Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0654/12
Data do Acordão:06/27/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
PENHOR
ADMISSIBILIDADE
IDONEIDADE
Sumário:I - A prestação de garantia através de penhor para suspensão da execução fiscal é legalmente admissível, de acordo com o disposto no artº 199º, nº 2 do CPPT, exigindo-se a concordância da administração tributária.
II - Cabendo embora a esta a apreciação da idoneidade, deve ser aceite a garantia se esta, objetivamente e no momento do pedido, é apta a garantir a totalidade da dívida e do acrescido, não podendo ser a mesma rejeitada com fundamentos abstratos e teóricos, como o de que se trata de um crédito futuro e o de que a devedora é uma SGPS, sendo que esta pode ser liquidada de um momento para o outro, ficando prejudicada a eventual execução da garantia.
Nº Convencional:JSTA00067706
Nº do Documento:SA2201206270654
Data de Entrada:06/12/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E MULHER
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART199 N5 N6 N2
LGT98 ART52 N3
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0208/12 DE 2012/03/14; AC STA PROC0126/12 DE 2012/02/15; AC STA PROC0786/11 DE 2011/09/21; AC STA PROC010006/11 DE 2011/11/07
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Viseu que julgou procedente e reclamação deduzida por A……. e B……., contra despacho do órgão da execução fiscal que considerou inidónea a garantia por eles apresentada e constituída por penhor, para suspensão de execução fiscal nº 2720201101070010 do Serviço de Finanças de Viseu contra os mesmos instaurada para cobrança coerciva do IRS do ano de 2008 e juros compensatórios no montante global de 429.024,91 euros, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a reclamação apresentada nos autos com a consequente revogação do despacho reclamado, sendo que o despacho reclamado considerou inidónea a garantia apresentada pelos reclamantes e que consiste num penhor de um crédito que detêm sobre a sociedade "C……", não tendo dispensado a prestação de outra garantia por considerar não estarem reunidos os requisitos;

b) A questão central reside em determinar se a decisão que não aceitou o penhor para suspensão da execução fiscal, por considerar essa garantia no caso em concreto como inidónea, está ferida de vício de violação de lei; Antecipando a resposta, não ocorreu o aludido vício, o que se tentará demonstrar;

c) Da conjugação do disposto nos art.°s 52° da LGT, 169°, 195° e 199°, estes do CPPT, resulta que pode a cobrança da dívida tributária ser suspensa através de prestação de garantia idónea, estando a Autoridade Tributária vinculada à lei e havendo que observar o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais e a proibição da concessão de moratórias no seu pagamento;

d) A expressão "garantia idónea" consubstancia um conceito -ar, no caso concreto, a adequação do meio oferecido para assegurar a cobrança efetiva da dívida exequenda, abrindo, neste ponto, uma margem de discricionariedade à Administração; Na falta de uma definição legal de garantia idónea, pode afirmar-se que o conceito de idoneidade depende da capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efetiva cobrança dos créditos garantidos e resulta da conjugação do disposto no art.° 169° com os art.°s 199° e 217° do CPPT, ex vi n° 2 do art.° 52° da LGT - Neste sentido, vide Acórdão do STA de 21.09.2011, Recurso n°. 0786/11 e doutrina de Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art.° 199°;

e) Na situação dos autos, o objeto deste concreto penhor consubstancia um direito de crédito futuro (ainda não vencido); A sociedade devedora deste crédito é uma SGPS - "C……" e o seu ativo é constituído por participações sociais e créditos sobre participadas; O património destas sociedades é constituído por um tipo de ativos com grande oscilação em termos de valor de mercado, além da sua possibilidade de liquidação quase instantânea, As partes intervenientes no contrato celebrado foram os reclamantes e a SGPS, SA, ao qual é alheia a Autoridade Tributária, sendo que no caso de incumprimento desse contrato, no caso de transmissão das ações ou outras situações, o credor fica sem possibilidades de assegurar a realização do seu crédito, situações que não são passíveis de controlo pela Autoridade Tributária;

