunais superiores, a reclamante não pode obter a peticionada dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça - na parte que excede o montante de 275.000,00€ - em sede de reclamação da conta de custas processuais.

Esta decisão judicial, uma vez submetida a recurso de apelação, foi plenamente confirmada pela 2ª instância, através do acórdão ora objecto de «revista».

A actual recorrente – A………… - imputa-lhe «erro de julgamento de direito», pois que, apesar de consciente da divisão da jurisprudência a este respeito, entende que a solução de peticionar a «dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça» em sede de «reclamação da conta» não só é permitida pelo quadro legal aplicável como é a que mais se coaduna com o «direito de acesso à justiça» [artigo 20º da CRP] e com as exigências decorrentes do «princípio da proporcionalidade» [artigo 18º, nº2, da CRP].

2. A «questão» apreciada e decidida pelo acórdão em revista, e agora renovada perante este Supremo Tribunal, consiste em saber se é errado o julgamento de direito que indefere a reclamação da conta que teve por fundamento o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do nº7 do artigo 6º do RCP.

No entender da recorrente este erro «ocorre», e tem, efectivamente, no sentido da sua interpretação e aplicação do pertinente quadro legal, vários acórdãos da «2ª instância» tanto da jurisdição administrativa como da jurisdição comum. Da pesquisa realizada constatamos os seguintes: - AC TCAS de 29.05.2014, Rº07270/13; de 04.05.2017, Rº1719/15; e de 15.02.2018, Rº2562/12; AC TCAN de 24.03.2017, Rº00289/13; AC RL de 03.12.2013, Rº1586/08; AC RG de 27.03.2014, Rº612/09; e AC RC de 29.04.2014, Rº2045/09.

Todos eles, com variada fundamentação, acabam por interpretar o quadro legal pertinente no sentido de nada obstar a que a dispensa de pagamento em causa seja requerida somente após a elaboração da conta de custas processuais.

E se a divisão jurisprudencial, relativamente ao tema, é patente na 2ª instância, de uma e outra jurisdição - ver, no sentido do despacho de 28.02.2018, o acórdão ora recorrido, bem como os acórdãos da RC de 03.12.2013, Rº1394/09, e de 14.03.2017, Rº3943/15; e da RL de 16.06.2015, Rº2264/06, de 15.10.2015, Rº6431/09, de 28.04.2016, Rº473/12, de 19.05.2016, Rº670/14, e de 16.03.2017, Rº473/15 - já os Supremos Tribunais se vêm inclinando para a interpretação e aplicação da lei que foi adoptada no despacho judicial que indeferiu a reclamação à ora recorrente.

De facto, no sentido de que no âmbito da reclamação da conta de custas já não é admissível a reforma da decisão de tributação de custas, nomeadamente em termos de nessa sede poder ser dispensado o pagamento do remanescente que corresponda a montante superior ao valor de 275.000,00€, já se pronunciou este STA, através das suas duas Secções, e do próprio Pleno da Secção Tributária, e, ao menos por duas vezes, o Supremo Tribunal de Justiça: - AC STA [Secção Tributária] de 29.10.2014, Rº0547/14; AC STA de 20.10.2015, Rº0468/15; AC STA [Secção Tributária] de 19.10.2016, Rº0586/16; AC STA/Pleno [Secção Tributária] de 03.05.2017, Rº0472/16; AC STJ de 13.07.2017, Rº669/10; e AC STJ de 03.10.2017, Rº473/12.

Estas decisões, dos Supremos, vão todas no sentido de não ser possível, após a elaboração da conta, deduzir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, devendo antes o mesmo ser requerido em sede de reforma da sentença/acórdão quanto a custas.

3. Relembremos que o nº7 do artigo 6º do RCP prescreve assim: «Nas causas de valor superior a 275.000,00€, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Surge bastante claro, sobretudo da 2ª parte da norma, que ela visa assegurar a justiça e a proporcionalidade da taxa liquidada aos utentes da justiça em face dos serviços concreta e efectivamente prestados pelas instituições competentes nesse âmbito.

