Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:04/13
Data do Acordão:02/14/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:PENHORA
AVALIAÇÃO
BENS PENHORADOS
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PREJUÍZO IRREPARÁVEL
Sumário:I - Na fixação do valor estimado dos bens penhorados, pode considerar-se o valor contabilístico atribuído a cada elemento do património, que é o que decorre do seu custo de aquisição e das eventuais estimativas feitas em relação à sua depreciação, identificadas pelas amortizações contabilísticas.
II - Mas o imobilizado incorpóreo ou intangível, que concorre para a formação do valor global da empresa, não tem qualquer influência na avaliação dos bens individuais do activo imobilizado.
III - A expressão normativa «em qualquer dos casos» constante do nº 4 do artigo 52º da LGT, indica que o requisito da irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens também se deve verificar quando se invoca o prejuízo irreparável como fundamento da dispensa da prestação de garantia.
Nº Convencional:JSTA00068112
Nº do Documento:SA22013021404
Data de Entrada:01/02/2013
Recorrente:A......, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL - IVA / IRC.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART221 C
LGT98 ART52 N4
CCIV66 ART344
CONST76 ART20
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0414/12 DE 2012/10/17
Referência a Doutrina:ORLANDO DE CARVALHO DIREITO DAS COISAS 1977 PAG189.
LEITE DE CAMPOS LEI GERAL ANOTADA 4ED PAG427.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1.1 A………, SA. com os demais sinais nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 9 de Novembro de 2012, que julgou improcedente a reclamação que, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, deduziu do acto do Chefe de Serviços de Finanças de Ílhavo que lhe indeferiu o pedido de penhora do activo imobilizado e o pedido de dispensa de prestação de garantia, para efeito de suspensão da execução fiscal contra si instaurada para cobrança coerciva de dívidas de IVA e IRC, no valor de €2.256.056,03.
Nas alegações, conclui o seguinte:
a) - Na douta sentença recorrida foi entendido, por um lado, que o valor do imobilizado da recorrente não é idóneo para a prestação de garantia e por outro lado, que a recorrente nada adiantou nem provou no sentido de demonstrar que não é responsável pela ausência de bens para a prestação de garantia.
b) - Douta sentença da qual a recorrente discorda pelos seguintes motivos:
c) - Em primeiro lugar, o valor contabilístico líquido dos bens individualizáveis do imobilizado depende das taxas de amortização que sejam utilizadas, tal como a lei assim o permite.
d) - Dependendo o valor contabilístico líquido dos bens individualizáveis das taxas de amortização praticadas, significa que o valor contabilístico não constitui um valor de referência absoluto para efeitos de cálculo do seu valor.
e) - Acresce que, encontrando-se uma empresa estruturada sobre o seu balanço e constituindo o imobilizado um factor objectivo e determinante no desenvolvimento e quantificação do valor da empresa, o valor do imobilizado equivale ao valor da situação líquida da empresa.
f) - Em segundo lugar e caso se entenda que o valor do imobilizado apenas perfaz o seu valor líquido, sempre se dirá o seguinte:
g) - Os casos previstos no nº 4 do artigo 52° da LGT para a dispensa de garantia são dois: o primeiro é o prejuízo irreparável e o segundo é a manifesta falta de meios económicos.
h) - A questão da insuficiência ou inexistência de bens e a respectiva alegação e prova só fazem sentido para os casos em que a dispensa de garantia se fundamenta na falta de meios económicos.
i) - Aliás, exigir que para a concessão de dispensa de garantia para os casos de prejuízo irreparável se alegue e prove a insuficiência ou inexistência de bens não faz qualquer sentido nem terá cabimento no próprio fundamento.
j) - Na verdade, o prejuízo irreparável constitui por si mesmo fundamento autónomo e independente para a dispensa de garantia relativamente à falta de meios económicos, sendo que ocorrendo aquele haverá lugar à concessão da dispensa de garantia
l) - A douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação dos nºs 2 e 4 do artigo 52º da LGT e do nº 1 do artigo 199° do CPPT.

