Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:05/09.6BESNT
Data do Acordão:02/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
MAIS VALIAS
REGIME TRANSITÓRIO
Sumário:Na aplicação do regime transitório, da categoria G, do IRS, previsto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro, nos casos de ganhos (mais-valias) decorrentes da alienação, a título oneroso, de prédios urbanos, rústicos e/ou mistos, o momento que releva, como o da aquisição dos bens ou direitos envolvidos, incluindo na parte em que, eventualmente, exceda o(s) quinhão(ões) hereditário(s), é o dia e hora da morte do(s) de cuius.
Nº Convencional:JSTA000P27263
Nº do Documento:SAP2021022405/09
Data de Entrada:03/04/2021
Recorrente:Z..........
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC E 2 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.


Z……………., com os sinais dos autos, neste processo de impugnação judicial, recorre do acórdão produzido, no Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), em 7 de junho de 2018 (Concedeu parcial provimento a recurso de sentença, que revogou, na parte, em que anulou a liquidação impugnada (de IRS), relativamente à tributação de ganhos (mais-valias) obtidos com a “venda do imóvel na proporção de 3/10” (pelo recebimento de tornas, no âmbito de partilha).), apontando-lhe oposição com o acórdão, do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 7 de março de 2018, lavrado no processo n.º 0917/17 (512/12.3BEAVR).

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Por despacho do Exmo. Desembargador-relator, foi expressado afigurar-se-lhe a existência de oposição entre os acórdãos envolvidos.

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A recorrente (rte) apresentou alegação, nos termos e para os efeitos do artigo 284.º n.º 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) [redação anterior à, presentemente, em vigor], que finaliza com as seguintes conclusões: «

A) O presente recurso vem interposto do mui douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul - na parte em que julgou a impugnação improcedente, e, em consequência, revogou a sentença recorrida no segmento em que anulou a liquidação impugnada assente na tributação dos ganhos obtidos com a venda do imóvel na proporção de 3/10 - com fundamento na oposição com o Acórdão da 2ª Secção deste Colendo Tribunal, datado de 07/03/2018, transitado em julgado, proferido no âmbito do processo 0917/17, publicado no sítio da internet http://www.dgsi.pt (com o nº convencional: JSTA000P23016 e o nº de documento: SA2201803070917).

B) Existe entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido a oposição exigida, porquanto, ambos os arestos versam sobre situações fácticas substancialmente idênticas, subsumíveis às mesmas normas legais, foram proferidos em processos diferentes, e mereceram decisões opostas, verificando-se contradição entre ambos os Acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito.

C) Para efeito da aplicação regime instituído pelo artº 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30.Novembro, está em causa nos autos apurar qual o momento em que a Impugnante adquiriu os 3/10 do imóvel que excederam o seu quinhão hereditário, se na data da celebração da escritura de partilha, como se decidiu no douto Acórdão recorrido, ou se na data do óbito dos pais da Recorrente, como impõe o entendimento acolhido na decisão proferida no Acórdão fundamento.

D) Em face da sua natureza manifestamente declarativa, como decorre inquestionavelmente dos artºs 2031º e 2119º do Código Civil, forçoso é reconhecer que a partilha não configura um modo autónomo de aquisição, nem opera a transferência da propriedade.

E) A Impugnante adquiriu o imóvel que vendeu no momento em que ocorreram os óbitos dos seus pais, sem que tal sofra qualquer alteração por a partilha da herança ter decorrido em momento posterior, ou pela circunstância de nessa partilha lhe ter cabido bens cujo valor excedia a sua quota hereditária.

F) Não obstante a partilha em causa nos autos ter ocorrido em 1995, os seus efeitos retroagem à data da abertura da sucessão por morte do pai e da mãe da Impugnante, mortes que ocorreram em momento anterior ao da entrada em vigor do CIRS, o que releva nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 2º e 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30.Novembro, por se tratar de uma operação que, anteriormente ao CIRS, não era tributada em sede de imposto de mais-valias.

G) Este entendimento é partilhado pela própria Administração Tributária, que o sancionou através da Circular 21/92, de 19 de Outubro, a qual vincula os serviços da Administração Fiscal, como decorre do disposto no artº 68º-A nº 1 da Lei Geral Tributária.

H) O entendimento segundo o qual a partilha assume natureza constitutiva na parte em que as adjudicações excedem o valor do quinhão hereditário, conflitua com o princípio da retroatividade da partilha, consagrado no artº 2119º do Código Civil.

I) Não pode pretender-se afastar os princípios e regras estatuídos na lei, com o objetivo de cobrar impostos, desvirtuando-se, no caso dos autos, a natureza declarativa da partilha para prosseguir efeitos tributários, o que, para além do mais, contraria o princípio da legalidade tributária acolhido no artº 8º da LGT.

