Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01041/11
Data do Acordão:05/22/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:TRIBUTAÇÃO
MAIS VALIAS
REGIME TRANSITÓRIO
Sumário:I - Da aplicação do regime transitório de tributação das mais-valias instituído pelo n.º 8 do artigo 32.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2002), por opção do sujeito passivo, relativamente à mais valia fiscal associada ao custo de aquisição de um bem não amortizável, resulta acréscimo (tributação) de 50% da mesma (mais valia antiga) sem necessidade de reinvestimento, sendo que o referido acréscimo tem necessariamente de afectar o resultado fiscal de um exercício anterior ao da alienação.
II - No entanto, se apenas se verificar o reinvestimento parcial do valor de realização o regime supra referido será aplicável à parte proporcional da diferença positiva entre as mais e menos valias a que o mesmo se refere.
III - Tendo presentes os pertinentes elementos interpretativos, não resulta do texto legal que a opção pelo regime transitório previsto no n.º 8 do artigo 32º da Lei n.º 109-B/2001 teria de ser manifestada em momento anterior ao da alienação do activo objecto de reinvestimento, e nomeadamente que a própria declaração fiscal em que contribuinte revelasse a sua escolha teria necessariamente que ser submetida em momento anterior ao da realização formal da venda projectada.
Nº Convencional:JSTA000P15803
Nº do Documento:SA22013052201041
Data de Entrada:11/18/2011
Recorrente:A.... S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – A……., S.A., melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa sobre a autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2006 no valor de 7.115.632,78.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1.O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela A…… contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada do acto de liquidação de IRC respeitante ao exercício de 2006.
2. A A……. entende que a interpretação levada a cabo pelo Tribunal a quo não corresponde nem à letra nem à ratio da lei aplicável aos factos, o que determina que a decisão recorrida enferme de erro na aplicação do Direito.
3. A questão jurídica central em torno da qual se suscita a não conformação da A……. com a decisão recorrida é a do regime transitório aplicável às mais-valias realizadas por SGPS e da interpretação do n.º 8 do artigo 32º da Lei n.º 109-B/2001
4. Na interpretação que faz do nº 8 do artº. 32º da Lei n.º 109-B/2000, a decisão recorrida defendeu, em primeiro lugar, que o recurso ao regime nela instituído implica sempre a inclusão, na base tributável do sujeito passivo, do montante integral da diferença positiva entre mais-valias e menos-valias cuja tributação deixou de se efectuar ao abrigo do art. 44º do CIRC, e já não somente de uma parte desse montante (a parte proporcional ao valor do bem objecto de reinvestimento que se pretenda alienar).
5. Contudo, o que resulta expressamente da letra da lei parece ser, precisamente, o contrário.
6. Com efeito, o legislador, procurando fornecer o critério da sujeição a imposto do valor das mais-valias “diferidas” ou “suspensas” — conforme são vulgar e erroneamente designadas, como se mostrou —, utilizou expressamente o termo “parte” (“a parte da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001, cujo valor de realização tenha sido ou, no respectivo prazo legal venha a ser objecto de reinvestimento em bens não reintegráveis”). E é também essa parte que “pode (...) ser antecipadamente incluída na base tributável de qualquer exercício que seja anterior ao da alienação do correspondente activo a que está associada (...,)por metade do seu valor(...)”
7. O que parece razoável é que o legislador teve em mente as situações comuns, em que um sujeito passivo que experimenta mais-valias com a alienação de bens do seu activo canaliza o correspondente valor de realização para o reinvestimento na aquisição de uma pluralidade de bens, ficando a mais-valia não tributada — de acordo com o regime aplicável à data dos factos aqui em análise — associada a cada um desses bens, na proporção do respectivo valor ou custo de aquisição (esta seria sempre, de resto, a situação mais provável em face de sociedades dedicadas à aquisição e gestão de participações sociais). Se, mais tarde, esse mesmo sujeito passivo viesse a vender apenas uma parte desses bens em que se traduziu o seu reinvestimento, o valor a sujeitar a imposto corresponderia então à proporção representada por essa parte no montante global da mais-valia realizada (ou no valor total do reinvestimento efectuado, o que é dizer o mesmo).
8. Há, na verdade, no texto da lei que aqui se trata de interpretar, uma preocupação em associar, de modo fraccionado, as mais-valias não tributadas aos bens objecto de reinvestimento, no sentido de que a cada um destes últimos anda ligada uma parte das primeiras.
9. Além disso, se o legislador tivesse pretendido dispor no sentido imaginado pela decisão recorrida, se fosse esse realmente o seu objectivo, ter-lhe-ia sido muito fácil fazê-lo: bastaria que, em lugar de se referir à “parte da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas (..)“ tivesse antes optado por se referir à “totalidade da diferença positiva entre as mais-valias e as menos valias realizada”, ou simplesmente “à diferença positiva entre as mais-valias e as menos valias realizada”.
10. Realmente, a interpretação sufragada pelo Tribunal a quo esbarra com um escolho insuperável: ela não logra explicar por que razão o legislador se teria referido à parte, se alegadamente se queria referir ao todo. E é, desde logo, essa falha que torna inaceitável e ilegal a decisão recorrida, de um modo, aliás, surpreendente, de tal maneira é ostensiva a sua contradição com o texto legal. Pode dizer-se, com a maior segurança, que no preceito em análise não existe qualquer referência, expressa ou subentendida, à obrigação de o sujeito passivo recapturar a totalidade do saldo entre as mais-valias e as menos-valias que fora previamente excluída da tributação, quando pretende alienar apenas uma parte dos bens em que se traduziu o seu reinvestimento.
11. Mas a interpretação defendida na decisão recorrida não é apenas frontalmente incompatível com o texto da lei. Ela não dispõe também de qualquer suporte no plano teleológico — pelo menos, que seja inteligível para a recorrente, já que o não conseguiu descortinar na decisão recorrida.
12. Por último, quanto a este particular aspecto, a interpretação vertida na Sentença afigura-se também desadequada no plano mais vasto do conjunto dos mecanismos típicos do sistema fiscal para proteger as mais-valias em nome do incentivo ao reinvestimento do correspondente valor de realização. Em todos esses mecanismos ou regimes, o legislador preocupou-se sempre em estabelecer uma proporção entre o valor da mais-valia realizada e o valor do reinvestimento efectuado, fazendo depender o beneficio que concede à primeira da proporção em que o segundo se concretiza. Todos esses regimes, na verdade, admitem expressamente a sua aplicação parcial.
13. Por todas as razões expendidas, a decisão recorrida interpreta o n.º 8 do artigo 32º da Lei n.º 109-B/2001 de um modo absolutamente contrário ao respectivo teor literal, contrário à correspondente ratio e inserção sistemática, sendo, por isso, anulável.
14. Em segundo lugar, o Tribunal a quo entendeu ainda que, independentemente do que atrás ficou dito, a opção pelo regime transitório em referência teria de ser manifestada em momento anterior ao da alienação do activo objecto de reinvestimento, no sentido de que a própria declaração fiscal em que o Contribuinte revela a sua escolha teria necessariamente que ser submetida em momento anterior ao da realização formal da venda projectada.
15. Trata-se agora de um problema de tempestividade: independentemente de se saber se a A……. poderia ou não sujeitar a tributação uma parte da mais-valia correspondente às participações detidas na B……, o Tribunal considera que, de qualquer forma, o fez fora do prazo alegadamente exigido pelo nº 8 do art. 32º da Lei nº 109-B/2001.
