Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01056/09
Data do Acordão:12/16/2009
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:RUI BOTELHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
DANO
Sumário:I - O dano traduz-se no prejuízo causado pelo facto ilícito (art.ºs 483 e 564 do CC).
II - Sendo o dano o prejuízo que o lesado sofre nos seus interesses (materiais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar, para o dar como verificado é necessário alegar e provar não só os factos materializadores do facto ilícito como também as suas consequências, isto é, de que modo esses factos se repercutem na sua esfera jurídica tanto no plano patrimonial como no não patrimonial.
III - A possibilidade que a lei consente de uma condenação no que se liquidar em execução de sentença tem a ver, apenas, com o carácter ilíquido do dano, mas não com a sua existência.
Nº Convencional:JSTA000P11264
Nº do Documento:SA12009121601056
Recorrente:B...
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE TORRES VEDRAS E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I Relatório
B…, com melhor identificação nos autos, vem recorrer da sentença do TAC de Lisboa, de 6.3.09, que julgou improcedente a acção declarativa sob a forma de processo ordinário que interpôs contra o MUNICÍPIO DE … e o PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE …, C…, em que peticionou a sua condenação solidária no pagamento de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, pelo licenciamento de uma construção concedida em 23.3.1990.
Para tanto alegou, concluindo da seguinte forma:
a) Na sentença recorrida não se fez a adequada apreciação e valoração da matéria fáctica e o direito não foi adequadamente aplicado;
b) Com efeito e ao contrário do decidido, encontra-se plenamente provada a existência de danos patrimoniais e não patrimoniais provocados aos AA., em virtude da conduta ilícita e culposa dos RR;
c) Aliás, na matéria considerada assente e mencionada na própria sentença com as referências 12) a 15) e 21) a 23) esses danos encontram-se suficientemente explicitados;
d) O próprio Tribunal a quo, na primeira sentença proferida e o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão que anulou essa sentença, já fizeram alusão à existência de danos;
e) Assim e em primeira linha, a sentença é nula, de conformidade com o disposto no art° 668°, n.° 1, alínea c), do Código do Processo Civil, já que os fundamentos de facto estão em oposição com o decidido;
f) Acrescenta-se que dos factos provados e referidos em 12) a 15) e 21) a 23) da sentença resultam necessariamente as consequências danosas mencionadas nos art°s 23.°, 24º e 3l.° a 35º da pi. e repetidos no artº 36º da mesma peça processual;
g) Essas consequências danosas não foram nem podiam ser levadas à especificação ou ao questionário por não serem propriamente factos;
h) Todavia, na especificação e no questionário foram incluídos os factos que geraram essas consequências, e o julgador não fez o juízo dedutivo ou conclusivo a que a prova desses factos obrigava;
i) Mesmo no caso de se admitir que ocorreu alguma deficiência ou menos clareza na indicação dos danos, que foram apontados na petição, o princípio pro actione, plasmado nos art.°s 20.° e 268.°, n.° 4, da Constituição e também traduzido no art.° 2.° do Código do Processo Civil, impedia a improcedência da acção com o fundamento referido na sentença;
j) A jurisprudência dos nossos Tribunais e a própria doutrina impõem uma interpretação das normas que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos;
k) Verificando-se que, para além do dano, os autos demonstram suficientemente os outros pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (facto, ilicitude, culpa e nexo de causalidade), deverá ser anulada a sentença e proferido acórdão condenando os RR. no pedido formulado pelos AA.;
l) Foram violados o disposto nos art.°s 20.° e 268.°, n.° 4, da Constituição, nos art.°s 90.° e 91.° da Lei nº 100/84, no art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 48051, no art° 483.° do Código Civil e nos art.°s 2.° e 659.°, n.° 3, do Código do Processo Civil.
Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso, anulando-se a sentença recorrida e proferindo-se acórdão a condenar os RR. no pedido, como é de Justiça.
O Município de … concluiu a sua contra-alegação referindo o seguinte:
1ª- Não foram alegados factos que demonstrem a existência de danos patrimoniais sofridos pelo A., ora recorrente;
2ª- Também não foram alegados factos que demonstrem a existência de danos não patrimoniais do A., ora recorrente;
3ª- Não foram alegados factos que demonstrem a existência de todos os requisitos da responsabilidade civil dos RR., ora recorridos;
4ª- Nada foi alegado nem portanto se provou no sentido de que a pessoa do Presidente da Câmara tivesse excedido os limites das suas funções ou que tivesse procedido com dolo no seu exercício e por causa destas.
