Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0935/17
Data do Acordão:11/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
ACIDENTE DE SERVIÇO
ALTA MÉDICA
INDEMNIZAÇÃO
PRESUNÇÃO
Sumário:I – Se é a própria Junta Médica da CGA, realizada em 16.12.2014, que relativamente ao acidente aqui em causa refere expressamente que: “Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 32% de acordo com o Capítulo III nº 7 e Capítulo I nº 1.1.1 alínea b) da T.N.I.”. Apenas pode estar a referir-se àquele valor de incapacidade, que remontava à data da primeira alta clínica, visto que não existe qualquer outro fixado no que respeita à incapacidade do autor.
II - Vindo a mesma CGA a atribuir agora uma incapacidade permanente parcial, com a desvalorização de 48%, conforme parecer da Junta médica da CGA, homologado por despacho da Direcção de 08.01.2015, reconheceu que houve um agravamento, nos termos e para os efeitos do art. 24º, nº 2.
III - Assim, o acórdão recorrido não incorreu em erro de julgamento, nem violou os arts. 20º, nº 1, 21º, nº 1 e 24º, nº 2 do DL nº 503/99, ao situar a alta clínica para efeitos de pagamento de prestações pela CGA em 09.02.2002
IV - Face aos termos da transacção celebrada entre o autor e a Companhia de Seguros, a CGA não estava impedida de fazer funcionar a presunção estabelecida no art. 46º, nº 5 do DL nº 503/99, de 20/11, já que tal preceito visa, precisamente, que o mesmo dano não seja duplamente indemnizado, estabelecendo um direito de regresso quer a favor da CGA, quer dos serviços ou organismos que tenham pago ao trabalhador quaisquer prestações previstas naquele diploma.
Nº Convencional:JSTA00070415
Nº do Documento:SA1201711160935
Data de Entrada:10/16/2017
Recorrente:CGA, IP E A...
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC REVISTA EXCEPC.
Legislação Nacional:DL 503/99 DE 1999/11/20 ART20 N1 ART21 N1 ART24 N2 ART46 N4 N5.
CONST76 ART63 ART1 ART13 ART266.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0244/11 DE 2011/11/04.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A Caixa Geral de Aposentações, IP, interpôs na Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, recurso de revista do acórdão do TCA Norte que revogou parcialmente a sentença absolutória do TAF do Porto, apresentando para o efeito alegações com o seguinte quadro conclusivo:
1.º O modo de definição ou determinação concreta daquela data, ou os concretos meios probatórios nos quais aquela deve assentar, revela-se matéria de extrema importância jurídica e social, na medida em que aquela mesma data define o ponto a partir do qual é devida uma prestação para reparação de incapacidades permanentes resultantes de acidentes de trabalho.
2.º Acresce que trata-se de matéria suscetível de ser replicada em centenas de outros processos de reparação de acidentes em serviço ou de trabalho ou, pelo menos, a obrigar a CGA a alterar os seus procedimentos face às informações que lhe chegam da ADSE, pelo que, submete-se ao alto critério de V. Ex.as a admissão do presente recurso de revista.
3.º Resulta claro da matéria de facto dada como assente que apesar de o acidente ter ocorrido no ano de 2002, o processo por acidente de trabalho foi reaberto, em 2012, a requerimento do Rcdo para efeitos de avaliação das sequelas por agravamento, sendo que, de 2002 a 2012, nenhuma incapacidade permanente foi reconhecida ao interessado, por força daquele acidente — cfr. pontos B) e C) do julgamento da matéria de facto.
4.º Ou seja, o processo administrativo pelo acidente em serviço foi reaberto, nos termos do artigo 24.°, n.° 2, do Decreto-lei n,° 503/99, de 20 de novembro, que determina a reabertura do processo após reconhecimento da recidiva, recaída ou agravamento de lesões decorrente de acidente de trabalho pela junta médica da ADSE prevista no artigo 21.º daquele diploma, a quem compete, na sequência, atribuir data da alta (cfr, art.° 21.°/1 DL 503/99), e proferir decisão e notificá-la à entidade pública empregadora e ao sinistrado (cfr. artigo 21.º/7 DL 503/99).
5.º Não podia o tribunal recorrer a um exame pedido pelo sinistrado ao INML, no âmbito de um qualquer outro processo judicial ou extrajudicial, no qual a CGA não foi parte para conformar o seu discurso fundamentador quanto à data da alta.
