Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0816/11
Data do Acordão:06/14/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA
CONCLUSÕES
Sumário:I – Declarada a falência de uma sociedade comercial, ela entra em liquidação mas mantém a sua personalidade jurídica até partilha do produto dos seus bens, mantendo-se vinculada a determinadas obrigações fiscais e, ao cumprimento atempado de obrigações declarativas, nomeadamente as decorrentes de negócios de execução duradoura iniciados antes da declaração de falência e bem assim as decorrentes da venda dos seus próprios bens (v.g. art.º 145.º, n.º 1, al. b), e art.º 179.º, n.º 1, do CPEREF) ou da aquisição de bens e serviços que o liquidatário decida manter ao abrigo, por exemplo, do n.º 2 do artigo 163.ºdo CPEREF.
II – Nada obsta, pois, a que, mesmo em processo de liquidação da massa falida, a sociedade continue a ter de cumprir determinadas obrigações declarativas em sede de IVA e que consequentemente, a Administração Tributária proceda às inerentes acções de fiscalização, como nada impede que se possa proceder ao apuramento de imposto a entregar aos cofres do Estado.
III – São as conclusões que fixam o objecto do recurso. As conclusões devem ser uma síntese das razões porque se pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, devendo indicar-se, se o recurso tiver por fundamento exclusivo matéria de direito, as normas jurídicas que o recorrente entende terem sido violadas pela decisão recorrida e o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico deviam ter sido interpretada e aplicadas (artº 685º-A, nº 2, als. a) e b) do Código de Processo Civil e 690º, nº 2, als. a) e b) do mesmo diploma legal na redacção anterior, aplicáveis ex vi artº 2º, al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário).
Nº Convencional:JSTA00067681
Nº do Documento:SA2201206140816
Data de Entrada:09/16/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:MASSA FALIDA DE A...., SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPC96 ART685-A N2 A B ART690 N2 A B
CPPTRIB99 ART2 E
LGT98 ART30 N2 N3
CONST76 ART13 ART103 ART104 ART266
CPEREF93 ART148 ART149 ART222 ART223 ART145 N1 B ART179 N1
L 55-A/2010 DE 2010/12/31 ART125
CSC86 ART146 N2 ART152 N2 A B ART160 N2
CIVA08 ART4 N1 ART16
CPC96 ART685-A N2 B
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC17655 DE 1994/10/12; AC STA PROC1145 DE 2011/02/24; AC STA PROC790/10 DE 2011/02/24; AC STJ DE 1996/07/02 COL JURISPRUDENCIA 1996 II PAG157; AC STJ DE 1999/01/12 COL JURISPRUDENCIA 1999 I PAG30
Referência a Doutrina:PEREIRA DE ALMEIDA - SOCIEDADES COMERCIAIS 3ED PAG524
PUPO CORREIA - DIREITO COMERCIAL 8ED PAG762
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – Vem a Fazenda Publica recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria de 14/01/2011, que concedeu parcial provimento à impugnação judicial que a sociedade A……., S.A. (MASSA FALIDA) com os demais sinais dos autos, deduziu contra as liquidações oficiosas de IVA e juros compensatórios referentes aos exercícios de 1995, 1996 e 1997, no montante global de 133.842,01 €.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) Na douta sentença recorrida foi sufragado o entendimento de que as liquidações impugnadas de IVA posteriores à declaração de falência (26/4/1995) teriam de ser anuladas, porquanto, após a declaração de falência, as contas da falida são aprovadas pelo juiz, não podendo a Administração Fiscal (AF) efectuar qualquer fiscalização às contas da liquidação.
B) Ora, a lei fiscal determina a indisponibilidade do crédito tributário, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributárias, prevalecendo esta disposição sobre qualquer legislação especial — artigo 30°/2 e 3 da LGT, na redacção dada pelo art. 123° da Lei n° 55-A/2010, de 31 de Dezembro.
C) Assim, a indisponibilidade dos créditos tributários impõe-se à própria AF e a todos os particulares e não pode ser afastada por vontade das partes ou de terceiros, sendo decorrência directa dos fundamentais princípios da legalidade e igualdade tributárias, os quais encontram guarida nos artigos 266°, 13°, 103° e 104°, todos da CRP, sendo, assim, aplicáveis ao processo especial de insolvência.
D) Atendendo a esta particular natureza, os créditos fiscais são indisponíveis e submetidos aos princípios da legalidade e da igualdade tributária, atendendo às razões de superior interesse público.