J) O herdeiro quando adquire por efeito da partilha uma parte que excede a sua quota hereditária, e tem de pagar tornas do valor da diferença, não está, no momento da partilha, a realizar uma aquisição a título oneroso, mas a corporizar em determinados bens um direito a uma quota ideal que adquiriu no momento da abertura da herança, sendo o pagamento de tornas a forma de compensar os herdeiros que, por via da mesma partilha, e no cômputo geral do acervo hereditário, receberam uma quota dos bens partilhados inferior à sua quota parte na herança.

L) Dado o carácter declarativo inequívoco que a partilha reveste, deve ter-se como assente, para além de qualquer dúvida ou incerteza, que o momento de aquisição dos bens mortis causa não é a data da partilha, mas, em qualquer caso, a do falecimento do de cujus.

M) O que significa que para efeitos do regime transitório do artº 5º, nº 1 do Decreto-Lei nº 442-A/88 de 30/11, os ganhos obtidos com a alienação do bem, na proporção do excesso recebido na partilha, não estão sujeitos a tributação em IRS, nos termos previstos no nº 1, al. a) do artº 10º do CIRS.

Q) Sendo, todavia, douto, o Acórdão recorrido violou por erradas interpretação e aplicação as disposições legais anteriormente citadas, e as mais ao caso aplicáveis.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exªs., Venerandos Conselheiros, deve ser dado provimento ao recurso, e, em consequência, ser revogada a douta decisão que considerou a impugnação improcedente, com as legais consequências.

Assim se fará a costumada JUSTIÇA!!! »


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Não houve lugar a contra-alegação.

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O Exmo. magistrado do Ministério Público emitiu parecer, defendendo estarem verificados os requisitos do recurso de oposição de acórdãos e formulando, a final, as seguintes conclusões: «

(…).

V. EM CONCLUSÃO:

a) É entendimento dominante da doutrina a consideração da natureza declarativa da partilha, já que se limita a determinar ou materializar os bens que compõem o quinhão hereditário de cada herdeiro na herança até então indivisa, quinhão esse adquirido com a aceitação, cujos efeitos retroagem ao momento da abertura da sucessão, atento o disposto no artigo 2119º do Código Civil;

b) A partilha não configura um modo autónomo de aquisição, antes visa concretizar, em bens certos, o direito do herdeiro a uma quota ideal da herança. Ainda que no preenchimento do seu quinhão hereditário com um bem imóvel ocorra excesso desse quinhão, a titularidade do direito do herdeiro sobre o imóvel retroage ao momento da abertura da sucessão (art. 2119º do CC), de modo que há uma única transmissão, a sucessória, e não transmissão entre co-herdeiros;

c) Assim, para efeitos de aplicação do regime transitório previsto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, o momento a ter em consideração como aquisição do imóvel que em parte excedeu o quinhão hereditário, é o momento da abertura da sucessão, à qual se retroagem todos os efeitos da partilha. »


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Cumpridas as formalidades legais devidas, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


Mostra-se consignado, no acórdão recorrido, em sede de julgamento factual: «

A. A 08.07.1925, casou X………….. com V …………….., segundo o regime de separação de bens [cf. cópia do registo de casamento a fls. 125 a 127 dos autos].

B. A 23.07.1931 nasceu Z .……………., filha de X …………. e V …………….. [cf. cópia do registo de nascimento a fls. 122 e 123 dos autos].

C. A 07.11.1971 faleceu X ……………… [cf. cópia do assento de óbito a fls. 129/130 dos autos].

D. A 23.11.1971, foi lavrada escritura pública de habilitação, outorgada no primeiro cartório notarial de Lisboa, onde consta que por falecimento de X …………………., ocorrido em 07.11.1971, foi, entre outros, a ora Impugnante, filha do falecido, habilitada como herdeira [cf. cópia da escritura de habilitação a fls. 34 a 41 dos autos].

E. A 22.09.1987 faleceu V ……………………………… [cf. cópia do assento de óbito a fls. 131/132 dos autos].

F. A 28.11.1988, por escritura pública de habilitação, outorgada no cartório notarial do concelho de Albufeira, consta que por falecimento de V ……………………, ocorrido em 22.09.1987, foi, entre outros, a ora Impugnante, filha da falecida, habilitada como herdeira [cf. cópia da escritura de habilitação a fls. 42 a 47 dos autos].

G. A 29.05.1995, por documento com a epígrafe “Partilha” lavrado no vigésimo segundo cartório notarial de Lisboa, consta que compareceram como outorgantes U………………., em representação de T.…………………., S ………………., R……………………., Q ……………e Z…………………………, tendo declarado, nomeadamente:

“(…) Que da herança aberta por óbito dos referidos X ………………e V………………. faz parte o seguinte bem:

Prédio urbano situado na Rua ………….. e Rua ……………., Linda-a-Velha, freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número ………………., registado a favor do autor dos herdeiros pela inscrição G, apresentação sete de um/seis/mil novecentos e noventa e dois e inscrito na respectiva matriz sob os artigos ……,……,….,….., com, os valores patrimoniais, respectivamente, de quinhentos e quatro mil duzentos e vinte e cinco escudos; duzentos e cinquenta e seis mil oitocentos e cinquenta e quatro escudos; setenta e um mil novecentos e vinte e oito escudos e catorze mil cento e quarenta e um escudos, a que atribuem igual valor.