6.º O formalismo que consta da lei — princípio da legalidade — não pode ser afastado com base em presunções, as formalidades expressas na lei servem não só para proteger os interessados, como o próprio interesse público; é um mecanismo de controlo da atividade da administração.
7.º Ora, em matéria de estabelecimento da data da alta, para efeitos de aplicação do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro, regem os artigos 20.° e 21.º daquele diploma, que exigem respetivamente, e em suma, que a data alta seja formalizada em boletim de acompanhamento médico (anexo ao DL 503/99, de 20.11), estabelecendo a competência para a fixação da data da alta à junta médica da ADSE.
8.º Do processo administrativo não consta nem o boletim de acompanhamento médico com data de alta formalizada, nem a junta médica da ADSE indica nenhuma data para além da que foi aposta no próprio auto.
9.° Acresce que o auto da junta médica da ADSE não remete expressamente para qualquer dos elementos clínicos onde o Acórdão recorrido se estriba para afirmar que aquela os incorporou para afirmar que a data da alta se reporta a outra que não o considerado pela CGA, argumentação que, algo curiosamente, costuma ser causa de anulação de juntas médicas da CGA, por falta de fundamentação...
10.º Para além disso, não resulta, quer o relatório do IML efetuado exclusivamente a pedido do sinistrado e fora do âmbito de qualquer ação judicial onde a CGA tenha sido parte - e que, por isso, nunca lhe poderia ser oponível -, quer do documento da alta do médico da companhia de seguros responsável pela reparação do acidente, que estes tenham efetuado uma avaliação ao sinistrado de dano corporal em direito do trabalho, como o exigem os presentes autos (não sabemos do contexto daqueles documentos se não foi aplicada, por exemplo, a tabela referente à avaliação do dano corporal em direito civil).
11.º Em suma, não existem elementos formais que permitam à CGA afirmar que a data da alta é diferente daquela em que foi realizada a junta médica da ADSE
12.° Ao decidir de modo diferente, violou o Acórdão Recorrido, o disposto nos artigos 20.°, n.° 1, 21.°, n.° 1, e 24°, n.° 2, do Decreto-lei n.° 503/99, de 20 de novembro.

A…………., para além de contra-alegar, interpôs recurso subordinado do mesmo aresto, restrito à parte em que ele, confirmando o decidido no TAF, considerou que a CGA agira «secundum legem» ao accionar a presunção prevista no art. 46°, n.° 5, do DL n.° 503/99, de 20/11 - a qual respeita ao modo de compatibilizar as responsabilidades da CGA e de terceiros.
Assim, nas conclusões das suas contra–alegações vem A……….. dizer o seguinte:
A) Lida a argumentação da Recorrente para a admissão do seu Recurso de Revista, tudo leva a concluir, inapelavelmente pela inadmissibilidade do mesmo;
B) Pois, “A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual”.
C) E, neste conspecto, sopesados os argumentos da Recorrente, nenhum destes fundamentos ocorre no caso sub judice;
D) Vem a Recorrente dizer, nas suas alegações, que a “questão de fundo” é o acidente de serviço reaberto, quando, bem sabe, que a verdadeira questão de fundo se situa a montante e no ano de 2002 (data da alta do acidente em serviço);
E) Ou seja, a Recorrente tenta agora entorpecer a realidade dos factos, a qual está mais que assente, e foi bem analisada, pelas anteriores instâncias;
F) Por outro lado, dúvidas não existem de que, no que ao direito aplicável concerne, a norma contida no n° 1 do art.° 20° do DL. n° 503/99, de 20 de Novembro, é uma norma de aplicação alternativa e não, cumulativa;
G) Daí, a data da alta levada em linha de conta, ter sido a do médico que assistiu o sinistrado;
H) Ademais, o sinistrado é alheio às delongas próprias da Recorrente quanto à marcação/agendamento das suas Juntas médicas para fixação de lPP
I) E, nem se compreenderia que fosse de forma diferente;
J) Pois, não faria qualquer sentido que um sinistrado ficasse ad aeternum à espera da marcação de tal Junta médica, ao bel talante da Recorrente;
K) Assim, bem andou o Tribunal Central Administrativo Norte na interpretação e aplicação aos factos reais designadamente, data do acidente e respectiva alta (09/09/2002)], das normas contidas, nos arts. 20°, 21° e 24° do D.L nº 503/99, de 20 de Novembro.

