Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:025/12
Data do Acordão:11/07/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:IVA
INCIDÊNCIA PESSOAL
SUJEITO PASSIVO
AUTORIDADE PÚBLICA
CONTRATO ADMINISTRATIVO
Sumário:I - Para efeitos da delimitação negativa da incidência do IVA, prevista no artigo 13º da Directiva e no nº 2 do artigo 2º do CIVA, é imperioso conhecer se a pessoa colectiva pública actuou na qualidade de autoridade pública, submetida a um regime substantivo de direito público, ou se praticou um acto de direito privado, desprovida da sua posição de supremacia.
II - O contrato-programa outorgado entre um Município e um clube de futebol, submetido às regras dos «contratos-programa de desenvolvimento desportivo» previstas no DL nº 432/91 de 6/11, e que, pelo seu objecto e finalidade, constitui fonte de uma relação jurídica administrativa, é um contrato administrativo.
III - Na outorga desse contrato, o Município não adquire a qualidade de sujeito passivo de IVA.
Nº Convencional:JSTA00067901
Nº do Documento:SA220121107025
Data de Entrada:01/12/2012
Recorrente:MUNICÍPIO DE BRAGA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART63.
CIVA84 ART2 N1 A N2 N3 N4.
DL 432/91 DE 1991/11/06
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01096/11 DE 2012/02/29
Referência a Doutrina:PEDRO GONÇALVES - CONTRATO ADMINISTRATIVO UMA INSTITUIÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO DO NOSSO TEMPO PAG53.
AFONSO DE OLIVEIRA MARTINS - PARA UM CONCEITO DE CONTRATO PUBLICO SEPARATA DOS ESTUDOS EM HOMENAGEM AO PROFESSOR DOUTOR INOCÊNCIO GALVÃO TELES VOLV PAG477.
SÉRVULO CORREIA - LEGALIDADE E AUTONOMIA CONTRATUAL NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS PAG393.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.1. O Município de Braga interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação que fez das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios dos anos de 2005 e 2006 e parte dos períodos dos anos de 2007 e 2008, no valor de €843938,38.
Nas respectivas alegações conclui o seguinte:
I. Resulta dos princípio e normas subjacentes às decisões jurisprudenciais do TJUE invocadas nas presentes alegações, que o Município de Braga, ao ceder, através do contrato em apreço, o Novo Estádio Municipal (que é um bem do seu domínio privado), com o intuito de o rentabilizar (entenda-se, receber receitas pela cedência e não ter que suportar os encargos decorrentes da sua gestão corrente), para o A…… organizar jogos de futebol profissional (actividade lucrativa), operou uma “actividade económica”, agindo como um verdadeiro sujeito passivo de IVA, para efeitos do artigo 9.º da Directiva IVA.
II. O que define um acto como “acto de autoridade pública” é o acto em si, os seus pressupostos e efeitos jurídicos, o facto de o mesmo ter sido praticado no âmbito do ius imperli próprio dos poderes de autoridade, e não causas extrínsecas ou estranhas ao acto, como se pretende na decisão recorrida.
III. O facto do Município de Braga ter atribuições na área do planeamento desportivo, construção e gestão de infra-estruturas desportivas apenas legitima, do ponto de vista do princípio da legalidade, a construção e gestão do Novo Estádio Municipal, mas não qualifica automaticamente — como se pretende na decisão recorrida - como acto de gestão pública o contrato em análise.
IV. O contrato em apreço foi celebrado por razões de racionalização económica (razões de gestão em sentido estrito), de cedência de um bem do domínio privado do Município, sob pagamento de uma renda e assunção, pelo clube contratante, dos custos da gestão corrente do bem, tratando-se, por isso, de um acto de comércio, próprio do direito privado.
V. Clubes de futebol, associações, autarquias têm um verdadeiro mercado de troca (alugueres) de campos de futebol de onze, sendo que o próprio A…… aluga campos e estádios a outros clubes do concelho para jogos e treinos, a autarquia de Braga possui mais dois campos (estádios) que aluga e cede gratuitamente a clubes do concelho. Ou seja, ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, existe um verdadeiro mercado para a prestação dos serviços em causa, isto é, para a cedência de campos e estádios de futebol.
VI. O artigo 63 do CPPT é uma norma de direito processual, pelo que a argumentação constante da decisão recorrida não pode convencer. Na verdade, a Directiva IVA preceitua sobre normas e princípios relativos a incidência, isenção, matéria colectável e outras matérias de direito substantivo, isto é, não dispõe sobre questões processuais, tais como prazo de prescrição, de caducidade, formalismos inspectivos, exercício do contraditório, etc.
VII. Entender-se que o artigo 63º, ao exigir um procedimento próprio, para a aplicação de disposições anti-abuso, restringe a aplicação das normas e princípios da Directiva IVA é o mesmo que entender que o artigo 45º da LGT, ao impor um prazo de caducidade na liquidação do IVA, restringe e limita a aplicação do direito comunitário relativo a este imposto, já que, como se referiu, a Directiva IVA não contém normas sobre caducidade, prescrição, exercício do contraditório, etc., mas sim normas e princípios de direito substantivo (incidências, isenções, matéria colectável, conceitos, etc...).
VIII. Não tendo a Administração Fiscal seguido o procedimento previsto no artigo 63º do CPPT, os actos de liquidação e actos de correcção posteriores fundamentados no relatório da inspecção fiscal (aberto para além dos 3 anos após a cláusula alegadamente abusiva) são ilegais e devem ser anulados.
IX. O conceito de prática abusiva decorrente da jurisprudência do TJCE, em especial no Ac. Halifax, transporta consigo, indisputadamente, um abuso de formas na medida em que o juízo de abuso (ou a sua hipótese) emana de um complexo de operações motivado exclusivamente por razões fiscais. Quer dizer, não fora a perseguição de vantagens fiscais, não se estaria perante um complexo de operações.
X. Esta conclusão sai ainda reforçada pela circunstância de o Tribunal sempre afastar do conceito de práticas abusivas o exercício de uma opção fiscal que, para além de ser legítima, nos coloca no plano das alternativas do contribuinte entre uma operação ou outra, por oposição a um complexo de operações.