Que da herança do referido X ……………….., fazem ainda parte os seguintes bens:

Fracção autónoma designada pela letra "A", que constitui o rés-do-chão direito; Fracção autónoma designada pela letra “B”, que constitui o rés-do-chão esquerdo; Fracção autónoma designada pela letra “D”, que constitui o primeiro andar esquerdo; Fracção autónoma designada pela letra “E”, que constitui o segundo andar direito; Fracção autónoma designada pela letra “F”, que constitui o segundo andar esquerdo;

do prédio urbano situado na Rua …………, ……, freguesia da ………., concelho da ………, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o número ……………, registado a favor dos herdeiros pela inscrição G-um, afecto ao regime da propriedade horizontal pela inscrição F-três e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ………., tendo a fracção A o valor patrimonial de duzentos e setenta e dois mil cento e sessenta escudos; a fracção B o valor patrimonial de cento e setenta mil cento e sessenta escudos; a fracção D o valor patrimonial de duzentos e vinte e um mil cento e trinta escudos; a fracção E o valor patrimonial de seiscentos e setenta mil seiscentos e oitenta escudos; e a fracção F o valor patrimonial de duzentos e vinte e um mil cento e trinta escudos, a que atribuem iguais valores.

Que somam todos os bens o valor total de dois milhões quatrocentos e dois mil quatrocentos e oito escudos; valor este que vai ser dividido em cinco partes iguais de quatrocentos e oitenta mil quatrocentos e oitenta e um escudos e sessenta centavos, constituindo cada uma delas o quinhão hereditário de cada herdeiro

Que, pela presente escritura, vêm proceder à partilha das referidas heranças do seguinte modo:

(…)

À herdeira Z …………………., são-lhe adjudicadas as seguintes verbas:

Metade do prédio urbano descrito em primeiro lugar; e as fracções autónomas designadas pelas letras “A” e “F” e metade da fracção “E”, no valor total de um milhão duzentos e cinquenta e dois mil duzentos e quatro escudos pelo que leva a mais a quantia de setecentos e setenta e um mil setecentos e vinte e dois escudos e quarenta centavos, que dá de tornas à segunda outorgante a quantia de duzentos e noventa e um mil duzentos e quarenta escudos e oitenta centavos; e à terceira outorgante a quantia de quatrocentos e oitenta mil quatrocentos e oitenta e um escudos e sessenta centavos.

Que deste modo, dão por concluída a partilha, declarando que o prédio e as fracções se destinam exclusivamente a habitação. (…)”.

[cf. cópia da escritura a fls. 48 a 57 dos autos].

H. O prédio urbano mencionado em G) supra, situado na Rua ………….. e Rua ………….., Linda-a-Velha, freguesia ………….., concelho de Oeiras, que estava inscrito na respectiva matriz sob os artigos……….., ……, …… e ., passou a corresponder, pelo menos a partir de 20.11.2007, aos artigos 16, 17, 18 e 19, respectivamente, da matriz predial urbana da freguesia de Linda-a-Velha, constando das respectivas descrições matriciais a indicação da existência de edifícios, pátio e quintal [cf. fls. 58 a 73 dos autos, e prova testemunhal].

I. O prédio identificado em H) localiza-se em espaço urbano do aglomerado de Linda-a-Velha, de acordo com o Plano Director Municipal de Oeiras, tendo sido submetido, em Janeiro de 2006, um pedido de licenciamento de operação de loteamento pela sociedade F…………… & M……….., S.A., Proc. 12/2006 [cf. fls. 122 e 123 do PAT em apenso; Resolução do Conselho de Ministros n.º 15/94, publicada no Diário da República, I Série - B, n.º 68, de 22 de Março de 1994 - informação pública, disponível em www.dre.pt].

J. A 29.01.2003 compareceram no nono cartório notarial de Lisboa, Q……………………, Z …………….., e o representante da sociedade “F………… e M…………., S.A.”, tendo os primeiros dois declarado, nomeadamente:

“(…) que pela presente escritura e pelo preço de oitocentos e setenta e dois mil e novecentos euros, que já receberam, vendem livre de ónus ou encargos, à sociedade representada pelos segundos outorgantes, o prédio misto que se compõe de terreno em parte do qual estão edificadas umas casas abarracadas, tendo uma delas cave e poço, com a área total de quatrocentos e sessenta e três metros quadrados, sito em Linda-a- Velha, freguesia de ………….., concelho de Oeiras, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o ………..s da dita freguesia, (…), prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Linda-a-Velha sob o artigos ….., …….., . e ……, com os valores patrimoniais respectivamente de 3 269,58€, 1 665, 54€, 466,41€ e 91,69€. (…)

[cf. cópia da escritura a fls. 74 a 79 dos autos].

K. A 04.04.2004 foi pela Impugnante apresentada declaração de rendimento modelo 3, relativa ao exercício de 2003, contendo os anexos “A”, “F” e “H” [cf. fls. 80 a 83 dos autos].

