Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0378/12
Data do Acordão:06/20/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
CADUCIDADE DE LIQUIDAÇÃO
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
NULIDADE DE SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - A nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto ou de direito só ocorre quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, sendo de compreender a falta de fixação de matéria de facto quando está em causa apenas a apreciação de matéria de direito e tratar-se de um indeferimento liminar.
II - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
III - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior.
IV - O facto de haver controvérsia jurisprudencial, hoje ultrapassada, sobre o alcance da alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT, nunca seria fundamento de indeferimento liminar da oposição, antes poderia impor ao julgador que para conhecimento do mérito da oposição deduzida tomasse partido, expressa ou implicitamente, por uma das posições em confronto.
V - Sendo admissível que a oposição possa cair quer na alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT quer na alínea i) do mesmo preceito, não deve ser rejeitado liminarmente a petição de oposição quando foi alegada a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade, prevista na alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P14321
Nº do Documento:SA2201206200378
Data de Entrada:04/05/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I- Relatório
1. A……, Lda., deduziu oposição à execução fiscal, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, alegando a caducidade do imposto, bem como a prescrição.

2. Naquele Tribunal foi decidido rejeitar liminarmente a oposição, por não se incluir em qualquer dos fundamentos previstos no artigo 204º do CPPT e ser manifestamente improcedente o motivo de oposição.

3. Não se conformando, a oponente interpôs recurso para o TCA Norte, apresentando alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões:
“1) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, ao julgar a oposição improcedente uma vez que deveria ter sido a mesma julgada totalmente procedente por provada.
2) Salvo o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, na sua Douta sentença, que salvo melhor viola o estatuído no disposto na alínea b) do artigo 688° do Código de Processo Civil.
3) Apesar da deficiente fundamentação da sentença não constituir fundamento de anulação da decisão sobre a matéria de facto, nem o reenvio do processo para novo julgamento no Tribunal de 1° instância, dando lugar isso sim, à remessa dos autos à primeira instância para que o Tribunal fundamente a sentença não devidamente fundamentada, o que ora expressamente se requer.
4) Salvo o devido respeito, não andou bem o Exmo. Juiz a quo, na sua Douta sentença uma vez que não levou em consideração, tudo aquilo que o Oponente alegou na impugnação por si efectuada.
5) Salvo o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, na sua Douta sentença uma vez que não levou em consideração, tudo aquilo que o Oponente alegou na oposição por si efectuada.
6) De facto, não foi levado em consideração, nem consta sequer da sentença aquilo que a Oponente alegou, com a ilegalidade da liquidação da quantia exequenda tanto mais os Recorrentes foram apenas notificados em Setembro de 2010, de que se encontrava em dívida os valores constantes dos presentes autos correspondentes respectivamente ao período de 2006, isto apesar da notificação constar 2008, o que igualmente constitui uma ilegalidade, referente a imposto correcção de IRS.
7) Ora tal ilegalidade da liquidação da divida, uma vez que não se trata de uma divida de 2008, gera nulidade do titulo executivo, com todas as suas consequências legais, no entanto no entendimento do mesmo, tal não era igualmente para fundamento da oposição à penhora.
8) Assim, salvo o devido respeito, ambos os argumentos aduzidos pela Recorrente poderiam caber no âmbito das alíneas, c) e h) do artigo 204° do Código de Procedimento e Processo Tributário.
9) Para além disso, a Recorrente invocou que foi notificada em Janeiro de 2011 e sendo a dívida de 2008 já teria decorrido o prazo de caducidade. Nos termos do disposto no n° 1 do artigo 45° da Lei Geral Tributária alterada pelo Decreto-Lei n° 16-A/2002 de 31 de Maio “(…) o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro (...)”.
10) No entanto e apesar disso, o Mmo. Juiz a quo, entendeu que tal não é fundamento de oposição, interpretando, salvo o devido respeito, de forma própria o que os Recorrentes haviam alegado e levando a uma não apreciação de um fundamento valido de oposição.
12) A Douta sentença violou o disposto nos artigos 659°, 665° e 688° todos do Código de Processo Civil e artigo 204° do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Termos em que, pelo que vem de expor-se e pelo muito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao recurso e em consequência:
a) julgar-se procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra, que julgue a oposição totalmente procedente por provada ou quando assim não se entenda se julgue procedente o recurso por nulidade da mesma por falta de fundamentação, devendo: a mesma ser remetida a primeira instância para ser devidamente fundamentada;
b) conheça este Venerando Tribunal da sentença, de facto e de direito, admitindo para tanto a renovação da prova a final requerida, por verificação de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no n° 2 do art° 712° do Código de Processo Civil ex vi do artigo 1º do Código de Procedimento e Processo Tributário;
c) na hipótese de se considerar que apesar da verificação do referido erro na apreciação da prova, não sendo possível decidir a causa, determine este Venerando Tribunal o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no artigo 712° do Código de Processo Civil.
Assim se fazendo, uma vez mais, JUSTIÇA!”