f) Em resultado da conjugação dos factos antes elencados, a Autoridade Tributária entende que existe falta de idoneidade da garantia (penhor de créditos) apresentada, em virtude de não ficar acautelado o interesse público e a salvaguarda da cobrança da dívida exequenda, por o direito de crédito futuro objeto de penhor se vencer apenas em 27.12.2018 ou, em alternativa, logo que transitada em julgado a eventual decisão judicial desfavorável sobre a impugnação judicial que os executados vão apresentar e que terá por objeto a legalidade da dívida exequenda e, por existirem fatores externos à vontade dos executados, como a subsistência dos vínculos contratuais, o pagamento pontual do crédito ou, até mesmo, a insolvência ou extinção da "C……, que podem fazer perecer ou tornar insuficiente a garantia;

g) Assente que a garantia a prestar deve ser idónea e que o ónus da prova dessa idoneidade cabe aos executados, atentas as particularidades do penhor de créditos em causa, competia aos agora reclamantes demonstrar a capacidade financeira e bancária da sociedade "C…… para solver a dívida", o que não sucedeu, pois que se limitaram a afirmar que possui uma estrutura sólida, mas sem que fosse acompanhada de elementos demonstrativos dessa realidade;

h) Segundo defendido na sentença recorrida os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária referentes ao grau de risco da execução da garantia introduzem uma restrição ao conceito de idoneidade da garantia que não tem suporte legal, acrescentando que o critério para aferir da idoneidade do penhor resulta da suficiência do valor dos bens oferecidos para assegurar o pagamento do crédito exequendo, do que a Fazenda Pública discorda, porquanto, do nosso ponto de vista e atento o princípio da unidade do sistema jurídico previsto no art.° 9º, n°. 1 do Código Civil, não quis o legislador uma avaliação do conceito de idoneidade somente em função do valor (devendo revestir características de segurança, estabilidade e credibilidade), nem tal se retira da leitura dos preceitos que regulam essa matéria, mormente art.° 199° do CPPT e 52°, n°. 2 da LGT;

i) Salvo melhor entendimento, não foi esse o espírito do legislador, para o que importa analisar a questão à luz das relações de direito privado;

j) Em termos similares, a propósito da apreciação da idoneidade de caução, veja-se o disposto no art.° 984°, n°. 2 do CPC e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.06.2006, proferido no Processo n°. 0632708 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 16.11.2006 e proferido no processo n°. 5246/2005-6, nos quais se discutia sobre se a caução oferecida - penhor sobre direitos de crédito e penhor de madeira - era idónea;

k) Apelando ao raciocínio vertido nos mencionados acórdãos conclui-se que na prestação de caução (em moldes semelhantes à prestação de garantia na execução fiscal), há que averiguar da idoneidade dos bens/créditos oferecidos, neles se clarificando que a razão de ser da caução (leia-se, garantia a prestar) decorre da necessidade de prevenir quaisquer possíveis riscos para a cobrança do crédito do exequente por virtude da suspensão da execução; Esclarece-se também nesses dois acórdãos que na aceitação da caução (garantia), há que acautelar riscos que se pretendem prevenir, como por exemplo, o perigo de deterioração/depreciação, de vir a ser titular de um crédito de montante bem inferior ao inicialmente atribuído, as despesas e encargos de manutenção do bem, entre outros;