L. Por ofício n.º 6816, de 23.01.2007, da Direcção de Finanças de Lisboa foi a Impugnante notificada para “proceder à substituição da declaração Modelo 3 de IRS, nos termos do n.º 4 do art.º 65.º do CIRS, e conjuntamente com esta, entregue o anexo “G” em falta, referente ao ano em referência (…) / Caso não se trate de terrenos para construção, e a aquisição ou posse do bem ora alienado tenha ocorrido antes de 1989 – situação de exclusão tributária a que se refere o art.º 5.º do D.L. n 442-A/88, de 30/11, encontra-se dispensado de entregar o referido anexo. Neste caso, e para cumprimento do previsto no n.º 2 do citado art. 5.º, solicitamos apenas que nos seja remetido, o mais urgentemente possível, cópia dos documentos comprovativos da aquisição” [cf. fls. 85 dos autos].

M. A 01.03.2007 foi pela Impugnante apresentada declaração de substituição modelo 3 de IRS, contendo o anexo “G”, no qual consta no quadro 4, o seguinte:


[cf. fls. 86 a 91 dos autos].

N. Por carta remetida a 02.03.2007, remetida pela Impugnante ao funcionário da Direcção de Finanças de Lisboa, foi dado conhecimento da apresentação da declaração de substituição modelo 3 de IRS [cf. fls. 115 a 121 do PAT em apenso].

O. A 04.07.2007 foi emitida a liquidação de IRS n.º …………….., em nome da Impugnante, no montante de €92.500,43, referente ao exercício fiscal de 2003 [cf. fls. 24 dos autos].

P. A 18.07.2007 foi emitida nota de compensação n.º ……………., referente à liquidação de IRS identificada no ponto anterior, e correspondentes juros compensatórios, que perfazem a quantia total de €93.433,43, com prazo limite de pagamento a 27.08.2007, com o seguinte teor:

[cf. fls. 25 dos autos].

Q. A 23.07.2007 foi elaborada informação pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de Lisboa, no qual consta nomeadamente o seguinte:

“(…)

SUJEITO PASSIVO Z …………………. NIF. - ……………

ORDEM INTERNA – OI200705202

INFORMAÇÃO

1. Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva

Conforme escritura de 2003/01/29, enviada pelo 11.º Cartório Notarial de Lisboa, o contribuinte supra identificado, alienou, no ano de 2003, o bem imóvel descrito na referida escritura.

No âmbito do programa de controlo fiscal interno da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2003, sub-programa de controlo dos rendimentos resultantes das mais valias obtidas com a alienação onerosa de imóveis (Categoria G do IRS), os quais se encontram previstos no art.º 10.º, n.º 1, al. a) do Código de IRS, foi o contribuinte em epígrafe notificado, através do oficio n.º 6.816 datado de 2007/01/23, para, nos termos do art.º 65.º n.º 4 do CIRS, substituir a declaração modelo 3, e conjuntamente com esta, entregue o anexo “G”. ambos em falta, referente ao ano em referência nos termos do n.º 2 do artº 5º do D.L. 442-A/88 de 30-11, apresentar prova da exclusão tributária a que se refere o nº 1 do mesmo preceito legal.

2. Descrição dos factos

Na sequência da notificação referida no ponto anterior, o contribuinte procedeu em 2007/03/01 à entrega voluntária de uma declaração Modelo 3 de IRS (lote 3522-2003- 89042-01), mencionando no anexo G os valores omitidos, procedendo assim à regularização voluntária da situação referida.

A regularização voluntária traduziu-se numa correcção ao Rendimento colectável que ascende a € 215.653,39 resultante da mais valia fiscal apurada em resultado desta acção.

3. Conclusões e propostas

Atendendo ao exposto no ponto anterior, propõe-se o arquivamento do presente processo e a elaboração da respectiva nota estatística.

À consideração superior

(…)” [cf. fls. 108 do PAT em apenso].

R. Por despacho de 07.08.2007, da Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Lisboa, foi sancionada a proposta identificada no ponto anterior [cf. fls. 106 do PAT em apenso].

S. Por falta de pagamento até 27.08.2007 da nota de cobrança identificada em P) supra, foi extraída a certidão de dívida que deu origem à instauração do processo de execução fiscal (PEF) n.º ………………., a correr termos no Serviço de Finanças de Oeiras 3 [cf. fls. 93 dos autos, e fls. 93 do PAT em apenso].

T. Por ofício datado de 23.10.2007 foi a Impugnante citada em sede do PEF identificado no ponto anterior para pagamento da quantia de € 96.522,15 [cf. fls. 93 dos autos].

U. A 14.11.2007, foi paga a quantia de € 96.522,15 em sede do PEF identificado no ponto anterior [cf. fls. 93 dos autos].

V. A 21.12.2007 foi apresentada reclamação graciosa contra a liquidação identificada em O) supra [cf. fls. 3 do processo de reclamação graciosa em apenso].

W. Por despacho de 08.12.2008, do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferida a reclamação graciosa identificada no ponto anterior [cf. fls. 27 dos autos].