Termos em que, com o muito douto suprimento, que se pede, devem V. Exas. negar provimento ao recurso.
O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte Parecer:
“1. Como é por demais sabido - “a responsabilidade civil extracontratual supõe a concorrência cumulativa de requisitos vários que podemos definir como a acção, a ilicitude, a culpa, o nexo causal (entre a conduta ilícita e culposa e o evento) e o dano - cfr. arts. 483° do C.Civil e 10, 2°, 4° e 6° do D.L. n° 48.051 de 21.11.67, aqui aplicável. E o art. 563° do C.Civil estabelece que - “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido de não fosse a lesão”.
Como também é sabido este normativo consagra a doutrina da causalidade adequada. Como causa adequada deve considerar-se, em princípio, toda e qualquer condição de prejuízo.
2. Ora, para se poder indemnizar há que saber se a acção ilícita e culposa provocou prejuízo como consequência necessária e directa da mesma. E transtornos e inconveniências só por si não são indemnizáveis. E que o simples facto de se permitir a construção de um prédio ao lado ou em frente do seu sempre provocará ao Autor tais transtornos e inconveniências. A questão está em provar quais são os prejuízos efectivos susceptíveis de ser quantificados. O Autor viu o seu prédio ou a sua habitação desvalorizados? Sofreu desgosto que lhe provocou alguma depressão ou doença? Nada foi provado a este respeito e tais prejuízos não foram sequer alegados. E o julgador não pode, neste caso, sobrepor-se às partes.
3. Assim sendo, a acção não pode proceder e, por isso, somos de parecer que o recurso não merece provimento.”
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1) O prédio sito na Avª …, em …, n° …-…, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, ficha n° 00534, sendo composto por cave, rés-do-chão e 1° a 6° andares e está constituído em propriedade horizontal, com 18 fracções autónomas designadas por letras de “A” a “S”.
2) São donos destas fracções: os autores D… e esposa, E…, do 2° andar direito; B… e esposa, F…, do 3° andar esquerdo; G… e esposa, H…, do 4° andar esquerdo; I… e esposa, J…, do 5° andar direito; L… e esposa, M…, do 5° andar esquerdo; e N… do 6° andar esquerdo.
3) Na data da propositura da presente acção O… e esposa, P…, eram donos do 3° andar direito do prédio identificado em 1).
4) Os Autores Q… e esposa, R…, são usufrutuários do 6° andar direito.
5) Este prédio tem a fachada principal virada a Norte, a qual comporta: no rés-do-chão, além da porta principal, uma porta e duas montras; no 1° andar, quatro janelas; em cada um dos restantes andares, do 2° ao 6°, duas varandas de sacada com as respectivas portas e duas janelas.
6) O alvará de loteamento do terreno em que foi construído o prédio identificado em 1), actualmente o lote 3, e dos lotes 1 e 2 foi concedido pelo Município de … à sociedade S…, Lda e foi emitido em 12-12-86.
7) No alvará deste loteamento constava a construção de um edifício com sete pisos em cada um dos lotes 1 e 2.
8) Por despacho de 28-03-90, o Presidente da Câmara de …, 2° réu, aprovou o projecto de construção e concedeu a respectiva licença para construção de um só edifício naqueles lotes 1 e 2, situados a Norte do prédio identificado em 1).
9) E veio a aprovar o projecto e a conceder a licença para construção de um prédio com 9 pisos nos lotes 1 e 2.
10) O mesmo réu autorizou para estes dois lotes, primeiro uma área de construção de 3150 m2 e, mais tarde, de 5429 m2, a que acrescem as varandas com 122 m2.
11) Autorizou ainda a alteração de localização da implantação de construção prevista para os lotes 1 e 2 no projecto inicial referido em 7).
12) Pelo menos em certo momento da construção, esse prédio tapou a montra do rés-do-chão do prédio dos autores.