I) Ora, fazendo um paralelismo de regimes entre a prestação de caução no domínio do direito privado, regulado no CPC, e a prestação de garantia na execução fiscal na área do direito público, previsto no CPPT, temos que a idoneidade da prestação de caução não se basta com o valor dos bens/créditos no momento em que é prestada, antes deve ter em conta os eventuais riscos futuros que possam afetar a segurança da cobrança do crédito do exequente por virtude da suspensão da execução;

m) Aqui chegados, temos de concluir que se tal ponderação de riscos futuros da garantia a prestar, suscetíveis de afetar a cobrança do crédito (segurança da garantia), tem de ser considerada e acautelada na prestação de caução nas relações privadas, dela dependendo a idoneidade e consequente aceitação da mesma, por maioria de razão nas relações de direito público, como ocorre na área do direito fiscal (em que estão em causa especiais interesses de natureza pública), esse tipo de riscos, não pode deixar de ser tomado em conta, o que foi feito no caso dos autos pelas razões já anteriormente elencadas para que se remete;

n) Reitera-se que, não densificando a lei o conceito de idoneidade da garantia, certo é que na sentença recorrida a idoneidade do penhor de créditos vem reportado apenas à suficiência abstrata em termos de valor, mas sem que esteja cumprido o requisito da segurança bastante para se ter por acautelada a dívida tributária, o que pode comprometer a eficaz e regular cobrança da dívida tributária;

o) Prosseguindo o nosso raciocínio, na sentença recorrida vem referido que na realidade atual considerando a volatilidade da economia há que assumir alguma maleabilidade, ao que a Autoridade Tributária contrapõe que, não obstante seja sensível ao estado da conjuntura económica, tem de observar o princípio da legalidade, genericamente aplicável à Administração Pública nos termos do art.° 3º do CPA e, concretamente à Autoridade Tributária, nos art.° 5º, n°. 2 e 8º, ambos da LGT;

p) Em função do princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais e da proibição da concessão de moratórias no seu pagamento e atento o princípio da legalidade, não pode a Autoridade Tributária pautar-se por critérios de maleabilidade, como se refere na douta sentença, pois, que tal acarretaria uma derrogação do princípio da legalidade;

q) Acresce que no panorama atual a economia apresenta-se muito imprevisível, o risco associado a aplicações financeiras ou partes de capital é elevado, pelo que, o invocado sobre a maleabilidade da aceitação de garantias também pode ser encarado de forma inversa, no sentido de que a volatilidade da economia é tal que torna ainda mais "frágeis" certo tipo de garantias, não se revelando adequadas a assegurar a cobrança dos créditos tributários;

r) Acresce que no entender do Tribunal não relevam os riscos associados ao penhor de créditos elencados no despacho reclamado, designadamente porque o Órgão de Execução Fiscal tem a possibilidade e o dever de estar atento à dinâmica das situações e, se necessário, determinar o reforço ou até a substituição da garantia, posição que não subscrevemos porque da contraposição efetuada entre o regime de prestação de garantia previsto no CPC e no CPPT, resulta que, por maioria de razão, em sede tributária, devem ser ponderados os riscos de verificação futura, entre os quais o risco de insolvência, de transmissão das ações ou até da perda do seu valor, designadamente atenta a atual conjuntura económica conturbada e em constante mutação;

s) A ser assim (o que não se concebe), para averiguar da manutenção da idoneidade da garantia para assegurar a cobrança do crédito, faz-se impender sobre a Autoridade Tributária o ónus de acompanhamento permanente do penhor de créditos em questão para analisar se estão a ocorrer atos de dissipação patrimonial, desvalorização das ações e outros factos suscetíveis de influenciar o valor da garantia, com os custos e encargos que isso acarreta e a falta de meios, o que redundaria numa inaceitável violação do princípio da proporcionalidade previsto nos art.° 5º do CPA e art.° 46° do CPPT na vertente do credor tributário;

t) Da leitura do art.° 199° do CPPT não resulta que o legislador tenha querido desproteger o credor tributário ou impor-lhe sacrifícios excessivos, em benefício do devedor tributário, até porque o ónus da prova da idoneidade da garantia oferecida cabe aos executados agora reclamantes, sendo que por parte dos mesmos muito vem alegado, mas pouco provado, não tendo demonstrado a consolidação financeira e patrimonial da SGPS mediante a exibição de documentos contabilísticos e bancários que atestem a capacidade financeira/patrimonial da referida sociedade para cumprir a obrigação tributária em dívida;

