Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0209/13
Data do Acordão:03/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:APREENSÃO DE BENS
BENS
Sumário:Não estão sujeitos ao regime legal dos bens em circulação os bens pertencentes ao activo imobilizado ou que não devem ser classificados como bens em circulação, porque insusceptíveis de transmissão para efeitos de incidência de IVA (al. a) do nº 1 do art. 2º do RBC e art. 3º do CIVA).
Nº Convencional:JSTA000P15415
Nº do Documento:SA2201303060209
Data de Entrada:02/14/2013
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgou procedente a impugnação judicial deduzida, nos termos do art. 143º do CPPT, por A………, Lda. contra o acto de apreensão de bens (veículo automóvel e outros bens que se encontravam no interior deste), ocorrido em 27/7/2012 e operado pelo Destacamento de Acção Fiscal de Lisboa da Unidade de Acção Fiscal da Guarda Nacional Republicana.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I. Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença julgou a impugnação totalmente procedente, e, em consequência, determinou o imediato levantamento da apreensão dos bens concretamente identificados nos autos, com o fundamento de que os bens em circulação são os que se encontram fora dos habituais locais de produção ou comércio, por motivo da sua transmissão, daí que inexiste obrigatoriedade de preenchimento dos documentos de transporte, porquanto, aquela pressupõe a sua transmissão, não podendo ser exigível a um mero detentor de equipamentos que desloca do local A para o local B, para sua reparação/manutenção.
II. Entendemos que o douto Tribunal a quo, esteou a sua decisão na errónea interpretação das normas do Art. 1º, 2º e 6º do Regime de Bens em Circulação e do Art. 2º e 3º do CIVA e em clara e manifesta contrariedade com os princípios definidos pelo legislador no RBC, atinentes ao controlo dos bens em circulação à fraude e à evasão fiscal.
III. O Regime de Bens em Circulação, aprovado pelo Dec-Lei 147/2003, de 11/7 (doravante designado por RBC), estabelece as normas sobre os documentos de transporte que devem acompanhar os bens em circulação, consagrando o seu nº 1 que, “Todos os bens em circulação, em território nacional, seja qual for a sua natureza ou espécie, que sejam objecto de operações realizadas por sujeitos passivos de imposto sobre o valor acrescentado deverão ser acompanhados de documentos de transporte”. (sublinhado nosso)
IV. Os documentos de transporte a que alude o referido artigo reportam-se à factura, guia de remessa, nota de venda a dinheiro, nota de devolução, guia de transporte ou documentos equivalentes e devem ser processados de harmonia e com os elementos elencados nos Arts. 4º, 5º, 6º e 8º do RBC.
V. Neste conspecto, e de acordo com os normativos invocados, e à revelia do entendimento propugnado na sentença, a obrigatoriedade do processamento do documento de transporte não está somente condicionada à efectiva transmissão dos bens, bastando apenas que esses bens se encontrem fora dos locais de produção, fabrico, transformação, exposição, etc., por motivo de transmissão onerosa, incluindo a troca, de transmissão gratuita, de devolução, de afectação a uso próprio, de entrega à experiência ou para fins de demonstração, ou de incorporação em prestações de serviços, de remessa à consignação ou de simples transferência (art. 2º nº 2, al. a).
VI. Efectivamente, no Art. 1º do RBC, o legislador alargou o conceito de bens em circulação, e concomitantemente, o âmbito da obrigatoriedade do processamento do documento de transporte, não apenas à efectiva transmissão dos bens, mas a todos os bens em circulação em território nacional seja qual for a sua natureza e espécie.
VII. Logo, de acordo com a referida norma, todos os bens em circulação, independentemente da natureza e espécie, quando efectuadas pelos operadores sujeitos a IVA, deverão ser acompanhadas de guia de transporte.
VIII. Por outro lado, cumpre reiterar que o legislador no Art. 2º nº 2, al. a) do RBC, não impôs a obrigatoriedade no processamento do documento de transporte somente nos casos em que há efectiva transmissão onerosa de bens, mas ampliou o seu objecto impondo que mesmo nos casos de transmissão gratuita, devolução, de afectação a uso próprio, de entrega à experiência ou para fins de demonstração, ou de incorporação em prestações de serviços, houvesse emissão de documento de transporte.