13) As janelas do prédio dos autores, de um lado do seu eixo vertical, ficam com obstáculo à iluminação a uma distância inferior a 2 metros.
14) O edifício em construção nos lotes 1 e 2 impede, no prédio dos autores, a iluminação natural, a exposição prolongada à acção dos raios solares e a ventilação transversal.
15) E algumas janelas do prédio dos autores não distam 1,5 m do prédio em construção nos lotes 1 e 2.
16) A Câmara Municipal de …, por deliberação tomada na reunião de 18-03-92, embargou a construção do edifício dos lotes 1 e 2.
17) Os dois pisos no edifício construído nos lotes 1 e 2 são cave e subcave que, nas traseiras, ficam totalmente acima do solo e, na fachada principal, o piso da cave se eleva, em rampa, parcialmente acima do solo.
18) As áreas de construção referidas em 10) são superiores às que constam do pedido de licenciamento de construção apresentado em 1989.
19) No loteamento referido em 7) não constava a área de construção.
20) O prédio construído nos lotes 1 e 2 encosta a uma parte da parede da fachada do prédio dos autores descrita em 5), ficando esta fachada perpendicular à fachada principal daquele edifício.
21) Em consequência da parede de topo do edifício construído nos lotes 1 e 2 encostar a uma parte da parede da fachada Norte do prédio dos autores, a parte livre desta fachada não dista 10 metros de uma parte da fachada daquele edifício.
22) Através de algumas janelas do prédio construído nos lotes 1 e 2 é possível ver parte do interior de alguns dos compartimentos de algumas das habitações do prédio dos autores e que, de algumas das janelas e varandas do prédio dos autores, sobretudo as situadas mais a poente da sua fachada Norte, é possível ver parte do interior de alguns dos compartimentos de algumas das habitações do prédio construído nos lotes 1 e 2.
23) De algumas fracções do prédio construído nos lotes 1 e 2 é fácil passar para algumas varandas da fachada Norte do prédio dos autores.
24) A Câmara, em consequência do especificado em 12), deliberou o embargo especificado em 16).
25) Em 24-09-92, foi apresentado um pedido de alteração ao edifício em construção nos lotes 1 e 2 referido em 8), que, ao nível do rés-do-chão, «foi criada uma galeria e do número de lojas que passou de 3 para 8».
26) A alteração referida em 25) foi aprovada por despacho do réu Presidente da Câmara, proferido em 17-11-92.
27) Constava do pedido de alteração do edifício a pretensão de aumentar mais um piso, através do aproveitamento do vão do telhado, o que foi recusado no despacho de 17-11- 92.
28) A montra do prédio dos autores referida em 12) ficou sob o avançado do edifício construído nos lotes 1 e 2 e sem ser tapada pela parte da parede desse edifício que encosta ao prédio dos autores.
29) Os autores T… e esposa adquiriram o 2° andar esquerdo do prédio identificado em 1) por escritura pública celebrada em 29.12.1988 (cfr. fls. 239 a 244, dos autos).
30) Os autores U… e esposa celebraram o contrato-promessa de compra e venda, datado de 29.8.1984, o qual consta de fls. 245 a 247, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
III Direito
1. O recorrente, um dos cerca de duas dezenas de autores que iniciaram o processo, vem arguir, em primeiro lugar, a nulidade da sentença sustentando que o decidido, a inexistência de danos, se encontra em manifesta oposição com os seus fundamentos, alguns dos factos dados como provados. Mas, se assim é, na decisão dessa questão se esgota o objecto do presente recurso jurisdicional pois a sentença mais não diz que não foram provados quaisquer danos. Ou seja, se ocorrer a apontada oposição o recurso procederá, caso contrário decairá.