1.2. Não houve contra-alegações.
1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

2. A sentença deu como assentes os seguintes factos:
1. Contra A………, S.A., foi instaurada a presente execução fiscal e apensos, para pagamento de dívidas provenientes de liquidações de IRC de 2006 e IVA de 2005 e 2006 e respectivos juros compensatórios, no montante global de €2.256.056,03 (cfr. certidões de dívida constantes dos processos executivos).
2. Em 12.2.2010 a executada requereu, junto do Serviço de Finanças de Ílhavo, a suspensão da execução fiscal até à decisão da impugnação judicial, mediante a penhora do activo imobilizado que consta da relação que juntou em ficheiro informático (cfr. fls. 14 a 18).
3. Por despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo, datado de 25 de Março de 2010, foi decidido: "que a proposta de garantia apresentada, não reúne as condições para constituir garantia idónea de acordo com o previsto no art. 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tendo em atenção o elevado valor da dívida e o potencial risco financeiro envolvido. Sendo certo que os mesmos bens oferecidos para garantia destes autos, por iniciativa da executada, foram já penhorados para garantia, em sede de reclamação graciosa, com a finalidade, não só de suspender o Processo de Execução Fiscal 0108200901039717, onde se mostra ser a dívida exequenda no montante de €371514,29 ( ... ). Sendo também certo que, uma grande parte dos bens oferecidos para garantia, se encontram em regime de locação financeira, ou porque, aderentes ao solo, fazem parte integrante do edifício industrial que a executada alienou, em 3 de Agosto de 2009, muito embora aí continue a exercer a sua actividade. Em caso de apresentação de outros bens ou valores para garantia, caberá à executada fazer prova dos bens e valores invocados ( ... )" (cfr. fls. 207 a 214).
4. No processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, a que coube o nº 508/1 0.0BEAVR, instaurada por A………, neste Tribunal, na sequência do indeferimento do pedido de constituição de garantia da dívida exequenda através de penhora do imobilizado e notificação para apresentar outra garantia, foi proferida sentença, já transitada em julgado, onde se decidiu revogar o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal em 5.3.2010, devendo ser substituído por outro que aceite como garantia os bens do imobilizado da reclamante, mas pelo valor que vier a ser apurado como o valor real de tais bens, notificando-se a executada, posteriormente, para prestar outras garantias no que respeita ao valor da quantia exequenda que exceda aquele que assim ficar garantido (cfr. sentença proferida no processo n° 508/1 0.0BEAVR, apenso aos autos).
5. No dia 5 de Agosto de 2010, a executada apresentou o requerimento de fls. 451 a 453, pedindo a rectificação do valor da garantia para o montante de €2.921.823,86 e a suspensão da execução mediante a penhora do activo imobilizado constante da lista que anexa a fls. 459 e ss.
6. No dia 31 de Agosto de 2010, foi elaborado auto de penhora de fls. 545, que aqui se dá por reproduzido, onde foram penhorados os bens constantes de 30 folhas anexas (fls. 546 a 575), que igualmente se dão por reproduzidas.
7. Em cumprimento do ordenado na sentença proferida no processo nº 508/10.0BEAVR, a solicitação do Serviço de Finanças de Ílhavo, os Serviços de Inspecção Tributária de Aveiro procederam à avaliação dos bens constantes do activo imobilizado e oferecidos à penhora, conforme Informação datada de 28.11.2011, de fls. 582 a 589, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8. No dia 3.2.2012, pelo escrivão do Serviço de Finanças, foi proferida informação com o seguinte teor (cfr. fls. 742):
“Em cumprimento da sentença proferida na Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal nº 508/10. 0BEAVR, junta-se relatório elaborado pela Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro, sobre a análise do valor dos bens penhorados nos presentes autos.