IX. E fê-lo desde logo, por motivos de controlo dos bens em circulação e por razões ponderosas de combate à fraude e à evasão fiscal.
X. Assim, a exigência de emissão de guia de transporte, advém prima facie do facto de o legislador pretender acautelar e efectuar o controle de todos os bens em circulação, com vista a limitar neste âmbito a fraude e a evasão fiscal (a este propósito veja-se João Ricardo Catarino e Nuno Victorino (In o novo Regime de bens em Circulação, Vislis, pag. 16).
XI. Logo, o entendimento propalado na sentença de não ser exigível a emissão de guia de transporte relativamente aos equipamentos retirados dos parquímetros pela sociedade Recorrida e devolvidos para manutenção à sede da EMEL, conduziria inegavelmente a uma falta de controle desses bens em circulação.
XII. Mais, a propugnar-se tal tese apenas seria emitida guia de transporte em caso de bens em circulação objecto de transmissão, ou seja, relativamente a equipamentos novos, não sendo possível efectuar o controle dos equipamentos substituídos, e que seriam transportados para manutenção, nem quais os equipamentos que eram novos ou os já usados, pelo que extravasando, a não obrigatoriedade de emissão de documentos de transporte aos bens não objecto de transmissão, a todos os vários sectores de actividade, teríamos um total falta de controlo dos bens em circulação – falta esse que o legislador pretendeu reiteradamente acautelar.
XIII. Aliás, foi com intuito de evitar tal falta de controle que a Recorrente tem emitido instruções cujo escopo reside na emissão de documentos de transporte relativamente a bens que não sejam objecto de transmissão (veja-se a este propósito o Ofício Circulado do IVA 97 515 SIVA de 03.11.1987, relativamente aos transporte de bens para restauro e a Informação Vinculativa a que respeita o Proc. nº F254 2008071, com despacho do Subdirector Geral dos Impostos de 21.01. relativamente aos procedimentos a efectuar relativamente aos materiais sobrantes de uma empresa de ar condicionado, ventilação e segurança electrónica).
XIV. Donde resulta que em face das referidas normas legais, inexistem dúvidas que os referidos equipamentos, são considerados como bens em circulação, e por esse facto objecto de incidência por parte das normas do RBC, pelo que, a douta sentença enferma de errónea interpretação das normas do Art. 1º, 2º e 6º do Regime de Bens em Circulação e do Art. 2º e 3º do CIVA.
XV. Por fim, entendeu ainda a sentença ora recorrida que a Recorrida é uma mera detentora dos bens, pelo que, não sendo estes qualificados como bens, não lhe é aplicável o disposto no nº 1 do Art. 6º do RBC.
XVI. Todavia, e conforme deixamos claro as peças que a Recorrida transporta para a sede da EMEL para efeitos de manutenção/reparação, constituem nos termos do RBC, bens em circulação por força do Art. 1º e da alínea a) do nº 2 do Art. 2º ambos do RBC, sendo-lhe por esse facto aplicável o nº 1 do Art. 6º do RBC.
XVII. Determina o Art. 6º do RBC que os documentos de transporte devem ser processados pelos sujeitos passivos referidos na alínea a) do nº 1 do Art. 2º do Código do IVA e pelos detentores dos bens, antes do início da sua circulação, ou seja, independentemente de ser mero detentor, existirá obrigatoriedade de emitir guia de transporte.
XVIII. Atendendo ao exposto, afere-se que a sentença recorrida procedeu à errónea interpretação das normas do Art. 1º, 2º e 6º do Regime de Bens em Circulação e do Art. 2º e 3º do CIVA, e contraria os princípios definidos pelo legislador no RBC, atinentes ao controlo dos bens à fraude e à evasão fiscal.
Termina pedindo o provimento do recurso e a consequente revogação da decisão recorrida e manutenção do acto de apreensão.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, nos termos seguintes:
«FUNDAMENTAÇÃO
Questão decidenda (enunciação tópica): classificação dos bens apreendidos como bens em circulação; legalidade da apreensão
Apreciação
1. A exigência de emissão de documento de transporte visa o controlo dos bens em circulação, por forma a prevenir e combater a fraude e evasão fiscais.
