Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0465/10
Data do Acordão:09/23/2010
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:RUI BOTELHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACTO ILÍCITO
Sumário:I – Para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano; acção improcederá se um destes requisitos se não verificar.
II – A autorização das actividades a que se reporta o n.º 1 do art. 39º do DL 275/99 só pode ser a que tenha subjacente um acto administrativo, só nesse caso saindo violado esse preceito se não for concedido o licenciamento aí contemplado.
Nº Convencional:JSTA000P12169
Nº do Documento:SA1201009230465
Recorrente:ANA - AEROPORTOS DE PORTUGAL,SA E OUTRO
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I Relatório
ANA - AEROPORTOS DE PORTUGAL S.A. vem recorrer da sentença do TAF de Lisboa, de 21.12.09, que julgou parcialmente procedente a acção ordinária interposta por A… e a condenou ao pagamento da quantia de 127.948,74 Euros a título de indemnização por prejuízos sofridos, acrescida de juros de mora legais e ainda ao pagamento de quantia cujo montante relegou para liquidação em execução de sentença.
Para tanto alegou vindo a concluir como segue:
a) Licença ALS/939/99 - a única de que a A... era titular para efeitos do regime transitório do artigo 39°/l do DL n° 275/99 - caducou em 30 de Junho de 1999, antes da entrada em vigor do DL n° 275/99 (de 23 de Julho), pelo que, quando a Autora lhe apresentou, em 30.08.1999, um pedido a solicitar uma licença para a utilização do domínio público aeroportuário, não se lhe aplicava já o regime transitório desse diploma [como se invocou nos artigos 4° a 8° da contestação e nos n°s 109 e 110 das alegações de direito e respectiva conclusão M)];
b) Se é assim e se o DL n° 275/99 foi publicado em 23.07.1999 - tendo entrado em vigor 5 dias depois (de acordo com o artigo 2°/l da Lei n° 74/98, de 11 de Novembro) -, é seguro que a A..., à data da entrada em vigor do referido diploma, não era uma entidade que estivesse autorizada, por lei ou pela entidade gestora, a prestar serviços de assistência em escala no aeroporto de Lisboa.
c) Ou seja, Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento porque não podia valer-se do regime desse preceito legal para censurar a deliberação da ANA, pelo motivo simples, mas insuperável, de que tal regime não era aplicável ao caso da A...
d) As autorizações da ANA (para a viatura e para os trabalhadores) não configuram um acto administrativo adequado a titular o exercício de uma actividade no domínio público aeroportuário, porque, pelo menos no regime dominial aeroportuário, não há licenciamento para exercer uma actividade senão por acto administrativo expresso com esse conteúdo
e) Mesmo que não fosse assim, tais autorizações nunca seriam licenças constitutivas de direitos, não podendo assentar-se nelas um direito de acesso à placa;
f) Pelo que a existência de tais autorizações não é capaz de fundar um juízo de ilegalidade sobre a deliberação da ANA de 16.3.2000, e, nessa medida, um juízo de indemnização por acto ilícito, incorrendo portanto a sentença recorrida em erro de julgamento quando decidiu que é “nisto que se traduz a actuação ilícita da ré na medida em que não autorizou a manutenção da situação de acesso e de exercício de actividade de que a autora até então gozava, em violação do disposto naquele artigo 39º”;
g) Por outro lado, mesmo que se considerasse que as “autorizações” configurariam uma extensão - ilegal, claro, por não ter sido dada pelo Conselho de Administração da ANA - da actividade permitida pela Licença ALS/939/99, elas constituiriam sempre um “título acessório”, digamos assim, do título principal que é a Licença ALS/939199, não podendo subsistir sem esta.
h) Ora, se a Licença ALS1939/99 caducou em 30.6.1999, o mesmo deve valer para essas autorizações, por não ser juridicamente possível que, não podendo a A... fazer assentar na licença o exercício da actividade de supervisão de carga e correio, pudesse ainda assim fazer assentar nas autorizações o exercício de actividades puramente instrumentais daquela primeira, ou seja, que dependem, na sua própria existência, da possibilidade do exercício da tal actividade de supervisão de carga e correio.
i) O que significa então que o TAC de Lisboa incorreu também aqui em erro de julgamento, por pressupor que, além da Licença ALS1939199, também as autorizações estariam sujeitas ao regime de licenciamento automático do artigo 39°/1, quando, em verdade, nem uma, nem outras - erro patente na parte em que refere que é “nisto que se traduz a actuação ilícita da ré na medida em que não autorizou a manutenção da situação de acesso e de exercício de actividade de que a autora até então gozava, em violação do disposto naquele artigo 39.
j) Subsidiariamente, a haver aqui alguma indemnização, ela só poderia assentar no investimento da confiança que a A... terá efectuado por conta das “autorizações” de acesso de viatura à placa, mas então essa indemnização é por acto lícito e corresponde apenas (não aos lucros cessantes), mas às despesas que a A... fez e que de outro modo não teria feito, a saber, a aquisição da viatura (para aceder à placa);
k) Subsidiariamente, errou também a sentença quando condenou a ANA numa indemnização pelos meses 24 (ou 23) reclamados pela A..., pois o facto imputável à ANA só poderá ser causa adequada de danos, como pode ver-se pela própria decisão do INAC, no período máximo de 8 meses, ou seja, entre Março de 2000 (data da deliberação final da ANA) e Novembro de 2000 (data do indeferimento do INAC);
l) O mesmo vale para os restantes prejuízos relativos à Air Afrique (ponto 5.2.), que, mesmo em sede de execução de sentença, nunca poderão ser calculados de “DEZ/99 a ABR/2001”, mas, como dissemos, de Março de 2000 a Novembro de 2000;
m) Em suma, mesmo que os argumentos anteriores não fossem considerados procedentes, sempre se deveria revogar a decisão na parte em que condenou a ANA no montante de €120.908,60 (ponto 5.1.), “pela interrupção do serviço de supervisão de carga e correio aos aviões da SATA, correspondente a 24 meses, à razão de 5.037,856 de facturação mensal média, que apura através da facturação ocorrida nos 11 meses anteriores à interrupção”.
