Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:034/23.7BALSB
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:PEDRO MACHETE
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
SUSPENSÃO PREVENTIVA
EXERCÍCIO DE FUNÇÕES
Sumário:I - A suspensão preventiva do exercício de funções no âmbito de procedimentos disciplinares é uma medida provisória em razão da sua natureza cautelar (não sancionatória): é uma decisão urgente adotada num procedimento conexo, mas autónomo relativamente ao procedimento disciplinar, com fundamento no justo receio de se produzirem situações de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação para os interesses em presença e que define durante o tempo da respetiva duração a situação jurídica do arguido.
II - Assim, por identidade de razão ao previsto em geral para as medidas provisórias no CPA, a urgência daquela medida justifica, no respeitante à audiência prévia, a aplicação da lógica subjacente à dispensa ope legis da audiência dos interessados consagrada no artigo 89.º, n.º 2, daquele Código.
III - A garantia de defesa do arguido suspenso preventivamente é assegurada pelo dever de fundamentação do receio da produção de danos irreparáveis ou de difícil reparação, em caso de não suspensão imediata, e da proporcionalidade da suspensão e, bem assim, da possibilidade de impugnação contenciosa do ato administrativo que a determina (cfr. o artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, do CPA).
Nº Convencional:JSTA000P32040
Nº do Documento:SAP20240321034/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.ª espécie (Recursos jurisdicionais)
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. Relatório