A…………, notificado da interposição de recurso de Revista excepcional interposto pela Caixa Geral de Aposentações, vem por seu turno apresentar Recurso subordinado do mesmo aresto, com conclusões do seguinte teor:
A) A única censura à decisão tomada pelo Tribunal Central Administrativo Norte, respeita à interpretação e aplicação da presunção legal contida nos n.° 4 e 5, do art. 46° do D.L. n° 503/99, de 20 de Novembro, quando subsumida ao caso sub judicio;
B) Pois, da interpretação conjugada dos n.ºs. 4 e 5, do art. 46° do DL n° 503/99, de 20 de Novembro, resulta que: para se poder presumir o valor dos danos patrimoniais futuros a que se refere o n° 4 do sobredito comando legal, estes terão, pelo menos, de fazer parte integrante do montante global da indemnização recebida pelo beneficiário;
C) Não havendo a menor tergiversação de que, os danos a que aludem os n.ºs 4 e 5, do art. 46° do DL n° 503/99, de 20 de Novembro, são os danos patrimoniais futuros e não quaisquer danos;
D) Com efeito, o legislador, no n° 4, do art. 46° do DL n° 503/99, de 20 de Novembro, discrimina quais os danos objecto da presunção ínsita nos n.º4 e 5, do art. 46° do diploma legal vindo de citar, sendo manifesto que não se trata de proibir uma qualquer acumulação de pensão com o valor de uma qualquer indemnização, ao contrário do que parece fazer inculcar a decisão recorrida;
E) Ainda que adminicularmente se refira, é por demais evidente o erro de cálculo da recorrida CGA;
F) Pois, esta para chegar aos 2/3 dos danos patrimoniais e à presunção que estabeleceu, teria de se estribar na certidão da petição inicial junta aos autos e respeitante à acção judicial que correu termos no Tribunal Comum (Cível), e onde ficou demonstrado que a perda da capacidade de ganho foi substancial no âmbito do trabalho que o A./recorrente prestava a título de prestação de serviços, mas já não com a mesma expressão no âmbito do seu trabalho na Administração Pública e, concretamente ao serviço do lPOFG, EPE.
O) Como resulta, claramente daquela petição inicial, o vencimento auferido pelo recorrente ao serviço do IPOFG, EFE representava cerca de um décimo dos seus rendimentos do trabalho. Logo, a presunção legal estabelecida no artigo 46° do Decreto-Lei n° 503/99, de 20 de Novembro, a ser tomada em linha de conta — no que não se concede, mas hipoteticamente se admite — nunca poderia englobar no cálculo a perda da capacidade de ganho relativa aos rendimentos que o Recorrente auferia em regime privado de prestação de serviços;
H) Não obstante, a CGA serviu-se do englobamento desses valores no cálculo dos 2/3 no bolo dos €375.000,00 o que não poderia acontecer;
I) Quando muito - no que também se não concede, mas adminicularmente se admite - poderia fazê-lo em cerca de €37.500,00 por ser esse o rendimento indemnizado (enquanto ao serviço e fora dele, no IPOFG, E.P.E.), em termos proporcionais, da perda de capacidade de ganho ao serviço do IPOFO, E.P.E.;
J) Donde resulta que, apesar de ter andado mal a CGA, era expectável que o Tribunal a que tivesse corrigido a situação e feito Justiça, mas tal não sucedeu nesta parte;
K) É assim manifesto, neste conspecto decisório, o erro de julgamento, na aplicação ao caso sub judicio da sobredita presunção estabelecida na lei;
L) Naturalmente, não poderiam ser objecto da transacção judicial todos os danos patrimoniais (incluindo os futuros), independentemente da fórmula genérica nela inserta e exigida em todas as transacções pelas Companhias de Seguros enquanto Parte mais forte;
M) Por conseguinte, tais danos futuros, também não estiveram em causa na sentença que homologou a referida transacção;
N) Aliás, na sua maior parte, os danos objecto da transacção judicial foram os gravíssimos danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente;
O) Em suma, não se aplica ao caso sub judicio o nº 4, do art. 46º do DL n° 503/99, de 20 de Novembro, e não se aplica à situação em concreto, a presunção ínsita no n°5, do art, 46° do DL n° 503/99, de 20 de Novembro;
F) E, são manifestamente inconstitucionais, os nºs 4 e 5, do art, 46° do DL n° 503/99, de 20 de Novembro, quando interpretados no sentido de que os mesmos abarcam quaisquer danos e que a lei não distingue entre os danos que foram ou não solicitados em acção anterior ou objecto de negociação amigável;
O) O art. 46° do DL n° 503/99, de 20 de Novembro, nos seus n.ºs 4 e 5, é ainda inconstitucional por violar o direito à segurança social consagrado no art. 63° da CRP, violando, também, os Princípios da proporcionalidade, da igualdade, da protecção da confiança e da justiça;
R) Ao decidir pela aplicação da mencionada presunção, a decisão recorrida violou os arts. 1°, 13° e 266° da CRP.