u) Contrariamente ao referido na douta sentença, da leitura do teor do despacho reclamado não resulta que a decisão proferida de rejeição do penhor de créditos tenha sido tomada "sem mais e de forma discricionária", uma vez que esse ato está devidamente fundamentado, de facto e de direito, revelando o itinerário através do qual essa garantia não pode ser aceite por inidoneidade;

v) A decisão recorrida imputa ao despacho reclamado o vício de violação de lei porque a Autoridade Tributária aferiu a idoneidade do penhor, utilizando critérios que não têm suporte legal, do que a Fazenda Pública diverge - sobre o conceito de vício de violação de lei vide "Diogo Freitas do Amaral", Curso de Direito Administrativo, Volume II, Editora Almedina, fls. 391 e seguintes;

w) Uma vez que o conceito de idoneidade não é fornecido pelo legislador fiscal nem consta de qualquer outro diploma que seja subsidiariamente aplicável, a Autoridade Tributária ao fazer a sua aplicação no caso concreto praticou um ato que comporta discricionariedade, no entanto, não foi pelo Órgão de Execução Fiscal violado qualquer princípio constitucional ou princípio geral de direito, razão porque não padece o despacho reclamado do vício de violação de lei que, do nosso ponto de vista, não tem aqui aplicação;

x) Em suma, não está verificado o vício de violação de lei e os critérios de idoneidade patentes na sentença não têm suporte legal, devendo manter-se a legalidade do despacho reclamado porque fundamentador, de facto e de direito, da não aceitação do penhor de créditos por não revestir idoneidade para o efeito à face da lei aplicável.

Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a decisão recorrida ser revogada, com as devidas consequências legais.

II. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 520/521, no qual defende a manutenção da decisão recorrida, com a consequente improcedência do recurso.

III. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

A) No âmbito da execução fiscal n° 2720201101070010 do Serviço de Finanças de Viseu, onde se visa a cobrança coerciva de IRS do ano de 2008 e juros compensatórios no montante global de 429 024,91€, são executados os aqui Reclamantes A…… e B……. (cfr. fls. 1 e 2 dos presentes autos, aqui dados como reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos);

B) Na sequência da citação os executados ora Reclamantes, em 25-10-2011, afirmando a pretensão de deduzirem reclamação graciosa e/ou impugnação judicial com vista a questionarem a legalidade da dívida exequenda, para o efeito de suspender a execução, requereram informação "sobre o valor pecuniário da garantia que pretendem e deverão prestar...", vide nºs. 45 a 53;

C) Respondeu o Órgão de Execução Fiscal informando o valor de € 541.569,19, decisão comunicada aos executados em 7-11-2011, à qual eles reagiram oferecendo como garantia a constituição de penhor sobre uma parte do crédito no total de € 3.186.821,34 resultante da venda que em 27 de dezembro de 2008 fizeram de ações, pelo preço de € 4 000 000,00, à "C……'', que detinham na sociedade "D……” e, se porventura for entendido que a referida garantia não pode ser aceite, o que só por mera hipótese se admite, devem ser dispensados de prestar garantia porque o rendimento mensal líquido, o património imobiliário que lhes pertence e os encargos dele decorrente e demais encargos não lhes permite prestar outra garantia, sendo que o único ato de alienação de património que realizaram foi a venda de ações que está na origem dos presentes autos (cfr. fls. 59 a 61);

D) O Órgão de Execução Fiscal apreciando a garantia oferecida e, na hipótese da sua não aceitação, o pedido de dispensa de prestação de garantia, através de despacho proferido em 2012-01-16, indeferiu "a pretensão dos requerentes e mais ordenou a notificação dos mesmos para no prazo de 10 dias, apresentarem garantia idónea..."(vide fls. 182 a 185);

