Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0378/12 |
Data do Acordão: | 06/20/2012 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FERNANDA MAÇÃS |
Descritores: | EXECUÇÃO FISCAL OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO CADUCIDADE DE LIQUIDAÇÃO NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO INDEFERIMENTO LIMINAR NULIDADE DE SENTENÇA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO |
Sumário: | I - A nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto ou de direito só ocorre quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, sendo de compreender a falta de fixação de matéria de facto quando está em causa apenas a apreciação de matéria de direito e tratar-se de um indeferimento liminar. II - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. III - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior. IV - O facto de haver controvérsia jurisprudencial, hoje ultrapassada, sobre o alcance da alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT, nunca seria fundamento de indeferimento liminar da oposição, antes poderia impor ao julgador que para conhecimento do mérito da oposição deduzida tomasse partido, expressa ou implicitamente, por uma das posições em confronto. V - Sendo admissível que a oposição possa cair quer na alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT quer na alínea i) do mesmo preceito, não deve ser rejeitado liminarmente a petição de oposição quando foi alegada a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade, prevista na alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT. |
Nº Convencional: | JSTA000P14321 |
Nº do Documento: | SA2201206200378 |
Data de Entrada: | 04/05/2012 |
Recorrente: | A..., LDA |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I- Relatório 1. A……, Lda., deduziu oposição à execução fiscal, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, alegando a caducidade do imposto, bem como a prescrição. 2. Naquele Tribunal foi decidido rejeitar liminarmente a oposição, por não se incluir em qualquer dos fundamentos previstos no artigo 204º do CPPT e ser manifestamente improcedente o motivo de oposição. 3. Não se conformando, a oponente interpôs recurso para o TCA Norte, apresentando alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões: “1) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, ao julgar a oposição improcedente uma vez que deveria ter sido a mesma julgada totalmente procedente por provada. 2) Salvo o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, na sua Douta sentença, que salvo melhor viola o estatuído no disposto na alínea b) do artigo 688° do Código de Processo Civil. 3) Apesar da deficiente fundamentação da sentença não constituir fundamento de anulação da decisão sobre a matéria de facto, nem o reenvio do processo para novo julgamento no Tribunal de 1° instância, dando lugar isso sim, à remessa dos autos à primeira instância para que o Tribunal fundamente a sentença não devidamente fundamentada, o que ora expressamente se requer. 4) Salvo o devido respeito, não andou bem o Exmo. Juiz a quo, na sua Douta sentença uma vez que não levou em consideração, tudo aquilo que o Oponente alegou na impugnação por si efectuada. 5) Salvo o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, na sua Douta sentença uma vez que não levou em consideração, tudo aquilo que o Oponente alegou na oposição por si efectuada. 6) De facto, não foi levado em consideração, nem consta sequer da sentença aquilo que a Oponente alegou, com a ilegalidade da liquidação da quantia exequenda tanto mais os Recorrentes foram apenas notificados em Setembro de 2010, de que se encontrava em dívida os valores constantes dos presentes autos correspondentes respectivamente ao período de 2006, isto apesar da notificação constar 2008, o que igualmente constitui uma ilegalidade, referente a imposto correcção de IRS. 7) Ora tal ilegalidade da liquidação da divida, uma vez que não se trata de uma divida de 2008, gera nulidade do titulo executivo, com todas as suas consequências legais, no entanto no entendimento do mesmo, tal não era igualmente para fundamento da oposição à penhora. 8) Assim, salvo o devido respeito, ambos os argumentos aduzidos pela Recorrente poderiam caber no âmbito das alíneas, c) e h) do artigo 204° do Código de Procedimento e Processo Tributário. 9) Para além disso, a Recorrente invocou que foi notificada em Janeiro de 2011 e sendo a dívida de 2008 já teria decorrido o prazo de caducidade. Nos termos do disposto no n° 1 do artigo 45° da Lei Geral Tributária alterada pelo Decreto-Lei n° 16-A/2002 de 31 de Maio “(…) o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro (...)”. 10) No entanto e apesar disso, o Mmo. Juiz a quo, entendeu que tal não é fundamento de oposição, interpretando, salvo o devido respeito, de forma própria o que os Recorrentes haviam alegado e levando a uma não apreciação de um fundamento valido de oposição. 