16. Mais uma vez, contudo, não se consegue encontrar correspondência entre a letra da norma citada e a interpretação que dela faz a decisão recorrida — não é, de facto, perceptível também em que medida se pode inferir da redacção daquele preceito que a recaptura das mais-valias fiscais apenas poderá ser incluída na base tributável de uma declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente a qualquer exercício anterior ao da alienação de um bem objecto de reinvestimento, desde que tal declaração tenha sido submetida em momento anterior ao da mesma alienação.
17. O que vai dito atrás expressa a leitura que a recorrente fazia, ao tempo dos factos de que tratou a decisão recorrida, da legislação aplicável às mais-valias realizadas por SGPS. Essa leitura, como é sabido, é frontalmente contrária à interpretação adoptada pela Administração fiscal e sufragada pelo Tribunal a quo, a qual se reputa de ilegal.
18. O referido Tribunal, contudo, não estava limitado à escolha entre a tese da Administração fiscal e a posição sustentada pela A…….: no âmbito da sua competência para definir e defender a legalidade fiscal, poderia ainda ter explorado outros caminhos interpretativos que lhe fossem oferecidos pela evolução no tempo da legislação aplicável às mais-valias realizadas por SGPS.
19. Ora esses outros caminhos interpretativos existiam e existem, de facto, a tal ponto que se pode dizer que a recorrente, com o seu conhecimento actual, não teria procedido como procedeu. É que essa alternativa de interpretação, que o Tribunal ad quem pode e deve conhecer, salvo o devido respeito, produziria um resultado fiscal ainda mais favorável à recorrente.
20. Com efeito, em 2006, a alienação das participações na B……, realizada pela A……., reunia todas as condições para beneficiar imediatamente da aplicação da redacção do art. 31º do EBF. De acordo com a redacção do preceito em referência à data em que a A……. procedeu à alienação da sua participação na B…….. as mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS com a alienação de participações sociais deixaram de concorrer, de todo, para a formação do respectivo lucro tributável, no caso de se encontrarem verificados alguns requisitos quanto às participações alienadas.
21. Este regime de isenção das mais-valias e menos-valias não se encontrava vedado pelo direito transitório. A referência aos regimes transitórios efectuada na mesma Lei que atribui ao art. 31º do EBF a redacção que prevê a referida isenção deve ser compreendida numa lógica de abertura de uma faculdade: tais regimes foram mantidos em vigor para deles poderem lançar mão os que ainda não pudessem cumprir as novas condições impostas pelo art. 31º do EBF. De facto, ao introduzir na nossa ordem jurídica um regime de não tributação das mais-valias realizadas pelas SGPS, o legislador só podia estar imbuído de um princípio de tratamento mais favorável; a referência aos sobreditos regimes transitórios não pode ler-se como o estabelecimento de uma obrigação, mas antes como a abertura de uma faculdade, a que os sujeitos passivos podiam recorrer se isso fosse da sua conveniência.
22. Sendo assim, as mais-valias decorrentes da alienação das participações na B……., realizada pela A……., encontravam-se isentas de tributação em sede de IRC: as mais-valias por si realizadas não deviam pura e simplesmente ter sido sujeitas a qualquer tributação, e não era realmente necessário recorrer ao regime do nº 8 do art. 32º da Lei nº 109-B/2001.
23. Quanto à Informação n.º 166/2003 e à violação dos artigos 68º da LGT e 57º do CPPT, bem como dos princípios da boa-fé e da protecção da confiança, entende a recorrente que da mesma resultava, indiscutivelmente, que a Administração corroborava, na íntegra, o sentido interpretativo da A……: na dita Informação, indica-se expressamente que ela incide sobre a questão concreta colocada pela A……. e que serve o propósito de constituir resposta ao seu pedido específico — não se trata da apreciação de uma solicitação de qualquer outro contribuinte.
24. Assim, ao contrário do que propugna o juiz do Tribunal a quo — para quem a Informação n.º 166/2003 não consubstancia a resposta definitiva ao pedido de informação vinculativa solicitado —, ela não pode deixar de ser considerada uma informação prévia vinculativa, pela qual a Administração comunicou antecipadamente à A……. o seu ponto de vista sobre a situação hipotética submetida a consulta (isto é, como seria tratada fiscalmente, ao abrigo do regime transitório previsto na Lei do Orçamento de Estado para 2002, a inclusão na base tributável de 2004 de apenas parte do saldo entre mais-valias e menos-valias de apuradas em 2000), devendo, na sua actuação concreta posterior a essa resposta, fidelidade estrita ao teor da mesma — sob pena de violação do n.º 2, in fine, do artigo 68º da LGT, na versão então em vigor (“não podendo a administração tributária proceder posteriormente no caso concreto em sentido diverso da informação prestada”), bem como do n.º 3 do artigo 57º do CPPT, e, em rigor, de toda a razão de ser do regime das informações vinculativas (cujo conceito operativo nuclear há-de sempre ser, obviamente, o da “vinculatividade”).
25. Contudo, ainda que se não considerasse a Informação n.º 166/2003 como a verdadeira resposta ao pedido de informação vinculativa endereçado à Administração fiscal por parte da recorrente, é indesmentível que, de todo o modo, não estamos perante uma qualquer comunicação informal, que a Impugnante tenha obtido numa mera troca de impressões verbal ou por meios menos próprios: ela constitui uma informação oficial, foi levada ao conhecimento da Impugnante por intermédio de uma notificação também ela oficial, incide, sem dúvida, sobre a questão colocada no pedido de informação vinculativa dirigido pela recorrente (a interpretação do n.º 8 do artigo 32º da Lei n.º 109-B/2001) e refere expressamente ter sido elaborada como resposta a esse específico pedido, desse específico sujeito passivo.
26. Assim, à A…….. não era exigida outra coisa que não reputar de plenamente credível o teor da Informação e confiar em absoluto que podia, sem risco de desconsideração administrativa dessa sua opção fiscal, levar parte da mais-valia em causa a tributação no ano de 2004, mediante declaração de substituição, nesse sentido, apresentada em 2008, pelo que deveria o Tribunal a quo ter concluído no sentido de considerar que os actos impugnados violam todos os preceitos onde se encontra consagrado o princípio da boa-fé - os artigos 266º da Constituição, 6ª, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e 59º da LGT.
27. Por outro lado, quanto à reversão do ajustamento efectuado pela Impugnante nas declarações Modelo 22 de substituição relativas ao exercício de 2004, a recorrente mantém a sua posição, reafirmando não encontrar na lei processual tributária quaisquer meios susceptíveis de concretizar esse resultado.
28. A A……. entende que não dispunha de qualquer disposição legal que lhe permitisse efectuar uma correcção que se consubstanciasse no apuramento de um lucro tributável inferior ao apurado nas declarações Modelo 22 de substituição do exercício de 2004 e, nessa medida, evitar que viesse a ser sujeita a uma tributação relativamente a 150% da mais-valia fiscal apurada no exercício de 2000, na parte relativa ao reinvestimento efectuado na aquisição de partes de capital representativas de 50,10% do capital social da B……. (50% no exercício de 2004 e 100% no exercício de 2006).
29. Tal situação — como vimos, em completa violação da legalidade vigente —, constitui um caso de enriquecimento sem causa por parte do Estado, previsto no artigo 473º do Código Civil (aplicável por força da alínea d) do artigo 2º da Lei Geral Tributária), o qual dispõe que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”, aspecto que deveria ter sido devidamente relevado pelo Tribunal que proferiu a decisão de que se recorre.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3-O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso.

