Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0138/23.6BALSB
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
REVISÃO OFICIOSA
TERMO INICIAL
Sumário:«Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do ato de liquidação que não foi oportunamente reclamado nem impugnado e vindo o ato a ser anulado em decisão arbitral, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT».
Nº Convencional:JSTA000P32049
Nº do Documento:SAP202403210138/23
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

A DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, tendo sido notificada, por ofício de 07.06.2023, do Acórdão n.º 331/2023, de 6.06.2023, do Tribunal Constitucional, no processo n.º 465/21-TC, que decidiu não tomar conhecimento do recurso, oportunamente apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, da Decisão arbitral proferida em 11.04.2021 no Processo n.º 455/2020-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e não se conformando com a parte da mesma que reconheceu ao ali Requerente AA, portador do NIF ...99, com residência Rua ..., ..., ..., ... ..., o direito a juros indemnizatórios contados «desde a data do pagamento do imposto indevido até à data do efetivo reembolso», dela interpôs o presente recurso nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do n.º 2, do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, invocando contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no Processo nº 022/18.5BALSB, de 27 de fevereiro de 2019.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

A) A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal da Decisão Arbitral, de 11.04.2021, emitida no processo n.º 455/2020- T, do CAAD, por estar em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 27.02.2019, no Processo n.º 022/18.5BALSB, que se indica como fundamento, designadamente, no segmento decisório respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do respetivo pagamento até à data do integral reembolso.

B) A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 27.02.2019, no processo n.º 022/18.5BALSB, que se indica como fundamento, relativamente ao termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios, no caso de revisão oficiosa do ato tributário por iniciativa do contribuinte.

C) O pedido de pronúncia arbitral foi deduzido na sequência do indeferimento tácito, após o pedido de revisão oficiosa, apresentado em 05.02.2020, das liquidações de Imposto sobre Veículos, e que resultaram da apresentação, pelo ora Recorrido, das Declarações Aduaneiras de Veículo (DAV) constantes do processo, efetuadas pelas Alfândega do Jardim do Tabaco e de Setúbal, que sustentou a tempestividade da pretensão da Requerente junto da instância arbitral..

D) A Decisão Arbitral sob recurso entendeu, na parte em que se refere aos juros indemnizatórios, serem devidos pela AT, a contar da data do pagamento do imposto.

E) A Decisão Arbitral recorrida incorreu, pois, em erro de julgamento ao não enquadrar o direito a juros indemnizatórios, como devia, no artigo 43º, nº 3, alínea c) da LGT, que consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios.

F) No Acórdão fundamento estava em causa “a extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43.º n.º 3 al. c) LGT)”, tendo esse douto STA decidido quanto à extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43º, nº 3, al c) da LGT), que “A decisão recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação”, concluindo que “não há lugar a juros indemnizatórios visto o pedido de revisão do acto tributário haver sido decidido em período inferior a um ano contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no art.º 43.º, n.º 3, c) da Lei Geral Tributária.”.

G) Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com o pagamento de juros indemnizatórios nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por nova Decisão que determine a improcedência do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 6, do artigo 152º do CPTA.

H) A infração a que se refere o nº 2, do artigo 152º do CPTA, traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão Arbitral viola o disposto na alínea c), do nº 3, do artigo 43º da LGT, o qual determina que, nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.

I) Como tem sido entendido pela Jurisprudência e Doutrina, o regime estabelecido no artigo 152.º do CPTA, para os recursos para uniformização da jurisprudência, destina-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

J) No presente caso, estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do Recurso, impostos pelo artigo 152º do CPTA, designadamente os enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21.04.2016, proferido no processo nº 0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02.02.2017, proferido no proc. 4902/14.9T2SNT.LI.SI-A.

K) Está em causa a aplicação, de forma diversa, dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos, mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, a págs. 809), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso nº 87156, de 26.04.1995.

L) Resulta claro da jurisprudência assente desse Alto Tribunal que a norma do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, que se aplica aos casos de revisão, como o dos autos, que não se enquadra na situação típica em que há impugnação da liquidação após o pagamento do imposto em causa.