XI. Para melhor se ilustrar esta ideia, bastará que atentemos no seguinte exemplo: não há dúvidas de que uma renúncia à isenção, tal como prevista entre nós no art.º 12º. do Código do IVA, não constitui uma prática abusiva, mas antes o exercício legítimo da chamada “opção fiscal” ou do exercício de um “direito de escolha de natureza fiscal”. Não obstante, tal opção pode comportar por um lado, a obtenção de um benefício fiscal que gere um desequilíbrio na neutralidade do imposto (na medida em que o imposto a cuja dedução se tem direito pode ser muitíssimo superior ao imposto a gerar na actividade tributada) e, por outro lado, é óbvio que existe uma inequívoca motivação fiscal na escolha empreendida pelo contribuinte. Ora aqui seria incompreensível uma qualquer “censura” — o legislador assim mesmo o quis.
XII. Com efeito, nestas circunstâncias, o TJCE não tem qualquer pejo em afirmar que não está em causa uma prática abusiva. E, sublinhe-se, pode dar-se o caso de o desequilíbrio entre o imposto legitimamente deduzido e o imposto gerado na actividade tributada ser drástico, o que é já suficiente para afastarmos a ideia de que “o desequilíbrio na neutralidade do imposto” radica exclusiva e forçosamente nesta estrita relação financeira ou economicista.
XIII. Questão diversa é aquela, como a que o Tribunal enfrentou no Ac. Halifax, em que em lugar de um contrato de empreitada para a construção de quatro call centers, entre duas entidades, se celebram mais de 30 contratos em menos de 6 meses, envolvendo mais de 5 entidades. É a diferença entre uma operação (que teria, desde logo, as suas alternativas legítimas, inclusivamente de natureza fiscal) e um complexa de operações, ou até — porque não dizê-lo — diversas formas em lugar de uma apenas.
XIV. É por esta razão, de partida, que entendemos que o conceito de prática abusiva — também para efeitos de IVA — se escreve sobre o conceito de abuso entendido como abuso de formas. É o que resulta dos factos analisados (descritos nos diversos Acórdãos, em especial o Ac. Halifax), é o que resulta da expressão literal sempre empregue (é sempre feita referência a “operações”, pretendendo-se assim afastar tal juízo de uma simples “operação”), é o que resulta, finalmente, do espírito e lógica de um sistema que não proíbe o livre exercício da gestão fiscal.
XV. A Administração fiscal encontra (procura?) na jurisprudência do TJCE, em especial no Ac. Halifax, uma cláusula anti-abuso que prescinde do abuso de formas, invadindo, assim, um domínio sagrado do Estado Fiscal que, em absoluta harmonia com a sistema comunitário, protege a liberdade de iniciativa e de organização empresarial, na sua expressão de gestão ou opção fiscal.
XVI. Sucede que é meramente aparente a ideia de que o Direito Comunitário, para efeitos de IVA, prescinda do abuso de formas na afirmação da proibição de práticas abusivas. E por isso entendemos que a afinidade entre o n.º 2 do art.º 38º., e especialmente do n. 2 do art.º 63.º, com o princípio geral anti abusivo inerente ao sistema do IVA decorrente do direito comunitário é, com efeito, intensa. Aliás, diríamos mesmo que este princípio de Direito Comunitário se subsume integralmente na previsão do mencionado n.º 2 do art.º 63., na justa medida em que, em rigor, do que falamos é de um princípio “que consagra a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.”.
XVII. Ora, no que ao caso do Município de Braga se refere, a distinção sob análise entre o simples exercício de um direito de escolha e o abuso de formas jurídicas é de grande relevo. É que, justamente, o contrato programa celebrado entre o Município e o A……., nos seus exactos termos, é a expressão legítima de um simples direito de escolha. Fora, portanto, do âmbito quer da cláusula geral anti-abuso interna (constante do n.º 2 do art.º 38.º da LGT) quer do princípio geral anti-abusivo inerente ao sistema do IVA, uma vez que este, como vimos, também este não dispensa o elemento “abuso de formas”.
XVIII. O contrato em apreço resulta exclusivamente do “direito de escolha de natureza fiscal” que assiste ao Município de Braga e do qual, livremente, não prescindiu. É verdade que desse contrato programa resultou uma eficiência fiscal e que essa eficiência fiscal foi expressamente visada pela CMB. Mas é também verdade que o contrato programa não se submeteu a qualquer abuso de formas, para além de não ter tido qualquer intuito fraudulento nem ter colocado em crise os objectivos prosseguidos pelo sistema do IVA.
XIX. O que se conclui, forçosamente, é que o exercício do direito à dedução por parte da Impugnante, no caso em apreço, não é passível de qualquer censura, não emana de qualquer prática abusiva mas antes de um exercício legítimo e tutelado, seja pela ordem jurídica interna seja pela comunitária.
XX. Para o caso de não se entender assistir razão à Impugnante quanto aos argumentos invocados no presente recurso e na impugnação judicial, ou caso subsistam dúvidas na esfera do Tribunal sobre a interpretação das normas e princípios de direito comunitário invocados, solicita-se, ad cautelem, a suspensão de instância e o correspondente reenvio prejudicial ao TJUE, para que a instância comunitária se pronuncie sobre a compatibilidade da interpretação proposta pela decisão recorrida e, no que concerne à questão da cláusula abusiva, pela Administração Tributária portuguesa, em face dos princípios e normas que constituem o sistema comum do IVA, designadamente se:
a) - o Município de Braga, ao ceder, através de um contrato o Novo Estádio Municipal (que é um bem do seu domínio privado), com o intuito de o rentabilizar (entenda-se, receber receitas pela cedência e não ter que suportar os encargos decorrentes da sua gestão corrente), para o A…… organizar jogos de futebol profissional (actividade lucrativa), operou uma “actividade económica”, agindo como um verdadeiro sujeito passivo de IVA, para efeitos do artigo 9.º da Directiva IVA?
b) a cedência temporária e onerosa por uma Autarquia de um bem do seu domínio privado a um clube de futebol, para este organizar jogos de futebol profissional, deve ser considerada como uma operação exercida na “qualidade de autoridade pública”, para efeitos de aplicação do artigo 13.º da Directiva IVA?
c) A interpretação do artigo 63.º do CPPT, no sentido de abranger toda e qualquer situação de liquidação de tributos com base em disposições anti-abuso (incluindo-se as decorrentes do direito comunitário) é contrária ou restringe a aplicação de normas e princípios do sistema comum do IVA?
d) A existência de um só contrato entre duas entidades, com cláusulas simples, objectivas e de execução transparente (inexistindo qualquer abuso de formas), poderá consubstanciar prática abusiva no âmbito do sistema comum de IVA, tal como este conceito tem vindo a ser interpretado pelo TJUE, ou poderá entender-se como um direito legítimo de planeamento e escolha fiscal?

