Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0117/15
Data do Acordão:06/17/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:MAIS VALIAS
VALOR DE AQUISIÇÃO
LOCAÇÃO FINANCEIRA
VENDA DE IMÓVEL
Sumário:Para efeitos de tributação em mais-valias quando da venda de um imóvel oportunamente adquirido através do exercício do direito de opção de compra no termo da vigência do contrato de locação financeira, o valor a considerar para efeitos de valor de aquisição é o somatório do valor das rendas pagas ao longo do período de duração do contrato mais o valor residual.
Nº Convencional:JSTA00069245
Nº do Documento:SA2201506170117
Data de Entrada:02/02/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:CIRS01 ART46 N1 N5.
CIMT03 ART12 N14.
DL 311/82 DE 1982/08/04.
L 55-A/10 DE 2010/12/31.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A Fazenda Pública, inconformada, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (TAF de Loulé) datada de 31 de Outubro de 2014, que julgou procedente a impugnação que A……….., havia deduzido, contra a liquidação adicional de IRS relativo ao ano de 2008, no valor de € 24.824,16, a título de mais-valias pela venda de prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 15416, acrescido de juros compensatórios no valor de € 933,10, no valor total de € 25.757,26.

Alegou, tendo concluído como se segue:
1 — O facto gerador do rendimento ocorreu no ano de 2008 e o acto tributário de liquidação é de 2010.
2 — Na hipótese sub judice a Administração observou o disposto no art 46 nº 1 do CIRS, conjugado com o art 12 nº 14 do CIMT, por força dos quais o valor de aquisição a considerar é o valor residual.
3 — Na apreciação da legalidade do acto tributário em causa a norma do art. 46 nº 5 do CIRS, em vigor a partir de 1/01/2011, não é aplicável em razão do tempo, (art. 12 LGT).
4 — Deste modo, o tribunal a quo não julgou de harmonia com a lei aplicável e com a prova dos autos.
Assim, pelo exposto, e, principalmente pelo que será suprido pelo Douto Tribunal, deve ser revogada a sentença recorrida e julgar-se improcedente a acção de impugnação judicial, como é de JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se pela improcedência do recurso. Entendeu que não era de aplicar ao caso dos autos o disposto no artº 46º nº 1 do CIRS, bem como não era de aplicar o artº 45º nº 6 do mesmo código e tão pouco havia sido violado o artº 12º da LGT.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 07/07/1999, o Impugnante celebrou escritura de compra e venda do prédio urbano destinado a comércio, sito na ……………, freguesia e concelho de ……….., inscrito na matriz sob o artigo 15416, pelo preço de 28.000 contos, actualmente, 139.663,00, sujeito a financiamento da B…………, S.A., que surge na escritura como a adquirente do imóvel (cfr. fls. 20 a 22 dos autos);
B) Em 07/07/1999, foi celebrado pelo Impugnante, contrato de locação financeira imobiliária nº 900404 como documento complementar à escritura melhor descrita na alínea anterior e que tem como objecto o imóvel aí melhor identificado, onde consta, nomeadamente que “o locatário poderá adquirir o referido imóvel, findo o prazo da locação financeira” e que “o locador promete vender ao locatário o imóvel objecto do presente contrato no termo deste” (cfr. fls. 23 a43 dos autos);
C) Entre 08/07/1999 e 23/04/2008, o Impugnante efectuou o pagamento de rendas decorrente do contrato referido na alínea anterior (cfr. fls. 44 a 48 dos autos);
D) Em 23/04/2008 o Impugnante celebrou escritura pública de rescisão do contrato de locação financeira e compra e venda do imóvel melhor identificado na alínea A) onde adquiriu o mesmo pelo valor de € 62.955,06 (cfr. fls. 9 a 12 dos autos),
E) Em 23/04/2008 o impugnante celebrou escritura de compra e venda onde vendeu o imóvel melhor identificado na alínea A) pelo preço de 400.000 (cfr. fls. 14 a 17 dos autos),
F) Em 17/08/2010, o Impugnante pagou a liquidação de IRS e juros de mora no valor de 31.386,11, relativamente ao ano de 2008 (cfr. fls. 6 dos autos);
G) Em 09/06/2010 foi emitida liquidação de IRS no valor de €24.824,16 e juros compensatórios no valor de € 933,10, cuja data limite de pagamento foi em 19/07/2010 (cfr. fls. 74 do p.a.).
Nada mais se deu como provado.