4. Não foram apresentadas contra-alegações.

5. Por Acórdão do TCA Norte decidiu-se julgar aquele Tribunal incompetente em razão da hierarquia, declarando-se competente para esse efeito o Supremo Tribunal Administrativo.

6. Requerida a remessa dos autos ao STA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, veio dizer que “a representação do Ministério Público no TCA Norte, oportunamente, emitiu parecer sobre o mérito do recurso (fls. 110/111)” e que se passa a transcrever:
A decisão recorrida exarada a fls. 39 e seguintes decidiu rejeitar liminarmente a oposição deduzida pela ora recorrente por não ter fundamento os motivos previstos no artigo 204º do CPPT e ser manifestamente improcedente o motivo da oposição.
Por não concordar com tal decisão veio a contribuinte “A……, Lda.” interpor recurso para este TCAN tendo apresentado as suas alegações a fls. 75 e seguintes, pretendendo a revogação da decisão de acordo com a fundamentação apresentada e que aqui se dá por reproduzida para os devidos efeitos legais.
A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra alegações.
Concordamos inteiramente com argumentação expendida na douta sentença recorrida a qual se dá aqui por reproduzida.
A decisão impugnada fez uma correcta apreciação e valoração dos factos e o mesmo sucedendo quanto a interpretação dos preceitos legais que a fundamentam.
Não vemos que a mesma padeça de nenhum dos vícios apontados nas conclusões das alegações nem que apresente qualquer nulidade, maxime violação dos artigos 659º, 665º e 668º todos do CPC e artigo 204º do CPPT.
Na verdade,
A caducidade invocada pelo contribuinte não é fundamento de oposição nos termos do n°1 do artigo 204º do CPPT.
Por outro lado não ocorre prescrição uma vez que a divida se refere ao IRC de 2007 sendo o prazo de prescrição de 8 anos nos termos do artigo 48º da LGT.
No nosso entender improcede totalmente a argumentação expendida pela recorrente nas suas alegações de recurso.
Não temos qualquer dúvida de que a decisão do TAF de Braga está correcta e é legal.
Não vemos maneira de julgar a presente oposição senão nos precisos termos em que o foi.
Razão pela qual o Ministério Público entende, sem mais, que deve ser negado provimento ao presente recurso com manutenção na ordem jurídica da sentença impugnada”.

7. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1. DE FACTO E DE DIREITO

1.1. Questão a apreciar e decidir

A Oponente veio recorrer da sentença que rejeitou liminarmente a oposição em que pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a extinção da execução com fundamento: a) na caducidade, porquanto apenas foi notificada em 27 de Janeiro de 2011, de que se encontrava em dívida os valores constantes dos presentes autos correspondentes respectivamente aos períodos de 2008, com violação do disposto no art. 45º, nº1, da LGT; e b) na prescrição.
Para tanto ponderou a Mmª Juíza “a quo” :
· “Dispõe o art.° 209° do CPPT que “1 - Recebido o processo, o juiz rejeitará logo de imediato a oposição por um dos seguintes fundamentos:
a) Ter sido fora do prazo;
b) Não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos n° 1 do art. 204°;
c) Ser manifesta a improcedência.”
· Na análise sumária da petição verifica-se que a Oponente vem pedir extinção do processo executivo, tendo por base a caducidade e a prescrição, de dívidas de IRC do ano de 2007.
· No que concerne à caducidade, não é motivo de oposição, nos termos do n° 1 do art.° 204° do CPTT.
O processo de oposição tem por objectivo o ataque à execução fiscal visando a extinção da mesma, tendo por fundamentos as situações previstas no n° 1 do art.° 204° do CPTT, onde não está prevista a caducidade.
· No que concerne à prescrição, sendo a dívida de IRC, do ano de 2007, é manifesta a sua improcedência, uma vez, que o prazo de prescrição é de 8 anos, nos termos do art.° 48.° da LGT.
Decidindo:
Face ao exposto e nos termos da alínea b) e c) do art.° 209° do CPPT rejeita-se liminarmente a presente oposição por não ter por fundamento os motivos previstos no art.° 204.° do CPTT e ser manifestamente improcedente o motivo de oposição”.

Contra esta decisão vem o presente recurso, alegando o recorrente, em síntese:
· Nulidade da sentença, por falta de fundamentação, com violação do estatuído no disposto na alínea b) do artigo 688° do Código de Processo Civil;
· ilegalidade da liquidação da quantia exequenda;
· nulidade do titulo executivo, com todas as suas consequências legais;
· ambos os argumentos aduzidos pela Recorrente poderiam caber no âmbito das alíneas, c) e h) do artigo 204° do Código de Procedimento e Processo Tributário.
· a notificação ocorreu já fora do prazo de caducidade.

Assim, a questão central que cabe apreciar e decidir no presente recurso é a de saber se a Juíza “a quo” incorreu em erro de julgamento quando indeferiu liminarmente a petição inicial, por entender que os fundamentos invocados não se enquadram no elenco taxativo a que se reporta o art. 204º do CPPT, o que passa por se indagar se a notificação fora do prazo de caducidade pode constituir objecto da oposição.
Preliminarmente teremos de averiguar se a sentença recorrida enferma de falta de fundamentação.

1.1.2. Do indeferimento liminar

1.1.2.1. Da nulidade por falta de fundamentação

Constitui causa de nulidade da sentença, além do mais, «a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão» [nº 1 do art. 125º do CPPT) e alínea d) do nº 1 do art. 668º do CPC].
No caso sub judice, vem a recorrente arguir a nulidade da sentença por falta de fundamentação, ainda que de forma muito vaga. Com efeito, a recorrente limita-se a dizer, designadamente, que a douta sentença “não levou em consideração, tudo aquilo que o Oponente alegou na impugnação por si efectuada” (…) “não levou em consideração, tudo aquilo que a Oponente alegou na oposição por si efectuada” e que “De facto, não foi levado em consideração, nem consta sequer da sentença aquilo que a Oponente alegou, com a ilegalidade da liquidação da quantia exequenda tanto mais os Recorrentes foram apenas notificados em Setembro de 2010, de que se encontrava em dívida os valores constantes dos presentes autos correspondentes respectivamente ao período de 2006, isto apesar da notificação constar 2008, o que igualmente constitui uma ilegalidade, referente a imposto correcção de IRS”.

Afigura-se, pois, que as considerações expostas podem fundamentar erro de julgamento, mas não nulidade por falta de fundamentação.

E nem se diga que na decisão recorrida não foi fixada matéria de facto destacada. É que tal omissão compreende-se em face do teor dessa mesma decisão, uma vez que a Mmª Juíza “a quo” considerou que a oposição à execução fiscal não deveria ultrapassar a fase liminar, uma vez que, perante o teor da petição inicial, a oposição não tinha por fundamento os motivos previstos no art. 204º do CPPT e ser manifestamente improcedente o motivo da oposição, pelo que se impunha a rejeição liminar, nos termos do disposto no art. 209º alíneas b), e c), respectivamente.