n) Pelo mesmo motivo, também deverá ser revogada a decisão na parte em que condena a ANA ao pagamento de €7.040,14 de indemnização pelo prejuízo tido com a paralisação do veículo (ponto 5.4.) - não durante 22 meses em que esteve impedida, mas apenas os 8 meses referidos - ou os prejuízos com pessoal (ponto 5.5.).
o) Padece ainda de erro de julgamento a sentença a quo por ter condenado a ANA no pagamento de os €4.000,00 “relativos a despesas judiciais e honorários com advogados por causa dos processos relacionados com este assunto”, por violação do disposto na al. e), do n.° 1 do art. 33.°, bem como os artigos 40.° e 41º, todos do Código das Custas Judiciais (“CCJ”).
p) De resto, só em situações excepcionais - que envolvam casos de má fé processual imputável à parte vencida (n.° 1 do art. 457.° do CPC) ou da inexigibilidade da obrigação em que não haja litígio relativamente à sua existência (n.° 3 do art. 662.° do CPC) é que a lei admite que se condene alguém no pagamento dos honorários devidos ao mandatário da outra parte;
q) No limite, poderia eventualmente o montante a título de honorários a pagar à contraparte ser fixado de acordo com regras de equidade - cf. artigo 566.°/3 do Código Civil
Termos em que se requer, com o douto suprimento de Vs. Exas. que se impetra, que o presente recurso jurisdicional seja considerado procedente:
- Considerando-se a ANA absolvida do pedido; - Subsidiariamente, condenada apenas a título de indemnização por acto lícito, no valor de €7.040,14; - Subsidiariamente, com remessa do processo ao TAC de Lisboa, condenada apenas na parte dos prejuízos imputáveis ao período de Março e Novembro de 2000; - E, de qualquer forma, sempre absolvida do pedido de pagamento dos honorários do mandatário da A....”
A ora Recorrida A… contra-alegou e interpôs recurso subordinado, apresentando as seguintes conclusões:
a) O recurso interposto pela Ré deve ser julgado extemporâneo porque o seu requerimento de interposição foi apresentado depois do prazo legal como de seguida se expõe.
b) A Ré, Recorrente Principal, foi notificada da Sentença, a fls. 403 e ss. dos autos, e ora sob recurso, mediante notificação datada de 31.12.2009, considerando-se notificada no dia 04.01.2010.
c) A contagem do prazo de 10 dias para interposição de recurso da Sentença pela Ré, Recorrente Principal, teve início no dia 05.01.2010 e termo no dia 14.01.2010.
d) Porém, a Recorrente Principal, ali Ré, apenas apresentou o requerimento de interposição de recurso no dia 20.01.2010 (cfr. fls. 436 dos autos), isto é, 6 dias após o fim do prazo legal peremptório para o efeito e depois do último dia útil para apresentação do mesmo mediante pagamento de multa, isto é, depois de 19.01.2010.
e) Pelo que a decisão de admissão do recurso interposto pela Ré. Recorrente judicial, é ilegal, em violação dos arts. 145.°, n.° 5, 245.°, n.° 3 e 685.° n.° l todos do CPCivil face à manifesta extemporaneidade do citado requerimento de interposição de recurso, devendo o mesmo ser objecto de decisão de não admissão.
f) Acresce que, o recurso interposto pela Ré, Recorrente Principal, sempre deverá ser julgado deserto, porque a Ré apresentou as suas alegações 14 dias após o termo do prazo legal para o fazer, conforme de seguida se demonstrará:
g) O despacho de admissão da interposição de recurso a fls. 434 foi notificado às partes mediante notificação datada de 26.01.2010, pelo que a Ré, Recorrente Principal deverá ser considerada notificada no dia 29.01.2010.
h) Nos termos do art. 106° da L.P.T.A., o prazo de 20 dias para apresentação das alegações de recurso da Sentença é de 20 dias e a sua contagem teve início no dia 30.01.2010 e termo no dia 19.02.2010.
i) Porém, a Ré, Recorrente Principal, apenas apresentou as respectivas alegações de recurso no dia 05.03.2010, isto é, 14 dias após o fim do prazo legal peremptório para o efeito.
j) Pelo que o recurso interposto pela Ré deverá ser julgado deserto, nos termos do disposto no artº 690°, n.° 3 do CPCivil.
k) O recurso é manifestamente improcedente, dado que a Sentença sob recurso, não padece dos vícios apontados pela Ré, Apelante Principal.
l) A Ré faz uma incorrecta leitura e aplicação das disposições transitórias contidas no Art. 39° do Decreto-Lei n.°275/99 de 23 de Julho que regulou o acesso à actividade de assistência em escala ao tráfego aéreo.
m) No art. 39º do citado diploma legal está consagrado o regime transitório de modo a assegurar a “transição sem rupturas” propugnada no preâmbulo, nos termos seguintes:
1- Sem prejuízo do disposto no nº 2, as entidades que, à data da entrada em vigor do presente diploma, estiverem autorizadas, por lei ou pela entidade gestora, a exercer a auto-assistência ou a prestar serviços de assistência em escala num aeródromo serão automaticamente licenciadas para utilização do domínio público aeroportuário no aeródromo em causa, para o respectivo exercício, até ao termo legal da autorização existente ou pelo prazo de quatro anos caso a autorização existente não tenha termo ou tenha duração superior. As entidades licenciadas devem requerer o título de licença no prazo de 30 dias a contar da entrada em vigor deste diploma (...).” - sublinhados e negrito nossos.
n) Logo, tendo sido julgado provado que a actividade prestada pela Autora, àquela data, incluía a assistência em escala ao tráfego aéreo e que a prestava desde 1995, com conhecimento e autorização da Ré e com acesso ao lado ar, ou seja, à placa, (cfr. alíneas a), e), q), r), s), t), v), w), gg), ii), jj), kk), oo), pp) da fundamentação de facto, que se dão por integralmente reproduzidas), não há dúvida quanto à aplicabilidade deste regime transitório na sua plenitude.
o) Nenhuns destes factos julgados provados foram objecto de impugnação pela Ré, Apelante Principal.