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5- Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:

A. A impugnante enquadra-se no regime especial de tributação dos grupos de sociedades, sendo a sociedade dominante (Doc. 9 da petição inicial e processo administrativo tributário /reclamação graciosa apensos).
B. No exercício de 2000, apurou uma diferença positiva de € 180.917.454,42 entre as mais-valias e as menos-valias fiscais realizadas em virtude da alienação de partes de capital por si detidas, a qual teve por base um valor de realização total de € 250.999.413,64 (Docs. 3 e 9 da PI e PAT/RG apensos).
C. Neste exercício, a impugnante procedeu ao reinvestimento de parte daquele valor de realização, no montante de € 209.495.116,00, mediante a subscrição e realização do capital social da sociedade “C……. - SGPS, S.A.” (Docs. 4 e 9 da PI e PAT/RG apensos).
D. Apresentou a tributação parte do total do saldo entre as mais-valias e menos- valias apuradas nesse exercício, no montante de € 4.040.786,13, mediante o correspondente ajustamento na declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, referente ao exercício em questão (Docs. 5 e 9 da PI e PAT/RG apensos).
E. No dia 30/12/2003, a impugnante adquiriu 2.505.197 acções da sociedade “B…….SGPS” à sociedade “D……, SGPS, S.A.”, representativas de 50,10% do capital social desta, pelo montante de €41.185.438,68 (Docs. 6 e 9 da PI e PAT/RG apensos).
F. No dia 04/12/2002, apresentou pedido de informação vinculativa, solicitando saber se poderia, no exercício de 2002, exercer a opção prevista no n.º 8 do artigo 32º, da Lei n.º 109-8/2001, de 27 de Dezembro, relativamente à parte da mais-valia realizada no exercício de 2000 associada à parte que pretendia alienar a curto prazo (Doc. 7 da P1 e PAT/RG apensos).
G. No dia 30/01/2003, a inspectora tributária E…….. elaborou a informação n.º 166/03, pronunciando-se no sentido da impugnante poder no exercício de 2002 exercer a opção prevista no n.º 8 do artigo 32º, da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, apenas no que se refere à parte da mais-valia realizada no exercício de 2000 associada às acções que pretende alienar a curto prazo, colocando tal informação à consideração superior (Doc. 7 da P1 e PAT/RG apensos).
H. No dia 18/02/2003, o Subdirector-Geral da Direcção-Geral dos Impostos pronunciou-se sobre a informação referida no ponto G, determinando a sua remessa ao Centro de Estudos Fiscais com pedido de emissão de parecer, (Doc. 7 da P1 e PAT/RG apensos).
I. A resposta ao pedido de informação vinculativa referido no ponto F foi remetida à impugnante no dia 18/07/2003, através do ofício n.º 027863, constando da mesma que, por despacho datado de 23/06/2003 do Director-Geral dos Impostos, este sancionou o entendimento do Centro de Estudos Fiscais de, uma vez feita a opção pelo regime instituído pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, a diferença positiva entre as mais- valias e as menos valias suspensas de tributação dever ser incluída, na sua totalidade (50% da totalidade), no lucro tributável de exercício anterior ao da alienação dos activos, abrangendo o termo “alienação” quer a alienação total, quer parcial dos activos em que se concretizou o reinvestimento dos valores de realização (fls. 140 da RG apensa).
J. No decurso do ano de 2006, a impugnante procedeu à alienação à “C…….” da participação detida na “B…….” (Doc. 9 da PI e PAT/RG apensos).
K. No dia 24/11/2008, apresentou duas declarações de rendimentos modelo 22, de substituição, uma a título próprio, outra referente a todo o grupo do qual é a sociedade cúpula, relativas ao exercício de 2004, nas quais inscreveu, no campo 276 do quadro 07, a recaptura do valor de 50% da mais-valia apurada em 2000, na parte afecta à participação financeira detida na B…….., correspondente a € 12.937.514,14, tendo sido emitida a correspondente Liquidação no dia 2411112008 (Doc. 8 da PI e PAT/RG apensos).
L. Na sequência da apresentação destas declarações e em cumprimento da ordem de serviço n.º 01200806113, de 2611112008, foi accionado procedimento de inspecção externa ao exercício de 2004 da impugnante, com vista à análise das declarações de rendimentos entregues (Doc. 9 da PI e PAT/RG apensos).
M. Tal procedimento culminou com o relatório de inspecção tributária constante de fls. 155/173, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, recebido pela impugnante no dia 24/03/2009, no qual se conclui que, tendo em consideração a informação vinculativa referida no ponto 1, a correcção a efectuar no exercício de 2004 ao lucro tributável, ascenderia a € 75.500.820,00, porquanto a tributação teria que ser dada pela totalidade e não na proporção da alienação efectuada em 2006 (Doc. 9 da PI e PAT/RG apensos).
N. Mais consta do referido relatório não ter aplicação a opção pelo regime constante do artigo 32º, n.º 8, da Lei n.º 109-B/2001, pois “a parte da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001 apenas pode ser antecipadamente incluída na base tributável de qualquer exercício que seja anterior ao da alienação do correspondente activo a que está associada e não postecipadamente”, devendo a impugnante, “relativamente à declaração de rendimentos do ano de 2006, proceder ao acréscimo ao quadro 07 da totalidade da mais-valia fiscal suspensa associada às partes de capital da B……., no valor de €25.875.028,28, sendo que, relativamente ao exercício de 2004, não se efectuarão quaisquer procedimentos até que a liquidação do exercício de 2006 se consolide na ordem jurídica (...) Dado no entanto, que a A……. fez entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, de substituição, referente ao exercício de 2006, considerando a totalidade da mais valia fiscal suspensa associada às partes de capital da B……., que foram alienadas nesse exercício, no valor antes referido, não se irá proceder a qualquer correcção relativamente àquele exercício uma vez que a empresa assume a tributação pela totalidade, da citada mais valia, (ver folhas 47, Anexo I). Ainda e no que ao exercício de 2004 diz respeito, e dado que a A……. não procedeu à entrega da declaração de rendimentos modelo 22, para este exercício, no sentido de desconsiderar o valor mencionado no campo 276 do quadro 07 da declaração modelo 22, relativamente à opção que efectuou pelo disposto no nº 8 do artigo 32º da Lei 109-8/2001 de 27-12, caso em que a mesma a ser entregue seria convolada em reclamação graciosa da liquidação nos termos do nº 5 do artigo 59º do CPPT e caso ainda não venha a apresentar, nos prazos que a lei estabelece, reclamação ou impugnação judicial a Administração Fiscal, só efectuará qualquer correcção, após a liquidação do exercício de 2006 se consolidar na nossa ordem jurídica, nos termos do artigo 78º da LGT e dentro dos prazos de Revisão do Acto Tributário” (Doc. 9 da PI e PAT/RG apensos).
O. No decurso da acção de inspecção, a impugnante entregou declaração modelo 22 de substituição, referente ao exercício de 2006, recebida no dia 11/02/2009, procedendo à inclusão, no respectivo campo 276 do quadro 07, da totalidade da mais- valia fiscal associada às partes de capital detidas na B……, no montante de € 25.875.028,28, transpondo o correspondente efeito para a declaração relativa ao grupo de tributação abrangido pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades (Doc. 2 da PI e PAT/RG apensos).
P. No dia 29/05/2009, a impugnante apresentou reclamação graciosa desta liquidação, à qual foi atribuída o n.º 3522200904002075 (Doc. 1 da PI e PAT/RG apensos).
Q. No dia 21/12/2009, a impugnante apresentou a presente impugnação do indeferimento tácito desta reclamação graciosa (fls. 175).