M) Concluindo-se que, ao não ter subsumido o caso sub judice à alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT, a Decisão Arbitral recorrida evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo Pleno do STA:

- no Acórdão convocado como fundamento, de 27.02.2019, proferido no Proc.º 022/18.5BALSB

- e com a sua Jurisprudência mais recente, designadamente a firmada no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.05.2022, no Processo nº 159/21.3BALSB, sobre a mesma matéria e em que estava em causa situação fática absolutamente idêntica e tendo por objeto o mesmo Imposto sobre Veículos.

Pelo que deve ser substituída por nova decisão que julgue improcedente o pedido de condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.».

Pediu fosse o recurso admitido e julgado procedente, revogando a decisão arbitral no segmento decisório sob recurso e substituindo-a por acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente, «de acordo com o qual não existe direito a juros indemnizatórios».

O recurso foi admitido com efeito suspensivo da decisão arbitral recorrida.

Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

O Digno Magistrado do M.º P.º foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e lavrou douto parecer, no sentido de que o mérito do presente recurso não deve ser conhecido ou, caso assim não se entenda, no sentido de que deve o mesmo ser julgado procedente.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.


***

2. Dos fundamentos de facto

2.1. A decisão arbitral recorrida relevou e deu como provados os seguintes factos: «(...)

a. O Requerente introduziu em Portugal, durante os anos de 2017, 2018 e 2019, uma série de veículos automóveis de passageiros que adquiriu em estado usado em outros Estados Membros da EU.

b. No cumprimento das suas obrigações legais, designadamente tributárias, procedeu às Declarações Aduaneiras dos referidos veículos, através apresentação das DAV acima mais bem identificadas, tendo a Administração Tributária liquidado o ISV (Imposto Sobre Veículos) pelo valor de € 311.366,73.

c. De acordo com a informação constante das referidas DAV, o valor global de ISV liquidado tem como parcelar um montante de € 233.811,72, referente à componente cilindrada e um montante de € 133.090,17, referente à componente ambiental.

d. No que concerne à componente de cilindrada, foi deduzida uma quantia de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do Código do ISV, aplicável aos veículos usados (Cfr. DAVs).

e. Relativamente ao montante de € 133.090,17, respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de dedução (cfr. DAVs).

f. Não se conformando com o procedimento adotado, em 17.02.2020, o Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), um Pedido de Revisão Oficiosa dos atos de liquidação de imposto, junto do Serviço de Finanças do Seixal 2, que por sua vez remeteu para a Alfândega do Jardim do Tabaco.

g. Com vista à apreciação do pedido de revisão foi elaborada a informação n.º ...20, de 28.02.2020, daquela alfândega, não tendo o mesmo sido objeto de decisão.».

2.2. O acórdão fundamento reproduziu a seguinte matéria de facto, dada como assente na decisão arbitral ali recorrida: «(...)

1) A Requerente e proprietária do prédio urbano, descrito na Caderneta Predial Urbana como terreno para construção urbana, inscrito sob o n°..., da Freguesia de..., Concelho de Loulé, Distrito de Faro.

2) O Valor Patrimonial Tributário (VPT) era, para efeitos das liquidações de Imposto do Selo em crise (ano 2012 e ano 2013), de EUR 1.009.490,00, determinado em 2012.

3) Sobre o imóvel acima identificado foram emitidas as seguintes liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1.):

4) O montante de Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR 10.094,90, relativo ao ano de 2012, deveria ser pago até 31 de Dezembro de 2013, através da nota de cobrança n° ...13...

5) Dado que o referido montante não foi pago dentro do prazo limite para pagamento voluntário, a divida evoluiu para cobrança coerciva, tendo dado origem ao processo de execução fiscal (PEF) n° ...2014..., instaurado em 20 de Janeiro de 2014, no valor total de EUR 10.324,52.

6) O imposto (EUR 10.094,90) e o respectivo acrescido (EUR 229,62) foram pagos, em 25 de Junho de 2014, em sede de execução fiscal.