p) Inexistindo, assim, qualquer erro de julgamento, sendo aplicável ao caso concreto o disposto no art. 39° do Decreto-Lei n.° 275/99, no sentido em que devia ter sido reconhecido automaticamente à A. o direito ao exercício da actividade que vinha a exercer, nas exactas condições e termos, pelo período de um ano, o que não aconteceu.
q) A Ré, Recorrente Principal deverá ser responsabilizada pelos danos sofridos pela Autora e ocorridos durante o período total da conduta culposa daquela e não por um período máximo de 8 meses, pois foi aquele o período efectivo em que foram causados e sofrido danos, respectivamente.
r) Andou bem o Tribunal “a quo” quando condenou a Ré no pagamento das despesas judiciais e honorários com Advogados, montante cuja liquidação ficou relegada para liquidação da execução de sentença.
s) Não há qualquer contrariedade da douta Sentença com o direito constituído, porquanto se trata aqui de manifesta procedência da acção, a qual só teve lugar devido à persistência cega da Ré em interpretar e aplicar erradamente o regime estatuído no citado Art. 39º, o que fez de forma claramente errada face ao texto e espírito da lei, sendo certo que, em todo o caso, se trata de um prejuízo provocado pela ANA, Recorrente Principal, à A....
t) A douta Sentença, ora recorrida, apenas incorreu em erro de julgamento no que concerne aos pontos 7 a 9 dos factos, quando julgou não terem sido apurados os montantes dos danos relativos à não facturação dos serviços à Transbrasil, à Lauda Air e à Air Transat, em conformidade com a prova testemunhal produzida, uma vez que como consequência do impedimento de acesso à placa, dado que devia aplicar a mesma forma de apuramento do montante dos danos que aplicou para a Air Afrique, ou seja, remeter para liquidação em execução da sentença.
u) Foi considerado provado que a conduta da Ré impediu a Autora, ora Recorrente, de prestar os seus serviços a estas empresas, tendo desencadeado na sua actividade desta alterações como a diminuição da facturação e perda de clientela (cfr. alíneas 11), nn) e vv) da fundamentação de facto, que se dão por integralmente reproduzidas), tal como aconteceu com a Air Afrique.
v) Assim, deveria o Tribunal “a quo” ter optado pela liquidação dos mesmos danos em execução de sentença, como, aliás, decidiu quanto à falta de facturação da Air Afrique, sob pena de violação do disposto no art. 661.°, n.°2 do CPCivil, dado que estas Companhias Aéreas estão em condições exactamente iguais.
Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. Venerandos Desembargadores requer seja:
a) O despacho de admissão de recurso julgado ilegal face à manifesta extemporaneidade do citado requerimento de interposição de recurso, revogando-se, em consequência, o despacho de admissão de recurso, com todas as devidas e legais consequências, na sequência da impugnação daquele despacho o que se faz nas presentes Contra-Alegações;
b) O recurso seja julgado deserto por extemporaneidade clara e flagrante de apresentação das respectivas Alegações, aplicando-se o disposto no Art. 690.° n.3 do CPC;
c) Na hipótese meramente académica de assim não decidir, o que por mero dever de patrocínio apenas se concede, sempre deverá ser julgado completamente improcedente o Recurso interposto pela Ré Apelante, confirmando-se a douta sentença sob recurso, porém, nesta hipótese, deverá a mesma sentença ser revogada apenas na parte que absolveu a Ré dos danos sofridos pela Autora, na sequência do facto ilícito, relativamente à não facturação à Transbrasil, à Lauda Air e à Air Transact, aplicando-se aos danos sofridos em relação a estas companhias a mesma solução que o Tribunal a quo aplicou para apuramento do montante dos danos relacionados com a Air Afrique, ou seja, a liquidar em execução de Sentença, acrescidos de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento. Assim decidindo farão Vossas Excelências. Venerandos Desembargadores, a mui costumada e esperada JUSTIÇA!!!”
ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL SA contra-alegou no recurso subordinado, concluindo da seguinte forma:
a) Foi tempestivamente apresentado pela ANA o requerimento de interposição de recurso de sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa de 31 de Dezembro de 2009;
b) Foram tempestivamente apresentadas pela ANA as respectivas as alegações de recurso;
c) A sentença recorrida (ou a decisão da matéria de facto) andou bem na parte em que considerou como não provados os danos relativos às companhias aéreas Transbrasil, Lauda Air e Air Transat;
d) A A... incumpre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto, previsto no art. 690.°-A do CPC, onde se estabelece, sob pena de rejeição, deverem ser indicados “quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados” e “quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”;
e) Se houvesse que ser fixada uma indemnização a arbitrar à A..., seria sempre em função das despesas que fez por causa da confiança suscitada pelo comportamento da ANA e que de outra forma não teria feito;
f) Se, ao invés, a indemnização fosse pelos lucros cessantes, o único meio de prova admissível seria uma declaração de rendimentos (líquidos) para efeitos de tributação, onde se atestasse o verdadeiro lucro da sociedade;
g) Se a A... não prestava a actividade, também não tinha despesas e portanto a única quantia que, eventualmente, haveria para indemnizar seria a sua correspondente margem de lucro, resultado líquido de todas as despesas necessárias para prestar o serviço em causa;
h) Uma factura “em bruto” da prestação de um serviço inclui (mesmo que de forma indirecta) despesas variadíssimas, por exemplo, desde o custo dos produtos acessórios ao exercício da tarefa, fornecimento e serviços externos, amortização de investimento, custos com trabalhadores, arrendamento de espaços, formação, etc.;
i) Se o Tribunal ad quem condenasse a ANA com base nestes pressupostos, estaríamos perante um verdadeiro caso de enriquecimento sem causa da A...;
j) Não tendo isso ocorrido, ANA deve ser absolvida, por incumprimento do ónus de prova pela A..., previsto no art. 342.° do Código Civil.
Termos em que se requer, com o douto suprimento de Vs. Exas. que se impetra, que o presente recurso jurisdicional subordinado seja rejeitado ou considerado improcedente, absolvendo a ANA do pedido.”