1. AA, com os sinais dos autos, notificada do acórdão, de 6.07.2023, proferido em conferência por esta Secção, que julgou improcedente a ação administrativa de impugnação da deliberação do Plenário do CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO ("CSMP") de indeferir a reclamação deduzida contra a deliberação da Secção Disciplinar do mesmo órgão que aplicara à autora a medida cautelar de suspensão preventiva do exercício de funções por 180 dias e que, em consequência, absolveu a entidade demandada do pedido, vem dele recorrer jurisdicionalmente, tendo no final das suas alegações formulado as seguintes conclusões:
«[…]
VII. [O acórdão recorrido], omitindo a pronúncia devida relativamente a parte das causas de pedir suscitadas pela Recorrente na sua petição inicial – não apreciando as mesmas – erra no julgamento que faz ao considerar verificada a proporcionalidade da medida cautelar.
VIII. Pois que, se lograsse analisar a (i)legalidade da medida cautelar, face à não verificação dos pressupostos para a sua aplicação e, bem assim, toda a factualidade inerente à aplicação daquela, certamente que teria decidido noutro sentido que não o do indeferimento da pretensão da Recorrente.
IX. A Recorrente arguiu uma nulidade insuprível, relativamente à falta de audiência prévia antes da aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções.
X. Contudo, o Acórdão sub judice considera que a mesma não se verifica, alegando que se trata de uma medida cautelar e não sancionatória, pelo que não teria de ser ouvida previamente.
XI. Além do mais, o douto Acórdão considera que a Deliberação do CSMP não padece de invalidade por falta dos pressupostos legais para aplicação da medida de suspensão preventiva.
XII. Pelo que o Acórdão ora recorrido incorre em omissão de pronúncia e erro de julgamento, concretamente, em resultado de uma distorção da realidade factual (error facti) e uma errada aplicação do direito (error juris).
XIII. A Recorrente alegou, na sua petição inicial, outras causas de pedir, além da proporcionalidade da medida, cujo conhecimento por este Colendo Tribunal, no seu humilde entender, não deveria ter sido evitado.
XIV. Tal como alegado em sede de petição inicial, impõe-se a apreciação da (i)legalidade da medida, mormente na vertente da subordinação da Administração a normas e princípios, mas também, desde logo, do manifesto erro grosseiro em que a entidade demandada incorre, da patente falta de pressupostos para aplicação da medida cautelar e manifesto erro nos pressupostos de facto em que assentou o ato impugnado, tendo a Recorrente questionado especificadamente a matéria de facto no qual o mesmo assenta.
XV. Bem assim, a Recorrente suscitou ainda a manifesta caducidade do procedimento disciplinar – causa de pedir esta cuja apreciação, à semelhança das acima elencadas, foi postergada no Acórdão recorrido.
[…]
XVII. As causas de pedir a que acima se aludiu foram expressamente alegadas pela Recorrente na sua petição inicial, conforme resulta, entre outros, dos artigos 12.°, 27.°, 62.°, 111.°, 175.°, 231.°, 232.°, 234.°, 268.° 269.°, 298.°, 302.°, 313.°, 316.° e 322.° de tal articulado.
XVIII. A sua apreciação impõe-se não só por força do predito princípio do dispositivo mas também, prima facie, por força do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, direito fundamental aplicável transversalmente ao ordenamento jurídico.
XIX. Tal princípio obtém assento, em termos gerais, no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa (CRP), sendo concretizado, ao nível da atividade administrativa, nos n.°s 4 e 5 do artigo 268.° da CRP.
[…]
XXIII. Tendo a factualidade invocada sido concretamente impugnada/questionada pela Recorrente quanto aos factos que a integram, devia a mesma ter sido judicialmente conhecida no Acórdão recorrido.
XXIV. Isto, por força dos princípios acima referidos e, bem assim, quanto ao caso concreto, do disposto no artigo 251.° do EMP, que preceitua pressupostos necessários e cumulativos, da aplicação da medida cautelar objeto do ato impugnado.
XXV. O que o Acórdão recorrido não logrou fazer.
XXVI. A tal não obsta a circunstância da referida ação correr termos perante este Colendo Supremo Tribunal.
XXVII. Pois, correndo os presentes autos em 1.ª instância junto do STA, este detém jurisdição plena, ao abrigo do artigo 3.° do CPTA.
[…]
XXX. O Acórdão recorrido incorre, assim, em vício de omissão de pronúncia, violando ainda os princípios do dispositivo, da tutela jurisdicional efetiva e da jurisdição plena acima mencionados, uma vez que não analisou as pretensões deduzidas pela Recorrente na petição inicial, as quais constituem as respetivas causas de pedir da ação administrativa sub judice.
XXXI. Devendo o mesmo, em consequência, ser anulado e devolvidos os autos à Secção de Contencioso Administrativo para conhecimento dos pedidos e causas de pedir cuja apreciação foi omitida.
XXXII. O Acórdão ora recorrido procede ainda [a] um juízo de proporcionalidade, visando apreciar a adequação, necessidade e ponderação no caso concreto da medida cautelar de suspensão preventiva de funções aplicada à Recorrente.
XXXIII. Sucede que, com a devida vénia, o Acórdão recorrido olvidou-se do primeiro pressuposto para a aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva do exercício de funções.
XXXIV. Ora, é por demais evidente, que o principal requisito/pressuposto para a aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva é a instauração de procedimento disciplinar contra o visado de tal medida.
XXXV. O que no caso dos presentes autos não se mostra verificado.
[…]
XLI. [O] artigo 251.° do EMP impõe que a medida cautelar seja aplicada a Magistrado contra quem corra um procedimento disciplinar.
XLII. Sucede que, tal requisito não se encontrava preenchido à data da sua aplicação, porquanto contra a Recorrente corria, somente, um procedimento de inquérito.
XLIII. Com efeito, o procedimento de inquérito, enquanto procedimento disciplinar especial, visa identificar, na realidade funcional, a prática de eventuais faltas ou irregularidades suscetíveis de integrarem infrações disciplinares.
XLIV. Apesar da sua vertente inspetiva, aqueles visam apurar factos que podem consubstanciar matéria disciplinar.
XLV. São procedimentos urgentes e céleres, sendo que, não obstante a sua natureza, impõe-se o respeito e garantia dos direitos de audição e defesa do visado.
XLVI. E, acima de tudo, impõe-se que sejam procedimentos justos, céleres e que causem o menor prejuízo possível ao visado.
XLVII. O que não pode suceder é confundir-se a fase de instrução de um procedimento disciplinar comum - na qual se pode aplicar a medida cautelar de suspensão preventiva - com o procedimento de inquérito disciplinar.
XLVIII. São dois procedimentos distintos.
XLIX. E nem se diga que ao aplicar-se subsidiariamente as normas do procedimento disciplinar comum ao procedimento de inquérito, tal implica a aplicação das disposições referentes à medida cautelar de suspensão,
L. Porquanto, tal aplicação subsidiária faz-se com base numa interpretação hermenêutica.
LI. Como tal, não nos parece que seja possível aplicar subsidiariamente, em sede de procedimento de inquérito, medidas cautelares que visam o afastamento do serviço, por motivos de interesse público, quando estão a ser apurados factos - sem que exista uma certeza ou fundado receio sobre os mesmos.
[…]
LVI. [O] douto Acórdão erra no julgamento que faz, porque omite a apreciação da legalidade da medida cautelar, bastando-se com a análise da sua proporcionalidade.
LVII. Ora, para conseguir analisar o menos, necessita de analisar primeiro o mais.
LVIII. Com efeito, o douto Acórdão sustenta que a medida cautelar é proporcional, porquanto existem fortes indícios de uma conduta sancionável e que afeta o prestígio exigível ao Magistrado e que coloca em causa a sua manutenção no exercício de funções.
