Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0543/09
Data do Acordão:10/28/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:IRC
GRATIFICAÇÃO
Sumário:O valor de remuneração a considerar para efeitos do disposto no artº 24º, nº 3 do CIRC não pode ser unicamente o vencimento mensal, mas sim a média mensal da totalidade das prestações recebidas, nomeadamente, as variações patrimoniais negativas relativas a gratificações, a título de participação nos resultados.
Nº Convencional:JSTA000P11017
Nº do Documento:SA2200910280543
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra o acto de liquidação de IRC e juros compensatórios, relativo ao ano de 2002, no valor de € 24.451,51, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. As correcções efectuadas e o subsequente acto de liquidação de IRC de 2002 violaram o disposto nos n°s 2 e 3 do art. 24° do CIRC - o que constitui fundamento de impugnação judicial, por ilegalidade e por errada qualificação e quantificação de factos e rendimentos [art. 99°/a) do CPPT], devendo conduzir à respectiva anulação.
B. Desde logo, não há qualquer incongruência em gratificar administradores em anos de resultados negativos, pois os sócios é que sabem se o desempenho dos administradores foi ou não merecedor de louvor (e, por isso, de gratificação), não cabendo à Administração Fiscal (nem aos próprios tribunais) sindicar esse mérito.
C. O valor de remuneração a considerar para aplicação do limite do n° 3 do art. 24° do CIRC não pode ser, unicamente, o salário mensal, mas sim a média mensal da totalidade das prestações recebidas com “carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante”.
D. Não se trata de “aplicar a excepção à regra, anulando-a”, mas sim de preencher o conceito de “remuneração mensal” referido na excepção do n° 3, para delimitar o âmbito de aplicação desta norma.
E. Ora, justamente porque a normas excepcionais devem interpretar-se restritivamente, não podia a AT alargar o campo de aplicação da excepção do n° 3 do art. 24°, fixando um conceito de remuneração de “geometria variável”, bem diferente (e mais limitado) do que aquele que usa noutros contextos.
• A decisão recorrida não fez, pois, adequada aplicação do disposto no art. 24°, 2 e 3 do CIRC.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1- Em 20/05/2003 a impugnante entregou a declaração de rendimentos (modelo 22), relativa o exercício de 2002, incluindo variações patrimoniais negativas no montante de € 81.660,40, o que originou um reembolso no valor de € 48.342,31, através da liquidação nº 2500074523.
2- Uma das variações patrimoniais negativas constante daquela são as gratificações e outras remunerações do trabalho de membro de órgãos sociais e trabalhadores da empresa, a título de participação nos resultados, no valor de € 275.000,00.
3- Entretanto, os serviços de inspecção procederam a uma correcção do montante das variações patrimoniais negativas para € 23.333,32, que deu origem à liquidação ora impugnada.
4- Tal correcção deveu-se ao facto de a Administração Tributária não considerar as gratificações e outras remunerações do trabalho de membros de órgãos sociais e trabalhadores da empresa como integrando conceito de remuneração para efeitos do artº 24º, nº 3 do CIRC.
5- Em 02/01/02007 a Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Barcelos reclamação graciosa da liquidação ora impugnada, indeferida por despacho do Director de Finanças Adjunto datado de 26/06/2008.
2 – Sob a epígrafe “Variações patrimoniais negativas” dispõe o artº 24º do Código do IRC, na redacção da Lei nº 3-B/00, de 30/12, que:
1 – Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto:
a) As que consistam em liberalidades ou não estejam relacionadas com a actividade do contribuinte sujeita a IRC;
b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade;
c) As saídas, em dinheiro ou espécie, em favor dos titulares do capital, a título de remuneração ou de redução do mesmo, ou de partilha do património;
d) As prestações do associante ao associado, no âmbito da associação em participação.
2. As variações patrimoniais negativas relativas a gratificações e outras remunerações do trabalho de membros de órgãos sociais e trabalhadores da empresa, a título de participação nos resultados, concorrem para a formação do lucro tributável do exercício a que respeita o resultado em que participam, desde que as respectivas importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte.
3. Não obstante o disposto no número anterior, não concorrem para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas relativas a gratificações e outras remunerações do trabalho de membros do órgão de administração da sociedade, a título de participação nos resultados, quando os beneficiários sejam titulares, directa ou indirectamente, de partes representativas de, pelo menos, 1% do capital social e as referidas importâncias ultrapassem o dobro da remuneração mensal auferida no exercício a que respeita o resultado em que participam, sendo a parte excedentária assimilada, para efeitos de tributação, a lucros distribuídos.
4. Para efeitos da verificação da percentagem fixada no número anterior, considera-se que o beneficiário detém indirectamente as partes do capital da sociedade quando as mesmas sejam da titularidade do cônjuge, respectivos ascendentes ou descendentes até ao 2º grau, sendo igualmente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras sobre a equiparação da titularidade estabelecidas no Código das Sociedades Comerciais.