Na apreciação preliminar, a Formação a que se refere o art. 150º, nº 5 do CPTA, em 21 de Setembro acordou em admitir a revista e o recurso subordinado.

Sem vistos, cumpre apreciar e decidir.

2. Os Factos
A sentença deu como provados os seguintes factos:

A)
O Autor foi vítima de acidente de viação ocorrido em 08 de abril de 2002, do qual lhe resultou espasmo cervical, disestesias, parestesias e cervico-braquialgias da parte esquerda cada vez mais violentas, tendo-lhe sido diagnosticada hérnia forarminal, C6-C7 esquerda, pós traumática, com sofrimento medular e radicular, acrescido de diminuição da força muscular em C7 esquerda e no membro inferior esquerdo (cordão antero-lateral da medula), o que exigiu intervenção cirúrgica a hérnia discal pós-traumática, onde efetuou artrodese (cirurgia) C6-C7 com cage e enxerto de ilíaco, bem como, demorados tratamentos das especialidades de neurocirurgia e ortopedia.
B)
O Autor à data daquele acidente era, e ainda hoje é, médico especialista de radiologia, no Instituto Português de Oncologia do Porto, local para onde se dirigia aquando do sinistro, motivo pelo qual o evento foi qualificado como acidente em serviço, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade temporária absoluta (ITA) de 100%, tendo alta definitiva em 09 de setembro de 2002, conforme Informação Clínica prestada pelo médico da Companhia de Seguros, nos seguintes termos:-
«Para os devidos efeitos declaro que A………… (Dr.) pode retomar funções laborais a partir de 02/09/09». (vide doc. de fls. 37 dos autos, doc. 7 da P1)
C)
O Autor em 20/08/2012, solicitou a reapreciação do processo com submissão a junta médica por agravamento da situação clínica; tendo sido submetido à junta médica da ADSE em 27/11/2012, que lhe concedeu alta do acidente em serviço e o considerou com incapacidade permanente parcial; e decidiu que deveria ser presente à junta médica da Caixa Geral de Aposentações, de acordo com o n.º 5 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro. (doc. de pág. 152 do processo administrativo e doc. de fls. 52 dos autos — doc. 14 da PI; idem a pág. 123 do PA)
D)
O Autor foi submetido à junta médica da Caixa Geral de Aposentações em 15/07/2014 e posteriormente em 16/12/2014, tendo esta última atribuído uma incapacidade permanente parcial (1PP), com a desvalorização de 48%; e consequentemente foi-lhe fixada uma pensão anual vitalícia de € 9871,76, correspondente a uma pensão mensal de € 705,13.
E)
O Autor intentou ação cível contra o condutor do veículo que causou o referido acidente de viação e contra a respetiva Companhia de Seguros, na qual realizou os seguintes pedidos:
Deve a presente acção ser julgada procedente por provada e por via dela serem os demandados serem condenados a pagar ao Autor o montante global de Euros 1.383.310,92 acrescidos de Juros de mora vencidos, bem como dos vincendos, assim discriminados
- A quantia de Euros 1.268 951,07 a título de incapacidade Permanente Parcial A quantia de Euros 74.359,85 a título de perdas salariais
- A quantia de Euros 40.000,00 a título de danos morais, tudo acrescidos de juros desde a citação até integral e efectivo pagamento.
F)
No âmbito da referida ação cível, foi efetuada uma transação, nos seguintes termos:
«Aberta a audiência, pelos Exm.ºs mandatários das partes foi pedida a palavra e, sendo-lhes concedida, no uso dela disseram que Autor e 1.º Ré acordaram em pôr termo ao litígio constante destes autos por transacção, nos termos das cláusulas seguintes:
I
O Autor reduz o pedido à quantia de €375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil euros) com o qual se considera ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais advenientes do acidente em causa nos autos.