2. Os bens apreendidos não estão sujeitos ao regime legal dos bens em circulação porque integram o activo imobilizado da EMEL (probatório nº 9; art. 3º nº 1 al. c) Regime dos Bens em Circulação (RBC), aprovado pelo DL nº 147/2003,11 julho).
3. Ainda que não integrassem o activo imobilizado não devem ser classificados como bens em circulação, porque insusceptíveis de transmissão para efeitos de incidência de IVA (art. 3º CIVA; art. 2º nº 1 al. a) RBC).
4. A apreensão foi efectuada no erróneo pressuposto que os bens se destinavam a diversos clientes, no âmbito do comércio jurídico (probatório nº 2).
No contexto descrito a apreensão dos bens e do veículo em que se transportavam carece de fundamento legal.
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.»

1.5. Com dispensa de vistos dada a natureza urgente do processo, cabe deliberar.


FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. Em 27.07.2012 foi pelo Destacamento de Acção Fiscal de Lisboa da Unidade de Acção Fiscal da Guarda Nacional Republicana levantado contra a ora Impugnante o Auto de Apreensão nº 0166651-G;
2. Do auto referido em 1. consta, quanto aos “FACTOS VERIFICADOS/LEGISLAÇÃO INFRINGIDA”, o seguinte:
No acto da fiscalização efectuada ao abrigo do nº 1 do Artigo 13º do Regime dos Bens em Circulação (RBC), aprovado, pelo Decreto-Lei nº 147/03 de 11 de Julho, foram verificados os factos abaixo descritos, que constituem infracção ao RBC, punida pelo nº 1 do Art. 117º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001 de 05 Junho.
- Por não haver correspondência entre os bens transportados relacionados na folha dois do presente auto e os descritos no documento que acompanha a mercadoria, cujo duplicado se junta ao presente auto.
Art. 1º do RBC punível pelo art. 117° do RGIT.
Os bens eram transportados no veículo de marca Peugeot, matrícula ………, propriedade de A……….., Lda. De acordo com as declarações de condutor (...), os bens em circulação foram remetidos por firma infractora, (...), e destinam-se a diversos clientes, com morada, ou sede em vários locais (...)”;
3. Do auto referido em 1. consta ainda, quanto a “APREENSÕES”, o seguinte:
Nos termos do Art. 16º, nº 1, do RBC, procedemos à apreensão do veículo da marca Peugeot, matrícula ………, com o valor presumível de Dois Mil e Quinhentos Euros, (2.500,00 €), e dos seguintes bens em circulação objecto de infracção: Diferença entre mercadoria relacionada na folha dois do presente auto e a descrita na guia de transporte nº 350800001, cujo duplicado vai anexado ao auto.
- 9 Baterias de Gel c/ voltagem de 40 Hamperes x 80,00 euros
- 1 “ convencional também de 40 Hamperes x 50,00 euros
- 30 Rolos de papel destinados a impressoras dos parquímetros c/ valor de 21,00 euros cada
- 1 Placa CPU c/ valor de 350,00 euros
- 2 Leitores de moedas c/ valor de 80,00 euros cada
- 1 cabo de leitor de moedas c/ valor de 14,00 euros
- 2 Teclados simples com valor de 171,00 euros cada
- 1 Display Alfa numérico c/ valor de 150,00 euros
Com o valor presumível de Dois mil quatrocentos e dezasseis euros (2416,00€)”;
4. A Impugnante tem como objecto social a comercialização de sistemas de comunicação e gestão de parques de estacionamento, de aparelhos de precisão para o mesmo fim, suas peças e acessórios e respectiva assistência;
5. No âmbito da sua actividade, a Impugnante efectua a assistência técnica dos parquímetros da EMEL, em Lisboa;
6. Incumbe à Impugnante efectuar a manutenção, reparação ou substituição dos equipamentos que se encontrem danificados;
7. Os equipamentos apreendidos são peças que tinham sido retiradas dos equipamentos da EMEL (parquímetros) e que se encontravam danificados ou necessitavam de manutenção;
8. Depois de serem retiradas dos equipamentos da EMEL, as peças são transportadas para as instalações da Impugnante para manutenção, reparação ou substituição;
9. As peças integram o activo imobilizado da EMEL;
10. O veículo da Impugnante regressava à sede da empresa depois de efectuar a manutenção dos parquímetros em Lisboa.

3.1. A sentença recorrida julgou procedente a impugnação, no entendimento, em síntese, de que não existe fundamento para a apreensão efectuada, dado que, sendo a impugnante mera detentora dos equipamentos e não podendo estes ser qualificados como bens em circulação, não é, portanto, exigível, que constassem da guia de transporte.