X. Por ofício n.º 095340, de 10.12.2008, da Direcção de Finanças de Lisboa, recebido pela Impugnante em 11.12.2008, foi a mesma notificada do teor do despacho identificado no ponto anterior [cf. fls. 26 dos autos].

Y. A 05.01.2009 foi apresentada petição inicial que deu origem à presente acção [cf. carimbo aposto a fls. 3 dos autos]. »

No acórdão fundamento, consta o seguinte julgamento da matéria de facto: «

1. Os impugnantes foram objeto de uma inspeção tributária nos termos constantes do relatório constante do PA de fls. 3 a 10.

2. No âmbito da inspeção identificada em 1), foi efetuada uma correção ao IRS do ano de 2008 por se ter entendido que o bem alienado pelos impugnantes não havia sido adquirido na íntegra em 01.02.1987 com o óbito de C………., pelo que não haveria lugar à exclusão total de tributação.

3. Por escritura pública realizada no Cartório Notarial de Estarreja, a impugnante e a mãe, habilitaram-se como únicas e universais herdeiras do falecido, C……….., (facto admitido por acordo).

4. Igualmente por escritura pública de partilha outorgada na Cartório Notarial de Albergaria-a-Velha, os impugnantes e a viúva de C………., partilharam entre si um imóvel inscrito sob o artº Rústico nº 6413, o qual foi adjudicado à impugnante, cfr. fls.13 a 15 do PA.

5. Por escritura pública de compra e venda outorgada em 09.04.2008, os impugnantes venderam o imóvel identificado em 5), pelo preço de € 515.000,00, cfr. fls. 11 a 12 do PA.

6. Dá-se aqui por reproduzida a demonstração da liquidação do IRS e juros compensatórios e constante destes autos de fls. 32 a 33.

7. A petição inicial foi apresentada em 14.05.2012, cfr. fls. 2 e 3 destes autos. »


***

admissibilidade do recurso;

Neste ponto, independentemente de, no tribunal recorrido (TCAS), ter sido sustentada e decidida a existência de oposição, entre os dois arestos acima identificados, impõe-se que, aqui e agora, se avalie e julgue, em definitivo, da ocorrência desse pressuposto de admissibilidade/continuidade do presente recurso “extraordinário”.

Liminarmente, confere-se que, tanto acórdão recorrido como fundamento, se debruçaram sobre a questão de saber, nos casos de ganhos (mais-valias) decorrentes da alienação, a título oneroso, de prédios urbanos, rústicos e/ou mistos, para efeitos de aplicação do regime transitório, da categoria G, do IRS, previsto no artigo (art.) 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro, que momento releva (da morte do de cuius ou da concretização da partilha) como o da aquisição dos bens ou direitos envolvidos e, particularmente, na parte em que exceda o(s) quinhão(ões) hereditário(s). Acresce, que o fizeram no âmbito de cenários factuais, objetivamente, idênticos, de forma substancial (Registe-se que, por iniciativa do, aqui, relator, se encontra junta (pág. 462 segs./SITAF) cópia da escritura pública de partilha, mencionada no ponto 4 dos factos provados, do acórdão fundamento, da qual, entre o mais, resulta inequívoco que houve lugar ao pagamento de tornas (ao cônjuge sobrevivo), por parte dos impugnantes, nesse processo.).

Outrossim, também, se pode constatar e afirmar que, entre as datas da prolação dos dois acórdãos apontados em oposição, não ocorreu alteração (muito menos, substancial) na regulamentação jurídica utilizada, porquanto, a redação do identificado normativo (além de outros utilizáveis) não sofreu (Inclusivamente, desde a versão inicial.) qualquer mudança de conteúdo, no correspondente texto legislativo. Por outro lado, é seguro que a solução preconizada e traduzida na assunção de decisões expressas, explícitas, nos arestos em confronto, quanto à questão fundamental a solucionar, foi em sentidos opostos, contrários; no recorrido, em dessintonia com o, já, em definitivo, com trânsito em julgado, decidido no acórdão fundamento, entendeu-se que “a parte do imóvel (correspondente a 3/10), adjudicado à Recorrida em excesso do seu quinhão hereditário, dev(e) considerar-se objecto de aquisição a título oneroso no momento da celebração da partilha. O que significa que para efeitos do regime transitório do art.º 5.º, n.º 1 do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, os ganhos obtidos com a alienação do bem, na proporção do excesso recebido na partilha, estão sujeitos tributação em IRS, nos termos previstos no n.º 1 alínea a) do art.º 10.º, do CIRS. (Ao nível da fundamentação, complementar e correspondentemente, descortina-se o entendimento de que, não obstante o caráter declarativo da partilha, “para efeitos tributários, ela assume-se como facto constitutivo na parte em que as adjudicações excedam o valor do quinhão hereditário, ou seja, no referente a bens e direitos que passem para a titularidade dos herdeiros além dos necessários ao preenchimento dos respectivos quinhões.”.).