Em 31 de Agosto de 2010, aos bens constantes do Auto de Penhora de fls. foi atribuído o valor de €4. 048.893.03.
O valor de garantia a prestar para efeitos de suspensão, por ter deduzido impugnação Judicial, ascende o montante de € 2.921.823,88”.
9. No dia 3.2.2012, pelo Chefe do Serviço de Finanças, foi proferido despacho com o seguinte teor (cfr. fls. 742 a 744):
Despacho.
Vista a informação supra, cumpre apreciar e decidir. Efectivamente e com vista a dar cumprimento à sentença judicial proferida no âmbito do processo acima indicado, que determinou voltar a apreciar, avaliar e a final decidir sobre se os bens penhorados nos presentes autos, constituem ou não garantia idónea, emitiu-se ordem de serviço à Inspecção Tributária para que no local se pudesse aferir sobre o valor dos referidos bens, de modo a que a presente execução fiscal possa reunir as condições para a podermos considerar legalmente suspensa, conforme é pretensão da executada.
Na informação prestada para o efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária, e com interesse para a decisão, resulta o seguinte quadro factual:
1 - O auto de penhora lavrado em 31/8/2010, compreendeu um conjunto de bem do activo imobilizado que ao tempo foram avaliados em €4.048. 893.03 (quatro milhões e quarenta e oito mil oitocentos e noventa e três euros e três cêntimos), sendo nesta data o seu valor contabilístico de €2.217.697,10 (dois milhões duzentos e dezassete mil, seiscentos e noventa e sete euros e dez cêntimos).
2 - Os bens constantes do Código da Tabela 2435 e que se encontram incluídos no sobredito auto de penhora, agrupa elementos diversos tais como, moldes matrizes, formas e cunhas, adquiridos segundo a contabilidade da empresa durante os anos de 2001 a 2004, pelo valor total de 1.223.153,29€, e apresentando nesta data um valor contabilístico de € 384.373,75, de harmonia com os balancetes da contabilidade.
Uma análise à listagem dos bens activos penhorados que integram aquele Código, e tomando em consideração a existência de dois factores consubstanciados na sua exclusividade e no seu período de vida útil, que é no máximo de 4 anos, permite-nos concluir estarmos perante bens de reduzido valor conforme refere o relatório da Inspecção, fundamentando a sua apreciação no facto daqueles fazerem parte de um conjunto matriz, específicos para a actividade desenvolvida pela empresa mas apenas e tão só, adoptados às características mecânicas da prensa que a empresa possui, não servindo para outra qualquer prensa que não tenha as mesmas características, o que contribui de forma negativa para um apuramento objectivo e credível do seu valor.
3 - Os bens activos penhorados que integram o Código da Tabela 1120, (Moldes) ascendem a 533 mil euros já totalmente amortizados sendo que actualmente o seu valor contabilístico é de zero euros. De realçar que estes bens apresentam as mesmas características dos da Tabela 2435, pelo que são igualmente válidas as considerações que sobre os mesmos acima descrevemos.
4 - O código da Tabela 2440 – Programas de Computadores, no valor contabilístico de €62,459,63 engloba activos intangíveis nomeadamente programas de software cujo licenciamento apenas permite a utilização pela empresa executada, pelo que, por razões óbvias, não poderão ser aceites como garantia idónea.
5 - Os códigos das Tabelas 2165 – Instalações Postos de Transformação, 2095 – Instalações de água, ar comprimido refrigeração e telefónicas – Instalações Interiores e 2210 – Aparelhos de ar condicionado, cujo valor dos bens que os integram ascendem, a €34, 657,95, €5.774.09 e €4,499,17, respectivamente, dizem respeito ao sistema de ar condicionado, rede de ar comprimido, sistema de refrigeração, instalação de gás e postos de transformação, que constituem parte integrante do edifício que por sinal não pertence à executada, visto esta o ter alienado, não podendo desta forma tais valores serem considerados como garantia idónea,
Assim e depois de tudo visto, toma-se manifesto que o valor apurado no auto de penhora referido em 1, no presente não tem qualquer correspondência com a realidade, razão pela qual aquele valor não poderá ser aceite como constituindo garantia idónea para os efeitos previstos nas disposições combinadas nos artigos 169º e 199º ambos, do Código do Procedimento e do Processo Tributário.