E) Por conseguinte, face à violação das normas legais aplicáveis ao crédito fiscal, exigiam as circunstâncias que a sentença sob recurso tivesse julgado improcedente a impugnação deduzida, mantendo todas as liquidações impugnadas, por verificação da norma de incidência de IVA constituída pelo art. 4°/1 do CIVA.
F) Não o tendo feito, verifica-se erro de julgamento por deficiente interpretação e aplicação do artigo 30°, nºs 2 e 3 da LGT e dos artigos 13°, 103°, 104° e 266°, todos da CRP.
II – A A……, S.A. apresentou as suas contra alegações, concluindo nos termos seguintes:
1. A falência de uma empresa acarreta necessariamente o encerramento da sua escrita, pelo que os actos de liquidação da Massa Falida não são levados à escrita, mas sim aos autos de liquidação, os quais estão apensos ao processo de falência;
2. As contas da liquidação são elaboradas em forma de conta corrente (de acordo com o disposto no nº 2, do art. 223° do CPEREF) e decididas a final pelo Juiz (de acordo com o disposto no nº 2, do art. 222° do CPEREF) e, por esse motivo, a sociedade falida não tem obrigação de manter um sistema contabilístico organizado nos termos do disposto no Código do IRC, por tal ser inútil, para além de ilegal
3. E, paralelamente, não pode a Administração Fiscal efectuar qualquer fiscalização às ditas contas, designadamente por elas serem decididas por um Juiz,
4. Assim sendo, a Administração Fiscal só podia ter pretendido ver e fiscalizar as contas anteriores à declaração de falência da ora Recorrida, ou seja, as contas anteriores a 26/04/1995,
5. Razão pela qual se entende que a acção inspectiva, que vou à liquidação adicional impugnada, foi para além de ilegítima, ilegal;
6. Acresce que essa acção inspectiva foi justificada pela falta de cumprimento de obrigações fiscais, nomeadamente, a falta de entrega das declarações periódicas de IVA;
7. Acontece que, como ficou provado nos presentes autos, a ora Recorrida cessou a sua actividade para efeitos de IVA na Repartição de Finanças respectiva em 26/04/1995, pelo que a partir dessa data deixou de ter a obrigação de cumprir o preceituado na al. c), do nº 1, do art. 28° do CIVA,
8. Sendo que de acordo com as basilares regras de interpretação das normas jurídicas, designadamente das constantes no CPEREF, CSC e CIVA, a ora Recorrida já estava dispensada de apresentar as declarações periódicas de IVA desde o momento em que foi declarada falida (vide mui douta sentença de 14/05/2002 do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Leiria no processo de recurso de aplicação de coimas nº 21/2001);
9. Pelo que se reitera a falta de justificação legal para a acção inspectiva e consequentes correcções impugnadas;
10. Mas quando assim se não entenda, o que só por mera hipótese se concebe e concede, sempre ficou provado nos presentes autos que a ora Recorrida nunca recebeu qualquer aluguer ou outra remuneração da B…… relativa aos contratos de locação referidos, designadamente qualquer quantia a título de IVA que devesse entregar aos Serviços Fiscais,
11. Não colhendo o argumento de que foi a ora Recorrida que renunciou aos alugueres e, portanto, deve ser ela a suportar o IVA correspondente;
12. Acresce que a ora Recorrida é totalmente alheia ao facto de a B…… ter unilateralmente lançado na sua escrita custos porventura inexistentes, e ter emitido notas de crédito referentes aos valores supostamente em dívida, pelo que não pode ser responsabilizada por esses lançamentos na escrita da B……, pagando IVA de quantias que nunca recebeu, nem receberá e a cujo cálculo é absolutamente alheia;
13. Nestes termos, não ocorreu qualquer facto, nem a ora Recorrida procedeu nomeadamente a qualquer facturação, susceptível de conduzir ao nascimento de quaisquer obrigações tributárias que justificassem a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios impugnados;
14. Pelo que, não está em causa qualquer crédito tributário, que tenha sido reduzido ou extinto pela declaração de falência da Recorrida, em detrimento dos princípios da legalidade e igualdade tributárias,
15. Mas uma inspecção e uma liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios ilegítima e ilegal;
16. Não tendo a douta sentença ora recorrida violado quaisquer normas legais, designadamente as do nº 1 do artigo 4° do CIVA, dos nºs 2 e 3 do artigo 30º da LGT e dos artigos 13°, 103°, 104° e 266° da CRP, quando determinou a anulação das liquidações adicionais de IVA impugnadas relativas aos anos de 1995, 1996 e 1997 e respectivos juros compensatórios, com excepção do IVA devido pela emissão das facturas datadas de 31/01/1995, 28/02/1995, 31/03/1 995 e 30/04/1995.