E assim, não tendo sido cometida a infracção que vem imputada à impugnante, também não poderá manter-se a apreensão dos bens, incluindo a do veículo que os transportava.

3.2. Discorda a recorrente (a Autoridade Tributária e Aduaneira) sustentando que, de acordo com o disposto nos arts. 4º, 5º, 6º e 8º do Regime dos Bens em Circulação (RCB), aprovado pelo DL nº 147/2003, de 11/7, a obrigatoriedade do processamento do documento de transporte não está somente condicionada à efectiva transmissão dos bens, bastando apenas que esses bens se encontrem fora dos locais de produção, fabrico, transformação, exposição, etc., por motivo de transmissão onerosa, incluindo a troca, de transmissão gratuita, de devolução, de afectação a uso próprio, de entrega à experiência ou para fins de demonstração, ou de incorporação em prestações de serviços, de remessa à consignação ou de simples transferência.
É que no art. 1º do RBC, o legislador alargou o conceito de bens em circulação (e concomitantemente, também o âmbito da obrigatoriedade do processamento do documento de transporte), não apenas à efectiva transmissão dos bens, mas a todos os bens em circulação em território nacional seja qual for a sua natureza e espécie, razão pela qual todos os bens em circulação, independentemente da natureza e espécie, quando efectuadas pelos operadores sujeitos a IVA, deverão ser acompanhadas de guia de transporte; e no art. 2º nº 2, al. a) do mesmo RBC, também se amplia a obrigatoriedade no processamento do documento de transporte aos casos de transmissão gratuita, devolução, de afectação a uso próprio, de entrega à experiência ou para fins de demonstração, ou de incorporação em prestações de serviços.
Além disso, a sentença também enferma de erro de julgamento quando entende que, por a recorrente ser uma mera detentora dos bens e não sendo estes qualificados como bens em circulação, não lhe é aplicável o disposto no nº 1 do art. 6º do RBC.

3.3. As questões a decidir são, portanto, as de saber se os bens apreendidos devem ser legalmente classificados como bens em circulação e se é legal a apreensão impugnada.
Vejamos.

4.1. As apreensões de bens efectuadas pela AT são, na generalidade, impugnáveis nos termos do disposto no art. 143º do CPPT, normativo que abrange, inclusivamente, as apreensões efectuadas em processos de contra-ordenação tributária (cfr. o seu nº 6).
Por sua vez, os arts. 1º, 2º, 3º e 6º do Regime dos Bens em Circulação (RBC), aprovado pelo DL nº 147/2003, de 11/7, estabelecem o seguinte, na parte aqui relevante:
Artigo 1º - Âmbito de aplicação
«Todos os bens em circulação, em território nacional, seja qual for a sua natureza ou espécie, que sejam objecto de operações realizadas por sujeitos passivos de imposto sobre o valor acrescentado deverão ser acompanhados de documentos de transporte processados nos termos do presente diploma».
Artigo 2º - Definições
«1 - Para efeitos do disposto no presente diploma considera-se:
a) «Bens» os que puderem ser objecto de transmissão nos termos do artigo 3º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado;
(...)
2 - Para efeitos do disposto no presente diploma:
a) Consideram-se «bens em circulação» todos os que se encontrem fora dos locais de produção, fabrico, transformação, exposição, dos estabelecimentos de venda por grosso e a retalho ou de armazém de retém, por motivo de transmissão onerosa, incluindo a troca, de transmissão gratuita, de devolução, de afectação a uso próprio, de entrega à experiência ou para fins de demonstração, ou de incorporação em prestações de serviços, de remessa à consignação ou de simples transferência, efectuadas pelos sujeitos passivos referidos no artigo 2º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado;
(…)»
Artigo 3º - Exclusões
«1. Excluem-se do âmbito do presente diploma:
(…)
c) Os bens pertencentes ao activo imobilizado;
(…)»
Artigo 6º - Circuito e validade dos documentos de transporte
«1 - Os documentos de transporte são processados pelos sujeitos passivos referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do Código do IVA e pelos detentores dos bens e antes do início da circulação nos termos do nº 2 do artigo 2º do presente diploma.