7) O montante de Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR 10.094,90, relativo ao ano de 2013, deveria ser pago de acordo com as seguintes prestações:

8) A Requerente não pagou nenhuma das prestações de imposto, relativas ao ano 2013, dentro do prazo para pagamento voluntário legalmente estabelecido para o efeito, tendo a divida) evoluído para cobrança coerciva, dando origem aos seguintes PEF, instaurados em Junho de 2014, nos seguintes termos (montantes em Euros):

9) A Requerente apresentou, em 30 de Outubro de 2015, requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Loulé ..., no âmbito dos PEF identificados nos pontos 5.1.5, 5.1.6. e 5.1.8., no sentido de requerer a extinção das referidas execuções fiscais e “C..) o levantamento de eventuais penhoras que possam ter sido (...) realizadas para garantia das alegadas dívidas (...), bem como o cancelamento do seu registo se a este tiver havido Lugar (…)”.

10) A Requerente apresentou, em 28 de Setembro de 2016, dois pedidos de revisão oficiosa de acto tributário relativos aos actos de liquidação acima identificados no ponto 5.1.3., no sentido de peticionar, para cada um dos anos em causa (2012 e 2013), a “C..) rescisão do acto tributário de imposto do selo da verba 28.1 da TGIS (..j”; e em consequência, requerer “C..) a anulação desse acto tributário (…)”, e “(...) a restituição à Requerente da quantia indevidamente paga (...) acrescida de juros indemnizatórios sobre essa importância, contados desde o pagamento indevido (...) até à data da emissão da respectiva nota de crédito, à taxa legal (…)”.

11) A Requerente foi notificada dos despachos de deferimento parcial de cada um dos pedidos de revisão oficiosa dos actos tributários acima identificados (com dispensa do direito de audição prévia), formulados com base na Informação n° ...17..., de 04-05-2017 (processo n° ...16... relativo ao Imposto do Selo de 2012) e com base na Informação n° ...17..., de 04-05-2017 (processo n° ...16... relativo ao Imposto do Selo de 2013), ambas da DS de IMT, as quais foram emitidas no sentido de decidir “C..) o deferimento parcial da (...) revisão oficiosa para cada um dos actos, “C..), com as seguintes consequências:

a. Relativamente ao ano 2012, determinou-se “(…) a anulação da liquidação contestada; a restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 10.094,90; o não reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios (…)” e, “quanto ao valor de € 229,62, também (…) reclamado, e referente a juros de mora e custas cobrados em sede de execução fiscal (…) o procedimento de revisão dos actos tributários (…) não é o meio próprio para apreciar esta matéria (…)”, dela não conhecendo;

b. Relativamente ao ano 2013, determinou-se “(…) a anulação da liquidação contestada; a restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 10.094,90; o não reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios (…)” e, “quanto ao valor de € 455,35, também (…) reclamado, e referente a juros de mora e custas cobrados em sede de execução fiscal (…) o procedimento de revisão dos actos tributários (…) não é o meio próprio para apreciar esta matéria (…)”, dela não conhecendo».


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3. Dos fundamentos de Direito

3.1. O presente recurso tem por objeto uma decisão arbitral e foi interposto ao abrigo do disposto nos artigos 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos

Tem, por isso, como fundamento a oposição de julgados. E tem como objetivo fundamental a uniformização de jurisprudência.

Importa, por isso, começar por verificar se estão reunidos os pressupostos substantivos de que depende o conhecimento deste recurso.

Pressupostos que, no essencial, se traduzem em saber se as questões de direito suscitadas nas duas decisões (a decisão recorrida e a decisão fundamento) são substancialmente idênticas e se a resposta que lhes foi dada é diversa e contraditória.

A esta questão respondemos afirmativamente.

Ou seja, que há identidade substancial entre a questão apreciada na decisão arbitral recorrida, na parte de que se recorre, e a questão apreciada no acórdão fundamento.

E que, na decisão arbitral recorrida, se respondeu a essa questão de forma diversa e contraditória com o que foi decidido no acórdão fundamento.

É idêntica a questão porque, quer na parte recorrida da decisão arbitral, quer no acórdão fundamento, foi apreciada a questão de saber se – tendo sido formulado pedido de revisão oficiosa de liquidação depois de esgotados os prazos para a impugnação graciosa ou contenciosa, e tendo sido posteriormente anulada (total ou parcialmente) a liquidação por ter sido determinada a existência de erro imputável aos serviços de que resultou pagamento da dívida tributária superior ao devido – o sujeito passivo tinha direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido (nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária) ou contados desde a data em que se completou um ano sobre o pedido de revisão (nos termos da alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo).