LIX. A aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções está fundamentada em alegados factos que não possuem a relevância disciplinar que o Recorrido lhes pretende aplicar.
LX. Pelo que, consequentemente, não se podem verificar os fundados receios de alegados prejuízos para o interesse público e para o prestígio do Ministério Público.
LXI. E o Recorrido tinha disso conhecimento quando aplicou a medida cautelar.
LXII. Ora, se já tinha apurado tais factos e se encontrava em plenas capacidades para aplicar uma medida cautelar (fundada em alegados receios), então deveria ter instaurado um procedimento disciplinar e não um procedimento de inquérito.
LXIII. Mas não o logrou fazer.
LXIV. O Recorrido socorreu-se de um mecanismo de investigação preliminar de condutas, que visa apurar factos determinados e a sua suscetibilidade de integrarem infrações disciplinares, para suspender preventivamente a Recorrente.
LXV. Utilizando indevidamente procedimentos, com vista a protelar uma situação prejudicial para a Recorrente, sem que para tal existisse necessidade.
LXVI. Se existiam certezas suficientes para aplicar a medida cautelar, então, por maioria de razão, existiriam certezas para instaurar um procedimento disciplinar.
LXVII. Como tal, não podemos concordar com o Acórdão recorrido quando refere que se mostra verificado o requisito da proporcionalidade.
LXVIII. Face ao supra exposto, não pode a Recorrente concordar com o juízo exercido pelo douto Acórdão recorrido, na medida em que, contrariamente ao referido por aquele, a aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções à Recorrente viola o princípio da proporcionalidade nas suas vertentes da necessidade e a da adequação e, bem assim, os artigos 18.° e 266.°, n.° 2 da CRP e 7.° do CPA.
LXIX. Pelo que, com a devida vénia, a Recorrente considera que o douto Acórdão recorrido padece de erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação da factualidade em apreço e, consequentemente, na errada aplicação do direito, o que se invoca com as devidas e legais consequências.
LXX. Em sede de petição inicial, a Recorrente invoca a nulidade insuprível por falta de audiência prévia antes da aplicação da medida cautelar.
LXXI. O douto Acórdão refere a este propósito que “A suspensão preventiva de funções que lhe foi aplicada, prevista no artigo 251.° do EMP, consubstancia uma medida cautelar e não uma medida sancionatória. Quer isto dizer que o objeto e o objetivo desta medida consistem em: i) acautelar as finalidades do procedimento de inquérito disciplinar (poder reunir informação sobre a existência ou não de ilícito disciplinar que sustente a abertura de procedimento disciplinar, incluindo, se verificados os requisitos, por via da conversão do procedimento de inquérito (...) e ii) acautelar bens ou valores jurídicos que a continuação da alegada conduta ilícita do investigado pode afectar (...)”.
LXXII. Ora, desde logo, a circunstância de ser uma medida cautelar aplicável em sede de procedimento disciplinar, não exclui a exigência de audição prévia do visado.
[…]
LXXV. Porquanto, ainda que se trate de uma medida cautelar, a mesma é bastante lesiva dos direitos e interesses da Recorrente – tanto assim é que não voltou a exercer funções, devido ao limite de idade.
LXXVI. Além de que, a suspensão, ainda que cautelar, é uma medida muito gravosa para a honra profissional do visado.
LXXVII. O qual, se vê impossibilitado de exercer as suas funções.
LXXVIII. Como tal, perante todo este quadro de lesividade e, bem assim, perante a circunstância de estarmos em processos sancionatórios, cabia ao Recorrido ter ouvido previamente a Recorrente.
LXXIX. Pelo que, com a devida vénia, a Recorrente considera que o douto Acórdão recorrido padece de erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação da factualidade em apreço e, consequentemente, na errada aplicação do direito, o que se invoca com as devidas e legais consequências.
LXXX. Não obstante a flagrante violação do direito de audiência prévia da Recorrente, verifica-se ainda que não se encontram preenchidos os pressupostos para a aplicação da aludida medida cautelar de suspensão preventiva do exercício de funções.
LXXXI. Contrariamente ao referido pelo Douto Tribunal.
LXXXII. Desde já cabe referir que, contrariamente ao alegado na Deliberação impugnada, não se mostram verificados todos os pressupostos cumulativos para aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva do exercício de funções.
LXXXIII. Neste sentido, pela interpretação da referida norma podemos retirar a conclusão de que são estabelecidos um conjunto de pressupostos, os quais são cumulativos, para que, após instauração de procedimento disciplinar, um magistrado possa ser sujeito a medida cautelar de suspensão preventiva de funções.
LXXXIV. Ora, no caso em apreço, estávamos ainda numa fase de inquérito, a qual compreende um conjunto de diligências que visam a investigação de eventual existência de facto ilícito, disciplinarmente relevante, bem como a obtenção/recolha de provas, em ordem à decisão sobre a conversão ou não em processo disciplinar.
LXXXV. Não só não recaía sobre a Recorrente nenhum processo disciplinar, como a mesma ainda não fora ouvida sobre os factos que lhe são imputados na Deliberação ora impugnada.
LXXXVI. Razão pela qual, não se pode conformar com a aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva do exercício de funções.
LXXXVII. A qual, com a devida vénia, foi aplicada à Recorrente sem qualquer fundamento jurídico-legal, parecendo tão somente um mecanismo do CSMP garantir que aquela não exerce mais as suas funções até à sua jubilação.
LXXXVIII. Ademais, existe ainda o requisito de que à infração imputada caiba, pelo menos, a sanção de transferência.
LXXXIX. Ora, para que se possa saber qual a sanção que cabe a uma infração é necessário que essa infração já esteja determinada e provada.
XC. O que, com a devida vénia, não sucede no presente caso.
XCI. Tanto assim é que o CSMP imputou infrações cujo direito de instaurar procedimento disciplinar já havia caducado.
XCII. Pelo que, não pode a Recorrente aceitar e conformar-se com o entendimento do douto Acórdão ora reclamado, sobre a medida cautelar, a qual, com a devida vénia, foi determinada sem qualquer critério e mostrando-se totalmente ilegal e injusta.
XCIII. Tal sanção é aplicável a infrações graves ou muito graves que afetem o prestígio exigível ao Magistrado do Ministério Público e coloquem em causa a sua manutenção no meio social em que desempenha o cargo ou no tribunal, juízo ou departamento onde exerce funções.
XCIV. Ora, no caso em apreço, a graduação da culpa e, consequentemente, a dosimetria da sanção, nos termos dos artigos 218.° e 219.° do EMP, só serão possíveis de analisar quando existir uma acusação que impute concretamente infrações à Recorrente.
XCV. Ora, no caso em apreço, tal como amplamente demonstrado, não só a Recorrente foi indevidamente constituída arguida em sede de processo de inquérito pela Senhora Instrutora, como viu ser-lhe aplicada pela Secção Disciplinar do CSMP, mediante Deliberação, a qual foi confirmada pelo Plenário do CSMP (ato impugnado), medida cautelar de suspensão preventiva de funções pelo período de 180 dias.
XCVI. Ao aplicar a medida cautelar de suspensão preventiva do exercício de funções sem estarem reunidos os pressupostos legais previstos no artigo 251.°, n.° 1 do EMP, a Deliberação do Plenário do CSMP, ao confirmar a Deliberação da Secção Disciplinar do CSMP, padece de erro grosseiro, uma vez que violou o princípio da legalidade, previsto nos artigos 266.°, n.° 2 e 3.°, n.° 1 do CPA, devendo o respetivo ato ser anulado, nos termos do artigo 163.° n.° 1 do CPA.
XCVII. O douto Acórdão recorrido, ao não ter decidido neste sentido, padece de erro de julgamento, devendo ser revogado e substituído por outro que julgue procedente a ação administrativa e, em consequência, declare nula ou anulada a Deliberação impugnada.»