6. Do objecto do recurso:

Tanto quanto se apura das conclusões das respectivas alegações, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, são as seguintes as questões que a recorrente vem submeter à apreciação deste Supremo Tribunal:

1. Saber se a interpretação que a sentença recorrida deu ao n.º 8 do artigo 32º da Lei n.º 109-B/2001 (regime transitório de tributação das mais valias nas SGPS) incorre em erro de julgamento, nomeadamente por ser contrária ao respectivo teor literal e contrária à correspondente ratio e inserção sistemática, sendo, por isso, tal decisão anulável.

2. Saber se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida ao julgar que a impugnante, e ora recorrente, exerceu de forma intempestiva a opção pelo regime transitório do n.º 8 do artigo 32º da Lei n.º 109-B/2001 na medida em que a opção por tal regime teria de ser manifestada em momento anterior ao da alienação do activo objecto de reinvestimento, no sentido de que a própria declaração fiscal em que o Contribuinte revela a sua escolha teria necessariamente que ser submetida em momento anterior ao da realização formal da venda projectada.

3. Saber se as mais-valias decorrentes da alienação das participações na B……., realizada pela A…….., se encontravam isentas de tributação em sede de IRC por força do disposto no art. 31.º do E.B.F., na versão vigente em 2006, sendo que tais mais valias não deviam pura e simplesmente ter sido sujeitas a qualquer tributação, e não era realmente necessário recorrer ao regime do nº 8 do art. 32º da Lei nº 109-B/2001.
4. Saber se, face à informação n.º 166/03, que foi prestada à recorrente pela administração fiscal (A.F.), ocorre violação do princípio da boa fé ínsito nos arts. 266.º da Constituição, 6.º-A n.º 1 do C.P.A. e 59.º da L.G.T.; e
5. Saber se, pela forma como foi tributada a dita mais valia em mais de 150 %, resulta um enriquecimento ilícito por parte do Estado, conforme previsto no art. 473.º do C. Civil.

A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal, conhecendo da questão da interpretação do regime transitório de tributação das mais valias nas SGPS, previsto pelo nº 8 do art. 32º da Lei nº 109-B/2001, concluiu que o recurso ao regime transitório previsto na Lei n.º 109-B/2001 implica a antecipação da inclusão, na base tributável do sujeito passivo, do montante integral da mais-valia cuja tributação se encontrava suspensa.
De igual modo, quanto à suscitada questão da actuação da Administração Tributária na sequência da informação vinculativa nº 166/2003 se julgou não assistir razão à impugnante por não ocorrer a invocada a violação dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, na sua dimensão de protecção da confiança.
E quanto ao invocado enriquecimento sem causa conclui a decisão recorrida não se afigurar adequado fazer apelo ao princípio da justiça, no sentido de corrigir a autoliquidação de 2006, que é a efectivamente devida, pois ainda se afigura possível a revisão da autoliquidação referente ao exercício de 2004.

Contra o assim decidido se insurge a recorrente defendendo em síntese que face à leitura da norma constante no n.º 8 do artigo 32º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, do seu elemento literal não se descortina a mínima ressonância da interpretação perfilhada pela Administração fiscal ao entender que o recurso ao regime nela instituído implica sempre a antecipação da inclusão, na base tributável do sujeito passivo, do montante integral da mais-valia cuja tributação se encontrava suspensa, e já não somente de uma parte do seu valor, ainda que com os adequados ajustamentos proporcionais.
Alega ainda que a interpretação defendida na sentença recorrida não tem qualquer suporte no plano teleológico e uma vez que residindo a ratio legis subjacente a todos os regimes de suspensão e diferimento de tributação de mais-valias do tipo do que aqui é tido em conta, precisamente, no incentivo ao reinvestimento do valor realizado com a alienação do activo que operou a mais-valia, então sempre há-de ser elemento nuclear do regime a conexão entre esse valor de realização, esse reinvestimento, essa mais-valia e esse activo.
Do mesmo modo que considera que não é sustentável a interpretação da Administração quanto à tempestividade com que a Impugnante procedeu à tributação de 50% das mais-valias fiscais associadas às participações detidas na B……., não sendo, em sua tese, perceptível em que medida se pode inferir da redacção daquele preceito que a recaptura das mais-valias fiscais apenas poderá ser incluída na base tributável de uma declaração de rendimentos modelo 22 de IRC referente a qualquer exercício anterior ao da alienação do activo 2006, desde que tal declaração tenha sido submetida em momento anterior ao da mesma alienação.
Prosseguindo, entende que o facto que a lei estatui como podendo ser antecipado à alienação do activo subjacente à mais-valia não é a declaração fiscal, mas sim a própria tributação — não se trata de quando se declara o facto tributário, mas de em que exercício ocorrerá a incidência de imposto sobre esse facto.
Pelo que conclui que, ao colocar à tributação em 2004 apenas a parte da diferença positiva apurada entre as mais-valias e menos-valias do ano de 2000, especificamente ligada à participação da B……. - e ao mobilizar, para esse efeito, o regime transitório do n.º 8 do artigo 32º da Lei n.º 109-B/2001, apenas em 2008 actuou totalmente dentro do âmbito de aplicação do dito regime.
Quanto à validade da Informação n.º 166/2003 considera a recorrente que a informação n.º 166/2003, não pode deixar de ser considerada uma informação prévia vinculativa, pela qual a Administração comunicou antecipadamente à recorrente o seu ponto de vista sobre a situação hipotética submetida a consulta, devendo, na sua actuação concreta posterior a esta resposta fidelidade estrita ao teor da mesma sob pena de violação do disposto nos arts. 68º da LGT e 57º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Sem prescindir, alega que a informação n.º 166/2003 constitui uma informação oficial, levada ao conhecimento da Impugnante por intermédio de uma notificação também oficial pelo que, ao empreender uma actuação contrária àquela sua posição anterior, em que a recorrente fundadamente confiou, a Administração Tributária violou todos os preceitos onde se encontra consagrado o princípio da boa-fé, o que deveria ter sido reconhecido pelo Tribunal recorrido.
Finalmente quanto à reversão do ajustamento efectuado pela Impugnante nas declarações Modelo 22 de substituição relativas ao exercício de 2004 considera a recorrente que não dispunha de qualquer disposição legal que lhe permitisse efectuar uma correcção que se consubstanciasse no apuramento de um lucro tributável inferior ao apurado nas declarações Modelo 22 de substituição do exercício de 2004 e, nessa medida, evitar que viesse a ser sujeita a uma tributação relativamente a 150% da mais-valia fiscal apurada no exercício de 2000, na parte relativa ao reinvestimento efectuado na aquisição de partes de capital representativas de 50,10% do capital social da B……. (50% no exercício de 2004 e 100% no exercício de 2006), sendo que tal situação constitui um enriquecimento sem causa por parte do Estado, previsto no artigo 473º do Código Civil.
Apreciando e decidindo.