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da incompetência do Tribunal.

2. A sentença deu como assentes os seguintes factos:

1. A Administração fiscal procedeu às seguintes liquidações adicionais de IVA, todas com data limite de pagamento em 30.11.2009:
a) Ano de 2005— Período de 0501 a 0512 (fls. 64 a 75 dos autos);
b) Ano de 2006— Período de 0601 00612 (fls. 83 a 99 dos autos)
c) Ano de 2007— Período de 0702 e 0711 (fls. 112 e 114 dos autos);
d) Ano de 2008 — Período 0802, 0803, 0805, 0806, 0810 (fls. 116 a 120 dos autos)
Procedeu ainda a liquidações de juros compensatórios:
a) Ano de 2005— Período de 0501 a 0512 (fls. 76 a 87 dos autos);
b) Ano de 2006—Período de 0601 a 0612 (fls. 100 a 111 dos autos)
c) Ano de 2007— Período de 0702 e 0711 (fls. 114 e 715 dos autos);
d) Ano de 2008 — Período 0802, 0803, 0805,0806, 0810 (fls.121 a 124 dos autos)
2. Entre os anos de 2000 e 2004, o Município de Braga construiu um estádio de futebol, no âmbito da organização da Fase Final do Campeonato Europeu de Futebol 2004 - facto notório e admitido por acordo (artigos 31 da petição inicial e 14.° da Contestação).
3. Para realizar esta construção, o Município de Braga celebrou os seguintes acordos de financiamento:
a) Em 5 de Junho de 2000, o designado “Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo”, celebrado com o Instituto Nacional de Desporto e a B……, SA, para obtenção de uma comparticipação financeira de 25% dos custos elegíveis de cada factura, até ao valor de 1,5 milhões de contos — cfr. documento de fls. 432-440, maxime as cláusulas quinta e sexta.
b) Em 16 de Julho de 2001, o “Contrato-Programa a celebrar entre a Câmara Municipal de Braga e o Instituto das Estradas de Portugal”, para obtenção da quantia máxima de €3.349.548,00, equivalentes a Esc. 671.524.000$00, que corresponde ao custo referente à parte rodoviária, incluindo separadores centrais, restabelecimentos e rotundas, com exclusão de tudo o mais — cfr. documento de fls. 441-445, maxime o ponto 10.
c) Em 1 de Fevereiro de 2002, outro designado “Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo”, celebrado com o Instituto Nacional de Desporto e a C……, SA, para concessão de uma comparticipação nas despesas, a realizar pela Câmara Municipal de Braga, para cumprimento do programa de construção dos lugares de estacionamento para veículos ligeiros e para autocarros, em parques, subterrâneos ou à superfície, integrados no perímetro de segurança do estádio, nos termos e condições exigidos pela UEFA, até ao valor de € 341.302,00 — cfr. documento de fls. 447-454, maxime, as cláusulas primeira e quarta.
d) Em 17 de Janeiro de 2003, o designado “Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo no Âmbito do QCA III”, celebrado com a Presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte, o Instituto Nacional do Desporto e o Coordenador Nacional da Intervenção Operacional Regionalmente Desconcentrada da Medida Desporto, e Câmara Municipal de Braga, para concessão de uma comparticipação financeira global até ao montante máximo de € 7.481,968,45 — cfr. documento de fls. 499-509, cláusulas primeira.
4. No âmbito dessa construção, o Município suportou IVA num montante superior a € 5.000.000,00 — facto admitido por acordo (artigos 31.° da petição inicial e 16.º da contestação), bem como facturas juntas aos autos.
5. No dia 9 de Novembro de 2003, o Município de Braga acordou com o A…… a cedência do Novo Estádio Municipal de Braga, através de escrito designado por “Contrato-Programa para a cedência de utilização e dinamização de infra-estruturas desportivas e melhoramento das condições gerais da prática desportiva (nos termos do Decreto-Lei 432/91, de 6.11)”, o conforme consta de fls.
510 a 519 dos autos que aqui por integralmente reproduzido;
6. Com relevância para a decisão, do referido contrato consta, o seguinte:
Preâmbulo
Considerando que o Novo Estádio Municipal de Braga é a mais importante e moderna infra-estrutura do concelho de Braga, estando principalmente vocacionada para a prática do futebol de alta competição;
Considerando que a dinamização, rentabilização e correcta gestão do Novo Estádio Municipal passa, entre outras actividades, pela organização de espectáculos de futebol de alta competição, designadamente jogos da l.ª Liga Profissional, da Taça de Portugal e de carácter internacional;
Considerando que o A……. é a colectividade desportiva que, na modalidade de futebol, tem maior currículo e representatividade no concelho, sendo a única que participa, com regularidade, em jogos de alta competição;
Considerando que a actual dimensão social do futebol transforma os clubes em verdadeiros pólos de aglutinação dos valores da comunidade que representam;
Considerando o papel fundamental que o A……. tem tido na área da formação de jovens e no fomento da actividade desportiva;
Considerando que o Município de Braga e o A……. tem já uma longa tradição de colaboração na gestão de instalações desportivas, designadamente no caso do Estádio ……, que tem vindo a ser gerido pelo clube bracarense, sob determinadas regras e condições impostas pelo Município,
Considerando, ainda, que a entrega ao A……. de parte da gestão corrente do Novo Estádio Municipal, designadamente no âmbito da organização de espectáculos desportivos, é a melhor forma de rentabilizar e dinamizar esta infra-estrutura, bem como de projectá-la na comunidade bracarense;
é celebrado o presente contrato-programa, o qual há-de reger-se pelas cláusulas seguintes, bem como pelo Decreto-Lei n.° 432/97, de 6.11.
Outorgantes:
1. Município de Braga (...)
2. A……. (...)
(…)
Cláusula Primeira
(Condições gerais)
1. O Município de Braga, proprietário do Novo Estádio Municipal de Braga, cede as respectivas instalações desta infra-estrutura desportiva ao A……., nos termos e nas condições definidas na presente contrato-programa.
2. Carece de autorização prévia do Município de Braga toda a utilização do Novo Estádio Municipal fora do âmbito do presente contrato-programa, isto é, sempre que esteja em causa a utilização das instalações por um terceiro.
3. Sempre que o Município necessite de utilizar o Novo Estádio Municipal para a organização de qualquer evento, deverá comunicar o facto ao A……. com, pelo menos, 15 dias de antecedência.