O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer:
“Pelas razões invocadas pela recorrente, que acompanhamos, afigura-se-nos que, ao invés do alegado pela recorrida, o recurso principal se mostra tempestivamente interposto, por requerimento remetido pelo correio, sob registo, em 18/01/2010, nos termos do art° 150°, n° 2, b) do CPC - cfr fls 427, 432 e 433 e tempestivamente alegado em 4/03/2010, no terceiro dia útil posterior ao termo do prazo legal, de acordo com o disposto no art° 106° da LPTA, art° 6°, e) do DL n° 329-A/95, de 12 de Dezembro, redacção do art° 4° do DL n° 180/96, de 25/09 e art°s 145°, n° 5 e 150°, ° 2, c), ambos do CPC - cfr fls 436 e 466 e segs. Procederão, em nosso parecer, pelos respectivos fundamentos, as conclusões das alegações da mesma recorrente, no sentido da falta de verificação do pressuposto ilicitude da responsabilidade civil extracontratual da Ré, bem como da inindemnizabilidade do dano com os custos dos honorários dos advogados pelo que, enfermando a sentença recorrida dos invocados erros de julgamento, por indevida interpretação e aplicação do art. 39 n°1 do DL n° 275/99, de 23/07/99 e dos art°s 33°,
n° 1, c), 40° e 41°, todos do CCJ, deverá ser concedido provimento ao recurso principal e, em consequência, absolvida a Ré do pedido. Por último, improcederá manifestamente o recurso subordinado, por alegado erro de julgamento com violação do artº 661º, nº 2 do CPC, uma vez que, não resultando provados quaisquer prejuízos sofridos pela Autora pela “não facturação” de serviços às companhias Transbrasil, Lauda Air e Air Transat, conforme bem se decidiu na sentença recorrida, a fls 422 - 5.3, carece de total fundamento a pretendida condenação da Ré em correspondente indemnização, em montante a liquidar em execução de sentença.”
Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre decidir.
II Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
a) A autora exerce desde 1995 a actividade, reconhecida internacionalmente de “General Sales Agent”, que consiste em desempenhar, nos Aeroportos, todas as funções operacionais e de supervisão de carga e correio, em representação das Companhias de Aviação [alínea A) da especificação];
b) Nessa qualidade, a autora A… é membro da F.A.G.SA, “Federation of Airline General Sales Agents”, conforme certificado emitido, em Setembro de 1995 [B];
c) No âmbito da sua actividade, a A…, ora Autora, tem a seu cargo e responsabilidade o desempenho dos seguintes serviços e operações:
Importação, controle de carga à chegada e acompanhamento da mesma até ao armazém de importação;
Controle e supervisão do descarregamento de carga do avião, certificando que os parâmetros de cada Companhia Aérea são observados durante o processo;
Conferência de carga no armazém e apresentação da documentação à Alfândega, bem como introdução no sistema informático de cada Companhia de Aviação da carga descarregada em Lisboa;
Exportação, controle único do espaço de carga no avião, bem como introdução no sistema informático da companhia respectiva da carga carregada em Lisboa
Implementação e fiscalização constante dos padrões de segurança do F.A.A. no que se refere a aceitação, manuseamento, armazenamento no armazém de exportação, paletização, entrega e carregamento na aeronave;
Interface com o departamento de “Load-Control” de cada companhia, facilitando despachos de voo e planos de carregamento. Em caso de restrições de peso, é a A…, ora Autora, presente na rampa que decide e avisa a Companhia de Aviação de quais são as prioridades de carregamento (“short shipment”) (cf. carta da Continental Airlines, cliente da A…, para a Ré ANA - Doc. 2; e um exemplar de um contrato da Agência celebrado com a SAIA Internacional - Serviços e Transportes Aéreos 5 A - cliente da Autora [C].
d) As Companhias de Aviação representadas pela Autora, em 1999, eram as seguintes:
Alitália, Continental Lauda Air, EAT./D.HL., Transbrasil, Avensa, Canadá 3000, Royal Jordania, Air Transat, SATA Internacional, South African Airways, Thai, China Airlines, Air Canada, Royal of Canada, Maersk, Egipt Air, Austrian Airlines, Tyrolean, Air Afrique [D].
e) Pelo DL 275/99, de 23 de Julho, o Estado regulou o acesso à actividade de assistência em escala ao tráfego aéreo, transpondo para o direito interno a Directiva n° 96/67/CE, do Conselho, de 15 de Outubro de 1996 (relativa ao acesso ao mercado da assistência em escala nos aeroportos da comunidade) [E].
f) Em 13.08.1999 a autora dirigiu à ré exposição requerimento subordinado ao assunto Decreto Lei n° 275/99, dizendo que “Assim, a fim de podermos dar cumprimento ao Decreto-Lei, acima indicado, bem como cumprir os prazos estabelecidos, pelo mesmo, vimos requerer a V Ex” que se digne providenciar que nos seja atribuído um título de Licença, referente às actividades que exercemos no Aeroporto desde 1994” [F].
g) Isto depois de referir «Actualmente somos os Agentes Gerais de Vendas de Carga, para Portugal e ilhas das seguintes companhias: Alitália, Air Transat, Avensa, Continental Airlines, Canadá 3000, DHL-BCS, EgiptAir, Lauda air, Martinair, Royal Jordania, South African Airways, Thai Airways, e Transbrasil.” E que,
h) “Exercemos também a Supervisão de Carga e Correio para as companhias, Alitália, Air Transat, Avensa, Continental Airlines, Canada 3000, Egyptair, Lauda Air, Satã Internacional e Transbrasil.» - [G e H];
i) Por carta de 18.10.99 a ANA, referindo-se a tal pedido, e referindo que sobre o pedido de licenciamento para o exercício de actividade de assistência em escala, ... e dado que mencionam como vossos clientes companhias aéreas que requerem todos os serviços inseridos na categoria 1, solicitamos que nos esclareçam em que modalidade se insere a função de Supervisão de Carga e Correio a que se candidatam. [I].
j) Por carta de 02.11.1999, a autora comunicava à ré que (...) e tendo em conta a diferente natureza da prestação de serviços que nos são exigidos pelos nossos clientes, as Companhias de Aviação e que são simultaneamente utentes dos vossos serviços, entendemos que os memos se integram na definição estipulada nas alienas f) e g) do art. 2° do DL 275/99.
k) / Tendo em conta a Lista referida como anexo 1 e a diferente natureza dos serviços a prestar a cada Companhia de Aviação o licenciamento da nossa empresa, nos termos do disposto no art. 39°, n° 1 do referido DL, deverá ser concedido nas seguintes modalidades:
Assistência administrativa em terra e supervisão, - Itens 1.1; 1.2; 1.3; 1.4;
Assistência a bagagem, preparação com vista à partida, carregamento, descarregamento nos sistemas de transporte no avião e v.v.;
Assistência a carga e correio - Itens 4.1 e 4.2; Assistência de Operações na pista - Itens 5.4.