6.1 Do regime transitório de tributação das mais valias nas SGPS, previsto pelo nº 8 do art. 32º da Lei nº 109-B/2001,
Uma correcta aproximação do problema pressupõe que se analise a evolução do regime de tributação das mais valias obtidas por SGPS em caso de reinvestimento até à sua revisão pela Lei do Orçamento de Estado de 2002 (Lei nº 109-B/2001).
Como esclarece Rui Camacho Palma( Revista Fisco, 115/116, pags. 22 e segs, « Algumas questões em aberto sobre o regime de tributação das SGPS») «ao contrário do que sucede com a generalidade das sociedades comerciais, as SGPS beneficiaram, até 31 de Dezembro de 2000, de um regime de diferimento integral de tributação das mais-valias obtidas mediante a alienação ou troca das participações societárias por si detidas, sempre que o valor de realização fosse reinvestido até ao fim do segundo exercício seguinte ao da execução da alienação ou troca na aquisição de novas participações sociais.
Contudo, nos termos do regime introduzido pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro (vulgarizada por ‘Lei da Reforma Fiscal”), cuja entrada em vigor ocorreu a 1 de Janeiro de 2001, o regime das mais-valias apuradas pelas SGPS foi alterado, passando a ser possível apenas diferir, durante cinco anos, a tributação das mais-valias resultantes da alienação por venda ou troca de acções ou quotas em caso de reinvestimento do correspondente valor de realização em novas participações sociais entre o início do exercício anterior e o final do segundo exercício seguinte ao dessa realização. Ao abrigo deste sistema, um quinto da mais-valia seria tributada no ano da alienação e os quatro quintos restantes ao longo dos quatro exercícios subsequentes.
Sucede que este regime foi novamente revisto pela Lei de Orçamento do Estado para 2002 (Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro), a qual veio estabelecer a exclusão, em determinadas circunstâncias, de tributação de um valor correspondente a 50% do saldo positivo das mais e menos-valias apuradas na alienação, tanto de elementos do activo imobilizado corpóreo, como também de determinadas participações sociais, igualmente mediante reinvestimento do respectivo valor de realização.
Com a entrada em vigor da referida Lei n.º 109-B/2001 de 27 de Dezembro passou a aplicar-se ao regime fiscal das SGPS o disposto nos n.º 1 e 5.º do art. 46.º do CIRC (redacção então em vigor) e nos n.º 1 e 4.º do art. 45.º do mesmo diploma, conforme previsto no n.º 1 do art. 31 do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Assim, de harmonia com este normativo, na redacção que lhe foi conferida Lei nº 109-B/01, de 27/12, às SGPS e às SCR era aplicável o disposto nos n.os 1 e 5 do artigo 46.º do Código do IRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem de participação e ao período de detenção, bem como o disposto no n.º 1 e no n.º 4 do artigo 45.º daquele Código, neste último caso sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem de participação.»
Por força deste regime, e da remissão do artº 31º do EBF, a mais valia líquida seria considerada em metade do seu valor, se no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do 2º exercício seguinte, se verificasse o reinvestimento do valor de realização.


Porém a referida Lei de Orçamento de Estado de 2002 introduziu também um regime transitório alternativo ao regime de diferimento previsto pela Lei 30 - G/2000, regulado pelos ns. 8 e 9 do supra referido artº 32º.
De acordo com tal regime transitório a parte da diferença positiva das mais e menos-valias realizadas antes de Janeiro de 2001 cujo valor de realização tivesse sido ou viesse a ser reinvestido, podia ser antecipadamente incluída na base tributável de qualquer exercício anterior ao da alienação, desde que posterior a Janeiro de 2001, por metade do seu valor, mas sem exigência de novo reinvestimento.
Por outro lado às mais-valias realizadas em 2001, possibilitava-se a opção pelo regime de diferimento previsto na Lei 30-G/2000 (5 anos desde que existisse reinvestimento) ou pelo regime de exclusão parcial da tributação previsto na Lei n.º 109-B/2001 (tributação de 50% da diferença positiva entre mais e menos-valias)
Posteriormente a Lei de Orçamento de Estado 2003, veio alterar o regime de tributação das mais-valias detidas pelas SGPS estabelecendo , através do artº 31º, nº 2 do EBF um regime de exclusão de tributação das mais-valias realizadas na transmissão onerosa de participações detidas por período superior a um ano, estabelecendo também que as menos-valias e os encargos financeiros suportados com a aquisição das partes sociais deixam de concorrer para a formação do lucro tributável. (Para mais desenvolvimento sobre a questão da tributação das mais valias realizadas pelas SGPS, vide, para além de Rui Camacho de Palma, ob. citada, Miguel Luís Cortês Pinto de Melo – A Tributação das Mais-Valias Realizadas na Transmissão Onerosa de Parte de Capital pelas SGPS, Almedina, José Engrácia Antunes, “A tributação dos grupos de sociedades” in Fiscalidade.,Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 45, Janeiro-Março 2011, pags. 19- 20, e Tânia Almeida Ferreira, Regime das Mais Valias e do Reinvestimento - IRC – sujeitos passivos residentes, Fiscalidade, Abril de 2002, pags. 95 e segs.)

6.2 Feitas estas considerações sobre o a evolução do regime de tributação das mais valias obtidas por SGPS em caso de reinvestimento até à sua revisão pela Lei do Orçamento de Estado de 2002, cumpre agora proceder à análise da norma cuja interpretação se convoca para a resolução da questão decidenda e que é precisamente a do regime transitório previsto pelo nº 8 do art. 32º da Lei nº 109-B/2001.

Dispunha o referido normativo:
« A parte da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001, cujo valor de realização tenha sido ou, no respectivo prazo legal, venha a ser objecto de reinvestimento em bens não reintegráveis pode, por opção do sujeito passivo, e em alternativa ao regime previsto na alínea b) do nº 7 da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, ser antecipadamente incluída na base tributável de qualquer exercício que seja anterior ao da alienação do correspondente activo a que está associada, desde que posterior a 1 de Janeiro de 2001, por metade do seu valor, nos termos previstos no artigo 45. o do Código do IRC, na redacção dada pela presente lei, mas sem exigência do novo reinvestimento subsequente consagrado neste último preceito.»
A redacção do preceito não prima pela clareza e suscita dúvidas de interpretação, como se refere no parecer 19/2003, do Centro de Estudos Fiscais, parcialmente transcrito a fls. 232 dos presentes autos, nomeadamente por não explicitar, ao referir-se à alienação, se tal termo abrange, não só, a alienação total mas também a alienação parcial do correspondente activo em que se concretizou o investimento.