5. No caso de não se verificar o requisito enunciado no n.º 2, ao valor do IRC liquidado relativamente ao exercício seguinte adiciona-se o IRC que deixou de ser liquidado em resultado da dedução das gratificações que não tiverem sido pagas ou colocadas à disposição dos interessados no prazo indicado, acrescido dos juros compensatórios correspondentes.
Do estabelecido neste preceito legal resulta, assim, que as variações patrimoniais negativas relativas às gratificações e remunerações e outras remunerações de trabalho de membros dos órgãos sociais das empresas, tal como vem acontecendo com as variações patrimoniais positivas (cfr. artº 21º do CIRC), integram o lucro tributável em sede de IRC (vide nº 2 do citado artº 24º do CIRC).
Todavia, esta regra sofre uma excepção que se traduz no facto de as referidas importâncias não ultrapassarem o dobro da renumeração mensal auferida no exercício a que respeita o resultado em que participam, sendo a parte excedentária assimilada, para efeitos de atribuição, a lucros distribuídos (nº 3).
Posto isto, no caso dos autos nenhuma das partes questiona, nem mesmo a sentença recorrida, que as gratificações concedidas pela impugnante aos seus administradores/sócios integram o conceito de remuneração.
O que, aliás, bem se compreende uma vez que as referidas gratificações mais não são que rendimentos do trabalho daqueles que, embora não se consubstanciando, explicitamente, em remuneração de trabalho prestado, têm, contudo, relação com ele, por ser a existência de uma prestação de trabalho que proporciona as condições para tais rendimentos serem auferidos.
O objecto do presente litígio assenta, apenas, no conceito de remuneração mensal a que alude o predito artº 24º, nº 3 do CIRC.
Enquanto que a Administração Tributária adoptou uma concepção restrita de remuneração mensal, que mereceu a concordância do Mmº Juiz “a quo”, nos termos da qual a recorrente só podia considerar no lucro tributável, para cálculo do limite correspondente ao “dobro da remuneração mensal auferida no exercício”, o valor isolado do rendimento mensal auferido por cada um dos administradores/sócios, a recorrente defende um conceito de cariz mais amplo, por força do qual o valor a considerar para a aplicação do limite do nº 3 do artº 24º do CIRC não pode ser, unicamente, o salário mensal, mas sim a média mensal da totalidade das prestações recebidas com “carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante”.
Mas não tem razão a recorrente.
A parte final do nº 3 estabelece um limite relativo ao concurso, para a formação do lucro tributável, das preditas variações patrimoniais negativas, consistente no “dobro da remuneração mensal auferida no exercício” respectivo.
A tese da recorrente não tem, pois, qualquer apoio literal - cfr. o art 9º nº 2 do Código Civil.
A ser como ela pretende, o inciso normativo teria de estar no plural: tal limite corresponderia, então, ao “dobro das remunerações mensais auferidas”, seja, ao dobro da remuneração anual; se assim fosse, seria certamente esta a terminologia legal: em vez de referir o dobro da remuneração mensal, a lei referiria o dobro da remuneração anual.
O que, aliás, está de acordo com a ratio do preceito: pretendeu-se impor um limite, à consideração como custos, de tais gratificações, surgindo como nitidamente excessivo o seu alargamento até ao dobro da remuneração anual.
O que conta, pois, para o efeito, é o dobro de uma remuneração mensal, não o dobro da remuneração anual, de outro modo, como se disse, não fazia sentido referir a remuneração mensal, em vez da anual.
Certo que as gratificações em causa, conferidas embora no final do ano, se reportam necessariamente ao trabalho desenvolvido durante todo ele, mas tal não significa que o limite em causa seja o dobro da remuneração anual, pois, no critério legal o limite previsto dá suficiente guarida ao designo da lei: considerar ainda, como custos, determinadas gratificações ou remunerações a “título de participação nos resultados”.
Nem, em contrário, se argumente com os subsídios de férias e de Natal pois que se não situam no mesmo plano legal: estes constituem remunerações a se e “não a título de participação nos resultados”, isto é, aquelas, são devidas e pagas - e, por isso, constituem sempre custos, independentemente dos resultados, pelo que não é, aí, aceitável qualquer limite, ao contrário do que acontece, pois, com as gratificações que, fora do limite legal, são até equiparadas a lucros distribuídos.
Sendo assim, podemos concluir que o valor da remuneração a considerar, para efeitos do disposto no art. 24º nº 3 do CIRC, é o dobro da (de uma) remuneração mensal, que não a média mensal da totalidade das prestações recebidas.
3. Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela recorrente, com procuradoria de 1/6.
Lisboa, 28 de Outubro de 2009. - Pimenta do Vale (relator) - Isabel Marques da SilvaJorge Lino.