Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0387/15.0BECBR
Data do Acordão:01/25/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30503
Nº do Documento:SA2202301250387/15
Data de Entrada:09/12/2022
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:



AA, portador do cartão de cidadão n.º ..., melhor identificado nos autos à margem cotados, notificado da Douta decisão do Tribunal Central Administrativo que, negando provimento ao recurso por si interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, manteve a sentença recorrida, não se conformando com esta decisão, vem nos termos do nº 3 do artigo 280º do CPPT, interpor recurso, por vir perfilhada solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito, na ausência substancial de regulamentação jurídica, ou subsidiariamente de Revista nos termos do artigo 285º por estar em causa a apreciação de uma questão de importante relevância social (e jurídica), essencial a uma melhor aplicação do direito.

Alegou, tendo concluído:
1) Quando foi ordenada a reversão para o ora recorrente, de uma dívida para cobrança coerciva de IVA da I... – Industria de Granitos e Mármores Lda. relativo ao 2º trimestre de 2007, bem como aquando da emissão do ofício destinado à citação do ora recorrente em reversão, o mesmo encontrava-se no Brasil em trabalhos arqueológicos, tendo-se por isso tornado impossível a entrega da citação, que foi deixada no receptáculo postal em 15/05/2014, mas de que o ora recorrente só veio a tomar conhecimento muito posteriormente quando deduziu oposição.
2) O TAFC declarou verificada a excepção de caducidade do direito de intentar oposição, que tinha sido suscitada pela Fazenda Pública.
3) O recorrente estava impedido de receber a citação à data da reversão, tendo interposto recurso para o TCAN no sentido de impedir a reversão, porque nunca foi administrador executivo da I..., desconhecendo em absoluto toda e qualquer matéria relativa à gestão da empresa da qual nunca participou.
4) Nunca participou de qualquer conselho de administração, nem sequer se dirigiu alguma pessoalmente à empresa, não sendo pessoa conhecida de nenhum funcionário da empresa ou de qualquer cliente. Não estavam por isso preenchidos quaisquer dos requisitos exigíveis para alguém poder ser investido na qualidade de responsável subsidiário, tendo mesmo desconhecido a citação.
5) Nunca comunicou a alteração do seu domicílio porque nunca teve interesse em o alterar, nem nomeou nenhum representante fiscal porque nada o obrigava a fazê-lo, uma vez que a sua estadia nunca foi ininterrupta, vindo a Portugal passados de períodos de 3 / 4 meses.
6) A sua actividade profissional é no campo da arqueologia, não tendo recebido qualquer remuneração no Brasil sujeita a IRS, tendo trabalhado em consórcio com a S..., em vários projectos, em vários Estados Brasileiros, como a Rondónia, Mato Grosso e Pará, em períodos antecedentes e posteriores aos referidos nestes autos.
7) Não tinha por isso condição de saber da cobrança coerciva de IVA nesse ano de 2007 ou em qualquer outro, facto que é do conhecimento da AT de Miranda do Corvo, que é uma terra pequena.
8) Aos recursos deveria ser em rigor atribuído efeito suspensivo, porque só muito raramente é que a execução imediata da decisão não causa danos irreparáveis, seguindo-se muitas vezes à insolvência da sociedade, a insolvência dos administradores julgados responsáveis pela impossibilidade da cobrança fiscal. Porque a cobrança fiscal está regulamentada como prioritária sobre a sobrevivência das pessoas ou das empresas.
9) A citação para a efectivação da responsabilidade subsidiária terá que ser pessoal, mas o oponente só em Março de 2015, por consulta ao Portal das Finanças, é que teve conhecimento da reversão. Para o tribunal a citação teve-se por efectuada, porque emitiu e enviou uma carta registada com AR para o domicílio fiscal do citando, em Portugal, que foi devolvida.
10) Mas, não se encontrando comprovada a comunicação da alteração do domicílio, foi enviada uma 2ª carta registada, passando a presumir-se efectuada a comunicação, com o argumento de que o afastamento desta presunção implicava o cumprimento do ónus da comunicação de alteração do domicílio, que o oponente nunca alegou, nem alegou a impossibilidade de o fazer, nem a nomeação de qualquer responsável, porque – insiste-se – nada disto tinha obrigação de fazer. E não foi por isso que deixou de cumprir pontualmente as suas obrigações fiscais.
11) A Fazenda Pública entendeu que a conduta do oponente não foi diligente, porque era isso que lhe convinha, entendendo ser-lhe imputável o facto da citação não ter chegado ao seu conhecimento, daí fazendo proceder a excepção peremptória de caducidade do direito de acção, entendendo impor-se a absolvição da Fazenda Pública do pedido.
12) Entendeu a 1ª Instância e também a Instância Superior recorrida que competia – a ele recorrente – provar a impossibilidade de comunicação de alteração do seu domicílio, daí partindo para a intempestividade da oposição, apoiando-se no prazo do nº1 do artigo 203º do CPPT.
13) E afirmando também, embora admitindo a presença no Brasil entre 31/01/2013 e 30/11/2014, que não se provou que não tenha estado de forma ininterrupta, relevando o facto de já ter sido ultrapassado o prazo de 30 dias e a não nomeação do representante fiscal, contando o prazo para oposição desde a data de citação, que presume verificada em 14/01/2014.
14) Nos termos do nº 4 do artigo 192º do CPPT, quando não é obtida nem confirmada a residência do interessado, tendo sido devolvido o postal com nota de que não foi encontrado, passando a solicitar ou não informações às entidades policiais ou municipais, a citação devia ter sido efectuada por meio de editais ou por expedição de carta precatória, procedimento que não foi seguido.