III - O Mº Pª não emitiu parecer.

IV – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

V - Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão em causa.
1. A impugnante foi submetida a uma acção de fiscalização referente aos exercícios de 1994 a 1997, no âmbito da qual foi elaborado o relatório junto a fls. 66 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido.
a. A fiscalização foi realizada em 1998.
2. Em resultado, procedeu-se à liquidação de IVA referente às rendas emergentes do contrato celebrado entre a A…… e a B……, que abrangeu os períodos referentes aos anos de 1994 a 1997 (fls. 67 e 68 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
3. Assim como foi liquidado IVA referente à facturação da A…… à B…… pelos serviços prestados com a exploração do sistema de tratamento de águas residuais (fls. 68 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
a. No âmbito do direito de audição, a impugnante reconheceu a existência de dívidas de IVA por operações feitas em data anterior à declaração de falência (síntese do exercício do direito de audição referido no relatório a fls. 71 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido)
4. Foi apresentada reclamação graciosa nos termos que constam de fls. 2 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido.
5. A reclamação graciosa foi indeferida na totalidade (fls. 120 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
6. A A…… foi declarada falida por sentença transitada em julgado no dia 26/4/1995 (fls. 66 verso cujo conteúdo se dá por reproduzido)
a. Cessou actividade para efeitos de IVA em 26/4/1995 (fls. 66 verso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
b. Não entregou a DP referente a Abril 1995 (idem)
7. Foi celebrado termo de transacção nos termos da qual a R. se comprometeu a devolver as máquinas e a A. renunciou aos alugueres pedidos (fls. 53 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
a. Homologada por sentença de 23/3/1998, registando-se que o A. foi autorizado nos termos do art.º 144 CPERFEF (fls. 56 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
8. Entre a A…… e a B…… foi celebrado contrato de locação nos termos que constam de fls. 74 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido, referente a um conjunto de máquinas e equipamentos industriais.
a. O contrato foi celebrado em 17/3/1994 com início em 1 de Abril de 1994 (fls. 74 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
b. E foram emitidas pela impugnante as facturas constantes de fls. 61 a 66 dos autos, referentes aos meses de 31/1/1995, 28/2/1995, 31/3/1995, 30/4/1995 e 31/5/1995.
9. Entre as mesmas entidades foi celebrado contrato de arrendamento no dia 17/11/1994, nos termos que constam de fls. 75 verso do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
10. A impugnante intentou acção contra a B…… nos termos que constam de fls. 40 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido.
a. Alegando, além do mais, que a R. nem pagou os alugueres devidos em 30/4/1994 nem nenhum posteriormente até hoje (art.º 10 da petição inicial). E conclui,
b. Pedindo a extinção dos contratos de locação, sendo a R. condenada a entregar à massa falida as máquinas e equipamentos constantes dos anexos 1 e 2 do contrato de locação e a pagar à A. os alugueres vencidos no montante de 216.000.000$ (fls. 41 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
11. Na «Especificação» consta a alínea E) com a seguinte redacção: «A R. não pagou as rendas desde a investidura do A. como liquidatário no âmbito do processo de falência da A……, a qual teve lugar na sentença que declarou a falência, datada de 26/4/1995 (fls. 51 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