Por fim, sendo certo que a decisão, neste sentido, não está em conformidade com a jurisprudência, mais recente, consolidada por parte do STA, destacadamente, face à ausência de qualquer pronúncia do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, vista, ainda, a tempestividade do apelo (Pelo cumprimento do prazo, de 10 dias, contado da notificação do acórdão recorrido - arts. 280 n.º 1 e 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT); na redação anterior à, atualmente, em vigor.) e a legitimidade da recorrente (rte) (Enquanto parte, nestes autos.), encontram-se congregados todos os pressupostos legais/jurisprudenciais, para julgarmos haver oposição entre os dois acórdãos versados, pelo que, se impõe transitar para o conhecimento do mérito do presente recurso.

mérito do recurso, por oposição de acórdãos;

A sucessão (mortis causa) corresponde ao chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais (excetuadas as que devam extinguir-se por morte do respetivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei) de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam, a qual, por determinação, expressa do art. 2031.º do Código Civil (CC), se abre no momento (dia e hora) da morte do seu autor e no lugar do seu derradeiro domicílio.
A partilha, que qualquer co-herdeiro (ou o cônjuge meeiro) tem o direito de pedir, quando quiser, após a abertura da sucessão respetiva, pode ser concretizada por acordo de todos os interessados, nas conservatórias ou por via notarial, e/ou, por meio de inventário, nos casos de desacordo, ausência ou incapacidade de facto permanente de algum dos herdeiros e de aceitação beneficiária, é o ato destinado a pôr termo, fazer cessar a indivisão de um património, em resultado da qual, dos seus diversos momentos, diligências, operações, cada interessado vem a ser encabeçado na titularidade dos bens e/ou direitos (e, sendo caso, nas dívidas) a que tem direito (ou de que é responsável), como resultado do funcionamento, aplicação, das diversas e pertinentes regras de direito das sucessões/sucessório. Entre estas, para os termos deste recurso, cumpre destacar a que se mostra inscrita no art. 2119.º do CC, sob as epígrafes, geral, dos efeitos da partilha e específica, da sua retroatividade: “Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos (Não se olvide, igualmente, que os efeitos da aceitação (da herança) se retrotraem ao momento da abertura da sucessão - art. 2050.º n.º 2 do CC.).

Com apoio nesta imposição, legislativa, do efeito retroativo da partilha, a doutrina dominante, bem como, a jurisprudência maioritária, tem afirmado, há longo tempo, a natureza, preponderantemente, declarativa (e não constitutiva ou translativa) da partilha de bens, no sentido de que “se limita a determinar ou materializar os bens que compõem o quinhão hereditário de cada herdeiro na herança até então indivisa, quinhão esse adquirido com a aceitação, cujos efeitos retroagem ao momento da abertura da sucessão”. Por outras palavras, não existindo reservas em afirmar que, enquanto uma herança permanecer indivisa (não for objeto de liquidação e partilha) (Por força do art. 2101.º n.º 2 do CC, “Não pode renunciar-se ao direito de partilhar, mas pode convencionar-se que o património se conserve indiviso por certo prazo, que não exceda cinco anos; é lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção”. Ver, ainda, art. 2074.º do mesmo compêndio legal.), cada um dos herdeiros, somente, é titular de um direito a uma quota-parte (ideal) de uma massa de bens, constituindo um património autónomo, e não de um direito, subjetivo, sobre cada um dos bens integrantes da mesma, já, por efeito da partilha, o herdeiro torna-se titular, em pleno, dos direitos que lhe couberem, sendo, se a herança integrar a propriedade de bens imóveis, a partir de então, que, conforme (na proporção) lhe forem atribuídos, passa a ser proprietário de cada um deles e, nessa qualidade, pode exercer os direitos correspondentes. Relativamente à aquisição do direito de propriedade (de coisas corpóreas), é preciso ter, sempre, presente, ainda, o princípio de que o mesmo se adquire, entre outros modos, por sucessão mortis causa, no momento da sua abertura (Artigos 1316.º e 1317.º alínea b) do Código Civil (CC).); e não pelo modo de partilha.

Não se nos colocando nenhuma entropia em, deste modo, entender, quando se trata do preenchimento certo (rigorosa e aritmeticamente, correspondente à quota-parte de cada interessado) dos quinhões hereditários, também, no âmbito tributário, em cédula de IRS (mais-valias/regime transitório), julgamos ser de adoptar e retirar consequências (especificamente, sobre o momento da aquisição), da mera natureza declarativa da partilha, nas situações, como a presente, em que um herdeiro preenche o seu quinhão em medida excedente, com concreta expressão monetária, do que, no confronto com os direitos dos demais, lhe era devido, por lei.