Porém, note-se, a questão delineada, que nos cumpre abordar, situa-se ainda a montante da aferição da razoabilidade da taxa de justiça que foi liquidada no caso concreto, pois questiona se a parte ainda pode obter a peticionada dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que excede o valor de 275.000,00€, em sede de reclamação da conta de custas.

Na doutrina, e a este propósito, diz SALVADOR DA COSTA que «O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente de taxa da justiça. […] Na falta de decisão do juiz, verificando-se os ditos pressupostos […] podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas». No entanto, e segundo o mesmo, «Passado o prazo de recurso ou de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do acto de contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados» [Regulamento das Custas Processuais, Almedina, 5ª edição, 2013, páginas 201, 354 e 355].

E continuou a propugnar esta mesma solução bem recentemente - «Questões sobre custas processuais e taxa de justiça - Comentário ao acórdão da Relação de Évora de 22.02.2018» - escrevendo, designadamente, que «O fundamento legal da reclamação da conta é a divergência dos elementos contabilísticos nela inseridos em relação ao decidido judicialmente quanto a custas e valor da causa, pelo que não é o meio processualmente adequado a obter a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça». E, ainda, que «Não é legalmente admissível, em qualquer circunstância, a formulação do pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente depois do trânsito em julgado da decisão final».

Esta Secção do STA, no referido acórdão de 20.10.2015 [5º parágrafo do anterior ponto 2], defendeu que «Não é possível, após a elaboração da conta, deduzir requerimento de dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça devendo antes o mesmo ser requerido em sede de reforma de custas; […] Pelo que o trânsito em julgado da decisão final no processo engloba a decisão sobre custas e concreto montante que da mesma resulta quanto à taxa de justiça a pagar; […] Tal interpretação não é inconstitucional, por a mesma não contender com a tutela efectiva de um direito, mas antes com o momento e meio adequado ao seu exercício».

Neste acórdão fundamenta-se a solução adoptada no instituto do caso julgado e na possibilidade de reforma da sentença/acórdão quanto a custas, esclarecendo-se, ainda, que a mesma não se mostra desrespeitadora do direito de acesso à justiça, nem do princípio da proporcionalidade. Citemos alguns excertos mais pertinentes:

«Proferida decisão esgota-se o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa com excepção da rectificação de erros materiais, suprimento de nulidades e reforma da sentença nos termos do artigo 613º do CPC. […] Nos termos do disposto no artigo 616º, nº1 e nº2, do CPC aqui aplicável: 1- A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do nº3. […] 3- Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no nº1 é feito na alegação.»

«A parte sabe que tem que pagar o remanescente, e sabe o valor da causa, pelo que, se o juiz não usou oficiosamente a possibilidade de, no momento da decisão, decidir a referida dispensa, a parte deve fazê-lo em sede de pedido de reforma de custas.

É que a reclamação sobre a conta há-de ser por motivos inerentes à própria conta e não com fundamentos que impliquem uma decisão por parte do juiz ainda que apenas contenda com a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 6º nº7 do RCP.

Pelo que, o juiz, ao ser colocado perante a dispensa do remanescente nos termos deste preceito, depois do trânsito em julgado da decisão, está a rever a questão das custas nomeadamente fazendo interferir juízos valorativos e jurídicos sobre a concreta taxa de justiça a pagar ainda que tal não interfira com o concreto responsável pelo seu pagamento.

Assim, transita em julgado não só a decisão quanto ao responsável pelas custas mas também o quantum dessa responsabilização, estando a fixação do montante, em concreto, através da elaboração da conta, abrangida pelo caso julgado.

Não pode, assim, o responsável pelas custas, em sede de reclamação da conta que venha a ser elaborada e que lhe seja notificada, requerer, nessa altura, a dispensa ou atenuação do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por estar em causa valor desproporcionado, por esta possibilidade do artigo 6º nº7 contender com o trânsito em julgado da decisão final.

Estamos, pois, perante uma situação de reforma de custas e não de conta.»