4. Caberá à entidade organizadora do espectáculo a responsabilidade pelos danos materiais que, no decurso desse mesmo espectáculo, vierem a ser provocados no Estádio.
(…)
Cláusula Terceira
(Deveres do A……)
1.Constituem deveres do A……:
a) Assegurar o normal e eficaz funcionamento de toda a logística de apoio à organização dos eventos e jogos organizados pelo clube e em que este participe, ou sejam da sua iniciativa, bem como apoiar os que sejam da iniciativa do Município.
b) Suportar os encargos financeiros decorrentes da gestão corrente da infra-estrutura, designadamente água, electricidade, gás e outras.
c) Solicitar autorização ao Município para a execução de qualquer tipo de obra nas instalações cuja utilização é cedida, bem como para a localização dos espaços publicitários, quer no interior, quer no exterior do Novo Estádio Municipal.
2. As obras ou quaisquer outras benfeitorias realizadas na infra-estrutura pelo A…… integram-se automaticamente na mesma, ficando propriedade do Município, não sendo devida qualquer compensação ou indemnização ao clube pela sua execução.
Cláusula Quarta
(Direitos do Município)
Constituem direitos do Município de Braga:
a) Utilizar o Novo Estádio Municipal de Braga para a organização de eventos desportivos, culturais ou lúdicos, desde que comunique o facto nos termos do número três da cláusula primeira, devendo articular tal utilização com o clube bracarense, sempre que a mesma possa conflituar com compromissos assumidos por este no âmbito da sua participação em competições desportivas;
b) Gerir a designada “tribuna principal” em todos os eventos organizados pelo A…… ou em que este participe, que fica, assim, reservada para o Município, podendo, no entanto, e sob autorização do Município, serem disponibilizados alguns lugares para os Corpos Sociais do A…… e entidades convidadas;
c) Utilizar 15 lugares, devidamente marcados, no parque de estacionamento subterrâneo em todos os eventos organizados pelo A…… ou em que este participe;
d) Utilizar um espaço com dimensões suficientes, escolhido pelo Município, para assegurar a guarda de material e a colocação do pessoal necessário para a gestão técnica do Estádio.
Cláusula Quinta
(Deveres do Município)
Constituem deveres do Município de Braga:
a) Assegurar a manutenção e conservação geral do Novo Estádio Municipal e espaços exteriores;
b) Assegurar o tratamento do relvado;
c) Assegurara limpeza das bancadas e dos espaços de circulação;
d) Assegurar a limpeza e tratamento dos espaços exteriores;
e) Assegurar a gestão técnica do Novo Estádio Municipal de Braga;
f) Emitir parecer do vínculo nos termos do n.°3 da Cláusula 2.ª
g) Assumir os custos da utilização do Estádio em eventos organizados pelo Município.
Cláusula Sexta
(Acompanhamento e execução do contrato-programa)
1. Compete ao Município de Braga fiscalizar a correcta execução do presente contrato-programa, podendo, sempre que o entender, levar a efeito inspecções, inquéritos ou sindicâncias.
2. Anualmente, o A…… deverá enviar ao Município de Braga um relatório detalhado sobre a gestão e utilização do Novo Estádio Municipal, com referências ao número de eventos aí realizados, número de espectadores, utilização comercial dos lugares, número de espaços publicitários explorados, condições gerais e especiais das instalações e outros elementos que se afigurem importantes.
(…)
Cláusula Oitava
(Incumprimento do contrato-programa)
7. Havendo incumprimento dos termos estipulados neste contrato-programa, serão aplicadas as regras previstos no artigo 17,° do DL n.° 432/91, de 6.11.
(…)
Cláusula Nona
(Contencioso)
Os litígios emergentes da execução do presente contrato-programa serão submetidos a arbitragem, nos termos do art. 18.º do DL n.° 432/91, de 6.
Cláusula Décima
(Prazo e início da vigência)
1.O presente contrato-programa tem a duração de 30 anos, contados a partir da data da respectiva outorga, podendo ser renovado por igual período, havendo acordo entre os outorgantes.
2. O início de execução deste contrato-programa coincide com a data da respectiva outorga, ficando, esta, ratificada todos os actos já praticados pelo clube que caibam no respectivo âmbito de aplicação. (..)”
cfr. documento a fls. 510-518 dos autos.

7. No dia 4 de Novembro de 2004, em reunião da Câmara Municipal de Braga, foi aprovada a seguinte deliberação que aditou a Cláusula Terceira — A ao contrato referido no ponto anterior:
“Considerando que o custo suportado pelo Município de Braga na construção do Novo Estádio Municipal transforma esta infra-estrutura desportiva num verdadeiro bem de investimento financeiro susceptível de gerar receita;
- Considerando, por outro lado, que nos termos do presente contrato-programa compete ao A……. assegurar o pagamento dos encargos financeiros decorrentes da gestão do estádio, tais como água, electricidade, gás e outros, sendo que tais encargos assumem um valor mensal considerável;
- Considerando, por último, que através deste contrato-programa se opera, entre outras coisas, uma cessão de exploração do Estádio ao A……, infra-estrutura totalmente equipada para o desenvolvimento da actividade do clube no âmbito da organização de espectáculos desportivos,
As partes outorgantes decidem, por mútuo acordo, introduzir uma nova cláusula no contrato-programa em vigor, com o seguinte teor
Cláusula Terceira — A
(Preço da exploração)
1 — Pela utilização e exploração do Novo Estádio Municipal, o A…… deverá pagar ao Município de Braga uma renda pecuniária anual no montante de 6.000 (SEIS MIL EUROS), valor sobre o qual acresce o IVA à taxa que vigorar á data do respectivo pagamento.
2 — A renda deverá ser paga até ao dia 31 de Janeiro do ano a que respeitar, na Tesouraria da Câmara Municipal de Braga.
3 — A renda será actualizada anualmente com uma percentagem igual à taxa oficial de inflação.” — Cfr. fls. 513 e 514 dos autos.

8. No âmbito da cláusula referida no ponto anterior, o Município cobrou anualmente ao clube a quantia de € 6.000,00, acrescida de IVA - facto admitido por acordo.
9. Na declaração periódica de IVA relativa ao quarto trimestre de 2004, o Município de Braga formulou um pedido de reembolso no montante de € 5.506.057,29 que foi indeferido por acto do Subdirector-Geral dos Impostos, de 14 de Novembro de 2008 — cfr. fls. 343 a 345 dos autos.