Assistência de transporte em terra - item 10.1 no que diz respeito à carga e correio. (..) - [JeK].
l) Na sequência desta resposta/esclarecimento, o Conselho de Administração da ANA deliberou provisoriamente, em 15.12.99, o seguinte: “autorizar a outorga da licença referente ao regime de assistência a terceiros, das categorias e modalidades de serviços contemplados no n° 1 (excepto na modalidade 1.3) mas apenas para a categoria de serviços de carga e correio efectuada no interior dos terminais, tal como descritas no Anexo 1 ao DL 275/99, de 23 de Julho; emitir a presente licença até 31 de Julho de 2000” [M];
m) Aí se referia que a autora à data da entrada em vigor do D. Lei 275/99, “exercia e apenas, em regime de assistência a terceiros, a categoria e modalidades de serviços nº 1 (excepto na modalidade 1.3), mas apenas para a categoria de serviços de carga e correio efectuada no interior dos terminais, tal como descritas no Anexo 1 ao Decreto-lei n°275/99, de 23 de Julho (…) [M].
n) Tal deliberação provisória foi notificada à autora através do oficio n° 5301, de 23.12.99, nos termos e para os efeitos dos artigos 100° e 101° do CPA - [N].
o) Por carta de 6 de Janeiro de 2000, a autora A… opôs-se à deliberação provisória de 15.12.99, nos termos do documento 13 a fls. 46/47, pedindo a concessão de licenciamento para as já referidas áreas [O].
p) A ré ANA proferiu a deliberação de 16.03.00 na qual decidiu o seguinte: “Conformar os termos da deliberação de 15/12/99 e autorizar a outorga da licença com o prazo até 31/07/00, em regime de assistência a terceiros, referente ao exercício no Aeroporto de Lisboa, da categoria de serviços n° 1 (excepto 1.3) apenas para a categoria de carga e correio, com a salvaguarda acrescida de não lhe ser concedido o acesso de viaturas à placa” (Notificada a autora por oficio 1513, de 2000, 06/09 que contém, em anexo, a deliberação do Conselho de Administração da ANA, de 16 de Março de 2000, confirmando nesta deliberação de 16.03.00 o teor da sua deliberação provisória [P].
q) A ré ANA, datada de 04.01.99, emitiu a favor da autora a Licença de Ocupação ALS/939/99, do seguinte teor [Q].
r) «A Empresa Pública AEROPORTOS E NAVEGAÇÃO AÉREA, ANA, E.P., com Sede na Rua D - Edifício 120 - Aeroporto de Lisboa, 1700 Lisboa, com o Capital Estatutário ..., inscrita na Conservatória ... Outorga, nos termos do regime estabelecido pelo Decreto-Lei 102/90, de 21 de Março, pelo Decreto Regulamentar 38/91, de 29 de Julho e ao abrigo dos poderes conferidos pelo n° 1 e alíneas a) e b) do n° 2 do Art. 34 do respectivo Estatuto, anexo ao Decreto-Lei 246/79, de 25 de Julho, a favor de A…, com Sede Social em Lisboa, …- … Piso Sala … Aeroporto de Lisboa com o Capital Social ., inscrita na Conservatória ..., a presente Licença de Uso Privativo do Domínio Público Aeroportuário, nas condições seguintes:
ARTIGO 1º (OBJECTO) - Apresente licença refere-se à ocupação do Gabinete situado no Piso 0 do Edifício 31 Lado Terra do Aeroporto de Lisboa, com a área total de 41,90 m2 (Quarenta e um metros quadrados e noventa decímetros quadrados), conforme planta anexa.
ARTIGO 2° (FIM) - A ocupação referida no Art. 1° destina-se à actividade de Supervisão de Carga. O Titular da Licença não poderá prestar no local licenciado quaisquer serviços ou exercer actividades que não sejam as indicadas no número anterior, salvo no caso de autorização escrita da ANA, E. P.
ARTIGO 3° (PRAZO) - O licenciamento é feito pelo prazo de Seis Meses com início 01 de Janeiro de 1999 e termo em 30 de Junho de 1999.
A licença pode ser prorrogada por sucessivos períodos de um ano desde que o seu titular o requeira até 90 (Noventa) dias antes do termo do prazo ou do período em curso e a ANA, E. P., considere que a prorrogação interessa aos fins da exploração aeroportuária.
ARTIGO 4° (TAXAS) (... .).» - [R].
s) Por carta de 25.01.1999 a autora solicitou à ré, sob o assunto “acesso de viatura ao Lado Ar”, que lhe fosse permitido circular na Placa com a viatura de matrícula …….MP Marca Renault, modelo Renault Kangoo RN 1-2, invocando como finalidade a “nossa operação”. - [S].
t) Autorização essa que foi concedida, tendo sido atribuído pela Ré o n° …, de identificação da viatura, e ordenado pela mesma a inspecção da viatura pelos seus técnicos - [T].
u) E assim foi transmitida à ora autora, pela Ré, as condições de acesso de viaturas ao lado Ar - [U].
v) E na sequência dessa autorização de condução no lado Ar, a ora autora pediu à ora ré a emissão de licenças de condução, na placa do Aeroporto, para seis dos seus colaboradores - [V].
w) O que foi deferido à ora autora, pelo que se junta um exemplar de uma carta de condução com validade inicial até 18/03/2002 - [W].