«Invoca a recorrente que os artigos 621º, do CPC, e 6º, nº7, do RCP, se interpretados conjugadamente, num caso, como o presente, em que existe manifesta desproporção entre a actividade jurisdicional desenvolvida e a taxa de justiça cobrada, no sentido de que [i] a decisão final do processo, mesmo não tendo apreciado a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, forma caso julgado sobre esse juízo e, em consequência, [ii] impede a apreciação do pedido de dispensa do pagamento desse remanescente em sede de reclamação da conta de custas, são inconstitucionais, por violação do princípio da proporcionalidade [artigo 18º da CRP], do princípio do acesso ao direito e do direito à tutela jurisdicional efectiva [artigos 20º e 268º, nº4, da CRP].

Mas não tem razão.

Como supra referimos, este nº7 do artigo 6º foi aditado pela Lei 7/2012, de 13.02, em resposta às questões suscitadas pelo facto de o DL nº52/2011 não contemplar a possibilidade, antes prevista pelo CCJ, no nº3 do seu artigo 27º, na redacção introduzida pelo citado DL 324/2003, de o juiz, se a especificidade da situação o justificar, dispensar, de forma fundamentada, o pagamento do remanescente, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, possibilidade que veio a ser consagrada pela Lei 7/2012, de 13.02, que aditou ao artigo 6º do RCP um nº7.

Este preceito garante que os processos susceptíveis de serem qualificados como pouco complexos tragam para o sujeito passivo um custo que efectivamente reflicta o valor correspondente ao menor serviço prestado face à menor complexidade, e por isso a respectiva adequação.

O exercício do direito fundamental de acesso à justiça e princípio da proporcionalidade mostram-se assegurados, agora, através da introdução de mecanismo que permite adequar a taxa de justiça a cobrar no processo em função do processado e complexidade da causa ao serviço efectivamente prestado.

Tal como se havia sustentado no AC do TC 421/2013, supra citado, “a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspectiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respectivo sujeito passivo”, “dispondo o legislador de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas”, na certeza de que “é … necessário que a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe” […] “Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça [artigo 20º da CRP], constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado [artigos 2º e 18º, nº2, da mesma Lei Fundamental], de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito”.

Ora ao haver-se introduzido um tal mecanismo no nº7, do artigo 6º, do RCP, não procede a invocada inconstitucionalidade suscitada pela autora porque a existir uma desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado na acção para o autor, tal dever-se-á ao facto daquela, tendo e dispondo de todos os meios e mecanismos processuais para tutelar seus direitos e posições, não haver reagido ou impugnado, em sede e momento próprios, o segmento relativo à condenação em custas constante de decisões judiciais proferidas e que lhe eram desfavoráveis.

Com efeito, se antes do aditamento se poderia colocar a questão da constitucionalidade do referido artigo 6º tal deixou de se verificar já que não se pode falar de inconstitucionalidade apenas porque a parte deixou decorrer o prazo e meio adequado para fazer valer um direito que a lei lhe concedia.

É certo que, como resulta dos artigos 18º e 20º da CRP o “processo tem de ser equitativo e propiciar uma tutela plena, efectiva e em tempo útil, dos concretos direitos, liberdades e garantias pessoais, sobre os quais exista litígio ou simplesmente ameaça dele” e “também há-de ser o adequado para a obtenção da específica tutela que decorre da titularidade dos específicos direitos, liberdades ou garantias pessoais que estejam em causa.” [AC do TC 178/2007].

Mas, nem por isso, deixa o legislador ordinário de ter uma margem de ponderação constitutiva sobre o modo como deve ser desenhado o figurino processual adequado à efectivação jurisdicional da tutela própria dos específicos direitos ou interesses legalmente protegidos.

Se o legislador estipulou certas regras para dar resposta a certas exigências específicas de direitos, até de matriz constitucional, a proteger, não pode defender-se, sem mais, que os mesmos deviam ser salvaguardados por outros mecanismos ou interpretações que não constam de uma interpretação legal dos preceitos, apenas para dar uma maior tutela dos direitos do que a já consagrada, quando esta é suficiente e adequada à protecção dos mesmos.