E) Despacho notificado aos Reclamantes em 2012-01-18 e cuja reação originou, em 2002-0203, a apresentação da reclamação que deu origem aos presentes autos (cfr. fls. 194 a 392);

F) Para além do penhor de crédito referido em C), os aqui reclamantes e a C……. celebraram, em 21 de novembro de 2011, um aditamento ao contrato de compra e venda de ações onde clausularam para além do mais que a compradora das ações aceita a constituição do mencionado penhor e "obriga-se desde já a não entregar aos segundos outorgantes essa importância pecuniária de €541.569,19 que, como parte do atual créditos dos segundos outorgantes sobre ela, primeira outorgante, constituirá o objeto do penhor em referência; obriga-se também a manter na sua posse essa importância pecuniária até ao momento em que transitar em julgado e se tornar definitiva a decisão judicial que há de ser proferida na impugnação... se a decisão vier a ser desfavorável... quando transitar em julgado e se tornar definitiva... a primeira outorgante igualmente desde já se obriga a considerar então imediatamente vencida e exigível a sua obrigação de proceder ao pagamento da referida importância pecuniária de € 541.569,19 e entregá-la diretamente à Administração Fiscal ...".(vide fls 88 e 89);

G) A venda de ações referida em C), para além do mais, esteve na origem da liquidação que deu causa à divida exequenda cuja cobrança coerciva é objeto da execução fiscal n° 2720201101070010 do Serviço de Finanças de Viseu (cfr. docs. de fls. 5 a 30);

H) Por despacho proferido em 2011.10.06 a Entidade exequente constituiu hipoteca legal sobre os bens imóveis dos Reclamantes, os prédios urbanos n°s 1668 e 2203, das Freguesias de S. Salvador e do Coração de Jesus, ambas de Viseu (vide fls. 31 a 41 e 61 a 70).

IV. A questão a apreciar no presente recurso é a de saber se a garantia oferecida pelos recorridos era ou não idónea para suspender a execução fiscal.

IV.1. Para julgar inidónea a garantia oferecida pelos recorridos, o órgão da execução fiscal louvou-se nos seguintes argumentos:

a) Falta de idoneidade, nos termos do artigo 199° do citado CPPT.

b) Por não acautelar o interesse público nem salvaguardar a efetiva cobrança da divida exequenda.

c) Por o direito de crédito futuro objeto de penhor se vencer apenas em 27/12/2018, ou em alternativa, logo que transitada em julgado a eventual decisão judicial desfavorável sobre a reclamação graciosa/impugnação que os executados pretendem apresentar e que terá por objeto o (i)legalidade do dívida exequenda e seus fundamentos.

d) Por existirem fatores externos à vontade dos executados, como a subsistência dos vínculos contratuais, o pagamento pontual do crédito ou, até mesmo a insolvência ou extinção da SGPS –C……, que podem perecer ou tornar insuficiente a garantia oferecida.

e) Por haver conflito de interesses, em virtude de os acionistas, além de outros, serem também os próprios executados do processo de execução fiscal.

IV.2. A decisão recorrida, por sua vez, considerou que os fundamentos invocados pela administração tributária referentes ao grau de risco da execução da garantia, introduzem uma restrição ao conceito de idoneidade da garantia que não tem suporte legal, não constituindo parâmetros relevantes no juízo da aferição da garantia oferecida.
Com efeito, perante o oferecimento de determinada garantia, aquela apenas terá de ajuizar se a mesma é ou não suscetível de assegurar o cumprimento dos créditos do exequente. Isto é, o critério para aferir da idoneidade do penhor para funcionar como garantia há de resultar da suficiência do valor dos bens oferecidos para assegurar o pagamento do crédito exequendo e acrescido, sendo totalmente irrelevantes os argumentos invocados no despacho reclamado referentes ao grau de risco dos créditos oferecidos.
Ora, a SGPS devedora integra no seu ativo para além das ações cuja venda originou a dívida exequenda, venda no total de 4.000.000,00 euros, mais duas farmácias, uma de valor superior à que era originariamente dos reclamantes e outra de valor inferior.
Deste modo, estes valores são de montante muito superior ao do valor da dívida exequenda.