Na sentença, sobre o assunto, vê-se o seguinte: "Os autores peticionam a condenação solidária dos réus no pagamento da adequada indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que ilícita e culposamente lhes causaram, em quantitativo a liquidar em execução de sentença. No que concerne ao pressuposto dano, ensina Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª Ed., 1991, pág. 478, que “Distingue-se entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária. Quer dizer, os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. Representam danos patrimoniais, por exemplo, os estragos feitos numa coisa ou a privação do seu uso, a incapacitação para o trabalho em resultado de ofensas corporais. Constituem danos não patrimoniais, por exemplo, o sofrimento ocasionado pela morte de uma pessoa, o desgosto derivado de uma injúria, as dores físicas produzidas por uma agressão.” (sombreados nossos). Ou como explica Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1968, págs. 373, “Esta primeira classificação atende à natureza dos interesses ofendidos: os prejuízos patrimoniais são aqueles que se verificam em relação a interesses avaliáveis em dinheiro; os prejuízos não patrimoniais ou morais são os que se verificam em relação a interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária. No primeiro caso, o facto danoso representa a lesão de interesses de ordem material, enquanto no segundo representa a lesão de interesses de ordem espiritual. O dano moral consiste propriamente na dor ou desgosto que deriva da perda de um ente querido, da ofensa corporal que provoca um sofrimento ou deformação física, da calúnia que atinge a honra ou a reputação.” (sombreados nossos). E ainda como refere Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª Ed., 1989, pág. 375, “Já nos referimos aos danos não patrimoniais, também chamados danos morais. (...) Há a ofensa de bens de carácter imaterial - desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra, a reputação. Á ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral.” (sublinhado e sombreado nossos). Conforme decorre do disposto no art. 661° n.° 2, do CPC, não se pode relegar para liquidação em execução de sentença a prova da existência do dano, mas apenas o apuramento do seu quantum, isto é, a prova da existência do dano tem de ser feita sempre previamente no processo declarativo (neste sentido, Acs. do STA de 10.12.2003, proc. n.° 0445/03, e de 27.6.2006, proc. n.° 0451/04). Ora, no caso vertente verifica-se que não se provaram quaisquer danos patrimoniais (designadamente desvalorização das fracções de que os autores alegam ser proprietários) ou não patrimoniais (nomeadamente dor, sofrimento, incómodos, etc.). Aos autores cabia o ónus de provar os pressupostos da responsabilidade civil, concretamente o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo causal, os quais são de verificação cumulativa, pelo que a falta de prova do dano se resolve contra eles, nos termos do art. 342° n.° 1, do CC, tomando, aliás, desnecessário analisar os restantes pressupostos. Assim, a presente acção terá de ser julgada improcedente."
2. A presente acção foi proposta com fundamento em responsabilidade civil extracontratual do Estado, no caso, uma autarquia local e seu Presidente O quadro jurídico é o constante no DL 48051, de 21.11.67 e, na situação em apreço, por se tratar de uma Autarquia Local, também os art.ºs 90 e 91 da Lei das Autarquias Locais (LAL), aprovada pela Lei 100/84, de 29.3, em vigor à data dos factos. . Como é sabido "Para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano" Acórdão STA de 9.5.02 no recurso 48077.. A acção improcederá se um destes requisitos se não verificar. O facto ilícito consiste numa acção (ou omissão) praticada por órgãos ou agentes estaduais (em sentido lato) violadora das "normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis" ou "as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração" (art.º 6 do DL 48051, de 21.11.67). A culpa é o nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade do agente. Envolve um juízo de censura, face à acção ou omissão, segundo a diligência de um bom pai de família (art.º 4, n.º 1). O nexo causal existirá quando o facto ilícito for a causa adequada do dano. De acordo com o preceituado no art.º 563 do CC "A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão". Constitui jurisprudência pacífica deste STA que o nexo causal entre o facto ilícito e o dano se deve determinar pela doutrina da causalidade adequada, ali contemplada, nos mesmos termos em que o direito civil a admite, entendimento extensível, de resto, a todos os requisitos da responsabilidade civil (acórdão STA de 6.3.02, no recurso 48155). Finalmente, o dano traduz-se no prejuízo causado pelo facto ilícito (art.º 564 do CC)" (acórdão STA de 21.1.08, 1001/07). Portanto, sob o ponto de vista lógico e metodológico, a sentença deveria ter seguido esta sequência começando pelo primeiro e só passando ao segundo dos requisitos se o antecedente se verificasse. Todavia, ao invés desse procedimento, avançou logo para o dano, o último deles, dando-o como insubsistente.