2. A entidade demandada, aqui recorrida, veio a fls. 338-341 requerer, sem prescindir da oportuna apresentação das contra-alegações de recurso, a aplicação à recorrente da amnistia decretada pela Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, e a consequente extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. A recorrente não se opôs ao requerido (fls. 398-399).
Todavia, já depois de decorrido o prazo para contra-alegar, veio a mesma entidade informar o Tribunal de que no seu requerimento anterior não tinha considerado que a ora recorrente havia sido sancionada no âmbito do processo disciplinar aqui em causa, por deliberação da Secção Disciplinar do CSMP de 12.7.2023, em concurso e como reincidente, na sanção única de 220 dias de suspensão de exercício de funções, circunstância determinante da inoperância daquela amnistia relativamente às infrações disciplinares imputadas à recorrente (cfr. o artigo 7.º, n.º 1, alínea j), da mencionada lei; v. fls. 404-406). Deste modo, não se encontrando preenchidos os pressupostos para a aplicação da amnistia nem para a extinção da instância, deveria o presente processo seguir a sua tramitação normal (ibidem).

3. O recurso foi admitido por despacho de 24.11.2023 (fls. 421).

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. Fundamentação

A) De facto
4. O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos::
«1. A Requerente [– ora recorrente –] é Magistrada do Ministério Público, desde ..., atualmente com a categoria de Procuradora da República a exercer funções no TAC ... e encontra-se na Jurisdição Administrativa desde ... (aceite por não contestado).
2. A Autora tem mais de 69 anos de idade (aceite por não contestado).
3. A Autora exerceu funções de coordenação no Tribunal Administrativo ... em ... e no Tribunal Administrativo ... em ... (aceite por não contestado).
4. Por despacho do Vice-Procurador-Geral da República de 17.06.2022, foi mandado instaurar processo de inquérito disciplinar contra a Requerente, ao qual foi atribuído o n.° ... (aceite por não contestado).
5. No âmbito do processo de inquérito n.º ... foi produzido um Relatório Intercalar, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, no qual a Senhora Inspectora Instrutora recomendava a aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva do exercício de funções (documento junto com o p.a.).
6. Por acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 04.10.2022, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, foi determinada a suspensão preventiva da Autora pelo período de 180 dias - Doc. 1 junto com a p.i..
7. A Autora reclamou daquela decisão para o Plenário do CSMP, nos termos cujo pedido aqui se dá por integralmente reproduzido - Doc. 2 junto com a p.i..
8. O acórdão do Plenário do CSMP, de 16.11.2022, com o teor que aqui se dá integralmente por reproduzido, desatendeu a reclamação apresentada pela aqui Autora - Doc. 2 junto com a contestação.
9. Por acórdão da Secção Disciplinar do CSMP de 03.04.2023, foi determinada a prorrogação por 30 dias da suspensão preventiva da aqui Autora, nos termos que aqui se são integralmente por reproduzidos - Doc. 3 junto com a contestação.
10. No dia 22 de Março de 2022, a Autora foi assistida na consulta de ortopedia do Hospital ... - Doc 3 junto com a p.i.
11. A A, juntou aos autos declaração médica com a seguinte informação: "(...) tem cirurgia agendada para o dia 22/04/2022 no Hospital ..." - Doc. 3 junto aos autos.»