x) A ANA através de Carta Circular n° 0574 de 04.02.2000, sob o assunto “Novos Cartões de Acesso validade dos cartões antigos”, comunicava que “tendo terminado o processo de renovação de cartões de acesso às áreas reservadas e restritas do Aeroporto de Lisboa, foi decidido na última reunião Aeroportuária FAL/SEC, realizada neste Aeroporto em 26/JAN/00, que a partir de 00.FEV.15 deixaram de ter validade os cartões de acesso antigos”. Fazia ainda referência à dilatação desse prazo até 01/MAR/OO. - [X].
y) O acesso de viaturas à placa, por força da referida deliberação da ANA, foi-lhe vedado, tendo a Ré solicitado à autora que retirasse da placa a viatura que tinha sido autorizada - [Y].
z) Por carta de 19.11.1999, da autora dirigida à “SATA INTERNACIONAL” era referido que “A partir de 29 de Novembro, devido a férias planeadas, ficamos sem poder prestar qualquer Supervisão, por falta de pessoal”, e ainda que “... desde Julho passado que o Aeroporto de Lisboa. Nos vêm recusando novas emissões de cartões de acesso à placa. Actualmente, já temos quatro colaboradores sem cartões, o que nos tira a capacidade de fazer Supervisão de Carga e Correio aos aviões da SATA, nos períodos das pontas de tráfego, ou seja ás 06H30 e às 19H00 bem como a última chegada por volta das 23H30. (...)”- [Z].
aa) A autora intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 2000 os processos de suspensão das deliberações da ré ANA, e recurso contencioso de anulação de tais actos a que couberam os n°s 465/00/A-2 secção e 465/00 da 3 secção - [AA].
bb) O TAC, com fundamento em que entretanto ocorrera a caducidade da licença cujo termo era Julho de 2000, declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por sentença de 29/11/2001 - [BB].
cc) Por oficio de 03.08.2001, o INAG enviava à aqui autora “os títulos definitivos de licenças para o exercício da actividade de Assistência em Escala requeridos pela A… e aprovados por este Instituto” - [CC].
dd) Nos termos dessa licença “Á A…, é concedida licença para o acesso à actividade de assistência em escala, nos seguintes termos:
Tipo de Actividade: Prestação de serviços a terceiros;
Aeródromo em que a actividade vai ser exercida: Lisboa;
Categoria de serviço/modalidades: 1.1., 1.2, 1.3 e 1.4, de acordo com o Anexo 1 ao Decreto-lei n°275/99, de 23 de Julho;
Validade da licença: A presente licença vigora até ao dia 31 de Dezembro de 2003, ou até ao termo da licença de utilização do domínio público aeroportuário, se este ocorrer posteriormente.
Produção de efeitos: Os efeitos da presente licença retroagem à data de 28 de Julho de 2000; II Observações: nenhumas. Lisboa, 24 de Julho de 2001.” - [DD].
ee) A 23.10.2001 a ANA ainda não tinha concedido os cartões de acesso a pessoas e viaturas - [EE].
ff) E só a 6.11.2001 a ré afirma estar em condições de responder positivamente aos pedidos então formulados, ou seja, acesso de viatura ao lado ar e cartões de acesso para o pessoal - [FF].
gg) A autora exercia a sua actividade continuadamente desde há cinco anos consecutivos, e existir assim todo um status quo ante perfeitamente definido, autorizado, conhecido e público [Q° 1°];
hh) A Ré deixou de permitir o acesso da autora ao lado ar do aeroporto, limitando tal acesso ao interior dos terminais - [Q° 2°, parcial].
ii) A Ré tinha conhecimento de que a A… exerce e exercia a Actividade de Supervisão de Carga, e com a licença de ocupação ALS/939/99, de 04.01.99, a Ré afectou a ocupação de certo espaço à Autora para a actividade de Supervisão de Carga [Q° 3°].
jj) A autora, à data da entrada em vigor do DL 275/99, não exercia os serviços em causa apenas no interior dos terminais, facto este que era do conhecimento da Ré [6°].
kk) Negando-lhe que vinha exercendo as funções, quando de facto essas funções estavam autorizadas pela própria ré [8].
11) A actuação da ré desencadeou na actividade da A... alterações como a diminuição da facturação e perda de clientela [9 parcial].
mm) Dadas as limitações ao exercício da sua actividade a autora teve de rescindir o contrato de agência que tinha com a SATA, nos termos do doc. n° 23 referido em ff) supra. [10°].
nn) A recusa da Ré em emitir novos cartões de acesso à placa e ao decidir que toda a actividade da autora seria exercida apenas no interior dos terminais, implicou para a autora, o não poder exercer as suas funções de supervisão e fiscalização da carga e correio, uma vez que os seus colaboradores não podiam deslocar-se até aos aviões para fiscalizar o carregamento e planear o mesmo [11].
oo) As autorizações, com base nas quais a autora laborava quando entrou em vigor do D.L. 275/99, de 23 de Julho, para o exercício da actividade de assistência em escala, não se consubstanciavam num único título, mas encontravam-se dispersos por títulos vários, desde a licença de ocupação de espaço do escritório, aos cartões de acesso à placa para viaturas e às licenças de condução para colaboradores [13°].
pp) Durante a vigência desses títulos a autora A... estava autorizada a exercer a actividade de supervisão de carga [14° parcial].
qq) A licença transitória concedida pela Ré, além de restringir o âmbito da actividade da autora restringiu-lhe também o exercício da actividade a partir de Julho de 2000, data do termo da validade da licença [parcial ao 15°].
rr) Desde Julho de 2000 até à data da emissão da nova licença pelo INAC, a autora foi forçada a suspender gradualmente a sua actividade [parcial 16°].
ss) Por causa da rescisão mencionada em mm) supra a autora deixou de exercer a actividade de supervisão de carga e correio aos aviões da SATA a partir de Dezembro de 1999 e até Novembro de 2001 [17°];
tt) Durante o ano de 1999, a autora facturou à SATA, em valores com IVA, 831.870,0€, 804.960,0€, 941.850,0€, 1.131.390,0€, 1.085.760,0€, 1.199.250,0€, 2.065.050,0€, 1.788.930,0€, 1.325.610,0€, L251.900,0€, e 575.649,0€, respectivamente nos meses de Janeiro a Novembro.