12) A Douta sentença violou o disposto nos artigos 659°, 665° e 688° todos do Código de Processo Civil e artigo 204° do Código de Procedimento e Processo Tributário. Termos em que, pelo que vem de expor-se e pelo muito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao recurso e em consequência: a) julgar-se procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra, que julgue a oposição totalmente procedente por provada ou quando assim não se entenda se julgue procedente o recurso por nulidade da mesma por falta de fundamentação, devendo: a mesma ser remetida a primeira instância para ser devidamente fundamentada; b) conheça este Venerando Tribunal da sentença, de facto e de direito, admitindo para tanto a renovação da prova a final requerida, por verificação de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no n° 2 do art° 712° do Código de Processo Civil ex vi do artigo 1º do Código de Procedimento e Processo Tributário; c) na hipótese de se considerar que apesar da verificação do referido erro na apreciação da prova, não sendo possível decidir a causa, determine este Venerando Tribunal o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no artigo 712° do Código de Processo Civil. Assim se fazendo, uma vez mais, JUSTIÇA!” 4. Não foram apresentadas contra-alegações. 5. Por Acórdão do TCA Norte decidiu-se julgar aquele Tribunal incompetente em razão da hierarquia, declarando-se competente para esse efeito o Supremo Tribunal Administrativo. 6. Requerida a remessa dos autos ao STA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, veio dizer que “a representação do Ministério Público no TCA Norte, oportunamente, emitiu parecer sobre o mérito do recurso (fls. 110/111)” e que se passa a transcrever: “A decisão recorrida exarada a fls. 39 e seguintes decidiu rejeitar liminarmente a oposição deduzida pela ora recorrente por não ter fundamento os motivos previstos no artigo 204º do CPPT e ser manifestamente improcedente o motivo da oposição. Por não concordar com tal decisão veio a contribuinte “A……, Lda.” interpor recurso para este TCAN tendo apresentado as suas alegações a fls. 75 e seguintes, pretendendo a revogação da decisão de acordo com a fundamentação apresentada e que aqui se dá por reproduzida para os devidos efeitos legais. A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra alegações. Concordamos inteiramente com argumentação expendida na douta sentença recorrida a qual se dá aqui por reproduzida. A decisão impugnada fez uma correcta apreciação e valoração dos factos e o mesmo sucedendo quanto a interpretação dos preceitos legais que a fundamentam. Não vemos que a mesma padeça de nenhum dos vícios apontados nas conclusões das alegações nem que apresente qualquer nulidade, maxime violação dos artigos 659º, 665º e 668º todos do CPC e artigo 204º do CPPT. Na verdade, A caducidade invocada pelo contribuinte não é fundamento de oposição nos termos do n°1 do artigo 204º do CPPT. Por outro lado não ocorre prescrição uma vez que a divida se refere ao IRC de 2007 sendo o prazo de prescrição de 8 anos nos termos do artigo 48º da LGT. No nosso entender improcede totalmente a argumentação expendida pela recorrente nas suas alegações de recurso. Não temos qualquer dúvida de que a decisão do TAF de Braga está correcta e é legal. Não vemos maneira de julgar a presente oposição senão nos precisos termos em que o foi. Razão pela qual o Ministério Público entende, sem mais, que deve ser negado provimento ao presente recurso com manutenção na ordem jurídica da sentença impugnada”. 7. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II-FUNDAMENTOS 1. DE FACTO E DE DIREITO 1.1. Questão a apreciar e decidir A Oponente veio recorrer da sentença que rejeitou liminarmente a oposição em que pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a extinção da execução com fundamento: a) na caducidade, porquanto apenas foi notificada em 27 de Janeiro de 2011, de que se encontrava em dívida os valores constantes dos presentes autos correspondentes respectivamente aos períodos de 2008, com violação do disposto no art. 45º, nº1, da LGT; e b) na prescrição. Para tanto ponderou a Mmª Juíza “a quo” : · “Dispõe o art.° 209° do CPPT que “1 - Recebido o processo, o juiz rejeitará logo de imediato a oposição por um dos seguintes fundamentos: a) Ter sido fora do prazo; b) Não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos n° 1 do art. 204°; c) Ser manifesta a improcedência.” · Na análise sumária da petição verifica-se que a Oponente vem pedir extinção do processo executivo, tendo por base a caducidade e a prescrição, de dívidas de IRC do ano de 2007. · No que concerne à caducidade, não é motivo de oposição, nos termos do n° 1 do art.