II
A Ré B…………., SA. compromete-se a pagar a referida quantia no prazo de 15 (quinze) dias contra recibo e mediante cheque a enviar para o escritório da ilustre mandatária do Autor. 1
III
O Autor desiste do pedido formulado contra o 2.º Réu, C………...
IV
As custas em divida a juízo serão suportadas em partes iguais por Autor e . Ré, B…………, S.A., prescindindo estes das custas de parte e procuradoria na parte disponível.»
G)
A Ré, notificou o Autor da suspensão do pagamento da pensão, nos seguintes termos:
«Assunto: PENSÃO POR ACIDENTE EM SERVIÇO - ALTERAÇÃO
DL 503/1999 de 20/11, LEI 98/2009 de 4/9
Utente n.º: ……….
Categoria: MÉDICO
Motivo da alteração: Alteração do valor da indemnização recebida
Comunico a V. Exa, que, por decisão de 2016-01-15, da Direcção da Caixa Geral de Aposentações (Delegação de poderes publicada no DR II Série, n.° 192 de 2013-10-04), lhe foi alterada a pensão anual vitalícia para € 9 871,76, a que corresponde uma pensão mensal de € 705,13 (€ 9 871,76/14), em consequência do acidente em serviço de que foi vitima.
Do referido acidente em serviço resultou uma incapacidade permanente parcial, com a desvalorização de 48%, conforme parecer da Junta Médica desta Caixa, homologado por despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações de 2015-01-08.
A pensão mensal, foi calculada nos seguintes termos:
Retribuição anual €29 380,25
Pensão Mensal (€9 871,76/14) €705,13
Subsidio Férias (€9871,76/14) €705.13 Subsídio Natal (€9871,76/14) €705,13
Data de Efeito 2012-11-27
No acidente de que foi vítima o(a) subscritor(a), houve responsabilidade de terceiro, tendo sido fixada uma indemnização paga numa única prestação, no valor de € 375 000,00, onde o montante de € 250 000,00 é deduzido na pensão, pelo que este valor não será abonado até se esgotar a importância de €250 000,00.
EVOLUÇÃO DE PENSÃO
Início Pensão Início. Pensão (€)
2012-11-27 705,13 2012-12-01 705,13
DIVISÃO DE ENCARGOS
Regime Entidade Valor Tipo de Valor
Pensão DL 503/99 INST PORTUGUÊS ONCOLOGIA P F GENTIL, EPE 705,13 P VITALÍCIA-ACDEN.SERV.-DL 503/99

OBSERVAÇÕES
Remunerações consideradas conforme informação prestada pelo serviço.
Por ofício de 2015-12-12, vem o IPO do Porto informar que no acidente de que foi vítima V. Exa. houve responsabilidade de terceiro tendo sido fixada pela companhia de seguros Lyberty uma indemnização relativa a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de 375 000,00 Euros. Assim, aplicando o disposto n.º 5 do art.º 46° do D.L 503/99, presume-se que dois terços da indemnização que foi fixada foram atribuídos para o ressarcir por danos patrimoniais futuros, o que corresponde a um montante de 250.000 Euros. Assim, a pensão fixada por despacho desta Caixa de 2015-04-09 fica agora suspensa, e só irá ser abonada depois de esgotada a indemnização recebida, 250000 euros.»”

3. O Direito
3.1 Recurso da Caixa Geral de Aposentações, IP
A Caixa Geral de Aposentações, IP (doravante CGA), interpôs na Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, recurso de revista do acórdão do TCA Norte que revogou parcialmente a sentença absolutória do TAF do Porto.
Alega, em síntese, que não existem elementos formais que permitam à CGA afirmar que a data da alta é diferente daquela em que foi realizada a junta médica da ADSE, E que ao decidir de modo diferente, violou o Acórdão Recorrido, o disposto nos artigos 20º, nº 1, 21º, nº 1, e 24º, nº 2, do DL nº 503/99, de 20/11
A questão a decidir no presente recurso interposto pela CGA é a de determinar qual a data da alta: se esta deve reportar-se a 09.09.2002, conforme informação clínica prestada pelo médico da Companhia de Seguros, nos termos constantes da alínea B) dos factos provados; se a data de submissão do Autor à junta médica da ADSE – 27.11.2012 – nos termos indicados na alínea C) do probatório.