Depois de tudo visto e ponderado, e no uso da faculdade legal que me é conferida pelo diploma supra referido, não aceito como constituindo garantia idónea os bens constantes dos Códigos 2435; 1120; 2440; 2165; 2095 e 2210, no valor actual contabilístico de €491.764,59, com os fundamentos acima elencados.
Aqui chegados e considerando o exposto no nº 1 do presente despacho, resulta que o valor actual dos bens constantes do auto de penhora oportunamente elaborado e que estavam a garantir a divida instaurada nos autos, é de €2.217.697.57, pelo que subtraindo a este valor o acima referido de 491.764,59, temos que as referidos bens nesta data apresentam um valor de € 1.725.932,50, quando o valor da garantia a prestar para efeitos de suspensão do processo é de € 2.921. 823. 86.
Deste modo e tendo em consideração o disposto no nº 9 do art. 199º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, notifique-se o executado para no prazo de 30 dias e para efeitos de reforço apresente uma garantia bancária no valor € 1.200. 000, 00 (um milhão e duzentos mil euros) sob pena de a execução não possa continuar e estar legalmente Suspensa. Notifique-se”.
10. Notificada deste despacho, a executada, em 6.3.2012, apresentou o requerimento de fls. 749 a 756 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, em que expõe as razões de não concordância com os valores atribuídos ao seu património pelos Serviços de Inspecção e requer que o órgão de execução fiscal autorize a prestação de garantia do imobilizado, pelo valor de €3.876.837,64, ou, caso assim não se entenda, seja a executada autorizada da dispensa de garantia quanto ao valor que não seja garantido pelo imobilizado.
11. Com o requerimento aludido em 10, juntou cinquenta e cinco documentos e arrolou três testemunhas (cfr. fls, 756 verso a 835).
12. No dia 3.4.2012, o chefe do Serviço de Finanças proferiu despacho com o seguinte teor (cfr. fls. 836 e 837):
"Vista a petição que antecede, na qual a requerente vem aos autos responder ao teor do meu despacho proferido em 3/2/2012 e a final, solicitar que seja autorizada a prestação de garantia mediante a penhora do activo imobilizado identificado no presente requerimento ou em alternativa, caso assim não se entenda, que seja dispensada da prestação da competente garantia, cumpre apreciar e decidir.
Efectivamente e relativamente ao valor dos bens do activo imobilizado que se encontram penhorados nos autos, nada mais temos a referir além dos factos e fundamentos que foram relatados no despacho supra mencionado, e que constituíram a base da decisão que conformou a não aceitação daqueles bens como garantia idónea.
Quanto à dispensa de garantia, o pedido não se encontra devidamente fundamentado, tanto de facto como de direito, além de que não vem instruído com toda a prova documental necessária para a apreciação da sua pretensão, ou seja, com todos os elementos documentais comprovativos da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da dispensa.
Importa ainda referir, com vista a uma melhor apreciação dos factos, que através da analise aos elementos oficiais e contabilísticos existentes nos diversos sistemas informáticos da Autoridade Tributária e Aduaneira, se pode concluir que a executada apresenta uma situação económica financeira apreciável, verificando-se outrossim, que tem beneficiado de importantes apoios financeiros ao investimento e não só, que o Estado através dos seus diversos instrumentos, quer próprios quer comunitários, proporciona aos agentes económicos.
Finalmente a boa saúde da empresa também se pode ilustrar no patrocínio desportivo conferido a um grande Clube da nossa Liga Profissional de Futebol.