Assim sendo, estando em causa a apreciação de matéria de direito, afigura-se que a especificação dos factos imposta pelo art. 123º, nº 2, do CPPT não se mostra, no caso em apreço, imprescindível sobretudo porque não impede que este Supremo Tribunal desempenhe a sua tarefa de sindicar a sentença recorrida.

Por outro lado, no que concerne a matéria de direito, afigura-se que também não assiste à recorrente razão, uma vez que a Mmª Juíza rejeitou liminarmente a oposição explicitando os preceitos normativos pertinentes para o efeito, o que permite compreender o raciocínio lógico seguido no douto despacho recorrido.

Constitui jurisprudência assente, vazada, entre outros, no Acórdão do STA de 16/11/2011, proc nº 0802/2010, que “a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos: isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de factos ou de direito em que assenta a decisão”.

No caso em apreço, a verificar-se falta absoluta de fundamentação seria em relação à matéria de facto, mas, como ficou dito, tal circunstância compreende-se por estarmos a tratar de um indeferimento liminar.

1.1.2.2. Do erro de julgamento

Como ficou consignado no recente Acórdão deste Supremo Tribunal, de 16 de Maio de 2012, proc nº 212/12, “(…) o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC)() e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» ().
Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontrando a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado” () (Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 9 de Outubro de 2002, proferido no processo com o n.º 26482, publicado no Apêndice ao Diário da República de 12 de Março de 2004; de 4 de Março de 2009, proferido no processo com o n.º 786/07, de 24 de Fevereiro de 2011, proferido no processo com o n.º 765/10.).
Assim sendo, imporá averiguar se no caso em apreço estão verificados os requisitos para a rejeição liminar da petição inicial.
O art. 209.º do CPPT, sob a epígrafe “Rejeição liminar”, dispõe que recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição, por um dos seguintes fundamentos:”Não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º” (alínea b).
Por sua vez, de entre os fundamentos de oposição à execução fiscal, recebidos no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, encontra-se expressamente previsto, na respectiva alínea e), “Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”.
Acontece que, no caso sub judice, na sua petição inicial de oposição, a fls. 3 a 7 dos autos, a recorrente alegou como fundamento da sua oposição, entre o mais que:
Ter sido apenas “notificada em 27 de Janeiro de 2011, de que se encontrava em dívida os valores constantes dos presentes autos (…)”; (art. 4º da Petição de Oposição).
“Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 45º da Lei Geral Tributária alterada pelo Decreto-Lei nº 16-A/2002 de 31 de Maio, “(…) o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar (…)””; art. 5º da Petição de Oposição.
“(…) in casú não só o contribuintes não foi notificado mais cedo, que em Janeiro de 2011, como tratando-se de factos anteriores a 2008, encontram-se prescritos não podendo ser cobrados atento o decorrer do prazo de caducidade e de prescrição …”- art. 6º da Petição de Oposição.
Em face do exposto, ainda que de forma rebuscada, não podemos deixar de concluir que a Oponente ora recorrente, suscitou a «Falta de Notificação da Liquidação do Tributo no Prazo de Caducidade (Art.º 204.º n.º 1, al. e) do C.P.P.T.».
O que acaba de se dizer bastaria para que o despacho recorrido tivesse de ser revogado, pois é manifesto que foi alegado um fundamento admitido no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT e o indeferimento liminar só seria legalmente conforme, nestes casos, se nenhum dos fundamentos legalmente previstos naquele preceito legal fosse invocado pela Oponente.
Também é verdade que tem havido controvérsia jurisprudencial, sobre o alcance daquela alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, hoje ultrapassada com a prolação do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 7 de Julho de 2010, rec. n.º 545/09). Note-se, porém, que tal controvérsia nunca poderia servir de fundamento de indeferimento liminar da Oposição. Pelo contrário, quando muito poderia impor ao julgador que para conhecimento do mérito da oposição deduzida tomasse partido, expressa ou implicitamente, por uma das posições em confronto.