B) De direito
5. O presente recurso retoma, no essencial, a argumentação desenvolvida na petição inicial e a que o acórdão recorrido já deu resposta. Isso mesmo resulta claro do teor das conclusões VII e VIII das alegações de recurso. Em particular, a recorrente assume equivocadamente que o acórdão recorrido se limitou a apreciar a proporcionalidade da medida de suspensão preventiva que lhe foi aplicada, omitindo pronunciar-se sobre outros aspetos relativos à sua legalidade, mormente os pressupostos da respetiva aplicação correspondentes a outras causas de pedir invocadas na petição inicial.
Assim, e tendo em conta que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da respetiva alegação (artigos 144º, nº 2, do CPTA e 608º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º, n.º 3, do CPTA), importará analisar os vícios imputados ao acórdão recorrido, com respeito pelos limites dos poderes de cognição deste Tribunal no que à matéria de facto diz respeito (cfr. o artigo 12.º, n.º 3, do ETAF):
– Omissão de pronúncia sobre a falta de pressupostos para aplicação da medida (conclusões VII-VIII, XI-XIV, XVII-XVIII, XXIII-XXV, XXX-XXXI e LVI), incluindo a caducidade do procedimento disciplinar (conclusões XV, XVII e XCI);
– Erro de julgamento quanto à falta de audiência prévia (conclusões IX-X e LXX a LXXIX);
– Erro de julgamento quanto à legitimidade de adotar a suspensão preventiva do arguido na pendência do inquérito (conclusões XXXIV-XXXV, XLI-LI, LXXXIV-LXXXVII e XCIV-XCV);
– Erro de julgamento quanto à verificação de fortes indícios de uma infração à qual caiba a sanção de transferência (conclusões LXXXVIII-XC e XCII-XCIV);
– Erro de julgamento quanto à proporcionalidade da medida impugnada (conclusões VII-VIII e LVIII-LXIX).

§ 1.º – Sobre a omissão de pronúncia relativamente às causas de pedir invocadas na petição inicial, incluindo a caducidade do procedimento disciplinar

6. Na conclusão XVII das suas alegações (com correspondência no n.º 29 destas últimas), a recorrente refere uma série de artigos da petição inicial onde, segundo alega, constam causas de pedir expressamente alegadas e que não foram conhecidas pela decisão recorrida, o que determinaria que esta última incorresse no vício de omissão de pronúncia (cfr. a conclusão XXX, com correspondência no n.º 43 das alegações).
Não é exato.
No ponto 3.4 do acórdão recorrido, a conferência pronunciou-se expressamente sobre tais causas de pedir, salientando a sua irrelevância para a decisão da presente ação:
«A A. alega ainda que a decisão do CSMP que determinou a aplicação da suspensão preventiva, assim como a decisão do Plenário do CSMP que manteve aquela decisão após a reclamação por ela apresentada, revelam erro nos pressupostos de facto e de direito.
Nesta parte, a A. discute a existência de erros na imputação das alegadas faltas injustificadas ao serviço, uma vez que a A. estaria a cumprir uma sanção disciplinar; discute se a ausência de tramitação dos processos lhe poderia ou não ser imputada; discute se omitiu ou não ilegitimamente a obrigação de elaborar contra-alegações recursivas em certos processos, assim como os fundamentos dos alegados atrasos na tramitação dos mesmos. Porém, esse argumentário não tem sentido nesta sede. Trata-se de razões que afastam a existência de responsabilidade disciplinar, e, por isso, apenas podem ser invocadas no âmbito do procedimento disciplinar, se ele vier a ser instaurado com base nestes factos, e no contexto da ponderação dos argumentos de defesa face ao teor de uma nota de culpa.
Nesta sede estão apenas em apreço os requisitos de legalidade da medida cautelar de suspensão preventiva e eles não são avaliados em função da existência ou não das infrações, mas sim em função da imputação ou não ao visado de indícios respeitantes a infrações que se reconduzam ao quadro da previsão normativa das referidas infrações.
Por isso, não pode, nesta sede, antecipar-se a discussão sobre a existência ou não de infrações disciplinares cometidas pela A., desde logo porque essas infrações não foram sequer ainda imputadas à A..».