Assim e sem mais comentários por desnecessários, indefiro a presente petição na sua totalidade, ou seja quanto aos pedidos 1 e 2 constantes da sua parte final.
Proceda-se à eliminação no sistema informático das execuções fiscais, do averbamento da fase de suspensão legal.
Notifique-se para os efeitos previstos no art. 276º do Código do Procedimento e do Processo Tributário”.
13. Do imobilizado da reclamante consta uma prensa de tipo pesado, cujo valor contabilístico, em 2010, ascendia a € 1.441.102,54 (cfr. doc. de fls. 585).
14. No ano de 2010, constava do balanço da executada, o valor de €85.296,68, a título de reservas legais e o valor de €83.083,25, a título de outras reservas (cfr. Declaração IRS do ano de 2010, junta a fls. 877 e ss).
15. Durante o ano de 2011 a executada apresentou o valor de €25.199,10, de lucro bruto anual (cfr. balancetes de 2011, juntos a fls. 881 e ss).
16. A executada tem vindo a cumprir as obrigações tributárias relativas a IVA e IRS (retenções na fonte) bem como as respeitantes à Segurança Social (docs. de fls. 787 a 835
17. A reclamante solicitou a constituição de garantia bancária, junto de duas instituições de crédito (Caixa Geral de Depósitos e Banco Português de Negócios), tendo visto recusada a sua pretensão.

3. A recorrente reclamou do acto que indeferiu os pedidos de penhora do activo imobilizado e de dispensa de prestação de garantia, para efeito de suspensão da execução fiscal que lhe foi instaurada para cobrança coerciva de dívidas de IVA e IRC, no valor de €2.256.056,03 e acrescido.
Como fundamento da reclamação invocou que: (i) o valor do património da empresa abrange a totalidade da situação líquida, a qual ascende a €3.876.837,64, valor este que é idóneo para garantir a dívida; (ii) reúne os requisitos para a dispensa de prestação de garantia, pois não dispõe de reservas livres e de resultados acumulados e a penhora dos seus créditos e contas bancárias causa-lhe prejuízo irreparável, na medida em que fica impossibilitada de proceder ao pagamento dos encargos que tem.
A sentença recorrida julgou improcedente a reclamação com fundamento em que: (i) o valor do imobilizado, “em sentido amplo”, correspondente ao capital próprio da empresa, não é um bem que possa ser objecto de penhora, como se tratasse de um estabelecimento comercial, e que apenas os bens individualizados do acto activo imobilizado foram penhorados; (ii) a reclamante não provou o “valor de mercado” dos bens do activo imobilizado que não foram aceites como garantia; (iii) foi correcto o juízo que o órgão de execução fiscal fez na desconsideração de alguns desses bens como garantia idónea, tendo em conta o seu período de via útil, o facto de apenas puderem ser utilizados nos equipamentos da empresa e por fazerem parte integrante do edifício onde a empresa está instalada, (iv) não foi esclarecido em que medida a insuficiência de bens penhoráveis não é imputável à reclamante.
A recorrente não se conforma com esta decisão, por entender que: (i) fez-se uma errada interpretação do que é o valor idóneo do imobilizado, o qual não se confunde com o valor do estabelecimento; (ii) fez-se uma errada interpretação da parte final do nº 4 do artigo 52º da LGT, porque só nos casos de manifesta falta de meios económicos para prestar a garantia é que se exige a prova de que não tem culpa nesse facto, não estando aí abrangida a situação de prejuízo irreparável.
Delimitado o recurso, desde já, se diz que o recorrente não tem razão em qualquer um dos argumentos invocados.