Até ao mencionado Acórdão do Pleno não era objecto de interpretação unânime neste Supremo Tribunal o âmbito da alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – «falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade».
Com efeito, em alguns acórdãos, entendeu-se que não cabiam naquela alínea os casos em que a notificação da liquidação ocorreu já depois de esgotado o prazo de caducidade do direito à liquidação, sendo-lhes subsumíveis tão só os casos de não ter sido efectuada qualquer notificação da liquidação. Noutros, porém, sufragou-se o entendimento de que a notificação da liquidação efectuada depois de decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação constitui fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Esta última interpretação foi a adoptada no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal de 20 de Janeiro de 2010 (rec. n.º 832/08) e reafirmada, já sem quaisquer reservas, no referido Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal de 7 de Julho de 2010 (rec. n.º 545/09) (Ver igualmente o Acórdão deste Supremo Tribunal de 2/2/2011, proc nº 803/2010.).
Vejamos os fundamentos proficuamente expostos no Acórdão de 20/1/2010, que nos limitaremos a transcrever.
“ 5 – A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é a de saber se pode ser invocado como fundamento de oposição à execução fiscal a falta de notificação do acto de liquidação dentro do prazo de caducidade.
Antes do CPPT, o regime da caducidade do direito de liquidação estava previsto no art. 33.º do CPT, em que se estabelece que «o direito à liquidação de impostos e outras prestações tributárias caduca se a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que ocorreu o facto tributário ou, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu».
Em termos lógicos, sendo a notificação da liquidação um acto posterior e exterior a esta, destinado a assegurar a sua eficácia (arts. 64.º, n.º 1, do CPT), a sua falta, bem como as suas deficiências ou ilegalidades, deveriam afectar apenas a sua eficácia e não a validade do acto notificado. Aliás, o entendimento sempre adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, em geral, era o de que o acto de notificação de um acto tributário é um acto exterior e posterior a este e os vícios que afectem a notificação, podendo determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de produzir invalidade do acto notificado, por não terem a ver com o próprio acto nem com os seus pressupostos. (…) (Neste sentido, cfr., entre outros, os seguintes Acórdãos: de 14/10/92, rec 14070; de 2/12/93, rec 14471; e de 3/5/2000, rec. 22608. ).
Retomando o Acórdão que estamos a seguir, pode ler-se no mesmo que “Porém, na vigência do CPT, a jurisprudência foi-se formando no sentido de que, nas situações em que a liquidação havia sido efectuada dentro do prazo de caducidade, mas a notificação ocorrera depois desse prazo, a legalidade da liquidação era afectada pela falta ou irregularidade da notificação, que era um requisito de validade da própria liquidação, entendida não em sentido estrito, como o acto que fixa o tributo, mas em sentido lato, como processo de liquidação, integrado por um conjunto de actos conexionados com tal fixação e sua imposição ao destinatário. Neste contexto, a notificação do acto de liquidação era um requisito necessário para não ocorrer a caducidade do direito de liquidar e, por isso, a sua falta afectava a legalidade do processo de liquidação, globalmente considerado.
Por isso se entendia que o vício da liquidação, em sentido lato, constituído pela não notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, podia apenas ser suscitado em impugnação judicial, que é o meio processual adequado para apreciar a validade de actos de liquidação, e não em oposição à execução fiscal, que está vocacionada, embora com excepções, para apreciar a existência de fundamentos de inexigibilidade da obrigação tributária liquidada.
No entanto, este entendimento não obstava a que, se uma execução fiscal fosse instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação da dívida exequenda, o contribuinte pudesse opor-se, invocando como fundamento a ineficácia daquele acto, pois a sua eficácia dependia da notificação (art. 64.º do CPT) e sem notificação a dívida era inexigível.