10. O impugnante no período entre 2000 ate ao terceiro trimestre de 2004, não deduziu IVA cfr. fls.. 208 do processo administrativo;
11. Em 9 de Março de 2009, teve início uma acção inspectiva que fiscalizou os exercícios de 2005 a 2008 do impugnante — cfr fls.. 208 do processo administrativo.
12. Desta acção inspectiva resultaram dois tipos de correcções, uma relacionada com a não dedutibilidade do IVA suportado com a construção do estádio conforme fundamentos explanados no ponto III.1 do Relatório de Inspecção Tributária a fs. 208-215 do processo administrativo — e outra relativa a operações sujeitas a IVA:
13. Com relevância para a decisão, do referido Relatório de Inspecção Tributária, consta, o seguinte:

“(...) 2 — Operações abrangidas pela alínea b) do n.° 2 do artigo 4.° e pela alínea c) do n.° 2 do artigo I6.° do CIVA.
No que respeita às prestações de serviços de manutenção e gestão técnica do estádio, incluindo o tratamento do relvado e dos restantes espaços e limpeza destes, prestados pela CMB ao A……. no âmbito do contrato-programa, está-se na presença de operações abrangidas pela alínea b) do n.º 2 do artigo 4° - “As prestações de serviços a título gratuito efectuadas pela própria empresa com vista às necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou em geral a fins alheios à mesma.” — e pela alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º - “Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável será [...] para as operações referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 4.°, o valor normal do serviço, definido no n.º 4 do presente artigo” -, ambos do CIVA. No caso em apreço, o valor tributável a considerar será o dos custos incorridos pela CMB em relação aos referidos serviços.
Analisamos exaustivamente todos os documentos que originaram dedução de IVA por parte da CMB. Verificamos que, em todos os casos, as despesas incorridas, tais como despesas de manutenção e reparação, despesas de funcionamento do estádio, etc., não são facturados pela CMB ao A……. Estas devem pois ser consideradas a título de despesas que se traduzem em operações gratuitas. Nestes casos, e nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 4.° do CIVA, iremos liquidar IVA pelas respectivas operações.
A partir de determinada altura, a CMB deixou de deduzir o IVA relativo às despesas de manutenção e reparação e funcionamento com o Estádio. Contudo, não se verificando a dedução de IVA, também não se procederá à sua liquidação como operações gratuitas, uma vez que os montantes liquidáveis e dedutíveis seriam idênticos, não resultando, como consequência, qualquer prejuízo para o Estado.
CORRECÇÕES:
Por tudo o exposto, iremos liquidar IVA referente a operações gratuitas, tendo por base os valores de custo suportados pela CMB, transpostos para as respectivas declarações periódicas onde os mesmos foram deduzidos, nos exercícios de 2005, 2006, 2007 e 2008, conforme quadros discriminativos: Anexo 6, Anexo 7, Anexo 8 e Anexo 9.”
(…)“- cfr. Relatório de Inspecção Tributária a fls. 217-218 do processo administrativo anexo.
11. A Divisão de Contabilidade da Câmara Municipal de Braga emitiu uma informação sobre as despesas de manutenção do Novo Estádio Municipal de Braga, com o valor global de €829.926,69, constante de fls. 425 dos autos, com o seguinte teor:
“Ano 2005
Tratamento do relvado e reparações nas máquinas de tratamento da relva€9.196,63
Ligação ADSL e equipamento informático e de monitorização da cobertura€15.400,46
Reparações no edifício para manutenção e despesas diversas€380.592,97
Equipamento de vigilância€ 1.254,77
Soma €406.444.83

Ano 2006

Tratamento do relvado e reparações nas máquinas de tratamento da relva€9.215,58
Ligação ADSL e equipamento informático e de monitorização da cobertura€ 452,54
Reparações no edifício para manutenção e despesas diversas€402.161,44
Reparações em equipamento€ 11.652,30
Soma €423.481.86


14.Em 07.01.2010 foi deduzida a presente impugnação.


3.1. Comecemos pela excepção de incompetência invocada pelo Ministério Público no seu douto parecer.
Aí se refere que o recorrente «na conclusão V impugna o juízo conclusivo fáctico formulado na sentença recorrida segundo o qual não existe, na área do município de Braga, uma verdadeiro mercado para a prestação de serviços consistente na cedência de estádios de futebol, dessa impugnação pretendendo extrair consequência jurídica no sentido da desconsideração do impugnante como sujeito passivo de IVA».
É certo que nessa conclusão o recorrente defende que em Braga existe um verdadeiro “mercado de troca (aluguer) de campos de futebol de onze”, pretendendo com tal afirmação qualificar o contrato-programa que o Município celebrou com o A…… (A……) como um “acto de comércio”, próprio do direito privado e assim sustentar que é sujeito passivo de IVA.
Mas, mesmo que seja verdadeira, senão mesmo notória, a afirmação de que os clubes de futebol, associações e autarquias cedem ou alugam os campos de futebol para jogos e treinos ou outras actividades, daí não resulta necessariamente que o contrato programa referido nos números 5 6 e 7 da matéria de facto assente seja um contrato de direito privado. Vários são os parâmetros que possibilitam a qualificação desse contrato, sem que para tal seja necessário admitir ou produzir mais prova. A qualificação desse contrato-programa como de direito privado ou de direito administrativo não está directamente ligada ou dependente de produção de actividade probatória e de juízos probatórios, mas sim do apuramento de certos elementos, como o objecto, o fim e os efeitos de direito pactuados pelas partes. Como estes elementos resultam da interpretação das cláusulas do contrato, tal como as partes as declararam, estamos perante uma questão de direito, para resolução da qual o Supremo tem competência (al. b) do art. 26º do ETAF).
Por outro lado, é um “facto notório” que o Novo Estádio Municipal de Braga, pelas suas características específicas, não é um equipamento que possa estar, na mesma área geográfica, em concorrência com outros de iguais características. Por certo que se eles houvessem não se impunha a construção de um novo. E se isso é efectivamente conhecido ou pode ser conhecido por parte da grande maioria de pessoas que possam considerar-se regularmente informadas, então tal facto não carece de dispêndio de actividade probatória.