3.1. O que está demonstrado nos autos é que existiu uma sentença transitada em julgado que determinou que o órgão de execução fiscal aceitasse como garantia do crédito exequendo os bens do imobilizado pelo seu valor real e que aceitasse outras garantias caso esse valor fosse inferior àquele crédito. Para cumprimento dessa sentença, a executada ofereceu à penhora uma lista de bens do activo imobilizado, os quais foram penhorados pelo valor correspondente ao da sua aquisição, que ascende a €4.048,893,03 (cfr. fls. 545 a 575 do autos). Posteriormente, esses bens foram avaliados pelos Serviços de Inspecção Tributária, os quais lhe atribuíram o valor correspondente ao valor actual contabilístico de €2.217,697,57, considerando que alguns deles, no valor contabilístico de €491.764,59, pelas suas características e natureza, não podiam constituir garantia idónea. Em consequência dessa avaliação, e tal como determinado na sentença, o órgão de execução fiscal aceitou como garantia a penhora de bens no valor de €1.725,932,50 e solicitou à executada que fosse prestada garantia idónea no valor remanescente de €1.200,000.00.
Ora, a sentença recorrida considerou válidos os motivos invocadas pelo órgão de execução fiscal para não aceitar determinado número de bens do activo imobilizado e não aceitou os argumentos da reclamante de que todos os bens do imobilizado deveriam ser penhorados pelo valor correspondente à situação líquida da empresa, e de que o valor contabilístico é inferior ao valor de mercado, neste caso, por falta de prova.
No recurso, a recorrente não questiona os fundamentos que levaram à rejeição de alguns dos bens como garantia, nem se o valor que foi atribuído aos demais é inferior ao valor de mercado, até porque, se a reapreciação da sentença estivesse orientada para esse lado, certamente este Tribunal seria incompetente para o conhecer, por envolver questões de facto e questões probatórias.
A sua tese é que o valor do imobilizado deve corresponder ao valor da situação líquida da empresa, o qual é suficiente para garantir a dívida exequenda. Defende que existe um «valor contabilístico», que é o valor dos bens individualizáveis do imobilizado para efeito de amortização e que é diferente do valor de mercado, um «valor do estabelecimento comercial», que engloba também elementos incorpóreos, como o valor da marca e o aviamento, não reflectidos no balanço, e um «valor do imobilizado», que engloba também o valor incorporado à empresa pelos seus clientes, pelos seus trabalhadores e colaboradores, pela banca, fornecedores, Estado, Segurança Social, e demais terceiros, sendo este o valor que reflecte a situação líquida da empresa.
Parece que o recorrente entende que o valor que deveria ter sido atribuído ao conjunto formado pelos bens individualizados do activo imobilizado deveria corresponder ao valor da situação líquida da empresa, que diz ser de €3.876.837,64.
Acontece que o objecto da penhora não foi o “activo imobilizado” nem o “estabelecimento comercial”, mas alguns dos bens móveis individualizados que fazem parte desse activo, pois houve rejeição de alguns deles.
A empresa ou o estabelecimento comercial, enquanto bem susceptível de coisificação e passível de verdadeira propriedade, ainda poderia ser objecto de penhora (cfr. art. 862º-A do CPC), caso em que a recorrente poderia discutir se o valor da empresa é ou não superior ao valor contabilístico. O mesmo não acontece com o conjunto formado pelo activo imobilizado, corpóreo ou incorpóreo, que é um dado que apenas adquire dimensão no direito contabilístico, como um dos elementos usados para demonstrar a realidade financeira (“a imagem fiel”) da empresa, e não como um bem redutível ao estatuto de uma coisa passível de domínio.
Excluindo a realidade jurídica que é o estabelecimento comercial, passível de penhora e venda, os elementos patrimoniais que fazem parte do activo imobilizado da empresa só podem ser penhorados de forma individualizada e autónoma, com o seu valor intrínseco, não beneficiando dos factores de valorização decorrentes da sua integração no conjunto do património da empresa. Relativamente aos bens imóveis, o que resulta da alínea c) do artigo 221º do CPPT, é que o auto de penhora deve relacioná-los por «verbas numeradas», com indicação do «estado de conservação» e de do seu «valor aproximado».