Para o recorrente os elementos factuais consubstanciadores dos danos que diz ter sofrido encontram-se nos factos provados com os números 12) a 15) e 21) a 23). Os factos contidos nesses números têm o seguinte teor: "12) Pelo menos em certo momento da construção, esse prédio tapou a montra do rés-do-chão do prédio dos autores"; "13) As janelas do prédio dos autores, de um lado do seu eixo vertical, ficam com obstáculo à iluminação a uma distância inferior a 2 metros"; "14) O edifício em construção nos lotes 1 e 2 impede, no prédio dos autores, a iluminação natural, a exposição prolongada à acção dos raios solares e a ventilação transversal"; "15) E algumas janelas do prédio dos autores não distam 1,5 m do prédio em construção nos lotes 1 e 2"; "21) Em consequência da parede de topo do edifício construído nos lotes 1 e 2 encostar a uma parte da parede da fachada Norte do prédio dos autores, a parte livre desta fachada não dista 10 metros de uma parte da fachada daquele edifício"; "22) Através de algumas janelas do prédio construído nos lotes 1 e 2 é possível ver parte do interior de alguns dos compartimentos de algumas das habitações do prédio dos autores e que, de algumas das janelas e varandas do prédio dos autores, sobretudo as situadas mais a poente da sua fachada Norte, é possível ver parte do interior de alguns dos compartimentos de algumas das habitações do prédio construído nos lotes 1 e 2"; "23) De algumas fracções do prédio construído nos lotes 1 e 2 é fácil passar para algumas varandas da fachada Norte do prédio dos autores".
Relembre-se que na acção os autores se insurgem contra o licenciamento e construção de um prédio vizinho pedindo a condenação dos réus "no pagamento da adequada indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que ilícita e culposamente lhes causaram, em quantitativo a liquidar em execução de sentença, pelo licenciamento de construção datado de 23.3.90 concedido à firma S…, Lda, por o mesmo estar ferido de violação de lei, desconformidade com o alvará de loteamento e a lei geral e por não terem sido tomadas as medidas adequadas a repor a legalidade violada na construção".
Dano, no seu sentido naturalístico Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa., que no essencial coincide com o sentido jurídico, é um "prejuízo material causado a alguém, através da destruição, deterioração, inutilização de alguma coisa, embargo de algum direito ou de qualquer outra forma. Mal ou ofensa feito a alguém; prejuízo moral". Em sentido jurídico dano é sempre um prejuízo por via de um sacrifício que é imposto ao lesado, por uma ofensa de bens ou interesses. Segundo Antunes Varela, "Das Obrigações", 5.ª edição, 1.º, 558, "é o prejuízo in natura que o lesado sofreu nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa material ou incorpórea". Esses prejuízos podem ser de índole patrimonial ou não patrimonial "consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária. Quer dizer, os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral" (Almeida Costa, "Direito das Obrigações", 9.ª Ed., Revista e Aumentada, pág. 543).
É patente que os autores não alegaram factos, todos os factos, que sempre seriam imprescindíveis para se dar como assente a existência de prejuízos. Alegaram alguns factos, uma das premissas do silogismo que nos permitiria chegar à conclusão, ao dano, mas não alegaram a outra delas, de que forma aquele conjunto de factos afectou a sua esfera jurídica, tanto na vertente material como na vertente imaterial ou espiritual. Por isso, era imprescindível terem alegado e conseguido provar os factos inscritos naqueles números da matéria de facto, como também em que termos e em que medida esses factos se repercutiram nas suas esferas jurídicas, explicitando de que modo e com que intensidade as agrediram, ou seja, as consequências que acarretaram. E, é evidente, essas consequências são elas próprias também factos, realidades da vida vivenciadas por cada indivíduo de forma particular. Ora, esta segunda premissa não foi alegada nem se contém nos factos provados, designadamente naqueles que agora são invocados como materializadores do dano. Por outro lado, os princípios jurídicos que favorecem o acesso ao direito e aos tribunais não permitem, ainda, substituir as partes na alegação de toda a matéria de facto susceptível de fundamentar as pretensões que colocam perante as instâncias judiciais. A possibilidade que a lei consente de uma condenação no que se liquidar em execução de sentença tem a ver, apenas, com o carácter ilíquido do dano, mas não com a sua existência.
Improcede, portanto, o recurso.
IV Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2009. – Rui Botelho (relator) – Pais BorgesFreitas Carvalho.