Sobre esta questão o acórdão recorrido refere, nomeadamente, o seguinte:
Na verdade, …, a solução adoptada na decisão peca por ser desnecessariamente formalista, ao considerar que nas deliberações das Juntas Médicas e na lei pode encontrar-se suporte para uma decisão conforme à realidade presumível dos factos, de resto estribada em documentos clínicos donde decorre que a incapacidade permanente parcial do Autor, então “fixável em 32%”, remonta à “data da cura/consolidação médico-legal das lesões” que é “fixável em 7-9-2002”, como referiu o IML (doc. fls. 40-42).
(…)
Ora, a Junta Médica da CGA de 16-12-2014 (doc. fls. 53) refere que é “relativa ao acidente ocorrido em 03 de abril de 2002” e que “Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 32%...”, sem quaisquer reservas que sensatamente, se esperaria fossem expressamente declaradas se tal incapacidade não remontasse à data da primeira alta clínica ocorrida”.
Afigura-se-nos que o acórdão recorrido ajuizou correctamente face ao quadro legal aplicável – os artigos 20º, nº 1, 21º, nº 1 e 24º, nº 2 do DL nº 503/99, de 20/11 a que o Recorrente faz apelo e a que doravante se referiram todos os preceitos sem menção de qualquer outro.
Com efeito, o art. 20º, nº 1, sob a epígrafe “Alta”, prescreve o seguinte:
Quando o trabalhador for considerado clinicamente curado ou as lesões ou a doença se apresentarem insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada, o médico assistente ou a junta médica prevista no artigo 21.º, conforme os casos, dar-lhe-á alta, formalizada no boletim de acompanhamento médico, devendo o trabalhador apresentar-se ao serviço no 1.º dia útil seguinte, excepto se lhe tiver sido reconhecida uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ou para todo e qualquer trabalho, caso em que se consideram justificadas as faltas dadas até a realização da junta médica da Caixa Geral de Aposentações”.
E o nº 5 do mesmo preceito:
Após a alta, se for reconhecida ao acidentado uma incapacidade permanente ou se a incapacidade temporária tiver durado mais de 36 meses, seguidos ou interpolados, a entidade empregadora deve comunicar o facto à Caixa Geral de Aposentações, que o submeterá a exame da respectiva junta médica para efeitos de confirmação ou da verificação da eventual incapacidade permanente resultante do acidente e de avaliação do respectivo grau de desvalorização”.
Por sua vez, o art. 21º, nº 1 prescreve que:
A verificação e confirmação da incapacidade temporária, a atribuição da alta ou a sua revisão, previstas nos artigos 19.º e 20.º, e a emissão do parecer referido no artigo 23.º competem a uma junta médica composta por dois médicos da ADSE, um dos quais preside, e um médico da escolha do sinistrado.
Prevendo o art. 24º, nº 2 que: “O reconhecimento da recidiva, agravamento ou recaída pela junta médica determina a reabertura do processo, que seguirá, com as necessárias adaptações, os trâmites previstos para o acidente e confere ao trabalhador o direito à reparação prevista no artigo 4.º”.
Resulta do disposto no art. 20º, nº 1 que a alta tanto pode ser concedida pelo médico assistente, como pela junta médica. No caso em apreço a alta definitiva foi concedida pelo médico da companhia de seguros.
Aliás, a deliberação da junta médica da ADSE, de 27.11.2012, o que diz é o seguinte: “Tem alta do presente acidente em serviço”, não estabelecendo qualquer data para essa alta (reiterando o que havia dito:”Tem alta”, em 17.12.2002 – cfr. fls. 280 verso).
Por sua vez, o termo “confirmação” da incapacidade temporária pressupõe uma realidade já existente, compatível com o reconhecimento pela junta médica de que tal incapacidade remonta ao tempo da alta clínica inicial, tendo por base, no caso, o parecer do IML – Serviço de Clínica Médico-Legal de fls. 40 a 42, que considerou a incapacidade permanente geral fixável em 32%, remontando “à data da cura/consolidação médico-legal das lesões” e “fixável em 7-9-2002”, e a que o acórdão recorrido faz referência.
E, o processo do Autor é reapreciado por agravamento da situação clínica (o que pressupõe que já antes havia sido apreciado pela junta médica da ADSE, conforme se vê de fls. 280 verso e do P.A.), a seu pedido, com aquela (nova) submissão à Junta Médica da ADSE, naquela data de 27.11.2012 (cfr. al. C) dos FP).