IV.3. Os recorridos, nas suas alegações de fls. 498/508, vieram pedir a manutenção da decisão recorrida fundamentando amplamente a sua pretensão em jurisprudência.

Vejamos então.

V.1. Nos termos do artº 169º do CPPT a execução pode ser suspensa desde que prestada garantia ou efetuada penhora que garanta a totalidade da dívida e do acrescido.

Relativamente à prestação de garantia diz o artº 199º do CPPT que esta pode consistir em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente, nomeadamente o penhor e a hipoteca voluntária (nestes casos mediante concordância da administração tributária).

No caso concreto dos autos foi oferecido, como garantia da dívida, o penhor de ações, que o órgão da execução fiscal entendeu como inidóneo.

O valor oferecido foi o que corresponde ao montante indicado pelo órgão da execução fiscal – v. alínea C) do probatório supra.
Como acima se referiu, o órgão da execução fiscal não julgou tal garantia idónea.

V.2. Sobre a idoneidade da garantia, este Supremo Tribunal teve já ocasião de se pronunciar em recentes arestos, nomeadamente:
Acórdão de 14.03.2012 – Processo nº 0208/12,
Acórdão de 15.02.2012 – Processo nº 0126/12,
Acórdão de 21.09.2011 – Processo nº 0786/11 e
Acórdão de 07.11.2011 – Processo nº 010006/11.

No acórdão citado em primeiro lugar, em que estava em causa a recusa de garantia prestada por fiança, ficou escrito, para além do mais, o seguinte:

“Na verdade, o órgão da execução fiscal, perante o oferecimento de garantia mediante fiança, e não se questionando a capacidade do fiador se obrigar nem os quantitativos e prazos dos n.ºs 5 e 6 do art. 199.º do CPPT, deve limitar-se, com vista à averiguação da respetiva idoneidade, se a fiança é ou não suscetível de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, maxime em face do património do fiador. O legislador, na definição da idoneidade legalmente necessária da garantia a prestar para efeito da suspensão do processo executivo, apenas exigiu que a mesma fosse suficiente para assegurar o pagamento dos créditos em cobrança e do acrescido.
Assim, e pese embora uma inegável margem de discricionariedade que assiste à AT nesta matéria, a verdade é que não podem relevar-se como fundamentos válidos os atinentes ao grau de liquidez da garantia.
Como ficou dito no referido acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de fevereiro passado, «[n]a execução fiscal confluem dois interesses conflituantes: o da administração fiscal na realização da cobrança célere dos seus créditos e o direito do executado em discutir a legalidade da dívida exequenda. Dando prevalência ao primeiro, a lei faz depender a suspensão da execução da prestação de garantia idónea, que cubra a totalidade da dívida exequenda. O que significa que a garantia há de ser adequada a satisfazer o interesse da exequente, mas sem onerar ou afetar de forma grave os interesses legítimos do executado. Uma garantia bancária ou um seguro-caução oferecem à exequente maior liquidez imediata do que uma hipoteca ou um penhor de coisas, mas, por outro lado, trata-se de garantias que são mais onerosas para o executado, dado que quer a hipoteca quer o penhor não envolvem encargos com repercussões imediatas na esfera patrimonial do requerente.
Assim se compreende que legislador tenha consagrado no art. 199º do CPPT um conceito amplo de garantia idónea, com vista a acautelar a maior ou menor dificuldade para o executado em conseguir, sem onerar excessivamente a sua situação, apresentar garantia adequada a suspender a execução. E, no mesmo sentido, se deve entender o facto de não se estabelecer nenhuma preferência ou qualquer graduação das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor eficácia resultante da maior ou menor liquidez imediata.
Em conformidade com a melhor doutrina, diz-se que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (Neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.).
No mesmo sentido, estando em causa um pedido de substituição de bens penhorados por garantia bancária, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7/12/2011, proc nº 1006/11, ficou consignado que tal substituição seria admissível, ponto é que “a garantia cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, atenta a previsível duração do processo, pois apenas a garantia da totalidade da dívida exequenda controvertida e acrescido garantem a suspensão da execução até à decisão do pleito”».
Estes considerandos são igualmente válidos relativamente à fiança. É inegável que as diversas formas de prestação de garantia não têm a mesma qualidade ou eficácia, sendo que algumas conferem à AT, enquanto credora, uma maior garantia, na medida em que podem dispensar ou, pelo menos, reduzir ulteriores diligências ou procedimentos com vista à sua execução. Porém, como ficou dito no citado aresto, o legislador não pretendeu dotar a AT de garantia absoluta do seu crédito, tanto mais que o mesmo é ainda incerto, mas tão-só de garantia idónea, que o mesmo é dizer adequada ao fim em vista. Não pode perder-se de vista que prestar garantia não é efetuar o pagamento, mas tão-só vincular um determinado património ao cumprimento de uma determinada obrigação de pagamento.
Assim, como deixámos já dito, a recusa de uma garantia deverá alicerçar-se em razões objetivas relacionadas com a suscetibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, não podendo a AT fundamentar essa recusa em aspetos qualitativos das garantias, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do art. 199.º do CPPT”.

