Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01230/09
Data do Acordão:02/24/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
COIMA
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
RECURSO JUDICIAL
LEGITIMIDADE
Sumário:I – O pagamento voluntário de coima, quando legalmente admitido, determina a extinção do procedimento de contra-ordenação decorrente da completa realização do seu objecto, com a consequente extinção da responsabilidade contra-ordenacional do arguido.
II – Uma vez extinto esse procedimento por contra-ordenação, o arguido, por falta de interesse em agir, não detém legitimidade para interpor recurso da decisão administrativa que aplicou a coima.
Nº Convencional:JSTA000P11529
Nº do Documento:SA22010022401230
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – O Exmº Magistrado do Ministério Publico, não se conformando com sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando improcedente o recurso judicial da decisão administrativo de aplicação de coima, condenou a sociedade A…, no pagamento de uma coima no valor de 15.901,32 € e custas, referente à falta de apresentação da declaração periódica de IVA de Julho de 1998, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1 - A decisão em apreço faz errado julgamento de direito;
2 - Na verdade face, ao aos factos dados como provados na decisão e, nomeadamente nos pontos 4, 5 e 6 dos “Factos Provados” da decisão sob recurso, porque ocorreu o pagamento voluntário da coima, no decurso do processo de contra-ordenação, e antes da apresentação do recurso pela arguida, o procedimento contra-ordenacional instaurado contra a arguida “ A… “extinguiu-se nos termos do disposto no artigo 61º al. c) do RGIT;
3 - Pelo que, a decisão em apreço deveria ter decidido encontrar-se extinto o procedimento contra-ordenacional instaurado contra a arguida e,
4 - Face à extinção do procedimento contra-ordenacional, antes da apresentação do recurso pela arguida, ter rejeitado tal recurso interposto pela arguida, em 20.9.2000, quer por falta de legitimidade e interesse em agir da recorrente, quer por falta de objecto do recurso.
5 - Deve assim, a decisão em apreço ser revogada e substituída por outra que decida que, à data da interposição do recurso da decisão da autoridade administrativa, já se encontrava extinto o procedimento contra-ordenacional instaurado contra a arguida pela prática da infracção enunciada no auto de noticia de fls. 2 e sgs, e, por conseguinte, ser manifesta a falta de legitimidade e de interesse da arguida para recorrer e a carência de objecto do recurso e, consequentemente,
6 - Decida rejeitar o recurso interposto a fls. 30 e sgs dos autos.
7 - Normas jurídicas violadas: art.° 78.°, n°s 2.° e 3.° e 61.° al. c) do RGIT, artigo 401°, n.°1, al. b) e 2 do CPPenal, ex vi artigo 3.° al .b) do RGTT e art.º 41. n.°1 do Dec.Lei n.º 433/82, de 27.10).
Se, assim, se não entender diremos:
8 - A sentença é nula pois,
9 - Conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento;
10 - Na verdade, a sentença em apreço não podia conhecer do objecto do recurso interposto em 20.9.2000 – fls. 30-pois,
11 - Em 15.09.2000, a arguida procedeu ao pagamento voluntário da coima que lhe foi aplicada — cfr.fls.29;
12 - Pelo que à data da interposição do recurso, e face ao pagamento voluntário da coima durante o processo de contra-ordenação, estava já extinto o procedimento contra-ordenacional contra ela instaurado, pelo que a sentença em apreço não podia conhecer do que estava extinto, do que já não existia.
13 - Ao fazê-lo a sentença violou o disposto nos artigos 379 n.°1 al. c) do CPP, ex vi artigo 3.° al. b) do RGIT, art° 41 do RGCOC (Dec.Lei n. 433/82, de 27 de Outubro).
14 — Pelo que é nula, nulidade que se argúi e requer seja decretada para todos os efeitos legais e, em consequência, se ordene a devolução do processo a este Tribunal de 1.ª instância para que seja proferida nova sentença expurgada da nulidade.
15 — Normas jurídicas violadas: artigos 379º n.°1 al. c) do CPP ex vi artigo 3.° al. b) do RGIT, artº 41 do RGCOC (Dec. Lei n. 433/82, de 27 de Outubro).