Para a decisão do presente recurso, importa reter que o tribunal recorrido – rectius: a formação deste Tribunal que prolatou o acórdão recorrido – conheceu e pronunciou-se sobre as alegações da recorrente feitas quanto aos factos referidos na petição inicial, mas não as deu como provadas (cfr. supra o n.º 4). Consequentemente também não pode agora o Pleno desta Secção delas conhecer, atentos os limites dos seus poderes de cognição quanto à matéria de facto.
No tocante à invocada caducidade do procedimento disciplinar – um facto extintivo da responsabilidade disciplinar (cfr. o artigo 208.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público (“EMP”), constante da Lei n.º 68/2019, de 17 de agosto) –, as referências à mesma nas alegações de recurso são demasiado genéricas, não sendo indicadas as datas e os factos determinantes da mesma, o que sempre impossibilitaria um juízo autónomo sobre a alegada omissão de pronúncia. Acresce que estão em causa diversas infrações imputadas, não sendo a caducidade do direito de instaurar procedimento disciplinar em relação a uma delas – nomeadamente a mencionada nos artigos 232. e 234. da petição inicial (cfr. a conclusão XVII) – suscetível de atenuar os fortes indícios relativamente às demais infrações em causa, seja do mesmo tipo, seja de tipo diferente.
Daí justificar-se, in casu, e também em sede de recurso jurisdicional, a orientação seguida no acórdão recorrido, no já mencionado ponto 3.4:
«A única coisa que releva e que o Tribunal pode analisar nesta sede para apurar da legalidade da aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva é a de saber se a Entidade Demandada alega a existência de indícios consentâneos com aquelas infrações (e isso é alegado, pois a A., pelos seus argumentos, mostra até que existiu efetivamente ausência ao trabalho no período indicado, assim como não infirma, por exemplo, que as tarefas que alegadamente não foram realizadas o tenham sido) e se apresenta prova de que essas alegadas infrações estejam sob investigação para apurar se as mesmas devem ou não ser imputadas à pessoa sob investigação (e esse facto também é comprovado pelos documentos que acompanham o processo administrativos, maxime, o relatório da Inspetora, aqui dado como facto assente). E ainda, se aquela Entidade apresenta argumentos que permitam sustentar a tese de que “a continuação na efetividade de serviço seja prejudicial ao prestígio e dignidade da função, ao serviço ou à instrução do procedimento”, o que igualmente se verifica, pois os ilícitos disciplinares sob investigação, designadamente a não apresentação de contestações ou interposição de recurso em ações contra o Estado, são de molde a afetar a credibilidade da Justiça (pilar do Estado de Direito) e o interesse público.»

Improcedem, por isso, e nesta parte, as conclusões das alegações da recorrente.

§ 2.º - Quanto ao erro de julgamento relativo à falta de audiência prévia

7. A recorrente, considerando a lesividade para os seus interesses e para a sua honra profissional, não se conforma com os argumentos avançados no acórdão recorrido para não exigir a realização de audiência prévia à determinação da suspensão do exercício de funções nos termos do artigo 251.º do EMP. Nesse sentido, sumariza a sua posição na conclusão LXXVIII das suas alegações: «perante todo [o] quadro de lesividade e, bem assim, perante a circunstância de estarmos em processos sancionatórios, cabia ao Recorrido ter ouvido previamente a Recorrente.».
O acórdão recorrido, no seu ponto 3.1, começa por afastar o caráter sancionatório da suspensão preventiva do arguido em procedimento disciplinar, que poderia justificar a perspetivação da mesma à luz do disposto nos artigos 32.º, n.º 10, e 269.º, n.º 3, ambos da Constituição, já que, nesse quadro, a audição prévia do arguido corresponderia a uma determinação constitucional:
«A suspensão preventiva de funções que lhe foi aplicada, prevista no artigo 251.° do EMP, consubstancia uma medida cautelar e não uma medida sancionatória. Quer isto dizer que o objeto e o objetivo desta medida consistem em: i) acautelar as finalidades do procedimento de inquérito disciplinar (poder reunir informação sobre a existência ou não de ilícito disciplinar que sustente a abertura de procedimento disciplinar, incluindo, se verificados os requisitos, por via da conversão do procedimento de inquérito em procedimento disciplinar, nos termos do artigo 270.° do EMP); e ii) acautelar bens ou valores jurídicos que a continuação da alegada conduta ilícita do investigado pode afetar enquanto se reúnem os indícios necessários para determinar a existência da dita conduta ilícita.
Ora, como o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de afirmar, a dimensão normativa ínsita na previsão e regulação da aplicação da medida de suspensão preventiva de exercício de funções no âmbito do procedimento disciplinarnão acarreta violação dos direitos de audição e de defesa consagrados (...), nem de quaisquer garantias do processo sancionatório” (v., por todos, acórdão 332/2019 [– n.º 2.3, in fine]). São por isso inaplicáveis neste caso os artigos da CRP invocados pela A. a respeito das garantias de defesa dos arguidos em processos sancionatórios, nem é aqui aplicável o artigo 6.º, n.º 3 da CEDH».