3.2. O Município de Braga impugnou judicialmente as liquidações adicionais de IVA, resultantes de um procedimento inspectivo que foi aberto na sequência do indeferimento do pedido de reembolso do IVA por ele suportado na construção do Novo Estádio Municipal de Braga, invocando as seguintes ilegalidades: (i) erro das qualificação dos factos tributários, já que é um sujeito passivo de IVA que, na cedência da exploração do estádio ao A……, realizou uma operação económica prevista na alínea a) do nº 1 do art. 2º do CIVA; (ii) a cláusula 3-A do contrato programa que teve por objecto a cedência do estádio ao A…… não viola normas e princípios anti-abuso (iii) as liquidações não foram precedidas do procedimento tributário previsto no artigo 63º do CPPT.
A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação com os seguintes argumentos: (i) «a construção do estádio não é um input para uma actividade económica desenvolvida pelo município, mas antes, o resultado de um investimento promovido e financiado pelo Estado; do mesmo modo, o pagamento da renda anual resultante do acordo celebrado entre a impugnante e o clube de futebol para a cedência da referida infra-estrutura desportiva não é um output de uma actividade económica desenvolvida pelo município mas, antes, um acto de gestão pública com vista à prossecução de um interesse público – o bem estar da população –no âmbito das suas atribuições em matéria de tempos livres»; (ii) O Município não é um sujeito passivo de IVA, porque o contrato programa para a cedência de utilização do estádio é «um acordo que consubstancia um acto de gestão pública, pois que constitui o exercício de poderes públicos com vista à realização de fins também públicos»; (iii) e porque a não sujeição a IVA não provoca distorções de concorrência, «porque o impugnante actua, na sua área territorial, em monopólio na cedência de estádios de futebol preparados para receber as mais exigentes competições organizadas pelas federações internacionais da modalidade», nem tão pouco existe «um verdadeiro mercado para estas prestações de serviço, dada a sua natureza e finalidade, pelo que nunca se poderia falar em posições dominantes de mercado»; (iv), no caso concreto, a administração fiscal «não estava obrigada a recorrer ao mecanismo previsto no artigo 63º do CPPT, pelo que não se verifica qualquer vício procedimental».
Irresignado o Município interpôs recurso que sustentou nos seguintes termos: (i) ao ceder o Novo Estádio Municipal ao A……, através do contrato programa, com intuito de o rentabilizar, operou uma “actividade económica”, agindo como um verdadeiro sujeito passivo de IVA, para efeitos do artigo 9º da Directiva IVA; (ii) ao ceder um bem do seu domínio privado não agiu no âmbito dos seus poderes de autoridade, pois trata-se de «um contrato celebrado por razões de racionalização económica (razões de gestão em sentido estrito), de cedência de um bem do domínio privado do Município, sob pagamento de uma renda e assunção, pelo clube contratante, dos custos da gestão corrente: é um acto de comércio, próprio de direito privado»; (iii) existe um verdadeiro mercado de troca (aluguer) de campos de futebol, pelo que não se pode excluir que o contrato programa cause distorções na concorrência; (iv) o pedido de reembolso do IVA suportado com a construção do estádio foi indeferido com base na existência de um cláusula abusiva, pelo que deveria ter sido observado o procedimento previsto no artigo 63º do CPPT, norma processual que abrange as situações de aplicação de normas comunitárias no âmbito do IVA; (v) a cláusula do contrato programa, sobre o valor da renda, não é uma cláusula abusiva, de acordo com o sistema comum de IVA; (vi) caso subsistam dúvidas sobre a interpretação das normas comunitárias sobre o tipo de operação económica levada a efeito com o contrato programa e sobre a qualidade de sujeito passivo com que agiu nesse contrato, solicita o reenvio ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
Esta questão, em toda a sua extensão, uma vez que as alegações e conclusões se repetem em ambos processos, já foi apreciada pelo este Tribunal no acórdão de 29/2/2012 (rec. nº 01096/11), em que o Município impugnou o despacho que lhe indeferiu o reembolso do IVA suportado na construção do Novo Estádio de Braga.
Nesse acórdão, seguindo o respectivo sumário, considerou-se que «tendo o recorrente-município construído um Estádio de Futebol, no âmbito das suas actividades de fomento e desenvolvimento do desporto e actividade desportiva e com o apoio de financiamentos de entidades públicas por ocasião do Euro 2004, tal não lhe confere a qualidade de sujeito passivo de IVA, nos termos do art. 2º do CIVA, antes se configurando como um consumidor final»; e que, «sendo assim, o contrato de cedência do referido Estádio, mediante uma renda simbólica (esta estabelecida por aditamento posterior ao respectivo contrato de cedência, passado um ano) não lhe confere o direito a dedução do IVA suportado com a construção do Estádio, até porque este contrato reveste mera natureza administrativa, não configurando também qualquer operação económica sujeita a IVA».
Tais conclusões assentam nos seguintes argumentos: (i) «não parece que o município, ao construir um estádio de futebol, esteja a realizar de um modo independente e com carácter de habitualidade, uma actividade económica de produção, comércio ou prestação de serviços. Pelo contrário, esta construção mais não é do que uma forma de exercer as atribuições que a Lei lhe confere no âmbito do fomento e desenvolvimento do desporto e da actividade desportiva»; (ii) «é certo que o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público podem ser sujeitos passivos do imposto quando exerçam algumas das actividades e pelas operações tributáveis delas decorrentes, salvo quando se verifique que as exercem de forma não significativa, referidas no nº 3 do art. 2º citado. Ora, a construção de instalações desportivas para concessão a terceiros com fim lucrativo por parte de entidades públicas, não está prevista na referida norma»; (iii) «basta ler as várias cláusulas do contrato para se concluir que não estamos perante um contrato de natureza privada, antes perante um contrato de natureza administrativa».
Sendo o Município uma pessoa colectiva de direito público, a questão que prioritariamente suscita as alegações do recorrente é a de saber se na feitura do denominado “contrato-programa para a cedência de utilização e dinamização de infra-estruturas desportivas e melhoramento das condições gerais do desporto» agiu na qualidade de autoridade pública. Pois, se assim se concluir, fica prejudicada a questão da natureza da operação desenvolvida através desse contrato, se corresponde ou não a uma “actividade económica”, assim como a questão de saber se a cláusula 3-A é ou não uma cláusula abusiva e se por isso era obrigatório seguir o procedimento previsto no artigo 63º do CPPT.
O nº 2 do artigo 2º do CIVA, reproduzindo as normas do artigo 13º da Directiva 2006/112/CE de 28/11/2006, faz uma delimitação negativa da incidência subjectiva do imposto nos seguintes termos: «O Estado e demais pessoas colectivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência».