Na verdade, as situações de falta de notificação antes da execução, afectando a exigibilidade da dívida exequenda e não se enquadrando em qualquer das alíneas anteriores, constituem fundamento de execução fiscal como, sempre entendeu este Supremo Tribunal Administrativo, face às normas dos arts. 176.º, alínea g), do CPCI e 286.º, n.º 1, alínea h) do CPT, a que corresponde actualmente o art. 204.º, n.º 1, alínea i), do CPPT” (Neste sentido, cfr., entre outros, os seguintes Acórdãos: 20/2/2002, rec nº 26291; e de 6/10/2005, rec nº 500/05.) .”(…)”.
“O art. 45.º da LGT manteve o essencial do mesmo regime de caducidade do direito de liquidação ao estabelecer que «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro».
Porém, o CPPT veio introduzir na alínea e) do seu art. 204.º um novo fundamento de oposição à execução fiscal, não previsto no art. 286.º do CPT, que é a «falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade».
Esta fórmula é ambígua, pois tanto pode ser interpretada – como reportando-se a situações em que, antes da execução,
ocorreu uma notificação, mas ela foi efectuada fora do prazo de caducidade do direito de liquidação – como a situações em que não ocorreu qualquer notificação e a execução foi instaurada dentro desse prazo de caducidade.
– como a todas as situações em que não foi efectuada uma notificação da liquidação dentro prazo de caducidade, por isso, tanto aquelas em que execução foi instaurada antes do termo do prazo de caducidade, como aquelas em que a execução foi instaurada depois deste termo.
A introdução do fundamento previsto na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, a par da manutenção de todos os fundamentos de oposição previstos anteriormente no art. 286.º, corresponde, forçosamente, a uma intenção legislativa de aumentar os fundamentos de oposição, pois, como é óbvio, se se pretendesse que fossem os mesmos admitidos no CPT, reproduzir-se-iam os aí admitidos em vez de aditar um novo fundamento.
Assim, constatando-se que o CPPT mantém, na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º, o fundamento de oposição previsto na alínea h) do n.º 1 do art. 286.º do CPT, que abrangia todas as situações em que a execução fiscal fosse instaurada sem prévia notificação, conclui-se com segurança que a alínea e), ao aumentar os fundamentos, não se reporta a situações em que a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação da dívida exequenda.
Na verdade, em todas as situações em que a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação, este acto é ineficaz e, por isso, não produz efeitos em relação aos seus destinatários (arts. 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, n.º 1, do CPPT), não podendo com base nesse exigir-se coercivamente o pagamento da dívida liquidada.
Todas estas situações em que não houve qualquer notificação da liquidação, antes da instauração da execução fiscal enquadravam-se na alínea h) do n.º 1 do art. 286.º, pois abrangem-se aí «quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título».
E, actualmente, à face do CPPT, todas estas situações em que não houve qualquer notificação, são susceptíveis de enquadramento na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º, que tem teor idêntico àquela alínea h) do n.º 1 do art. 286.º do CPT, se não for de entender que a situação se enquadre noutra das alíneas do mesmo número, designadamente na nova alínea e).
De qualquer modo, seja na alínea i) seja na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT tem de concluir-se com segurança que em todos os casos em que não foi efectuada uma notificação da liquidação antes da instauração da execução está-se perante uma situação de ineficácia do acto que é fundamento de oposição à execução fiscal.
Para retirar esta conclusão é absolutamente irrelevante que o acto de liquidação tenha ou não sido praticado dentro do prazo de caducidade, pois para a eficácia da liquidação o que importa é a notificação, e, naturalmente, a eventualidade de o acto de liquidação ser ilegal, por ter sido praticado depois do prazo de caducidade, não o torna eficaz sem notificação.
6 – Assim, estando fora do âmbito daquela alínea e) as situações em que não ocorreu notificação, o sentido da expressão «falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade» é, necessariamente, o de referenciar situações em que ocorreu notificação, mas esta foi efectuada fora do prazo de caducidade.