15) Não foram assim cumpridas pela AT as condições previstas no nº2 do artigo 192º do CPPT. Na realidade a devolução da carta registada não foi pelo recorrente ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido ao seu levantamento e provado ficou que a sua ausência nunca foi superior a 3 ou 4 meses.
16) Ao que acresce que do que se tratou foi de uma citação para uma pretendida reversão e por isso o pretendido revertido – porque não se tratava de dívida própria – não teve conhecimento e nem sequer previu que eventualmente pudesse ser revertido por qualquer dívida da I... porque – repete – nunca foi administrador executivo.
17) Ao considerar a Superior Instância como o tribunal de 1ª Instância incumprido o prazo fixado para a dedução da oposição, decidiu-o como extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir o reconhecimento da sua pretensão, entendendo este prazo que considerou incumprido como de caducidade do direito de acção.
18) Considerando-o um pressuposto processual negativo (excepção peremptória) considerou a ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor e consequentemente entendeu prejudicado o conhecimento do mérito, com consequente absolvição oficiosa da Fazenda Pública do pedido.
19) Não se pronunciou a Superior Instância recorrida sobre as questões suscitadas na PI, mesmo as de conhecimento oficioso, mas confirmou a absolvição da Fazenda Pública do pedido, que era o efeito útil pretendido, pondo fim ao processo, que só pode admitir recurso para o tribunal ad quem, seja para o STJ.
20) Pondo-se a questão de saber se o recurso deve ser interposto, nos termos do nº 3 do artigo 280º do CPPT por a decisão perfilhar solução oposta relativa ao mesmo fundamento de direito ou subsidiariamente revista nos termos do artigo 285º por estar em causa o entendimento que conduz a uma insuportável solução de direito, que será a reversão injustificada admitida a quem não pode ser imputada a deterioração do património societário, não sendo até por desconhecimento responsável pelas dívida tributárias.
21) A comprovada actuação da AT não pode fundamentar a pretendida caducidade do direito da acção, quando o que na realidade fundamenta é a falta de citação do pretendido administrador/recorrente.
22) Importaria também saber se se verificam os pressupostos da reversão da divida da I... para este administrador não executivo, ora recorrente e inequivocamente que também não, como já indicamos supra.
23) O chamamento à execução de responsáveis subsidiários faz-se sempre e obrigatoriamente por citação pessoal, sendo que as condições de efectivação desta responsabilidade bem como o ónus da prova dos factos tem carácter substantivo.
24) O artigo 24º da LGT no seu nº1 alínea a) isola as situações em que o gerente/administrador é culpado pela deterioração do património societário e por isso responsável pelas dívidas tributárias.
25) Ora o recorrente foi, como se disse, administrador da I..., mas administrador sem pelouros, ou seja, não executivo, não tendo exercido qualquer função de administrador ou de representação, pelo que se encontra excluído da previsão do nº 1 do artigo 24º da LGT. E por assim ser, nunca pode ter sido por culpa sua que o património da I... se tornou insuficiente para a satisfação de qualquer dívida tributária.
26) Exerceu esta função de administrador não executivo apenas de 31/05/2007 até 05/01/2008, porque lhe foi pedido por BB para que a sociedade não ficasse com um administrador único, face à renúncia do administrador CC que o foi até 31/05/2007. Mas nunca lhe pediu, nem o aceitaria, que desempenhasse funções executivas.
27) Quando foi ordenada a reversão em 05/05/2014 já o ora recorrente não era administrador há mais de 6 anos e estava nomeado um administrador judicial desde 27/01/2010, pelo que o recorrente desconhece completamente se a AT desempenhou criteriosamente a sua obrigação no sentido da recuperação da dívida para a cobrança de IVA referente ao 2º trimestre de 2007.
28) Legalmente só lhe poderia caber o ónus da prova de que lhe não foi imputável a falta de pagamento, a ter existido, mas parece-nos absolutamente provado que nem sequer poderia exercer funções administrativas numa empresa de granitos em Miranda do Corvo quando se encontrava por períodos longos na Amazónia Brasileira em trabalhos de investigação arqueológica.
29) É evidente que nos confrontamos com um erro de julgamento ao considerar a excepção da caducidade de interpor a presente acção. Com efeito, basta ver a resposta à matéria de facto nos seus pontos 4, 5, 6 e 7.
30) Finalmente, a dívida encontra-se prescrita em relação ao ora recorrente revertido. Com efeito, refere-se à cobrança coerciva de IVA referente ao 2º trimestre do ano de 2007, tendo sido ordenada a referida execução contra o ora recorrente por despacho de 05/05/2014, seja, mais de 5 anos passados e menos de 8, sobre a data dos factos. O que mais importa é que já ocorreram mais de 15 anos sobre a prática destes factos e a eventual interrupção da prescrição, a ter existido, não atinge o devedor subsidiário para quem o prazo da prescrição é contínuo.
Termos em que:
Se terá que concluir pela evidente falta de citação pessoal ao ora recorrente pela AT, perfilhando solução oposta (caducidade do direito da acção) relativamente ao mesmo fundamento de direito (falta de citação), revogando-se a decisão de absolvição da Fazenda Pública e substituindo-a por outra que reconheça a falta de citação, ou, se assim se não entender e subsidiariamente, ser admitida revista da qual resulte o mesmo efeito útil, que é a absolvição do recorrente.