Como se viu a sentença recorrida, conhecendo da questão da interpretação do regime transitório de tributação das mais valias nas SGPS, previsto pelo nº 8 do art. 32º da Lei nº 109-B/2001, e ancorando-se no despacho de 03.06.2003 do Director Geral dos Impostos (É o seguinte o teor daquele despacho: “Processo: 3582/2002, com despacho concordante do Senhor Subdirector-Geral do IR, em 2003.06.03
Conteúdo: A Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro, estabelece, no nº8 do seu artº 32º, um regime transitório relativo à diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas antes de 1.1.2001 e cujo reinvestimento dos respectivos valores de realização seja efectuado em bens não reintegráveis, alternativo ao previsto na alínea b) do nº7 do artº 7º da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
Esse regime consubstancia-se na possibilidade de os sujeitos passivos optarem por, antecipadamente, incluir na base tributável de qualquer exercício que seja anterior ao da alienação do correspondente activo a que está associada, desde que seja posterior a 1.1.2001, 50% do seu valor, nos termos previstos no artº 45º do Código do IRC, mas sem exigência de novo reinvestimento.
Feita a opção pelo regime instituído na Lei nº 109-B/2001, a totalidade da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias suspensa de tributação deve ser incluída, em 50%, no lucro tributável de qualquer exercício anterior ao da alienação total ou parcial dos activos. Ou seja, o limite temporal para que a totalidade daquela diferença seja incluída, em 50%, no lucro tributável é o exercício anterior ao da alienação de qualquer dos activos a que está associada, não podendo o sujeito passivo optar por incluir tal diferença de uma só vez ou faseadamente se e na medida da alienação de cada um desses activos.”), emitido após o pedido de informação vinculativa dirigido pela impugnante, concluiu que o recurso ao regime transitório previsto na Lei n.º 109-B/2001 implica a antecipação da inclusão, na base tributável do sujeito passivo, do montante integral da mais-valia cuja tributação se encontrava suspensa.
Entendeu decisão sindicada que optando a impugnante pela aplicação do dito regime provisório, a diferença positiva entre as mais valias e as menos-valias suspensa de tributação tinha de ser integralmente incluída no lucro tributável do exercício anterior, pois não resulta da lei a possibilidade de escolher a inclusão faseada daquela diferença positiva.

Não acompanhamos, porém, este entendimento e consideramos até que a interpretação acolhida pelo Tribunal a quo não tem na letra da lei a adequada correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa.

É certo que, de harmonia com o constante do artigo 9 º do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas sobretudo reconstituir o pensamento legislativo a partir dos textos, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (n º 1).
Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso ( artº 9º, nº 2 do Código Civil).
Como refere Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, pag. 185) o texto é o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, “a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei”
Ora, no caso, como bem nota a recorrente, a interpretação sufragada pela Administração Fiscal, e sancionada pela sentença recorrida, desconsidera desde logo o limite textual fornecido pela norma e, deixa sem explicação uma questão pertinente, qual seja a de saber porque razão o legislador se teria referido à parte, se, alegadamente, se quereria referir ao todo.
Efectivamente resulta do texto da lei uma clara conexão entre o termo «parte» e a expressão «da alienação do correspondente activo a que está associada»
Terá sido essa a intenção do legislador ao deixar expresso, e não meramente implícito, que é a parte da diferença positiva (não tributada no ano da realização) entre as mais-valias e as menos-valias, realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001, cujo valor de realização tenha sido ou, no respectivo prazo legal, venha a ser objecto de reinvestimento em bens não reintegráveis, que pode (…) ser antecipadamente incluída na base tributável de qualquer exercício que seja anterior ao da alienação do correspondente activo a que está associada, ou seja ao da alienação dos títulos que têm por subjacente, o reinvestimento de tais mais valias , por metade do seu valor.
Assim quando a norma refere “parte da diferença positiva entre as mais-valias e as menos valias realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001” parece claro que a opção não se refere à totalidade dessa diferença, até porque o mesmo preceito relaciona essa mais valia com o activo a que está associada, como se deduz da expressão “correspondente ao activo a que está associada”.
Pretendeu-se assim admitir que, em alternativa ao regime transitório previsto na alínea, b) do nº 7 do artº 7º da Lei nº 30-G72000 de 29 de Dezembro, as empresas pudessem antecipar a tributação para qualquer exercício anterior ao da alienação dos activos em que concretizaram (ou viessem a concretizar) o reinvestimento, desde que posterior a 1 de Janeiro de 2001( Vide Notas Prévias do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao Orçamento de Estado de 2002. ), tributação essa que, neste caso, incidirá apenas sobre 50% da mais valia fiscal associada.
Em suma, da aplicação do regime instituído pelo n.º 8 do artigo 32.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2002), por opção do sujeito passivo, relativamente à mais valia fiscal associada ao custo de aquisição de um bem não amortizável, resulta acréscimo (tributação) de 50% da mesma (mais valia antiga) sem necessidade de reinvestimento, sendo que o referido acréscimo tem necessariamente de afectar o resultado fiscal de um exercício anterior ao da alienação. (Cf. neste sentido Tânia Almeida Ferreira, ob. cit. pag. 111)
No entanto, se apenas se verificar o reinvestimento parcial do valor de realização o regime supra referido será aplicável à parte proporcional da diferença positiva entre as mais e menos valias a que o mesmo se refere.
Não tem, pois, apoio ou correspondência no texto legal, bem pelo contrario, a interpretação sancionada pela decisão recorrida no sentido de que, uma vez feita a opção pelo regime instituído pela lei nº 109-B/2001 a diferença positiva entre as mais valias e as menos valias suspensa de tributação deve ser incluída, na sua totalidade, no lucro tributável do exercício anterior.

Mas, sendo consabido que nenhuma interpretação ficará completa com a simples apreensão literal do texto da lei, sendo sempre necessária «uma tarefa de interligação e valoração que excede o domínio literal( Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, (11.ª reimpressão), pag. 185)” e que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de uma forma isolada, há que recorrer a outros subsídios interpretativos, nomeadamente os elementos sistemático e teleológico.

Ora, no caso, também esses contributos interpretativos apontam no mesmo sentido.

Assim cumpre notar que o regime especial de tributação das mais e menos valias no domínio das Sociedades Gestoras de Participações Sociais e das Sociedades de Capital de Risco revisto pela Lei de Orçamento do Estado para 2002 (Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro), era um regime do reinvestimento que permitia a respectiva aplicação às mais e menos valias resultantes da alienação de partes sociais desde que o valor de realização fosse reinvestido, total ou parcialmente, na aquisição de outras quotas, acções ou títulos emitidos pelo Estado.
Com efeito e como já se referiu, com a entrada em vigor da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (OE/2002), passou a ser aplicável às SGPS o disposto nos ns. 1 e 5 do art. 46 do CIRC sem dependência dos requisitos aí exigidos, bem como os ns. 1 e 4 do art. 45º do mesmo diploma, de acordo com o disposto no art. 31º do Estatuto de Benefícios Fiscais.
O regime de tributação das mais valias realizadas na transmissão onerosa de partes de capital pelas SGPS seguiu, pois, de perto, as evoluções do regime regra de tributação das mais valias em sede de IRC, denominado regime de reinvestimento dos valores de realização (artº 45º do CIRC), tendo sido regulado até 31 de Dezembro de 2002 por remissão para este mesmo regime com dispensa de observância de determinados requisitos, como sejam os relativos ao período de detenção e à percentagem ou valor da participação (Ver neste sentido Tânia Almeida Ferreira, ob. cit. pag. 100 e Tiago Caiado Guerreiro, o Novo Regime Fiscal das SGPS, Revista do Revisores Oficiais de Contas, nº 26, in www.OROC.pt.).