Na verdade, não é pelo facto de se discordar do mecanismo que o legislador encontrou como o meio mais adequado para fazer valer um direito que deixa de ocorrer a tutela efectiva do mesmo, que se negue o acesso à justiça ou se introduza um sistema desproporcionado.

Ora, a possibilidade consagrada pelos preceitos em causa de, em sede de pedido de reforma da decisão de custas, fazer adequar a taxa de justiça concreta a pagar ao processado, permite a efectivação daqueles princípios constitucionais.

A tutela efectiva e o acesso à justiça realizaram-se e mostram-se efectivados no caso e não saem beliscados pelo facto do titular do direito não ter usado tempestivamente dos meios adequados a fazer valer o direito em causa quando existiam os mecanismos legais para o efectivar.

Não ocorre, pois, qualquer inconstitucionalidade na interpretação legal supra veiculada a fazer aos referidos preceitos.»

E o Pleno da Secção Tributária, pelo acórdão de 03.05.2017 [ver 5º parágrafo do anterior ponto 2], defende também esta posição maioritária «no sentido de que a reclamação da conta de custas não é o meio processualmente adequado à dedução da pretensão de dispensa da taxa de justiça remanescente ao abrigo do nº7 do artigo 6º do RCP, tendo em conta que essa reclamação constitui, tão só, e como o próprio nome indica, uma reacção contra um erro de contagem, com vista a que este seja alterada em conformidade com a lei, não constituindo meio processualmente adequado para obter a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida. Ademais, existem razões preponderantes para que a decisão sobre tal dispensa deva ser tomada antes da elaboração da conta, nomeadamente o princípio da economia e utilidade dos actos processuais, que tem afloramento no artigo 130º do CPC, devendo ter lugar aquando da fixação das custas, ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma dessa decisão.

Também o STJ advoga - AC de 13.07.2017 referido no parágrafo 5º do anterior ponto 2 - que «o direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente deverá ser, por isso, exercitado durante o processo, nomeadamente mediante pedido de reforma do segmento da sentença que se refere sem excepções à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para reiterar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa».

O Tribunal Constitucional - AC TC nº527/16, de 04.10.2016 - confrontado com a questão da apreciação da «inconstitucionalidade» da norma do artigo 6º, nº7, do RCP, na interpretação segundo a qual «é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas», decidiu no sentido de não a julgar inconstitucional, e teceu, além do mais, as seguintes considerações:

«Não se trata, aqui, de saber se é [ou deve ser] possível a redução do valor da taxa de justiça a pagar, por via da dispensa ou redução do pagamento do remanescente, a final. Essa possibilidade, para além de resultar, de forma inequívoca, da redacção actual do nº7 do artigo 6º do RCP, não foi negada à autora por não existir base legal correspondente. O indeferimento do requerimento de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, apresentado pela autora, ora recorrente, assentou, apenas, como acima dissemos, na circunstância de ter sido considerada extemporânea a sua suscitação após a elaboração da conta de custas. O eixo da discussão centra-se, assim, no efeito preclusivo daquela pretensão associado ao momento da elaboração da conta, tratando-se, agora, de saber se estamos perante um ónus processual proporcionado e compatível com um processo justo, apto a proporcionar a tutela efectiva dos direitos das partes que a ele recorrem.

É evidente o interesse na fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: sem tal fixação, a conta do processo não assumiria carácter definitivo, ficando como que suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas não referenciado no tempo. Assim, a previsão de um limite temporal para o exercício daquela faculdade não se mostra arbitrária, sendo útil para a realização dos fins de boa cobrança da taxa de justiça. Deve, então, apreciar-se se é excessiva ou de algum modo desproporcionada a fixação de tal efeito […].

Ao contrário do que a recorrente procurou sustentar, não se reconhece particular dificuldade na satisfação do ónus de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em momento anterior ao da elaboração da conta, nem a parte vê negado o acesso ao juiz, pois pode - em tempo - suscitar a apreciação jurisdicional da sua pretensão.