Ora, é a própria Junta Médica da CGA, realizada em 16.12.2014, que relativamente ao acidente aqui em causa refere expressamente que: “Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 32% de acordo com o Capítulo III nº 7 e Capítulo I nº 1.1.1 alínea b) da T.N.I.”. No que apenas pode estar a referir-se àquele valor de incapacidade, que remontava à data da primeira alta clínica, visto que não existe qualquer outro fixado no que respeita à incapacidade do autor.
Vindo a mesma CGA a atribuir agora uma incapacidade permanente parcial, com a desvalorização de 48%, conforme parecer da Junta médica da CGA, homologado por despacho da Direcção de 08.01.2015. Ou seja, a CGA reconheceu que houve um agravamento, nos termos e para os efeitos do art. 24º, nº 2.
Assim, o acórdão recorrido não incorreu em erro de julgamento, nem violou os arts. 20º, nº 1, 21º, nº 1 e 24º, nº 2 do DL nº 503/99, ao situar a alta clínica para efeitos de pagamento de prestações pela CGA em 09.02.2002, sendo de confirmar.

3.2 Recurso subordinado do Autor
Defende o Recorrente que da interpretação conjugada dos n.ºs. 4 e 5, do art. 46º do DL nº 503/99, resulta que: para se poder presumir o valor dos danos patrimoniais futuros a que se refere o nº 4 do sobredito comando legal, estes terão, pelo menos, de fazer parte integrante do montante global da indemnização recebida pelo beneficiário. E que os danos a que aludem os n.ºs 4 e 5, do art. 46º, são os danos patrimoniais futuros e não quaisquer danos.
Mais alega que são manifestamente inconstitucionais, os nºs 4 e 5, do art. 46º do DL n° 503/99, quando interpretados no sentido de que os mesmos abarcam quaisquer danos e que a lei não distingue entre os danos que foram ou não solicitados em acção anterior ou objecto de negociação amigável;
Que o art. 46º do DL n° 503/99, nos seus n.ºs 4 e 5, é ainda inconstitucional por violar o direito à segurança social consagrado no art. 63º da CRP, violando, também, os Princípios da proporcionalidade, da igualdade, da protecção da confiança e da justiça, pelo que ao decidir pela aplicação da mencionada presunção, a decisão recorrida violou os arts. 1º, 13º e 266º da CRP.

Vejamos.
O art. 46º, sob a epígrafe “Responsabilidade de terceiros”, prevê o direito de regresso dos serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores quaisquer prestações previstas no DL nº 503/99, contra terceiros civilmente responsáveis pelo acidente ou doença profissional (nºs 1 e 2).
Os nºs 3, 4 e 5 do referido preceito prevêem o seguinte:
3 - Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial.
4 – Nos casos em que os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros, sem prejuízo do direito de regresso referido no número anterior, relativamente à eventual responsabilidade não abrangida no acordo celebrado com terceiro responsável.
5 – Quando na indemnização referida no número anterior não seja discriminado o valor referente aos danos patrimoniais futuros, presume-se que o mesmo corresponde a dois terços do valor da indemnização atribuída.

Conforme resulta dos factos provados o Autor e a seguradora fizeram uma transacção judicial pela qual esta pagou ao autor uma indemnização relativa a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de 375 000,00 Euros.
Nesta transacção não ficou discriminado qual o valor imputável a cada um dos danos que o Autor havia peticionado, e que havia discriminado na petição inicial da acção, conforme indicado na alínea E) dos factos provados.
Ora, na sua petição inicial o autor havia pedido directamente uma indemnização a título de incapacidade permanente parcial (a quantia de €1.268.951,07), sendo precisamente esta incapacidade que determinou que a CGA tenha atribuído ao autor uma pensão.
No acórdão deste Supremo Tribunal de 04.11.2011, P. nº 0244/11, em caso em tudo semelhante ao dos presentes autos, expendeu-se o seguinte:
«Apesar de na petição inicial o ora recorrido não pedir qualquer indemnização quanto a danos patrimoniais futuros, nada impede que este tipo de danos não possam ser englobados na transacção efectuada. Tal é permitido pelo nº 2 do supra referido artº 1248º que permite constituir, modificar ou extinguir direitos diversos do direito controvertido, apenas tendo de se respeitar os limites impostos no artº 1249º do CC. Assim, quando o lesado, ora recorrido, na transacção se declara ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do acidente mediante a quantia proposta e entregue pela Companhia seguradora, tem de entender-se que estão englobados no montante indemnizatório todos os danos, seja qual for a sua natureza ou actualidade, sem exclusão de nenhum.