Para a determinação do valor aproximado até se pode recorrer ao balanço da empresa, pois a contabilidade está em condições de poder fornecer as bases necessárias para se proceder à valorização dos diferentes elementos constitutivos do seu património, no pressuposto de que a contabilidade corresponde ao retrato fiel e preciso da situação económica e financeira da empresa. Pese embora o valor contabilístico de alguns dos elementos que compõem o activo fixo da empresa, determinado pelo custo de aquisição ou “custo histórico”, com o passar do tempo e por influência de factores diversos, se possam afastar do valor de mercado, há normas contabilísticas que tendem aproximar tais valores, seja por via das amortizações, em que se reconhece a sua depreciação ou desgaste, seja pela via das reavaliações, em que se reajusta o valor dos mesmos, ou ainda pelo reconhecimento de um “impairment”, que exprime a perda de valor duradoura do activo.
Por isso, para efeitos de penhora, pode considerar-se o valor contabilístico atribuído a cada elemento do património, que é o que decorre do seu custo de aquisição e das eventuais estimativas feitas em relação à sua depreciação, identificadas pelas amortizações contabilísticas. Mas o imobilizado incorpóreo ou intangível, que concorre para a formação do valor global da empresa, não tem qualquer influência na avaliação dos bens individuais do activo imobilizado.
É verdade que a integração desses bens individuais no conjunto do património da empresa, não deixa de criar efeitos sinérgicos e incorporar factores de valorização intangíveis, dando ao todo um valor superior à soma das partes. Mas, excluindo os que podem ser objecto de propriedade, como os sinais distintivos (firma, nome, insígnia, marcas), os demais são situações económicas não autónomas, insusceptíveis de domínio. Contribuem para o valor da empresa no seu todo, mas não para a valorização dos diferentes elementos do activo imobilizado que é revelado de “per si”pela contabilidade.
A recorrente pretende que essas situações económicas, que identifica como o valor incorporado “pelos seus clientes, pelos seus trabalhadores e colaboradores, pela banca, fornecedores, Estado, Segurança Social e de mais terceiros”, sejam atendidas na avaliação dos bens do activo imobilizado. Não há dúvida que essas relações de facto podem aportar à empresa um valor diferente do valor contabilístico dos seus activos individualmente considerados. Todavia, como refere Orlando de Carvalho, esse acréscimo de valor intangível (imaterial), aquilo que na gira contabilística se designa por aviamento, trespasse, fundo de comércio ou, na literatura anglosaxónica, goodwill, apesar de ser uma “situação economicamente vantajosa”, é um “bem não coisificável”, insusceptível de verdadeira propriedade (cfr. Direito das Coisas, 1977, pág. 189, nota 1).
Se é verdade que, pelo efeito goodwill, o valor global da empresa pode ser superior ao somatório dos valores individuais do seu activo imobilizado, caso dele resulte uma capacidade da empresa para gerar benefícios económicos futuros, não é menos verdade que a identificação e mensurarão desse valor apenas pode ocorrer quando há uma transacção da totalidade da empresa por um valor que excede o valor contabilístico, ainda que este seja corrigido pelos justos valores dos activos e passivos. Já na transacção de bens individualizados do activo imobilizado, o goodwill até se pode transformar em badwill, caso tal transacção represente uma fase de fracasso ou declínio do negócio.
Portanto, contrariamente ao defendido pela recorrente, não se pode aceitar que a situação económica vantajosa derivada das relações de facto que mantém com fornecedores e clientes tenha quaisquer reflexos positivos no valor das diversas partidas que compõem o balanço. No valor atribuído a cada elemento do património da empresa, e que é revelado pela contabilidade, não intervêm aquele activo imaterial gerado pelo investimento em intangíveis que valorizam a empresa como um todo.