(…)».

4.2. De acordo com o que consta no Preâmbulo do DL nº 147/2003, de 11/7 (diploma que revogou o DL nº 45/89, de 11/2 e aprovou o novo Regime dos Bens em Circulação) a aprovação do novo regime deveu-se, entre o mais, também «à necessidade de eliminar, tanto quanto possível, situações menos justas e, simultaneamente, tornar a sua aplicação mais precisa e flexível, sem prejuízo da eficácia a atingir no campo do combate à fraude e evasão fiscal, especialmente na área do imposto sobre o valor acrescentado, que se pretende agora incrementada e substancialmente mais abrangente», sendo certa, portanto, a alegação da recorrente no sentido de que a exigência de emissão de documento de transporte visa o controlo dos bens em circulação, por forma a prevenir e combater a fraude e evasão fiscais.
Todavia, como bem refere a sentença recorrida, da conjugação da definição de «bens», constante da al. a) do nº 1 do art. 2º do RBC, com a definição de «bens em circulação», constante da al. a) do nº 2 do mesmo artigo, bem como do disposto no art. 3º do CIVA (para o qual remete a dita al. a) do nº 1), decorre que para efeitos de enquadramento naquele conceito de «bens em circulação», releva o elemento «transmissão».
Ora os bens em causa e objecto da apreensão impugnada, não devem ser classificados como bens, uma vez que, sendo insusceptíveis de transmissão para efeitos de incidência de IVA, também não podem, consequentemente, ser classificados como bens em circulação (daí a irrelevância da alegação da recorrente no sentido de que a obrigatoriedade do processamento do documento de transporte não está condicionada à efectiva transmissão dos bens, bastando apenas que esses bens se encontrem fora dos locais de produção, fabrico, transformação, exposição, etc., por motivo de transmissão onerosa, incluindo a troca, de transmissão gratuita, de devolução, de afectação a uso próprio, de entrega à experiência ou para fins de demonstração, ou de incorporação em prestações de serviços, de remessa à consignação ou de simples transferência).
Aliás, no caso, a apreensão, como consta do respectivo auto e como bem salienta o MP, foi efectuada no erróneo pressuposto de que os bens se destinavam a diversos clientes, no âmbito do comércio jurídico [cfr. o nº 2 do Probatório que parcialmente reproduz o teor do auto de apreensão onde consta: «De acordo com as declarações de condutor (...), os bens em circulação foram remetidos por firma infractora, (...), e destinam-se a diversos clientes, com morada, ou sede em vários locais (...)]» quando é certo que (de acordo com a demais factualidade provada) a impugnante efectua a assistência técnica dos parquímetros da EMEL, em Lisboa, incumbindo-lhe, nesse âmbito, fazer a manutenção, reparação ou substituição dos equipamentos que se encontrem danificados, sendo que os equipamentos apreendidos são peças que integram o activo imobilizado da EMEL e tinham sido retiradas daqueles equipamentos (parquímetros), os quais se encontravam danificados ou necessitavam de manutenção (depois de serem retiradas dos parquímetros, as peças são transportadas para as instalações da impugnante para manutenção, reparação ou substituição).
Portanto, para além de os bens apreendidos não estarem sujeitos ao regime legal dos bens em circulação (porque integram o activo imobilizado da EMEL – cfr. nº 9 do Probatório e a al. c) do nº 1 do art. 3º do RBC), também não poderiam ser classificados como bens em circulação, porque insusceptíveis de transmissão para efeitos de incidência de IVA, não sendo, consequentemente, a impugnante equiparável a detentora dos bens, para efeitos do disposto no nº 1 do art. 6º do RBC. Ou seja, não constituindo bens em circulação as peças que a impugnante transportava para a sede da EMEL para efeitos de manutenção/reparação, não constituem nos termos do RBC, também não lhes era aplicável o disposto no nº 1 do art. 6º do mesmo diploma.
Neste contexto, a apreensão dos bens e do veículo em que eram transportados carece de fundamento legal, tendo a sentença recorrida decidido de acordo com a lei aplicável. Improcedendo, consequentemente, as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 6 de Março de 2013. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes - Fernanda Maçãs.