Obviamente, é verdade que o excesso de quinhão hereditário, para efeitos tributários, como, paradigmaticamente, sucede, na atualidade, com o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), consubstancia uma realidade equiparada às transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis, pelo que, está sujeito a tal tributo, “O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário; (Cf. art. 2.º n.º 5 alínea c) do CIMT.). Contudo, desta norma de incidência, não podemos, como no acórdão recorrido, retirar suporte para afirmar e concluir « … que, não obstante o carácter declarativo da partilha, para efeitos tributários, ela assume-se como facto constitutivo na parte em que as adjudicações excedam o valor do quinhão hereditário, ou seja, no referente a bens e direitos que passem para a titularidade dos herdeiros além dos necessários ao preenchimento dos respectivos quinhões. …, “na parte que excede a quota hereditária, o herdeiro não adquire por efeito da sucessão, antes realiza uma aquisição a título oneroso. «Esta diferença, sujeita a tornas, é suficiente para concretizar a onerosidade da transmissão nesta parte, a qual reveste a natureza de uma verdadeira compra e venda, assim não reportando os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão e antes se devendo ter por concretizada a aquisição da respectiva propriedade no momento da celebração do contrato, no caso concreto a escritura de partilha lavrada em … (cfr. artigos 408 e 1317, alínea a), do C.Civil)». ».

Como o acima exposto deixa antever, a partilha, na nossa perspetiva, tem, sempre e univocamente, natureza declarativa e não, destacadamente, translativa, em particular, do direito de propriedade sobre imóveis, pelo que, em conformidade, qualquer aquisição, que por ela se materialize, tem de, independentemente da data da concretização/formalização do negócio jurídico (de partilha), retroagir ao dia e hora da abertura da correspondente sucessão por morte. Ademais, muito menos acolhemos o entendimento de que a partilha possa ter uma natureza, digamos, mista, bígama, nas situações, como a que nos ocupa, em que um herdeiro adquire (é encabeçado) em bens cujo valor, com tradução monetária, excede o do seu quinhão hereditário, isto é, declarativa e com a aquisição a ser reportada ao momento da morte do de cuius, quanto ao preenchimento certo da sua quota-parte na massa de bens a partilha e translativa (compra e venda), em relação à aquisição excedentária (da sua quota-parte), considerando-se esta efetivada na data da partilha (Nas palavras, pertinentes, do acórdão fundamento: “(…) A impugnante adquiriu o bem que vendeu no momento em que ocorreu o decesso da pessoa de quem o herdou, sem que tal sofra qualquer alteração por a partilha da herança ter decorrido em momento posterior, ou pela circunstância de nessa partilha lhe ter cabido o bem cujo valor excedia a sua quota hereditária. (…) O momento de aquisição do imóvel é um e um único, o momento da morte do autor da sucessão, sendo a partilha apenas uma forma de distribuir os bens pelos herdeiros em conformidade com a lei, a vontade do de cujus e os interesses dos herdeiros, em preenchimento dos respectivos quinhões hereditários, sempre, em todas as situações, com efeitos retroagidos àquele momento inicial da sucessão hereditária.”.)).
Efetivamente, por um lado, o art. 2119.º do CC, estatui que feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem qualquer destrinça dos que preenchem ou excedem o respetivo quinhão (quota-parte da universalidade de bens e direitos constitutivos da herança) (Com esta disposição legal visou o legislador “evitar hiatos na titularidade das relações jurídicas que são objeto da sucessão. De modo que há uma única transmissão, a sucessória, e não transmissões entre co-herdeiros”. Nas palavras do acórdão fundamento: ). Outrossim, um negócio jurídico de partilha de bens não é confundível com o contrato (nominado) de compra e venda, pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (Artigo 874.º segs. do CC.), porquanto, desde logo, quanto a este último, o pagamento de tornas (forma privativa e específica de, numa partilha, o herdeiro que recebe bens/direitos em excesso cobrir a diferença - de valor monetário - aos demais) não tem a natureza de preço (correspondente à parte excedente, por exemplo, de uma parcela de um imóvel), mas sim, consubstancia uma forma de compensação, aos outros herdeiros/interessados, pelo excesso de quota-parte.

Neste ponto, cumpre questionar se razões como a afirmativa de que o “objecto de tributação é eminentemente económico e não jurídico”, podem levar-nos a infletir, no sentido do precedente pronunciamento.
Hodiernamente, a tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, bem como, a promoção da(s) justiça social, igualdade de oportunidades e necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, impondo-se-lhe que respeite os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material. Por outro lado, não é questionável que, nas situações de dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, se deve atender à substância económica dos factos tributários (Cf., arts. 5.º e 11.º n.º 3 da Lei Geral Tributária (LGT).). Porém, não obstante a sinalização e recurso, pelo legislador, a conceitos que projetam uma matriz com particular atenção e valoração de aspetos respeitantes à vertente económica das realidades sujeitas a tributação (relações jurídico-tributárias), temos de pensar e operar o direito tributário numa ordem jurídica global, integrada, estabelecendo as pontes necessárias e adequadas, com os demais ramos do direito, para ser alcançado um resultado equilibrado, no sentido de capaz de satisfazer os fins, gerais e abstratos, da tributação, sem criar discriminações de cariz circunstancial, dirigido a certos e determinados movimentos com repercussões económico-financeiras, a coberto de uma pretensa legitimação derivada da maior coleta de impostos. Em suma, a tributação (e, em especial, o respetivo controle judicial), sem prejuízo da atenção que tem de devotar aos aspetos económicos das realidades sobre que pretende incidir, não pode, em casos contados, assumir uma atitude autista e obnubilar os contributos doutrinários, consensuais para a esmagadora maioria, conformadores e explicativos de institutos jurídicos, conceitos, características privativas, de outros complexos normativos, do nosso ordenamento jurídico, com ligações ao direito tributário.