Não foram produzidas contra-alegações.

Cumpre decidir da admissibilidade dos recursos que vêm interpostos.

Quanto à referência de interposição de um recurso ao abrigo do disposto no artigo 280º, n.º 3 do CPPT - Para além dos casos previstos na lei processual civil e administrativa, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário – é evidente que se trata de um erro manifesto e evidente, mesmo um absurdo, por parte do recorrente, uma vez que tal tipo de recurso destina-se unicamente a atacar decisões de primeira instância cujo valor da causa ou sucumbência impeça a interposição de recurso ordinário e não acórdãos proferidos pelos Tribunais Centrais Administrativos.
E não tendo lugar nos presentes autos a interposição de tal tipo de recurso do acórdão proferido pelo TCA Norte, há que apreciar da admissibilidade do recurso de revista.

O recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

Como claramente resulta das conclusões das alegações, o recorrente pretende obter uma solução jurídica diferente para questão que foi decidida pelo TCA, mas que passa pela necessidade de reapreciação da matéria de facto e das ilações de facto que foram retiradas da matéria de facto que se julgou provada.
Como claramente resulta da norma em apreço ao Supremo Tribunal está vedada a apreciação ou reapreciação da matéria de facto relevada pelas instâncias, pelo que, este recurso não está em condições legais de ser admitido.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 285º, n.º 6 do CPPT, em não admitir o presente recurso de revista.
Custas do incidente pelo recorrente, com t.j. máxima.
D.n.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2023. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.