O órgão de execução fiscal avaliou os bens penhorados tendo por referência o valor individualizado que a empresa lhe deu no respectivo balanço. Como o artigo 221º do CPPT se refere ao “valor aproximado” e como o valor contabilístico, corrigido através do processo de amortizações, é aproximado do valor de mercado (valor real), não há qualquer defeito em se utilizar o valor contabilístico ajustado na fixação do valor dos bens penhorados. E certamente que esse valor até é superior ao “valor de liquidação”, uma vez que este é sempre inferior ao valor de mercado, por dever corresponder a uma situação de venda forçada em curto espaço de tempo.
E se não há coincidência entre o valor contabilístico e o valor de mercado, seja porque o custo de aquisição sofreu mutação de valor em função de factores exógenos, seja porque a perda do valor efectivo do imobilizado não foi correctamente identificada pelas amortizações contabilísticas, então incumbia ao executado demonstrar a existência desse desfasamento. Todavia, como bem nota a sentença recorrida, tal demonstração não chegou a ser feita.
Improcede, pois, o argumento de que os bens do activo imobilizado deveriam ser avaliados em função do “valor de liquidação” da empresa.

3.2. A recorrente contesta também o juízo que a sentença recorrida fez quanto à dispensa da prestação de garantia, alegando que a invocação do “prejuízo irreparável” é fundamento suficiente para tal, não sendo necessário provar que não é por culpa sua que esse prejuízo ocorre.
Na interpretação que faz do nº 4 do artigo 52º da LGT, os requisitos enunciados nesta disposição são “autónomos e independentes”, pelo que apenas na situação de manifesta falta de meios económicos é que o executado deve provar que essa falta não lhe é imputável. Não assim, quando o fundamento da dispensa é o prejuízo irreparável, pois ele também pode ocorrer em situações que não há falta de meios económicos.
Aquela norma prescreve que «a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado».
Ora, a expressão normativa «em qualquer dos casos» é bem elucidativa de que o requisito da irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens também se deve verificar quando se invoca como fundamento da dispensa o prejuízo irreparável. Como anotam Diogo Leite de Campos e Outros, «para ser deferida a dispensa de prestação de garantia é necessário que se satisfaçam três requisitos, cumulativamente, embora dois deles comportem alternativas, pelo que o executado deverá na petição tê-los em conta: - que haja uma situação de inexistência de bens ou a sua insuficiência para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido; - que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado; que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos» (cfr. Lei Geral Anotada, 4º ed. pág. 427). Portanto, a alternativa do último requisito não dispensa a verificação dos outros dois.
E compreende-se que assim seja, pois, se a prestação de qualquer das possíveis modalidades de garantia é susceptível de causar ao executado prejuízos irreparáveis ou irreversíveis, é porque ele também se encontra numa situação de inexistência ou insuficiência de bens que não lhe permite pagar os custos da garantia. Ora, se a execução do crédito fiscal vai ficar suspensa sem qualquer garantia, é razoável que o executado demonstre que as dificuldades que tem em a prestar não lhe são imputáveis, provando que essa situação não adveio de uma conduta culposa praticada com intuito de diminuir a garantia dos credores.
As dificuldades em fazer prova desse facto negativo não conduzem a qualquer dispensa ou inversão do ónus da prova. Como se julgou num recente acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 17/10/2012, (rec. nº 0414/12), (i) «a eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do artº. 344.º do CC»; (ii) e numa situação destas «não se está perante uma situação de impossibilidade prática de provar o facto necessário para o reconhecimento de um direito, que, a existir, poderia contender com o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais (artº. 20º. da CRP), pois ao executado é possível demonstrar aquele facto negativo através de factos positivos, como são as reais causas de tal insuficiência ou inexistência de bens».
Não basta, pois, alegar o prejuízo irreparável, é necessário também demonstrar as causas objectivas que levaram à insuficiência de bens e que dificultam a prestação da garantia. Assim sendo, decidiu bem a sentença recorrida, pois não foram alegados quaisquer factos de onde se pudesse concluir que a executada não teve uma participação culposa na situação de insuficiência patrimonial em que se encontra.

4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2013. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto - Isabel Marques da Silva.