Isto é, com o CPPT repôs-se a coerência do sistema global de meios de defesa dos contribuintes em matéria tributária, ao tornar a notificação intempestiva da liquidação fundamento de inexigibilidade da obrigação tributária em vez de ilegalidade da liquidação notificada.
Na verdade, à face do novo regime, a notificação intempestiva não constitui ilegalidade do acto notificado, à semelhança do que sucede em relação à generalidade de todos os outros actos administrativos e tributários; esse vício do acto de notificação (intempestividade) afecta-o apenas a ele próprio e não ao acto notificado, retirando-lhe a potencialidade de produzir os efeitos que produziria se não enfermasse dessa ilegalidade, que era o de atribuir eficácia ao acto notificado.
Assim, é agora claro que tanto a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afectam a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que devem ser invocadas tanto a inexistência de qualquer notificação como a intempestividade da notificação que tenha sido efectuada.
Este regime é, globalmente, mais coerente do que o sustentado pela referida jurisprudência na vigência do CPT, pois a notificação de qualquer acto é um acto autónomo e posterior ao acto notificado e, por isso, é duvidosa a razoabilidade do entendimento que se na vigência do CPT se adoptava, no sentido de a falta ou vício da notificação afectar a validade do acto de liquidação, acto este que já estava praticado e permanecia como estava independentemente da notificação”.
Mas o Acórdão que vimos seguindo vais mais longe e acrescenta que “mesmo que se entenda, na esteira da jurisprudência anterior, que a intempestividade da notificação é vício de liquidação e contende com a sua legalidade (Posição que não sufragamos, pois, em nossa óptica, a caducidade contende em qualquer caso com a eficácia do acto de liquidação e não com a sua validade, e também porque, tal como se refere no Acórdão que transcrevemos, a notificação intempestiva também não afecta a validade do acto de liquidação é sim fundamento de inexigibilidade da obrigação tributária, em vez da ilegalidade da liquidação.), o que resulta da alínea e) é que essa ilegalidade, como sucede com outras, pode ser apreciada no processo de execução fiscal”. Pois, apesar de “a execução fiscal não se destinar a apreciar a legalidade da dívida exequenda, esta apreciação pode fazer-se em vários casos enquadráveis nas alíneas a), g) e h). Para além disso, a interpretação que mais linearmente decorre do texto da alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT é, na falta de qualquer elemento textual que suporte uma interpretação restritiva, a de que a oposição pode sempre ter por fundamento «falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade» e não apenas quando a execução foi instaurada antes de este prazo se completar”.
E mais adiante conclui-se “quer se entenda que a apreciação da intempestividade da notificação da liquidação contende com a eficácia do acto quer se entenda que constitui juízo sobre a sua legalidade, essa intempestividade é fundamento de oposição à execução fiscal”.
Em face do exposto, sendo admissível que a oposição possa cair quer na alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT quer da alínea i) do mesmo preceito, não pode deixar de incorrer em erro de julgamento o despacho da Mmª Juíza “a quo”, quando conclui em sede liminar que a oposição não se funda em nenhum dos fundamentos do art. 204º do CPPT.
Manifesto é, pois, que a petição de oposição apresentada pela ora recorrente não devia ter sido liminarmente rejeitada, pois que foi alegado um dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, especifica e propriamente o previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT («Falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade»), impondo-se a revogação do despacho recorrido, que assim o não entendeu, devendo os autos baixarem à primeira instância para que prossigam os seus termos, se a tal nada mais obstar.

III- DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, Acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido, devendo os autos baixarem ao Tribunal “a quo” para conhecimento do mérito da oposição deduzida, se tal nada mais obstar.

Sem custas.

Lisboa, 20 de Junho de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Lino Ribeiro.