Na verdade, a suspensão preventiva do exercício de funções prevista no artigo 251.º do EMP é aplicável em situações em que a continuação na efetividade de serviço se revela danosa para determinados interesses, como o prestígio e dignidade da função, o próprio serviço ou a instrução do procedimento disciplinar em curso (cfr. o respetivo n.º 1). Daí a sua função cautelar: prevenir a (continuidade da) produção de danos.
Por outro lado, e como a recorrente refere, também não deixa de ser exato que a medida em causa pode ser gravemente lesiva para o seu destinatário, razão por que se discute a pertinência do dever de o ouvir antes de ser adotada, à semelhança do que sucede em relação a outros atos lesivos. Neste caso, os fundamentos jurídicos da audiência prévia residiriam no artigo 267.º, n.º 5, da Constituição e na sua concretização legal constante do artigo 121.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”). Acresce que, prima facie, o caráter cautelar da medida não constituiria um obstáculo ao dever de ouvir a recorrente.
Contudo, o entendimento do acórdão recorrido vai noutro sentido:
«[A] suspensão preventiva, ao configurar-se juridicamente como uma medida cautelar (provisória), também não se pode confundir com um ato administrativo, ou seja, não se consubstancia numa decisão definidora da situação jurídica de quem é visado pela mesma (o carácter provisório infirma necessariamente qualquer natureza definidora de uma situação), pelo que também não valem aqui as regras do CPA invocadas pela A. a propósito da audiência prévia dos administrados.» (cfr. o ponto 3.1).

8. O caráter cautelar da suspensão preventiva justifica a sua provisoriedade em função da prevenção de determinados prejuízos para o interesse público. Por isso, FILIPA URBANO CALVÃO refere que «o exemplo de escola de uma medida provisória é o da suspensão preventiva do funcionário no âmbito de um procedimento disciplinar» (v. Autora cit., Os Actos Precários e os Actos Provisórios no Direito Administrativo, Porto, Universidade Católica Portuguesa, 1998, p. 62, nota 96; no mesmo sentido, e com abundantes referências bibliográficas, ARTUR FLAMÍNIO DA SILVA, “Medidas provisórias e suspensões preventivas no direito disciplinar administrativo” in Julgar online, janeiro de 2019, p. 11). Trata-se de uma medida adotada no âmbito de um procedimento conexo, mas autónomo, relativamente ao procedimento disciplinar e que define provisoriamente – isto é, durante o tempo da respetiva duração – a situação jurídica do arguido.
Com efeito, as medidas provisórias têm um conteúdo decisório próprio, não se confundindo nem com atos preparatórios (em sentido próprio) nem com atos provisórios:
«[A]s medidas provisórias não são atos preparatórios, por lhes faltarem algumas características próprias destes: nem são pressupostos procedimentais ou preparatórios do ato principal do procedimento, nem fazem refletir a totalidade dos seus efeitos, integral e imediatamente, sobre esse ato nem são, por si mesmas, incapazes de provocar lesões de quaisquer interesses dignos de garantia jurídica e jurisdicional autónoma.
De facto, faltam na figura das medidas provisórias (mais corretamente, na decisão que as determina) todas essas dimensões: não funcionam como pressupostos procedimentais do ato principal, que pode ser produzido sem que a elas haja lugar (podendo, quando muito, dizer-se que são ou devem ser pressupostos da máxima utilidade e economia do ato final); não projetam os seus efeitos sobre o ato principal ou visam influenciar a formação do respetivo conteúdo; e possuem autonomia funcional, no sentido de que devem ser consideradas como incidentes autónomos no desenvolvimento do procedimento suscetíveis de provocar, direta e imediatamente, lesões de interesses autonomamente reparáveis.
Além disso, (e por causa disso), a decisão que as ordena, se for inválida, não segue o regime normal da invalidade dos atos preparatórios, a qual implica a invalidade derivada de todos os atos sucessivos com eles conexos, praticados no âmbito do procedimento. Ao contrário, a invalidade (e eventual anulação da medida provisória tomada) não terá, em princípio, quaisquer efeitos sobre a tramitação sucessiva do procedimento.
[…]
As “medidas provisórias” estão próximas ainda daquilo que a doutrina designa por atos provisórios ou interinos – mas também não cabem nesse conceito.
Consideram-se como tais os atos produzidos num momento em que a Administração não procedeu ainda a uma averiguação completa dos factos que podem determinar uma certa decisão – em que se verificará, portanto, um déficit de esclarecimento dos factos – e, mesmo assim, toma-a. Assentam, portanto, numa ideia de precaução ou cautela, sendo emitidos com base na possibilidade ou probabilidade de os pressupostos do ato definitivo, a praticar posteriormente, serem os que foram sumariamente averiguados. No momento em que pratica o acto provisório, a Administração não o assume como a última palavra sua, embora admita e pressuponha vir a praticar um ato definitivo com conteúdo idêntico […].
Apesar de com eles se estabelecer uma regulamentação provisória para um caso, e possam também ter na sua origem uma ideia de cautela ou precaução, tais atos são distintos das medidas provisórias. Nestas, o desenvolvimento sucessivo da instrução não se destina a permitir que o órgão reaprecie os pressupostos já adivinhados, no sentido de vir a praticar um ato definitivo de conteúdo idêntico ou a retirar o ato provisório praticado: ao ordenar uma medida provisória, o órgão não pretende antecipar o conteúdo do ato que prevê praticar, mas apenas evitar dificuldades ou custos acrescidos, quanto à plena eficácia, operatividade e realização do conteúdo da decisão final (ou à perturbação dos interesses públicos implicados no desenvolvimento da tramitação).
E, portanto, enquanto a provisoriedade do ato provisório resulta de a Administração não conhecer ainda suficientemente os pressupostos para a prática de um tipo legal de ato (mas supor que eles existem na realidade), a provisoriedade das medidas provisórias resulta, formalmente do seu carácter temporalmente delimitado de vigência e, materialmente do facto de elas se destinarem a permitir que a decisão final que vier a ser tomada seja, ela própria, plenamente eficaz e operativa.» (v. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 1997, anots. I e II ao artigo 84.º, pp. 400-401; no mesmo sentido, quanto aos atos provisórios, v. FILIPA URBANO CALVÃO, ob. cit., pp. 62-64).