Por sua vez, o nº 3 do mesmo artigo, preceitua que «O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público referidas no número anterior são, em qualquer caso, sujeitos passivos do imposto quando exerçam algumas das seguintes actividades e pelas operações tributáveis delas decorrentes, salvo quando se verifique que as exercem de forma não significativa: a) Telecomunicações; b) Distribuição de água, gás e electricidade; c) Transporte de bens; d) Prestação de serviços portuários e aeroportuários; e) Transporte de pessoas; f) Transmissão de bens novos cuja produção se destina a venda; g) Operações de organismos agrícolas; h) Exploração de feiras e de exposições de carácter comercial; i) Armazenagem; j) Cantinas; l) Radiodifusão e radiotelevisão».

Como a construção e posterior cessão de exploração de um campo de futebol não se enquadra em nenhuma destas actividades, e como não existiu qualquer decisão do Ministro das Finanças a definir no caso concreto se essas actividades são susceptíveis de originar distorções de concorrência ou exercidas de forma não significativa, tal como se impõe no nº 4 do artigo 2º do CIVA, o problema restringe-se à qualificação jurídica do referido contrato-programa.
E nos tempos de hoje não é tarefa fácil indagar se estamos perante um contrato administrativo ou um contrato de direito privado da Administração Pública, uma vez que o aparecimento da noção de «contrato público» do Direito Comunitário parece ter mexido com a noção tradicional de contrato administrativo (sobre o tema, Pedro Gonçalves, Contrato administrativo. Uma Instituição do Direito Administrativo do Nosso Tempo, Almedina, 2003, págs. 53 ess e Afonso de Oliveira Martins, Para um conceito de Contrato Público, Separata dos Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Teles, Vol. V, Almedina, 2003, pág. 477).
A Administração quando utiliza o contrato como instrumento jurídico de realização dos interesses que a lei põe a seu cargo pode fazê-lo de duas formas completamente diferentes: se está no exercício de actividade de gestão privada recorre ao contrato civil, comercial ou de trabalho; se, pelo contrário, se encontra no exercício de actividade de gestão pública, recorrerá ao contrato administrativo. A doutrina e a jurisprudência têm entendido pacificamente que a gestão privada é a actividade que a Administração desenvolve sob a égide do direito privado, e que a gestão pública, é, por seu turno, a actividade que ela desenvolve nos termos do direito público (cfr. artigo 2 do CPA).
Embora a dicotomia tradicional gestão pública/gestão privada tenda a desaparecer como critério de repartição de competências entre o foro administrativo e o foro comum, no domínio da actividade contratual da Administração é importante sublinhar esta distinção uma vez que são numerosos e complexos os problemas jurídicos que se levantam, tais como o da aplicação dos princípios gerais da actividade administrativa aos negócios jurídicos de direito privado, o da natureza da autonomia exercida pela Administração nos contratos de direito privado, a procedimentalização da actividade contratual privada o da natureza privada ou administrativa dos actos que precedem a celebração do contrato privado.
De igual modo, para efeitos da delimitação negativa da incidência do IVA, prevista no artigo 13º da Directiva e no nº 2 do artigo 2º do CIVA, é imperioso conhecer se a pessoa colectiva pública actuou na qualidade de autoridade pública, submetida a um regime substantivo de direito público, ou se praticou um acto de direito privado, desprovida da sua posição de supremacia.
Nenhuma dificuldade se levanta quando é o próprio legislador a qualificar os contratos como administrativos, os chamados contratos administrativos por determinação da lei. Mas, consagrando os artigos 278º e 279º do Código de Contratos Públicos um princípio geral da permissibilidade do recurso à forma jurídica do contrato administrativo para a constituição de relações jurídico-administrativas, não sendo assim necessário que a lei preveja em abstracto a capacidade de uma pessoa colectiva para celebrar contratos administrativos, neste conceito também cabem os chamados contratos administrativos por natureza, quer sejam aqueles que a lei tipifica embora sem se pronunciar pela sua natureza administrativa ou privada (contratos típicos), quer sejam aqueles que não assentam em qualquer regime legal previamente definido (contratos atípicos ou inominados).
Ora, é para qualificar estes contratos que são necessários critérios racionais que permitam saber quando ou como um contrato cria, modifica ou extingue uma relação jurídica de direito administrativo.
Os critérios que têm sido usados pela doutrina e jurisprudência, quer portuguesa quer estrangeira, são aqueles que singularizam o Direito Administrativo em face do Direito Privado: a sujeição do particular, o objecto, o fim e o estatuto privativo da Administração Pública. O recurso a tais critérios, especialmente o critério estatutário, permite proceder à qualificação de um contrato como administrativo. Assim, se um particular se associa, de forma duradoura e especial, ao desempenho regular das atribuições administrativas de um ente público, de que decorre a sua submissão à disciplina do interesse público, o contrato é administrativo (critério da sujeição ou subordinação); se forem estipuladas cláusulas que os particulares não são admitidos a inscrever nos contratos que, entre si, celebram (as «cláusulas exorbitantes»), ou se forem concluídos tendo nem vista a organização e o funcionamento de um serviço público (teoria do serviço público), o contrato é administrativo (critério do objecto); se o contrato for celebrado para a satisfação directa e imediata de determinadas necessidades colectivas, o contrato é administrativo (critério do fim); se os efeitos pactuados pelas partes estiverem previstos em normas jurídicas que se dirigem à entidade pública, enquanto tal, o contrato é administrativo (critério estatutário).
Este último critério era o perfilhado pelo legislador no já revogado artigo 178º nº 1 do CPA e resulta dos actuais artigos 279º e 280º do CCP quando se refere ao contrato como fonte de «relações jurídico administrativas», pois esta referência impõe que se olhe aos efeitos criados pelo contrato. Com base nesses efeitos (direitos e obrigações constituídos, modificados ou extintos) apuram-se as normas jurídicas aplicáveis, que se forem normas estatutárias da Administração o contrato que os gerou é administrativo.