VI. A questão que importa dirimir no presente recurso, consiste em saber se padece de erro de julgamento a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou que procedente a impugnação deduzida pela recorrida A……, relativamente às liquidações de IVA por operações realizadas em data posterior à sua declaração de falência, ocorrida por sentença transitada em julgado no dia 26/4/1995.
Considerou a decisão recorrida que após a declaração de falência as contas da falida são aprovadas pelo juiz, não podendo ser fiscalizadas pela Administração Fiscal e que, por outro lado, ficou provado que «a R. não pagou as rendas desde a investidura do A. como liquidatário no âmbito do processo de falência da A……, a qual teve lugar na sentença que declarou a falência, datada de 26/4/1995».
Contra o assim decidido se insurge a recorrente, alegando, em síntese, que «os créditos fiscais são indisponíveis e submetidos aos princípios da legalidade e da igualdade tributária, atendendo às razões de superior interesse público» e «por conseguinte, face à violação das normas legais aplicáveis ao crédito fiscal, exigiam as circunstâncias que a sentença sob recurso tivesse julgado improcedente a impugnação deduzida, mantendo todas as liquidações impugnadas, por verificação da norma de incidência de IVA constituída pelo art. 4°/1 do CIVA»..

Vejamos, pois, se lhe assiste razão.

6.1

Antes de mais cumpre referir que são as conclusões que fixam o objecto do recurso. As conclusões devem ser uma síntese das razões porque se pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, devendo indicar-se, se o recurso tiver por fundamento exclusivo matéria de direito, como é o caso, as normas jurídicas que o recorrente entende terem sido violadas pela decisão recorrida e o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico deviam ter sido interpretada e aplicadas (artº 685º-A, nº 2, als. a) e b) do Código de Processo Civil e 690º, nº 2, als. a) e b) do mesmo diploma legal na redacção anterior, aplicáveis ex vi artº 2º, al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário)

No caso subjudice como se constata dos autos (fls. 221 e segs.) as conclusões são, além do mais, uma repetição ipsis verbis das alegações.

Ora, tanto quanto se apura daquela peça processual, a Fazenda Pública sustenta o pedido de revogação da sentença recorrida pela alegada violação do disposto nos 30°, nºs 2 e 3 da LGT e 13°, 103°, 104° e 266°, todos da Constituição da República, com base na indisponibilidade dos créditos tributários, decorrente dos referidos normativos e dos princípios da legalidade e igualdade tributárias que «encontram guarida nos artigos 266°, 13°, 103° e 104°, todos da CRP, sendo, assim, aplicáveis ao processo especial de insolvência».
Pretende, com esta argumentação, atacar a decisão recorrida por ter entendido que após a declaração de falência de uma sociedade, as contas da falida são aprovadas pelo juiz, não devendo ser fiscalizadas pela AF.
Com efeito, embora a sentença não se alongue também em grandes considerações sobre esta questão, parece nela surpreender-se o entendimento de que AF só podia ter fiscalizado as contas anteriores a 26-4-1995, razão pela qual, deve ser considerada ilegal e ilegítima a acção inspectiva aos exercícios posteriores à declaração de falência.
A sentença recorrida parte do princípio de que, por força do regime especial decorrentes do CPEREF, nomeadamente os seus arts. 148º, 149º, 222º, e 223º, a sociedade declarada falida não está sujeita à satisfação de obrigações declarativas e tributárias em sede de IVA e de IRC.
Porém, salvo o devido respeito, discordamos deste entendimento.

Em primeiro lugar resulta do artº 30º da Lei Geral Tributária nº 2 da Lei Geral Tributária na redacção da Lei n.º55-A/2010, de 31 de Dezembro, que o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
Ora a Lei n.º55-A/2010, de 31 de Dezembro aditou um nº 3 ao referido normativo, estabelecendo que o disposto no número 2 prevalece sobre qualquer legislação especial.
E acrescentou, por outro lado, no seu artigo 125.º uma disposição transitória no sentido de que «o disposto no n.º 3 do artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros
Acresce sublinhar que a sociedade falida mantém a personalidade jurídica até ao encerramento da liquidação, podendo até, temporariamente, continuar a exercer a actividade social, como decorre dos arts. 146º, nº 2, 152º, nº 2, als. a) e b) e 160º, nº 2 do CSC. (Cf. neste sentido, António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 3ª edição, pag. 524, Miguel Pupo Correia, Direito Comercial, 8ª edição, pag. 672, e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02.07.1996, in Col. Jurisprudência , 1996, II, pag. 157, e de 12.01.199, in Col. Jurisprudência, 1999, I, pag. 30.)
Com efeito uma sociedade declarada falida entra em liquidação mas mantém a sua personalidade jurídica até partilha do produto dos seus bens, mantendo-se vinculada a determinadas obrigações fiscais e, ao cumprimento atempado de obrigações declarativas, nomeadamente as decorrentes de negócios de execução duradoura iniciados antes da declaração de falência e bem assim as decorrentes da venda dos seus próprios bens (Ver, também neste sentido, Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 12.10.1994, recurso 17655 e de 24.02.2011, recurso 1145/09, ambos in www.dgsi.pt).) (v.g. art.º 145.º, n.º 1, al. b), e art.º 179.º, n.º 1, do CPEREF) ou da aquisição de bens e serviços que o liquidatário decida manter ao abrigo, por exemplo, do n.º 2 do artigo 163.º do CPEREF.