uu) Em relação à Air Afrique, a autora facturava uma média mensal de montante não apurado e deixou de facturar durante 17 meses, ou seja, entre Dezembro de 1999 e Abril de 2001 (data em que a Air Afrique deixou de operar) tendo assim perdido montante não apurado.
vv) Por deliberação da ANA de 15.12.99 foi retirado à autora o acesso de viaturas à placa. A autora adquirira, para o efeito, a viatura de marca Renault Kangoo, matrícula …-…-MP, em sistema de ALD, com o encargo mensal de 279,25 €, relativo à prestação desse ALD [24° parcial].
ww) Tal viatura, destinada ao acesso à placa, estava pintada de acordo com o exigido pelo Aeroporto, e ficou parada de Dezembro de 1999 a Outubro de 2001. [25° parte].
xx) A autora teve ainda um prejuízo com pessoal, que não foi utilizado em formação, treino, preparação e vencimentos de montante não apurado [Q° 26°, parcial].
yy) Em despesas judiciais e com honorários de Advogado em processos, relativos a este assunto, intentados contra a ANA, Aeroportos de Portugal, a autora despendeu já montante não apurado. [Q. 32].
zz) A autora possuía, no ano de 1999 a licença de ocupação mencionada em q) supra, bem como outras autorizações [Q. 37º parcial].
aaa) O INAC, em 25 de Julho de 2000, emitiu, a favor da Autora, autorização precária para o exercício de actividade de Assistência em Escala, onde se refere que a mesma era válida até 25 de Outubro de 2000, ou até que o Conselho de Administração do INAC decida sobre o pedido de licenciamento [48].
bbb) O INAC em 24 de Julho de 2001 emitiu a licença definitiva da Autora [parcial ao 50º].
III Direito
1. Vejamos, em primeiro lugar, a questão da tempestividade do recurso da ANA. A recorrente foi notificada da sentença recorrida por ofício de 4.1.10 (fls. 427) tendo apresentado o requerimento de interposição do recurso em 18.1.10 (fls.433). A notificação considera-se feita a 7.1 (art. 254º, n.º 2, do CPC) e o prazo de 10 dias (art. 685º, n.º 1) começa a contar a partir de 8.1, terminando a 18.1 (pelo facto de 17 ser um domingo), podendo o interessado, todavia, praticar o acto nos três dias úteis seguintes (art. 145º, n.º 5), ou seja, até 21.1. O recurso foi, pois, tempestivamente deduzido. Por outro lado, a recorrente foi notificada da admissão do recurso por ofício de 26.1.10 (fls. 436), presumindo-se cumprida a 29.1, e o prazo de 30 dias para a apresentação da sua alegação (art. 106 da LPTA, com a alteração introduzida pela alínea e) do art. 6º do DL 329-A/95, de 12.12, na redacção do DL 180/96, de 25.9) começa a contar a partir de 30.1 e termina a 28.2, que, por ser domingo, se transfere para o dia seguinte 1.3 (art. 144º, n.º 2). Os três dias previstos no já citado n.º 5 do art. 145º conduzem o fim daquele prazo para 4.3, data em que as alegações efectivamente foram apresentadas (fl. 466).
Improcede, assim, esta questão.
2. Olhemos, de seguida, os recursos interpostos: em primeiro lugar, o recurso principal da ré, que questiona a verificação de ilicitude no seu comportamento e, depois, o recurso subordinado da autora, que se reporta, exclusivamente, à natureza e montante dos danos que diz ter sofrido.
3. A presente acção foi intentada, tratada e julgada como uma acção emergente de responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito. Como é sabido "Para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano" Acórdão STA de 9.5.02 no recurso 48077.. A acção improcederá se um destes requisitos se não verificar. O facto ilícito consiste numa acção (ou omissão) praticada por órgãos ou agentes estaduais (em sentido lato) violadora das "normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis" ou "as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração" (art. 6º do DL 48051, de 21.11.67). A culpa é o nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade do agente. Envolve um juízo de censura, face à acção ou omissão, segundo a diligência de um bom pai de família (art. 4º, n.º 1). O nexo causal existirá quando o facto ilícito for a causa adequada do dano. De acordo com o preceituado no art. 563º do CC "A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão". Constitui jurisprudência pacífica deste STA que o nexo causal entre o facto ilícito e o dano se deve determinar pela doutrina da causalidade adequada, ali contemplada, nos mesmos termos em que o direito civil a admite, entendimento extensível, de resto, a todos os requisitos da responsabilidade civil (acórdão STA de 6.3.02, no recurso 48155). Finalmente, o dano traduz-se no prejuízo causado pelo facto ilícito (art. 564º do CC)" (acórdão STA de 21.1.08, recurso 1001/07).
Para a sentença a ilicitude resultou do desrespeito, por parte da ré, do preceituado no art. 39º do DL 275/99, de 23.7 (o n.º 1). Aí se diz que:
1 - Sem prejuízo do disposto no n° 2, as entidades que, à data da entrada em vigor do presente diploma, estiverem autorizadas, por lei ou pela entidade gestora, a exercer a auto-assistência ou a prestar serviços de assistência em escala num aeródromo serão automaticamente licenciadas para utilização do domínio público aeroportuário no aeródromo em causa, para o respectivo exercício, até ao termo legal da autorização existente ou pelo prazo de quatro anos, caso a autorização existente não tenha termo ou tenha duração superior. As entidades licenciadas devem requerer o título de licença no prazo de 30 dias a contar da entrada em vigor deste diploma.
2 - No prazo de um ano a contar da data de publicação do presente diploma, as entidades referidas no n° 1 devem obter licença para o exercício da respectiva actividade, nos termos do capítulo II, sob pena de caducidade das respectivas autorizações ou licenciamentos inerentes a partir dessa data,
3 - O disposto no n° 1 não dispensa o pagamento das taxas que forem devidas pela licença referida no n° 2 ou pelo licenciamento, nos termos previstos no artigo 26°.
4 - O disposto nos nºs 2 a 4 do artigo 24° não afecta a validade dos actos praticados até à entrada em vigor do presente diploma, pelas entidades legalmente responsáveis pela concessão de derrogações nos termos do n° 5 do mesmo artigo, que não tenham sido objecto do procedimento estipulado naqueles números.