Dispunha o artº 45º do CIRC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/200l, de 27 de Dezembro (OE/2002), o seguinte:

«1- Para efeitos de determinação do lucro tributável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calculadas nos termos dos artigos anteriores, realizadas mediante a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, detidos por um período não inferior a um ano, ou em consequência de indemnizações por sinistros ocorridos nestes elementos, é considerada em metade do seu valor, sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor de realização correspondente à totalidade dos referidos elementos seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração, com excepção dos bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC com o qual existam relações especiais nos termos definidos no n.º 4 do artigo 58 º. (Redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27/12)

2 - No caso de se verificar apenas o reinvestimento parcial do valor de realização, o disposto no número anterior é aplicado à parte proporcional da diferença entre as mais-valias e as menos-valias a que o mesmo se refere.
(Redacção da Lei n.º 30-G/2000, de 29/12)

3- Não é susceptível de beneficiar do regime previsto nos números anteriores o investimento em que tiverem sido utilizadas as provisões referidas nos artigos 37º e 38º
(Redacção do Decreto-lei n.º DL 198/2001, de 3 de Julho)

4 - O disposto nos números anteriores é aplicável à diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, com as seguintes especificidades:

a) O valor de realização correspondente à totalidade das partes de capital deve ser reinvestido, total ou parcialmente, na aquisição de partes de capital de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial com sede ou direcção efectiva em território português ou ainda em títulos do Estado Português;

b) As partes de capital alienadas devem ter sido detidas por um período não inferior a um ano e corresponder a, pelo menos, 10% do capital social da sociedade participada. (Redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27/12)

5 - Para efeitos do disposto nos nºs 1, 2 e 4, os contribuintes devem mencionar a intenção de efectuar o reinvestimento na declaração a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 109º do exercício da realização, comprovando na mesma e nas declarações dos dois exercícios seguintes os reinvestimentos efectuados. (Redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27/12).

6 - Não sendo concretizado, total ou parcialmente, o reinvestimento até ao fim do segundo exercício seguinte ao da realização, considera-se como proveito ou ganho desse exercício, respectivamente, a diferença ou a parte proporcional da diferença prevista nos nºs 1 e 4 não incluída no lucro tributável, majorada em 15%.
(Redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27/12)».
Com este regime pretendeu o legislador incentivar o investimento produtivo por parte das empresas, permitindo-lhes deduzir ao lucro tributável do exercício as mais valias realizadas, obtendo-se desta forma uma exclusão de tributação das mesmas (apenas) no exercício em que são geradas (Tânia Almeida Ferreira, ob. cit. pag. 100).
Trata-se, mais precisamente, não de uma exclusão de tributação mas de um diferimento da mesma.
Ora o regime transitório introduzido pelo artº 32º, nº 8 da Lei de Orçamento de Estado, permitindo a antecipação da tributação da a parte da diferença positiva das mais e menos-valias realizadas antes de Janeiro de 2001 cujo valor de realização tivesse sido ou viesse a ser reinvestido é, também, ainda assim, um regime de reinvestimento.
De facto, como se esclarece nas Notas Prévias do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao Orçamento de Estado de 2002 não é objectivo deste regime optativo dispensar o reinvestimento a que as empresas se comprometeram, no exercício da realização, para efeitos da suspensão e diferimento da tributação de mais valias, apenas não se exige um novo reinvestimento subsequente( Também neste sentido vide Miguel Pinto de Melo, ob. citada, ).
Assim, como bem nota a recorrente, residindo a teleologia de um tal regime de suspensão e diferimento de tributação de mais-valias no reinvestimento do valor realizado com a alienação do activo que operou a mais-valia, forçoso é concluir que constitui elemento basilar de tal regime a conexão entre o valor de realização, o reinvestimento e as mais valias que lhe são subjacentes, pelo que havendo reinvestimento parcial, a redução na tributação será proporcional.
Isso mesmo resultava expresso do regime regra, o qual, de harmonia com o no artº 45º, nº 2 do CIRC, na redacção então em vigor, continuava a determinar que, verificando-se apenas o reinvestimento parcial do valor de realização, o disposto no seu nº 1 se aplicava à parte proporcional da diferença entre as mais-valias e as menos valias referidas.
Daí que, também por esta via de argumentação, se possa concluir que, tal como sucede no regime especial de tributação das mais e menos valias previsto no artigo 45.º do Código do IRC, se apenas se verificar o reinvestimento parcial do valor de realização, a aplicação do regime referido se circunscreverá à parte proporcional da diferença positiva entre as mais e as menos valias a que o mesmo se refere ( Neste sentido Tânia Almeida Ferreira, ob. cit. pags. 104 e 108, e ), sendo que será essa parte que será antecipadamente incluída, por metade do seu valor, na base tributável de qualquer exercício que seja anterior ao da alienação do correspondente activo a que está associada.

Procede assim, nesta parte, a argumentação da recorrente já que a autoliquidação sindicada por via da reclamação graciosa e da impugnação do respectivo indeferimento tácito padece, desde logo do primeiro vício que lhe é imputado – violação do disposto no artº 32º, nº 8 da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (OE/2002)

7. Mas tal conclusão não basta para que se possa, desde já, julgar procedente a impugnação deduzida pela recorrente contra o acto administrativo de indeferimento tácito da autoliquidação associada às declarações de rendimentos Modelo 22 do IRC de substituição referentes ao exercício de 2006.
Com efeito a sentença recorrida entendeu também, corroborando a posição da Administração Fiscal, que a opção, mediante entrega de declaração modelo 22, pelo regime transitório instituído na Lei n.º 109-B/2001 devia ser anterior à alienação das partes de capital social às quais estão associadas as mais valias suspensas.
O que, no caso, conduziria também improcedência da impugnação por alegado exercício intempestivo do direito de opção por tal regime transitório.
Daí que se imponha passar à apreciação da segunda questão suscitada no recurso, que não se mostra prejudicada pela solução dada à anterior, e que é a de saber se a A……. exerceu de forma intempestiva a opção pelo regime transitório do n.º 8 do artigo 32º da Lei n.º 109-B/2001, na medida em que a opção por tal regime teria de ser manifestada em momento anterior ao da alienação do activo objecto de reinvestimento, no sentido de que a própria declaração fiscal em que contribuinte revela a sua escolha teria necessariamente que ser submetida em momento anterior ao da realização formal da venda projectada.

Como se vê de fls. 334, sobre esta questão o Tribunal quo considerou que está subjacente à utilização dos termos antecipadamente e anterior a intenção do legislador, ao criar este novo regime, fazer desaparecer o mais rapidamente possível as diferenças positivas entre as mais-valias e menos-valias pendentes de tributação e para tanto, o limite temporal para aquela diferença ser incluída, na sua totalidade, no lucro tributável será o exercício anterior ao da alienação total ou parcial do correspondente activo a que está associada.
E com base nesta argumentação concluiu ser de dar resposta afirmativa à questão assinalada, negando razão aos argumentos avançados pela impugnante.

A recorrente, por sua vez, sustenta que o advérbio de modo antecipadamente não se encontra ligado ao momento da apresentação da declaração modelo 22, mas antes à base tributável — e ao correspondente imposto.
E que o facto que a lei estatui como devendo ser antecipado relativamente à alienação de um activo não é obviamente o da submissão de uma declaração fiscal, mas antes o facto da própria sujeição a tributação da parte da mais-valia de que aqui se trata.
Por outras palavras, sustenta que não está em causa saber quando se deve declarar o facto tributário constituído pela sujeição a imposto da mais-valia em análise, mas antes determinar qual o exercício em que se devem produzir as correspondentes consequências fiscais.
Mais alega que a interpretação acolhida pelo Tribunal a quo não só faria com que, nos casos abrangidos pelo regime em apreciação — e sem que quanto a eles se tivesse taxativamente previsto uma excepção —, fosse inaplicável (verdadeira “letra morta”) o regime geral das declarações de substituição (previsto no artigo 114º do Código do IRC), como abriria a porta a situações absurdas como aquela em que um sujeito passivo de IRC, procedendo, em Junho, à alienação de uma participação financeira onerada por uma mais-valia fiscal, e tendo entregue em Julho a declaração que deveria ter submetido no mês de Maio, já não poderia optar pela aplicação do disposto no n.º 8 do artigo 32º da Lei n.º 109-B/2001 na sua declaração Modelo 22 referente àquele exercício.