Segundo o ensinamento de Sérvulo Correia, que adoptou o critério estatutário na sua Tese, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos (cfr. pags. 393 e ss), a sua aplicação aos casos concretos permite formular as seguintes regras:
(i) - se o contrato for unicamente conhecido no Direito Administrativo (v.g. contrato de concessão de serviços, contratos de desenvolvimento) é indiscutível a sua natureza administrativa;
(ii) - se os efeitos pactuados correspondem a um contrato conhecido em ambos os direitos (v.g. prestação de serviços, fornecimentos) e se a lei não considerar automaticamente como administrativos tais contratos (como, por exemplo, no caso do contrato de empreitada), deve recorrer-se ao critério suplementar da prossecução de fins de imediata utilidade pública;
(iii) - se a forma do contrato não está descrita na lei, mas os efeitos pactuados encontram-se previstos em normas jurídicas de direito administrativo (v.g. licenciamento de uma obra com obrigação de construir uma escola), o contrato é administrativo porque tem um objecto passível de acto administrativo, isto é, regulado em termos de estatuto privativo da Administração;
(iv) - se os efeitos de direito pactuados não estão previstos em normas jurídicas, mas apenas são concebíveis se uma das partes for uma pessoa colectiva pública (cláusulas exorbitantes que não reproduzem princípios ou normas de direito administrativo, mas que evidenciam marca administrativa, como, por exemplo, prerrogativas de poder público insusceptíveis de figurar em contrato privado), apesar de ilegalidade do contrato, ele será administrativo se os efeitos jurídicos estabelecidos só possam, em abstracto, ter por titular uma pessoa colectiva pública (o chamado critério da «hipotética igualdade de uma estrutura normativa»);
(v) - se o contrato ou os efeitos por ele gerados são em si mesmos próprios duma relação jurídica entre particulares, será administrativo se contiver cláusulas suplementares apenas concebíveis numa relação jurídica em que seja parte a Administração (v.g. imposição pela administração de sanções contratuais através de actos administrativos);
(vi) - se os efeitos são próprios de um contrato entre particulares, mas que também se acomodam num contrato administrativo e as partes não o apelidaram como tal, justifica-se a presunção de que as partes remeteram para a aplicação dos princípios gerais de direito administrativo, dado o Direito Administrativo não ser um direito especial em relação ao Direito Privado, mas antes um direito original, estatutário privativo da Administração.
Tendo por referência esses critérios, importa encontrar no contrato-programa outorgado ente o Município de Braga e o A...... indícios de administratividade, ou seja, indicações de que ele é fonte de uma relação jurídica administrativa.
Em nossa opinião, nos termos em que o contrato foi celebrado, apesar do Município alegar que o estádio de futebol pertence ao seu domínio privado, a verdade é que há factores de administratividade no referido contrato-programa.
Desde logo, a circunstância das partes o submeterem ao regime do DL nº 432/91 de 6/11: «é celebrado o presente contrato-programa, o qual há-de reger-se pelas cláusulas seguintes, bem como pelo Decreto-Lei nº 432/91, de 6.11». A designação de «contrato-programa» e a sujeição ao regime do DL nº 432/91 são dados que conferem administratividade ao contrato. Com efeito, aquele diploma regula dos «contratos-programa de desenvolvimento desportivo», como um dos instrumentos de apoio ao associativismo desportivo previsto no artigo 33º da Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei nº 1/90, de 13/1). Trata-se de um contrato nominado, regulado por lei nos aspectos mais importantes, que não pode deixar de ser configurado como contrato administrativo, por envolver «comparticipações financeiras» do Estados ou das autarquias locais a federações e clubes desportivos. Tendo por causa-função atribuir uma certa vantagem aos clubes co-contratantes da Administração, em que a prestação da Administração é essencial e caracterizadora do acordo, sendo as dos clubes apenas uma contrapartida ou consequência da vantagem recebida, qualifica-se como um contrato administrativo de atribuição.
Depois, porque das cláusulas do contrato-programa infere-se que o Município continua com direitos e obrigações relativas ao equipamento cedido ao A…… que, por se incluírem no âmbito das suas atribuições, são de natureza pública. O Município continua a utilizar o estádio para a organização de eventos desportivos, culturais e lúdicos, gere a “tribuna principal” dos eventos organizados pelo A……, dispõe de lugares de estacionamento reservados e de espaços para guarda de material e colocação de pessoal do município (cláusula 4ª); e tem a obrigação de assegurar a manutenção e conservação geral do estádio, de tratar do relvado, de limpar bancadas, espaços de circulação e espaços exterior e assegura a gestão técnica do estádio (cláusula 5ª). Embora a “comparticipação financeira”, caracterizadora do contrato-programa, só tenha sido prevista para a organização dos jogos do Euro 2004, as obrigações pactuadas implicam necessariamente despesa pública, o que acentua a natureza administrativa da relação jurídica constituída pelo contrato.
Por fim, o co-contratante A…… ficou sujeito a certos poderes de autoridade do Município que justificam a qualificação do contrato como administrativo. A utilização do estádio fora do âmbito do contrato-progrma carece de autorização prévia (nº 2 da cláusula 1ª); a cedência total ou parcial dos direitos emergentes do contrato ao A……-SAD depende de parecer vinculativo do Município (nº 3 da cláusula 2ª); o Município tem o poder de fiscalização da execução do contrato, concretizado através de inspecções, inquéritos e sindicâncias (nº 1 da cláusula 6ª); o Município tem o poder de rever e modificar o contrato de cinco em cinco anos e nas condições previstas no artigo 15º do DL nº 432/91, entre elas, quando a execução se torne «manifestamente inadequada à realização do interesse público» (cláusula 7); na situação de incumprimento do contrato, aplicam-se as regras do artigo 17º do DL nº 432/91, entre elas, o poder de resolução unilateral do contrato (cláusula 8ª).
Ora, estes poderes de fiscalizar, modificar ou resolver unilateralmente o contrato, e que são poderes de autoridade que se concretizam através de actos administrativos (cfr. art. 302º do CCP), constituem evidências de que se constituiu uma «relação jurídica administrativa», definida como aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração.
Se o contrato-programa é um contrato administrativo cuja disciplina é regulada por normas de direito público, extravasando a disciplina jurídica contratual privada, o Município celebrou-o na qualidade de membro da Administração Pública (enquanto tal) e não no exercício de direitos privados, e por conseguinte, pela norma estabelecida no nº 2 do artigo 2º do CIVA, não é sujeito passivo de imposto.
Assim sendo, e como já se referiu, ficam prejudicadas as demais questões, ou seja, determinar se o contrato se pode incluir no conceito amplo “actividade económica” ou se era necessário observar o procedimento tributário previsto no artigo 63º do CPPT, em virtude da natureza abusiva da cláusula 3º -A, assim como não se justifica o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE, pois não se suscitarem dúvidas sobre a administratividade da relação jurídica constituída pelo contra-programa.

4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 7 de Novembro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.