Portanto, a ilicitude do comportamento da recorrente, a fonte de todos os prejuízos que diz ter sofrido, teria consistido na infracção ao disposto no citado n.º 1, pois que à data da entrada em vigor do presente diploma, a autora estava autorizada, por lei ou pela entidade gestora, a exercer a auto-assistência ou a prestar serviços de assistência em escala num aeródromo devendo, por isso, ser automaticamente licenciada para utilização do domínio público aeroportuário no aeródromo em causa, para o respectivo exercício, até ao termo legal da autorização existente ou pelo prazo de quatro anos, caso a autorização existente não tenha termo ou tenha duração superior, o que a recorrente não cumpriu. Contrapõe esta que “é seguro que a A..., à data da entrada em vigor do referido diploma, não era uma entidade que estivesse autorizada, por lei ou pela entidade gestora, a prestar serviços de assistência em escala no aeroporto de Lisboa” uma vez que a “Licença ALS/939/99 - a única de que a A... era titular para efeitos do regime transitório do artigo 39°/l do DL n° 275/99 - caducou em 30 de Junho de 1999, antes da entrada em vigor do DL n° 275/99 (de 23 de Julho), pelo que, quando a Autora lhe apresentou, em 30.08.1999, um pedido a solicitar uma licença para a utilização do domínio público aeroportuário, não se lhe aplicava já o regime transitório desse diploma”.
Visto o direito, importa verificar se a autora conseguiu fazer a prova das actividades contempladas na lei de auto-assistência ou de prestação de serviços de assistência em escala num aeródromo e se essas actividades estavam autorizadas, por lei ou pela entidade gestora, a ANA, pois só essas eram susceptíveis de conferir, nos termos do referido n.º 1, o licenciamento automático, licenciamento que foi recusado pela ré, recusa que a autora elegeu como acto ilícito. Para o efeito observe-se o que nos diz a sentença recorrida a esse propósito: “Sustenta a autora que a ré ao tomar a decisão mencionada em l) e m) supra, lhe restringiu o exercício da actividade que vinha desenvolvendo no aeroporto. Contrapõe a ré que a autora apenas estava licenciada para algumas das actividades que indica e não tendo licenciamento das demais não podia ver prorrogado o contrato relativamente a elas. Ora, manifestamente, esta posição da ré não ficou apurada. Sendo verdade que, como refere, o D. Lei 275/99 veio trazer regulamentação mais densa e rigorosa da que até então existia no domínio da actividade de assistência e cargas nos aeroportos, ficou demonstrado que a autora exercia, aquando da publicação deste, as funções que constam descritas em a), b) e c) da matéria de facto dispondo da licença mencionada em q), mas estando autorizada ao exercício das demais actividades ainda que não licenciadas, mas com expresso conhecimento da ré, e nomeadamente as actividades no lado ar do aeroporto, tendo para o efeito adquirido viatura própria para circular nesse lado ar com autorização da ré, assim como esta emitira cartões de acesso ao lado ar aos trabalhadores da autora, logo, autorizando-os”.
Sublinhe-se, a lei di-lo, que as actividades em causa só relevam para os efeitos do preceito se estiverem autorizadas por lei ou pela entidade gestora, in casu a ANA, a recorrente, colocando uma, a concedida pela lei, a par da outra, a concedida pela entidade gestora. Não foi invocada pela autora qualquer lei que fundasse esse seu invocado direito. Por outro lado, em Direito Administrativo, uma autorização é um acto administrativo, uma das modalidades de acto permissivo, “que permite a alguém o exercício de um seu direito ou poderes legais. A entidade autorizada possui, pois, um direito ou um certo poder, mas o exercício deles está-lhe vedado antes que intervenha previamente o consentimento da Administração fundado na apreciação das circunstâncias de interesse público que possam tornar conveniente ou inconveniente esse exercício”(Marcelo Caetano, Manual, 9.ª edição, reimpressão, 1980 No mesmo sentido Freitas do Amaral, Curso de DA, 5.ª reimpressão, II, 256.), portanto, para este efeito, actividade autorizada é a actividade permitida através de um acto administrativo tal como vem definido no art. 120º do CPA. Contrariamente ao que se diz na sentença não cabia à ré a obrigação de demonstrar que esse acto não existia, cabendo antes à autora a obrigação de fazer a prova da sua existência, por constituir o fundamento essencial da acção.
Ora, a única licença que se provou existir, a sentença reconhece-o, é a referida na alínea q) dos factos provados, que tem as limitações nela referidas e que não abrange as actividades que a autora veio invocar na acção relacionadas com a circulação no “lado ar” do aeroporto, que, não tendo sido licenciadas, foram a origem dos danos que diz ter sofrido. A eventual tolerância em relação a algumas actividades relacionadas com esse vector, “o lado ar”, é irrelevante para o efeito de fazer nascer o direito, de licenciamento automático, contemplado no citado n.º 1 do art. 39º. Que a lei só contempla as autorizações cobertas por acto administrativo – como, de resto, sempre teria de ser – resulta até expressamente da própria letra da norma ao prever o licenciamento automático até ao termo legal da autorização existente ou pelo prazo de quatro anos, caso a autorização existente não tenha termo ou tenha duração superior, o que evidencia claramente a existência de um acto administrativo com prazo (e só excepcionalmente sem termo), circunstância que conduz inexoravelmente à exclusão de qualquer actividade que simplesmente fosse tolerada pela entidade gestora.
Claudicando o requisito ilicitude do acto, o primeiro dos enunciados, claudica inteiramente a acção, procedendo o presente recurso. Claudicando a acção com este fundamento, claudica, igualmente, o recurso subordinado interposto que tinha como fundamento único uma ponderação mais alargada dos danos que a autora alegou ter sofrido.
Nos termos e com os fundamentos expostos acordam:
a) em conceder provimento ao recurso principal, em revogar a sentença recorrida e em julgar a acção totalmente improcedente;
b) em negar provimento ao recurso subordinado.
Custas a cargo da autora.
Lisboa, 23 de Setembro de 2010. – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho (relator) – José António de Freitas Carvalho – Luís Pais Borges.