Há que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
Desde já se poderá afirmar com segurança que na sentença se decidiu correctamente a questão que vinha colocada pelo impugnante, tendo-se aí concluído pela ilegalidade manifesta da liquidação adicional de IRS [mais-valias] efectuada pela AT.
Resumidamente a matéria de facto relevante é a seguinte:
-em 1999 o impugnante celebrou um contrato de locação financeira relativo a um imóvel e durante 9 anos, até 2008, procedeu ao pagamento das rendas mensais e sucessivas;
-chegado a este momento optou pela aquisição do imóvel pelo valor residual que havia sido estabelecido no contrato inicial celebrado em 1999;
-posteriormente veio a vender esse mesmo imóvel;
-em 2010 a AT emitiu uma liquidação adicional de IRS, referente a mais-valias, tendo considerado como valor de aquisição o valor residual e como valor de venda o valor real da venda efectuada.

Na sentença recorrida entendeu-se que a liquidação era ilegal porque não considerou para efeitos de valor de aquisição o valor das rendas pagas ao longo daquele período de 9 anos.
A Fazenda pública invocando o disposto nos artigos 46º, n.º 1 do CIRS e 12º, n.º 14 do CIMT, mantém que o valor de aquisição deve ser o correspondente ao valor residual.

Vejamos então.
Dispunha à data o artigo 12º, n.º 14 do CIMT, sob a epígrafe “Valor tributável”, que o valor dos bens imóveis ou do direito de superfície constituído sobre os imóveis locados, adquiridos pelo locatário, através de contrato de compra e venda, no termo da vigência do contrato de locação financeira e nas condições nele estabelecidas, será o valor residual determinado ou determinável, nos termos do respectivo contrato.
Por sua vez dispunha o artigo 46º, n.º 1 do CIRS, sob a epígrafe “Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis”, que no caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação de….IMT.
Como claramente resulta da alegação da Fazenda Pública, à data da alienação do imóvel pelo impugnante ainda não se encontrava em vigor o disposto no artigo 46º, n.º 5 do CIRC, que só foi aditado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e que passou a dispor que, nos casos de bens imóveis adquiridos através do exercício do direito de opção de compra no termo da vigência do contrato de locação financeira, considera-se valor de aquisição o somatório do capital incluído nas rendas pagas durante a vigência do contrato e o valor pago para efeitos de exercício do direito de opção, com exclusão de quaisquer encargos.
Como bem se depreende das várias normas fiscais que incidem sobre o contrato de locação financeira, todas elas têm em conta que, no caso de aquisição do imóvel no final do contrato, se deve ter em conta não só o valor residual de aquisição, mas também e ainda, o valor das rendas pagas ao longo do período acordado, encontrando-se, por isso, enformadas pelo princípio da neutralidade fiscal, cfr. preâmbulo do DL n.º 311/82 de 4 de Agosto.
Em especial essa preocupação verifica-se no IMT, artigo 12º, n.º 14, uma vez que o locatário já arcou com o IMT pago pela locadora aquando da aquisição do imóvel desde logo porque o valor desse imposto foi repercutido pela mesma locadora no valor das rendas por si pagas.
E se o legislador teve o cuidado de salvaguardar esta concreta situação, de modo a que o locatário não pagasse duas vezes o IMT no caso de aquisição do imóvel no final do contrato, não pode agora retirar-se deste preceito legal uma solução que, para efeitos de mais-valias, prejudique fortemente o locatário, contrariando, assim, aquele princípio estruturante.
Fazendo-se uma interpretação meramente literal daquele artigo 46º, n.º 1 do CIRS, tal como pretende a Fazenda Pública, sem ter em conta as razões que presidiram à elaboração do referido artigo 12º, n.º 14 do CIMT, que aliás vieram a ter consagração expressa em 2011 no n.º 5 desse mesmo artigo 46º, estar-se-ía a subverter o regime especial criado pelo legislador e a tributar as ocorrências inerentes a tal tipo de contrato sem ter em conta as suas especificidades próprias que não se verificam nos meros contratos de compra e venda de imóveis, ou seja, o locatário veria a sua posição agravada, aquando da venda do imóvel, face ao proprietário que tenha adquirido o imóvel sem recurso ao regime da locação financeira. Ora, tal distinção ou descriminação negativa não encontra justificação ou apoio na lei vigente à data da ocorrência do facto tributário.
Podemos, assim, concluir que não assiste razão à Fazenda Pública neste recurso que nos dirigiu.

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo decidem, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 17 de Junho de 2015. – Aragão Seia (Relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.