2 – Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
3 - A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1 - No dia 15/2/1999, na Direcção de Serviços de Cobrança do I.V.A., quando se encontrava no exercício das suas funções, um funcionário da Administração Fiscal, verificou pessoal e directamente que a sociedade “A…”, com sede em Sacavém, Loures, e área de competência deste Tribunal, enquadrada em I.V.A. no regime normal com periodicidade mensal, não efectuou o pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, previamente liquidado nos termos da lei, relativamente ao mês de Julho de 1998, no montante global de € 79.506,61 (setenta e nove mil quinhentos e seis euros e sessenta e um cêntimos), tudo conforme auto de notícia de fls.2 e 3, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;
2 - O auto de notícia mencionado no n°.1 deu origem ao presente processo de contra-ordenação fiscal, cuja parte administrativa correu seus termos no 4°. Serviço de Finanças de Loures;
3 - No âmbito da qual o arguido foi notificado nos termos e para os efeitos do art°.199, do C. P. Tributário, através de carta registada no pretérito dia 10/4/1999, não tendo apresentado defesa (cfr.fls.4 e 5 dos autos);
4 - Em 6/7/2000, por despacho do Director de Finanças de Lisboa, exarado a fls.25 e 26 dos autos e que se dá aqui por integralmente reproduzido, foi aplicada coima ao arguido no montante de € 15.901,32 (quinze mil novecentos e um euros e trinta e dois cêntimos), devido à prática da contra-ordenação negligente identificada no n°.1 supra, e p.p. nos art°s.26, n°1, e 40, n°1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (C.I.V.A) e 29, n°2, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (R.J.I.F.N.A.), decisão que lhe foi comunicada em 1/9/2000 (cfr.fls.27 e verso dos presentes autos);
5 - Em 15/9/2000, a sociedade arguida efectuou o pagamento da coima e custas em que foi condenada no âmbito dos presentes autos, tudo no montante total de € 15.936,24 (cfr documento junto a fls.29 dos presentes autos; informação exarada a fls.36 dos presentes autos);
6 - Em 20/9/2000, deu entrada no 4°. Serviço de Finanças de Loures o recurso da decisão de aplicação de coimas interposto pelo arguido e que deu origem ao presente processo (cfr. data de entrada aposta a fls.30 dos autos);
7 - O arguido agiu animado de vontade livre e consciente, através dos seus representantes, sabendo que a sua conduta (não entrega nos cofres do Estado do imposto sobre o valor acrescentado previamente liquidado nos termos da lei), porque ilícita e punível, lhe estava legalmente vedada;
8 - Da conduta do arguido resultou efectivo prejuízo para a Fazenda Nacional (expresso no montante de imposto liquidado e não entregue nos cofres do Estado no tempo e lugar devidos - €79.506,61);
9 - Consta dos autos que o arguido se encontra indiciado da prática de outras infracções ao disposto no regime declarativo e de pagamento do I.V.A. (cfr. quadro 2 constante da informação anexa ao auto de notícia e junta a fls.3 do processo);
10 - O presente processo esteve com a instância suspensa entre 28/11/2002 e 3/4/2009, nos termos do art°.74, n°2, do R.G.I.T. (cfr. despachos de suspensão da instância e de cessação da mesma exarados a fls.53 e 128 dos presentes autos).
5 - O Ex.mo Magistrado do Ministério Público recorrente, em resumo, vem defender na sua alegação de recurso que, tendo sido efectuado o pagamento voluntário da coima aplicada antes da interposição do recurso judicial (4., 5. e 6. do probatório), o respectivo procedimento contra-ordenacional extingiu-se nos termos do artigo 61.º, alínea c) do RGIT e daí que o recurso judicial deva ser rejeitado ou, se assim não se entender, a sentença seria nula por ter conhecido do que já se encontrava extinto.
Vejamos.
Constitui um dado indesmentível que na altura em que o recurso judicial foi interposto da decisão administrativa de aplicação da coima (20/05/2000), esta já se encontrava paga desde 15/05/2000.
Será, então, que nessas circunstâncias o recurso se apresenta como admissível?
Acompanhando o recorrente, entendemos que não.
Com efeito, nos termos da alínea c) do artigo 193.º do Código de Processo Tributário (em vigor á data do pagamento voluntário e da interposição do recurso e não a alínea c) do artigo 61.º do RGIT, como pretende o recorrente), o procedimento por contra-ordenação extingue-se pelo pagamento voluntário no decurso do processo de contra-ordenação.
Isso significa que, não obstante, mediante acto que reveste natureza meramente formal/declarativa o respectivo processo ainda não ter sido arquivado pela entidade competente (artigo 207.º n.º 1 do CPT), o que até se compreende atento o diminuto lapso de tempo decorrido entre o pagamento voluntário da coima e a interposição de recurso, a arguida deixou de ter qualquer interesse juridicamente atendível no resultado do recurso interposto.
Na verdade, o pagamento voluntário da coima, quando legalmente admitido, como é o caso, determina a extinção do procedimento de contra-ordenação decorrente da completa realização do seu objecto, com a consequente extinção da responsabilidade contra-ordenacional do arguido.
Sendo assim, ainda que lhe fosse favorável, a decisão jurisdicional que viesse a ser proferida no recurso não repercutiria qualquer efeito útil na sua esfera jurídica, sendo certo que o interesse em recorrer se define pela utilidade derivada da procedência do recurso.
Acresce que a notificação que lhe foi feita (cfr. fls. 27) não deixava dúvidas quanto à possibilidade que lhe era dado a conhecer de, em alternativa, no prazo de 15 dias efectuar o pagamento da coima ou recorrer judicialmente da decisão administrativa que a aplicou.
Impõe-se, pois, concluir que uma vez extinto o procedimento por contra-ordenação decorrente do pagamento voluntário da coima aplicada, o arguido, por falta de interesse em agir, não detém legitimidade para interpor recurso da decisão administrativa que aplicou a coima.
Daí que o recurso não deveria ter sido admitido, ficando prejudicado o conhecimento da nulidade da sentença que subsidiariamente vem arguida.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida e rejeita-se o recurso judicial interposto da decisão administrativa de aplicação da coima.
Não sendo devidas neste STA, as custas na 1.ª instância são a cargo da recorrente judicial “A…”, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCS.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2010. – Miranda de Pacheco (relator) – Dulce Neto – Alfredo Madureira.