E a resposta foi contraditória, porque, na decisão arbitral recorrida foi decidido que, nessas circunstâncias, o sujeito passivo teria direito a juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do artigo 43.º citado (isto é, desde a data do pagamento indevido). Enquanto, no caso do acórdão fundamento foi decidido que, nas mesmas circunstâncias e à face da mesma norma, o sujeito passivo teria direito a juros indemnizatórios nos termos da alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo (isto é, só teria direito a juros indemnizatórios se a decisão de rever ou anular a liquidação se efetuasse mais de um ano após o pedido deste e desde esta data, salvo se o atraso na decisão não fosse imputável à Administração Tributária).

É bem verdade que, no caso da decisão arbitral recorrida, a decisão de anular parcialmente a liquidação foi proferida ainda dentro do prazo de um ano a contar do pedido correspondente. Enquanto no caso do acórdão fundamento, a decisão de anulação só sobreveio depois de decorrida esta data.

Mas tem sido entendido maioritariamente nesta Secção que estas circunstâncias não relevam para saber se há oposição, mas para a decisão de mérito. Na essência, porque o prazo em que foi decidida a revisão não constitui o pressuposto da aplicação de um regime ou de outro, mas um elemento a considerar na aplicação do regime da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º citado (tomando já de partida que é este o regime que se aplica) e tendo em vista a determinação das suas consequências no caso.

Dizendo de outro modo: não se trata de um facto que releva para saber se há divergência na determinação da norma aplicável (e, por isso, oposição quanto à questão de saber se se aplica uma norma ou outra) mas para estabelecer as consequências da norma aplicável no caso.

Conclui-se, por isso, que estão reunidos os pressupostos substantivos para o conhecimento do mérito deste recurso.

O que se fará no ponto seguinte.

3.2. A questão suscitada no presente recurso tem sido colocada por diversas vezes no Supremo Tribunal Administrativo e tem merecido resposta uniforme, quer na Secção de Contencioso Tributário, quer no Pleno da mesma Secção (por todos, o recente acórdão do Pleno da Secção, de 24 de janeiro de 2024, tirado no processo n.º 0108/23.4BALSB).

Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, atualmente consolidada, limitamo-nos a remeter para a fundamentação expendida neste acórdão, dispensando a junção deste aresto por se encontrar disponível em redação integral in www.dgsi.pt.

Nesse acórdão ficou decidido, por remissão para jurisprudência anterior, que, nos casos em que é pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do ato de liquidação e o ato venha a ser anulado em impugnação judicial dessa liquidação (ou em decisão arbitral equivalente) e na sequência do indeferimento daquele pedido de revisão oficiosa, os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado.

No caso dos autos, verificamos que as liquidações de ISV remontam a 2017, 2018 e 2019 e que o pedido de revisão das liquidações só foi apresentado em 17 de fevereiro de 2020 (cfr. facto provado sob a alínea “f”) tendo o pedido arbitral sido apresentado na sequência do indeferimento tácito da revisão e decisão arbitral que veio anular as liquidações sido proferida em 11 de abril de 2021.

Nesta circunstância, concluímos que os juros indemnizatórios apenas são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão.

Assim sendo, não pode deixar de ser revogada a vertente da decisão arbitral que fixou juros indemnizatórios desde a data do pagamento, nesta medida se concedendo provimento ao recurso.


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4. Conclusão

Em jeito de conclusão, reproduzimos o sumário do acórdão do Pleno acima referido:

«Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do ato de liquidação que não foi oportunamente reclamado nem impugnado e vindo o ato a ser anulado em decisão arbitral, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT».


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em tomar conhecimento do mérito do recurso, concedendo-lhe parcial provimento e anulando a decisão arbitral recorrida no segmento acima indicado.

Custas do presente recurso na proporção do decaimento, que se fixa, para este efeito, na percentagem de 50% para cada uma das partes.

D.n.

Lisboa, 21 de março de 2024. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro (vota a decisão ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil) – Anabela Ferreira Alves e Russo – Fernanda de Fátima Esteves – João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.