Ora tendo, uma vez que o recorrido já recebeu a indemnização acordada por todos danos sofridos no acidente, então tem pleno cabimento a aplicação do estatuído no nº 4 do artº 46º do DL nº 503/99, ou seja, uma vez que o sinistrado já foi indemnizado pela Companhia de Seguros não há pagamento das prestações da responsabilidade da CGA até que não se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros.
Porém, como no montante acordado e pago pela Companhia Seguradora estavam englobados todos os danos, como acima se concluiu, sem especificar parcelarmente o quantitativo de cada dano, temos que nos socorrer da presunção contida no nº 5 do mesmo artº 46º: “presume-se que o mesmo corresponde a dois terços do valor da indemnização atribuída”».
Assim, e face aos termos da transacção celebrada entre o autor e a Companhia de Seguros, a CGA não estava impedida de fazer funcionar a presunção estabelecida no art. 46º, nº 5 acima transcrito, já que o referido art. 46º visa, precisamente, que o mesmo dano não seja duplamente indemnizado, estabelecendo um direito de regresso quer a favor da CGA, quer dos serviços ou organismos que tenham pago ao trabalhador quaisquer prestações previstas no DL nº 503/99.
Termos em que, ao assim ter entendido, o acórdão recorrido não enferma de qualquer erro de julgamento.

Alega ainda o agora Recorrente que os nºs 4 e 5 do art. 46º quando interpretados no sentido de que englobam quaisquer danos e que a lei não distingue entre os danos que foram ou não solicitados em acção anterior ou objecto de negociação amigável, seriam inconstitucionais.
No entanto, nem o recorrente consubstancia em que consistiria essa inconstitucionalidade, nem nós a vislumbramos, sendo a mesma, como tal, manifestamente improcedente.
Alega igualmente o recorrente que tais normativos seriam inconstitucionais por violarem o direito à segurança social consagrado no art. 63º da CRP, violando os princípios da proporcionalidade, da igualdade, da protecção da confiança e da justiça, pelo que ao decidir pela aplicação daquela presunção a decisão recorrida teria violado os arts. 1º, 13º e 266º da CRP.
Mais uma vez estamos por uma alegação completamente genérica e sem qualquer fundamentação para se poder perceber em que medida considera o recorrente que tais princípios foram violados.
No entanto, sempre diremos que a presente acção tem por base, precisamente, a protecção do autor numa situação de doença que lhe foi reconhecido com a atribuição de uma pensão por ser detentor de uma incapacidade parcial permanente, no que não se vislumbra qualquer violação do art. 63º da CRP.
Igualmente, não se vê que a Administração Pública, no caso a CGA, não tenha na sua actuação para com o recorrente visado a prossecução do interesse público (accionando o seu direito de regresso nos termos legais), e respeitando os direitos e interesses legítimos do recorrente (atribuindo-lhe uma pensão que a lei prevê), tendo agido de acordo com as regras do Estado de Direito (arts. 1º e 266º, nº 1 da CRP).
Da mesma forma não fornecem os autos quaisquer elementos que permitam considerar que foi violado o princípio da igualdade previsto no art. 13º da CRP.
Este princípio, intimamente relacionado com o conceito de lei inerente ao Estado de Direito, postula o exercício de um direito igual para todos os cidadãos. No caso, a Administração estaria obrigada a proceder de modo igual em relação a dois casos iguais no plano objectivo.
Ora, como é manifesto, não invocou o recorrente qualquer caso semelhante ao seu no qual a CGA não tivesse seguido o mesmo critério que aplicou ao fazer apelo à presunção prevista no art. 46º, nº 5. E, também não se vislumbra que o critério deste preceito seja desadequado e desproporcional, tendo em atenção a gestão dos dinheiros públicos e os direitos subjectivos do particular, já que este foi ressarcido pelo dano sofrido, não sendo justo nem proporcional que o fosse duplamente.
Improcede, consequentemente, o recurso subordinado, sendo de confirmar o acórdão recorrido.

Pelo exposto, acordam em negar provimento aos recursos e, em confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 16 de Novembro de 2017. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.