Não causa dúvida que a interpretação afirmada na decisão recorrida é, genericamente, coerente com a sucessão de actos do processo: a decisão final é proferida; depois transita em julgado; após o trânsito em julgado, o processo é contado; a conta é notificada às partes, que dela podem reclamar. Independentemente de qual seja a melhor interpretação do direito infraconstitucional [matéria sobre a qual não cabe ao Tribunal Constitucional emitir pronúncia], a fixação do apontado efeito preclusivo no momento em que o processo é contado tem coerência lógica com o processado [na medida em que a conta deverá reflectir a referida dispensa], ou seja - para o que ora interessa apreciar - não se trata de efeito que surpreenda pelo seu posicionamento na marcha processual.

Por outro lado, respeitando a interpretação afirmada na decisão recorrida, a parte dispõe de um prazo indiscutivelmente razoável para exercer a faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça [que se exprime através de uma declaração que não carece de fundamentação complexa] […]: desde a prolação da decisão final até ao respectivo trânsito em julgado, ou seja, e por referência ao processo civil, nunca menos do que quinze dias [artigo 638º, nº1, do CPC]. A este propósito - como, aliás, o Ministério Público sublinha - não é correto afirmar-se que só após a notificação da conta a parte tem conhecimento dos montantes eventualmente excessivos que lhe são imputados a título de taxa de justiça. Na verdade, pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exacto conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça previsto na tabela I do RCP, por referência ao valor da acção. Assim, ressalvada a ocorrência de situações anómalas excepcionais - que, no caso, não se verificaram e também não resultam do sentido normativo oportunamente enunciado como objecto do presente recurso -, a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça reflectido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos.

Acresce que a gravidade da consequência do incumprimento do ónus - que consiste na elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça - é ajustada ao comportamento omitido. Não se vê, aliás, que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal.

Não se trata, ao contrário do que a recorrente alega, de resultado implícito, “não discernível” a partir do texto da lei. Desde logo, a própria redacção do preceito [… o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se…] - independentemente da melhor interpretação no plano infraconstitucional, aspecto do qual, insiste-se, não cabe cuidar - é indubitavelmente compatível com o sentido afirmado na decisão recorrida, não gerando qualquer desconformidade que suporte a afirmação de um carácter surpreendente do resultado interpretativo.

[…]

Aliás, a orientação da decisão recorrida corresponde, precisamente, àquela que o próprio Tribunal Constitucional tem seguido, como, justamente, foi observado pelo Ministério Público nas suas contra-alegações. Assim, tem vindo a ser decidido, uniformemente, que a reclamação da conta não é meio adequado a fazer valer uma isenção, já que tal meio processual se destina unicamente a reagir à elaboração irregular da conta, não sendo esse o caso quando ela se mostra conforme à decisão condenatória e à lei [ver acórdãos nºs 60/2016, 211/2013, 104/13 e 83/2013, entre muitos outros], raciocínio que, por identidade de razão, vale para o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.»

Temos, assim, que por razões ponderosas, também o «Tribunal Constitucional» admite que o momento da apresentação do «pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça» possa ocorrer após o prazo de 10 dias posterior à prolação da sentença mas não na sequência da elaboração da conta de custas.

4. A decisão adoptada no acórdão recorrido, como, aliás, a do despacho judicial que o motivou, fundamenta-se, substancialmente, na intempestividade do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, e apoia-se, tal como vimos, em jurisprudência qualificada.

Em nenhum lugar se nega à recorrente o direito de aceder a essa dispensa, nos termos da lei, antes se discorda, porque não permitidos pelo respectivo quadro legal, do momento e do meio de que ela lançou mão para o efectivar.

Na linha da jurisprudência a que aludimos, também relativamente ao presente caso entendemos, com os argumentos citados, que a «reclamação da conta de custas» não é o meio nem o momento próprios para requerer a «dispensa ou a redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça». E, também pelas razões referidas, consideramos que esta interpretação e aplicação da lei não se mostra violadora dos princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito.

Resta, pois, negar provimento ao recurso de revista, mantendo-se o acórdão do TCAS.

III. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento ao recurso de revista e manter o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente

Lisboa, 10 de Janeiro de 2019. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.