Nada obsta, pois, a que, mesmo em processo de liquidação da massa falida, a sociedade continue a ter de cumprir determinadas obrigações declarativas em sede de IVA e que consequentemente, a Administração Tributária proceda às inerentes acções de fiscalização, como nada impede que se possa proceder ao apuramento de imposto a entregar aos cofres do Estado.

Ponto é que se verifiquem os respectivos pressupostos legais, nomeadamente em sede de incidência de IVA.
Ora, no caso, e no que concerne a este particular aspecto, a recorrente Fazenda Pública alega tão somente que “face à violação das normas legais aplicáveis ao crédito fiscal, exigiam as circunstâncias que a sentença sob recurso tivesse julgado improcedente a impugnação deduzida, mantendo todas as liquidações impugnadas, por verificação da norma de incidência de IVA constituída pelo art. 4°/1 do CIVA”.
Nada mais se diz, nem nas conclusões, nem nas alegações de recurso.
E aqui voltamos à questão dos requisitos das conclusões de recurso.
É que a recorrente Fazenda Pública acaba por não cumprir o ónus que sobre ela impendia de, baseando-se o recurso sobre matéria de direito, indicar nas alegações, “o sentido com que, no entender do recorrente, as normas constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas” [art. 685º-A, nº 2, alínea b), do CPC].
Limita-se a afirmar a verificação da norma de incidência de IVA constituída pelo art. 4°/1 do CIVA, sem referir a fundamentação factual e / ou jurídica em que baseia tal conclusão.
Porém não se pode olvidar que na sentença recorrida se deu como provado que a recorrida A….. «cessou a actividade para efeitos de IVA em 26.04.1995» (ponto 6.a) do probatório) e que «A R. (B…..) não pagou as rendas desde a investidura do A. como liquidatário no âmbito do processo de falência da A……, a qual teve lugar na sentença que declarou a falência, datada de 26/4/1995 (fls. 51 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido)» - ponto 11 do probatório – a fls. 194.
Esses factos, não controvertidos, são suficientes para pôr em causa a alegação de que se verifica incidência de IVA, alegação esta que se basta com a sua simples afirmação e aparece desarticulada de qualquer outra argumentação.
Com efeito, em sede de IVA, as rendas, enquanto contraprestações obtidas pela prestação de serviços contratada, constituem o valor tributável sobre que incide a taxa de IVA aplicável (cfr. art. 16º do CIVA)
Ora, como se refere no Acórdão da 2ª secção deste Supremo Tribunal Administrativo de 24.02.2011, recurso 790/10, in www.dgsi.pt a norma do art. 16º do CIVA, relativa embora ao “valor tributável”, pode configurar-se como uma verdadeira norma de incidência, pois que define o “valor de que se trata”, harmonizando-se assim perfeitamente com o disposto nos seus artigos 4º e 7º.
Daí que a sujeição, ao IVA, da “locação”, se concretize na prestação do gozo do bem locado e na respectiva contraprestação, a renda (mensal).
No caso, como vimos, não ficou comprovada a existência de tal contraprestação, sendo que as alegações da Fazenda Pública e as respectivas conclusões se revelam completamente ineficazes para, nesta parte, pôr em causa a decisão recorrida.
O recurso não merece, pois, provimento.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente Fazenda Pública.
Lisboa, 14 de Junho de 2012. – Pedro Delgado (relator) – Casimiro GonçalvesAscensão Lopes.