° 204° do CPTT. O processo de oposição tem por objectivo o ataque à execução fiscal visando a extinção da mesma, tendo por fundamentos as situações previstas no n° 1 do art.° 204° do CPTT, onde não está prevista a caducidade. · No que concerne à prescrição, sendo a dívida de IRC, do ano de 2007, é manifesta a sua improcedência, uma vez, que o prazo de prescrição é de 8 anos, nos termos do art.° 48.° da LGT. Decidindo: Face ao exposto e nos termos da alínea b) e c) do art.° 209° do CPPT rejeita-se liminarmente a presente oposição por não ter por fundamento os motivos previstos no art.° 204.° do CPTT e ser manifestamente improcedente o motivo de oposição”. Contra esta decisão vem o presente recurso, alegando o recorrente, em síntese: · Nulidade da sentença, por falta de fundamentação, com violação do estatuído no disposto na alínea b) do artigo 688° do Código de Processo Civil; · ilegalidade da liquidação da quantia exequenda; · nulidade do titulo executivo, com todas as suas consequências legais; · ambos os argumentos aduzidos pela Recorrente poderiam caber no âmbito das alíneas, c) e h) do artigo 204° do Código de Procedimento e Processo Tributário. · a notificação ocorreu já fora do prazo de caducidade. Assim, a questão central que cabe apreciar e decidir no presente recurso é a de saber se a Juíza “a quo” incorreu em erro de julgamento quando indeferiu liminarmente a petição inicial, por entender que os fundamentos invocados não se enquadram no elenco taxativo a que se reporta o art. 204º do CPPT, o que passa por se indagar se a notificação fora do prazo de caducidade pode constituir objecto da oposição. Preliminarmente teremos de averiguar se a sentença recorrida enferma de falta de fundamentação. 1.1.2. Do indeferimento liminar 1.1.2.1. Da nulidade por falta de fundamentação Constitui causa de nulidade da sentença, além do mais, «a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão» [nº 1 do art. 125º do CPPT) e alínea d) do nº 1 do art. 668º do CPC]. No caso sub judice, vem a recorrente arguir a nulidade da sentença por falta de fundamentação, ainda que de forma muito vaga. Com efeito, a recorrente limita-se a dizer, designadamente, que a douta sentença “não levou em consideração, tudo aquilo que o Oponente alegou na impugnação por si efectuada” (…) “não levou em consideração, tudo aquilo que a Oponente alegou na oposição por si efectuada” e que “De facto, não foi levado em consideração, nem consta sequer da sentença aquilo que a Oponente alegou, com a ilegalidade da liquidação da quantia exequenda tanto mais os Recorrentes foram apenas notificados em Setembro de 2010, de que se encontrava em dívida os valores constantes dos presentes autos correspondentes respectivamente ao período de 2006, isto apesar da notificação constar 2008, o que igualmente constitui uma ilegalidade, referente a imposto correcção de IRS”. Afigura-se, pois, que as considerações expostas podem fundamentar erro de julgamento, mas não nulidade por falta de fundamentação. E nem se diga que na decisão recorrida não foi fixada matéria de facto destacada. É que tal omissão compreende-se em face do teor dessa mesma decisão, uma vez que a Mmª Juíza “a quo” considerou que a oposição à execução fiscal não deveria ultrapassar a fase liminar, uma vez que, perante o teor da petição inicial, a oposição não tinha por fundamento os motivos previstos no art. 204º do CPPT e ser manifestamente improcedente o motivo da oposição, pelo que se impunha a rejeição liminar, nos termos do disposto no art. 209º alíneas b), e c), respectivamente. Assim sendo, estando em causa a apreciação de matéria de direito, afigura-se que a especificação dos factos imposta pelo art. 123º, nº 2, do CPPT não se mostra, no caso em apreço, imprescindível sobretudo porque não impede que este Supremo Tribunal desempenhe a sua tarefa de sindicar a sentença recorrida. Por outro lado, no que concerne a matéria de direito, afigura-se que também não assiste à recorrente razão, uma vez que a Mmª Juíza rejeitou liminarmente a oposição explicitando os preceitos normativos pertinentes para o efeito, o que permite compreender o raciocínio lógico seguido no douto despacho recorrido. Constitui jurisprudência assente, vazada, entre outros, no Acórdão do STA de 16/11/2011, proc nº 0802/2010, que “a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos: isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de factos ou de direito em que assenta a decisão”. No caso em apreço, a verificar-se falta absoluta de fundamentação seria em relação à matéria de facto, mas, como ficou dito, tal circunstância compreende-se por estarmos a tratar de um indeferimento liminar. Como ficou consignado no recente Acórdão deste Supremo Tribunal, de 16 de Maio de 2012, proc nº 212/12, “(…) o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC)() e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» (). |