A nosso ver também aqui assiste razão à recorrente.
Em primeiro lugar cumpre referir que não se extrai do texto legal ou mesmo dos trabalhos preparatórios da lei (notas prévias à Lei de Orçamento de Estado 2002) qualquer contributo que aponte no sentido da conclusão de que « visou o legislador ao criar este novo regime, fazer desaparecer o mais rapidamente possível as diferenças positivas entre as mais-valias e menos-valias pendentes de tributação» .
Do mesmo modo quer recorrendo ao elemento literal, quer recorrendo à ratio legis e aos elementos sistemático e histórico, não se vislumbra argumentação bastante para sustentar a interpretação da Administração Fiscal, sancionada pela decisão recorrida, no sentido de que a opção pelo regime transitório de tributação previsto no referido artº 32º, nº 8, deve ser anterior à alienação das partes de capital social às quais estão associadas as mais valias suspensas, mediante a entrega de declaração modelo 22.
Antes de mais não será despiciendo notar, para uma correcta interpretação da norma, que o legislador utilizou do pronome indefinido qualquer para referir o exercício anterior ao da alienação do correspondente activo, facto que, só por si, implicava a substituição de declarações já efectuadas na maior a parte dos casos para que dispunha o referido regime transitório.
Decorre, com efeito, expressivamente, do texto legal que o exercício cuja base tributável pode ser acrescida com inclusão da parte da mais valia associada ao bem que se pretende alienar há-de ser um qualquer anterior ao da alienação do correspondente activo, desde que posterior a 2001, o que induz a concluir de que este regime transitório constitui uma excepção ao princípio da realização que subjaz à consideração das mais valias latentes para efeitos tributários (Sobre o princípio da realização que subjaz à consideração das mais valias latentes para efeitos tributários vide Rui Duarte Morais, “Sobre o IRS”, 2ªedição, pag. 137 e Manuel de Freitas Pereira, A Base Tributável do IRC, in CTF, nº 360, pag. 135. Como sublinha este autor, por razões económicas o legislador entendeu que só as mais -valias e menos-valias realizadas deveriam contribuir para o lucro tributável. Daí que se tenham excluído das variações patrimoniais a considerar as mais -valias e as menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade ( al. b) do artº 21º e al. b) doa artº 24º do CIRC).) ( artº 24º, nº 1, al.a) do CIRC.
Estamos assim perante um regime excepcional em que se permite a opção por um regime de tributação antecipada com exclusão de tributação de 50% da diferença entre as mais e menos-valias realizadas que tenham sido objecto de reinvestimento, a realizar em exercício anterior ao da alienação dos activos a ela associados, e sem obrigação de novo reinvestimento, regime esse globalmente mais vantajoso (Por exemplo não havendo obrigatoriedade de reinvestimento também não se exige, ao contrário do que sucede no regime regra, que o sujeito passivo mencione, na declaração anual de informação contabilística, a intenção de efectuar o reinvestimento, comprovando na mesma e nos dois exercícios seguintes os reinvestimentos efectuados.) para os contribuintes do que o regime regra do artº 45º ou o outro regime transitório introduzido pela Lei 30-G/2000.
Sendo que nada aponta no sentido de que o legislador quis, ao instituir aquele regime, restringir de alguma forma, os meios processuais e declarativos que a lei coloca ao dispor dos contribuintes para o exercício daquela opção.
Em síntese, tendo presentes os pertinentes elementos interpretativos, poderá concluir-se que não resulta do texto legal que a opção pelo regime transitório previsto no n.º 8 do artigo 32º da Lei n.º 109-B/2001 teria de ser manifestada em momento anterior ao da alienação do activo objecto de reinvestimento, e nomeadamente que a própria declaração fiscal em que contribuinte revelasse a sua escolha teria necessariamente que ser submetida em momento anterior ao da realização formal da venda projectada.

Neste contexto cabe também referir que a interpretação acolhida na sentença não tem em conta o valor das declarações de substituição que podem ser utilizadas para corrigir erros de direito e de facto nas declarações dos contribuintes.
Como é sabido a declaração inicial do devedor de impostos não tem efeitos constitutivos (Vide, neste sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15.10.2009, recurso 35/02 in www.dgsi.pt.) e a lei permite a impugnação judicial com fundamento em qualquer ilegalidade, quer ela tenha origem na actuação da AT, quer no erro do contribuinte na declaração.
Neste sentido, refere Alberto Pinheiro Xavier (Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág. 205) que «o acto tributário é impugnável sempre que ilegal, quer o seu conteúdo se identifique, quer divirja do da declaração do contribuinte».
Ora de harmonia com o disposto no artº 114º, nº 2 do CIRC a autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efectivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal.
No caso em apreço foi esse o procedimento utilizado pela recorrente, sendo que a declaração de substituição foi apresentada no prazo legal, o que não é contestado pela Fazenda Pública, verificando-se, por outro lado, as condicionantes temporais estabelecidas pelo regime transitório, ou seja: que o acréscimo (50% da mais-valia antiga) afecte o resultado fiscal de um exercício anterior (2004, no caso subjudice ) ao da alienação (que ocorreu em 2006), e que seja posterior a 1 de Janeiro de 2001.
Tanto basta para que se conclua, tal como sustenta a recorrente, que ao colocar à tributação em 2004 apenas a parte da diferença positiva apurada entre as mais-valias e menos-valias do ano de 2000, especificamente ligada à participação da B…….- e ao mobilizar, para esse efeito, o regime transitório de tributação das mais valias nas SGPS do n.º 8 do artigo 32º da Lei n.º 109-B/2001, apenas em 2008, actuou dentro do âmbito de aplicação do dito regime.
A decisão recorrida que a assim não entendeu não pode manter-se na ordem jurídica, devendo ser revogada.

Procedem, pois, também aqui, as alegações de recurso o que conduz à revogação da decisão recorrida e à procedência da impugnação pela recorrente deduzida contra o acto administrativo de indeferimento tácito da autoliquidação associada às declarações de rendimentos Modelo 22 do IRC de substituição referentes ao exercício de 2006, ficando, consequentemente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

8. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e em julgar procedente a impugnação deduzida pela recorrente contra o acto administrativo de indeferimento tácito da autoliquidação associada às declarações de rendimentos Modelo 22 do IRC de substituição referentes ao exercício de 2006, por si entregues a título individual e enquanto sociedade dominante do grupo de sociedades abrangido pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, no que respeita à recaptura, e consequente tributação, da totalidade da mais-valia fiscal inerente à participação financeira anteriormente detida pela Reclamante no capital social da sociedade B……., SGPS, S.A. - "B…… SGPS”.

Custas pela Fazenda Pública apenas na primeira instância, dado que não contra-alegou neste Supremo Tribunal.
Lisboa, 22 de Maio de 2013. - Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.