Só resta, como é imperioso, concluir pela verificação de erro, do julgamento concretizado pelo aresto sob crítica, no que concerne ao entendido, especificamente, nestes termos: «
(…).
Descendo aos autos, que se constata é que o quinhão hereditário da Recorrida (aí incluído o imóvel alienado, conforme pontos O), H) e J) da matéria assente), era correspondente a 2/10 do valor dos bens deixados em herança por óbito de seus pais, ocorridos em 07/11/1971 e 22/09/1987, em ambos os casos, antes da entrada em vigor do CIRS (01/01/1989); e que na escritura de partilha de 29/05/1995, foi adjudicado à Recorrida metade do imóvel cuja alienação gerou o ganho que a AT pretende tributar, levando em excesso 3/10, de que deu tornas a outros herdeiros (cf. ponto G) da matéria assente).
Do acima exposto, decorre que a parte do imóvel (correspondente a 3/10), adjudicado à Recorrida em excesso do seu quinhão hereditário, deva considerar-se objecto de aquisição a título oneroso no momento da celebração da partilha.
O que significa que para efeitos do regime transitório do art.º 5.º, n.º 1 do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, os ganhos obtidos com a alienação do bem, na proporção do excesso recebido na partilha, estão sujeitos tributação em IRS, nos termos previstos no n.º 1 alínea a) do art.º 10.º, do CIRS.
A sentença recorrida que diferentemente o entendeu, enferma do apontado erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica quanto ao decidido nessa parte ( (Revogou-a “na parte em que anulou a liquidação impugnada assente na tributação dos ganhos obtidos com a venda do imóvel na proporção de 3/10, julgando a impugnação improcedente nessa parte”.).
(…). »

*******

# III.


Pelo exposto, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- admitir e conceder provimento a este recurso (por oposição de acórdãos), revogando, ainda, o aresto recorrido;

- negar provimento ao recurso interposto, pela Fazenda Pública, da sentença, proferida pelo TAF de Sintra, que, portanto, se mantém, integralmente, na ordem jurídica;

- entender, para futuro, que, na aplicação do regime transitório, da categoria G, do IRS, previsto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro, nos casos de ganhos (mais-valias) decorrentes da alienação, a título oneroso, de prédios urbanos, rústicos e/ou mistos, o momento que releva, como o da aquisição dos bens ou direitos envolvidos, incluindo na parte em que, eventualmente, exceda o(s) quinhão(ões) hereditário(s), é o dia e hora da morte do(s) de cuius.


*

Custas a cargo da recorrida, sem taxa de justiça, por não ter contra-alegado.

*****
[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 24 de fevereiro de 2021. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso (Revendo posição, quanto à natureza meramente declarativa da partilha em situação de excesso de quinhão hereditário constituído por imóveis e em sede de I.R.S., face a acórdão do T.C.A. Sul de que fui relator.) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Paulo José Rodrigues Antunes Gustavo André Simões Lopes Courinha (vencido conforme declaração de voto que junta) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro (Revendo posição).

Processo n.º 5/09.6BESNT

Declaração de Voto


Votei vencido o presente acórdão, por entender que a posição que ora logra vencimento e que se estriba no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que serve de fundamento ao presente recurso – proferido no Processo n.º 0917/17, de 7 de Março de 2018 – diz mais do que devia, ao desconsiderar os casos em que, na Partilha, a parte respeitante ao imóvel que é atribuída em concreto ao contribuinte ultrapassa a quota ideal, por meio do pagamento de tornas.

Em tais circunstâncias, não vemos como possa ser defensável a leitura de que a Partilha possui uma natureza meramente declarativa, e não já constitutiva, porquanto se verifica efectivamente uma transacção que excede as quota-partes ideais atribuídas aos herdeiros: nestes casos, entendemos que a partilha não se limita a fazer cessar o estado de indivisão hereditária, pressuposto que fundamenta aquela natureza declarativa.

Quando um herdeiro tem de pagar tornas pelo facto de receber mais do que aquilo que lhe cabia no seu quinhão, parece-nos que é de considerar que é aqui que surge (quanto a esse excesso, naturalmente) o facto tributário. Foi essa a posição sufragada pelo acórdão recorrido e já antes sufragada por aquele mesmo Tribunal no Acórdão proferido no Processo n.º 07881/14, de 24 de Setembro de 2015 e com a qual nos identificamos: “Tendo em vista a aplicação da norma de direito transitório material do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprova o CIRS, (“Regime transitório da categoria G”), o momento relevante a ter conta, no que respeita ao excesso do quinhão hereditário, atribuído ao contribuinte, a título de tornas, mediante a outorga de partilha, é o da celebração desta última”.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2021.

(Gustavo Lopes Courinha)