Também no acórdão de 21.09.2011 acima citado se escreveu que a norma do nº 2 do artigo 199º do CPPT não predetermina de forma completa quando é que a garantia é «idónea» para assegurar o pagamento efetivo da dívida, cabendo ao órgão da execução fiscal um juízo de avaliação da capacidade e suficiência da garantia oferecida.
Todavia, nessa avaliação da idoneidade da garantia proposta pelo executado a margem de apreciação é presidida por princípios jurídicos, como a proporcionalidade, que estabelecem parâmetros a que não se pode furtar aquele juízo de avaliação.

Portanto, na apreciação da idoneidade da garantia tem de apreciar-se se ela é ou não apta a garantir a dívida exequenda e o acrescido, sendo certo, como acima se referiu, que estamos em presença de uma garantia, que não de um pagamento, pelo que não se exige uma “certeza absoluta”.

A doutrina referida nos arestos acima indicados vale também para por caso concreto dos autos em que, objetivamente, a garantia oferecida garante a totalidade da dívida e do acrescido.

A argumentação do órgão da execução fiscal é meramente futurista e abstrata e não tem em atenção que, por um lado e tal como resulta do facto da alínea G) do probatório supra, foi também constituída hipoteca legal sobre imóveis dos recorridos; ou, como refere o MºPº no seu parecer de fls. 521, a maioria das razões invocadas são meramente “teóricas”, sem qualquer base factual que as suporte e outras não têm a relevância jurídica que lhe é atribuída; por outro lado, para o caso de vir a revelar-se no futuro que a garantia se tornou manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, sempre o artº 52º, nº 3 da LGT permite que a administração tributária possa exigir ao executado o reforço da garantia.

Temos então que, sendo oferecido penhor de bens que, objetivamente e no momento do pedido, garante a totalidade da dívida e do acrescido, não pode a garantia ser a mesma recusada com meros fundamentos abstratos de que a devedora é uma SGPS e que os créditos são futuros.

Aliás, a ser assim, também poderia ser recusada garantia prestada por hipoteca de imóveis, dado que, pelo menos atualmente, a tendência é no sentido da desvalorização desse tipo de bens.

Pelo que ficou dito, improcedem as conclusões das alegações, improcedendo, por isso o recurso.

VI. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida de procedência da reclamação que indeferiu a prestação de garantia através de penhor de créditos oferecido pelos recorridos.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 27 de Junho de 2012. – Valente Torrão (relator) – Pedro Delgado – Ascensão Lopes.