O que caracteriza funcionalmente as medidas provisórias, de acordo com o regime geral do artigo 89.º, n.º 1, do CPA, é a sua urgência, fundada no «justo receio de, sem tais medidas, se constituir uma situação de facto consumado ou se produzirem prejuízos de difícil reparação para os interesses públicos ou privados em presença» – a que corresponde o pressuposto do periculum in mora – e a proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, a verificação de que, em ponderação, os danos para tais interesses que resultam da adoção da medida concretamente em causa não se mostrem superiores àqueles que se pretendem evitar, enquanto requisito de validade (esta ponderação pressupõe naturalmente um juízo positivo sobre a adequação e necessidade da medida).
Daqui decorrem os traços característicos do regime a que os atos que determinam a adoção de medidas provisórias se encontram sujeitos (n.ºs 2 e 4 do citado artigo 89.º):
– Dispensa ope legis de audiência prévia, por causa da urgência inerente à necessidade de adotar uma medida provisória (n.º 1);
– Dever de fundamentação, de modo a permitir compreender a avaliação do “justo receio” e a ponderação entre os custos e os benefícios que está na base da adoção da medida no caso concreto (n.º 1);
– Fixação de um prazo para a vigência da medida, atento o seu caráter necessariamente temporário (n.º 1);
– Impugnabilidade contenciosa, devido à lesividade das medidas provisórias para os seus destinatários n.º 4).
Trata-se, em suma, de uma resposta urgente e desejavelmente célere reclamada por interesses que à Administração cumpre acautelar. Daí que a urgência e a consequente simplificação da tramitação sejam notas características de tais medidas, ao ponto de o legislador dispensar, ele próprio, o contraditório com os interessados: inexistindo urgência nem sequer pode ser adotada a medida; e, perante tal urgência, mesmo de acordo com o regime geral do procedimento comum, a audiência dos interessados pode ser dispensada pelo responsável pela direção do procedimento (cfr. o artigo 124.º, n.º 1, alínea a), do CPA). Ora, sendo a adoção de medidas provisórias, sob pena de ilegalidade, sempre uma decisão urgente, justifica-se que o legislador, à partida, exclua a promoção obrigatória da audiência prévia: o pressuposto legal da urgência em tais casos, torna desnecessária a avaliação casuística por parte do responsável pelo procedimento. Note-se, em todo o caso, que a lei – o citado artigo 89.º, n.º 1, do CPA – não proíbe a audiência prévia; apenas inverte a regra aplicável em geral (v. os artigos 121.º e 124.º do mesmo normativo): no caso das medidas provisórias, porque se trata de decisões urgentes, só há audiência prévia se a mesma for ordenada, estando a priori justificada a sua não realização; no quadro do procedimento comum, em princípio, os interessados devem ser ouvidos, mas tal audição pode ser dispensada no caso de decisões urgentes, devendo constar da decisão final as razões da não realização da audiência.

9. Como mencionado, a suspensão preventiva de funções prevista no artigo 251.º do EMP também corresponde a uma decisão cautelar com caráter urgente. A sua adoção justifica-se nos casos em que a continuação na efetividade de serviço seja prejudicial para o interesse público, nomeadamente o prestígio e dignidade da função, o bom funcionamento do serviço ou o apuramento da verdade material no âmbito da instrução do procedimento. O prejuízo a prevenir pode ser atual, na medida em que decorra do próprio exercício de funções, e é qualificado, uma vez que, nos termos daquele preceito, a adoção da medida em causa só pode ser equacionada perante a existência de fortes indícios de ter sido cometida uma infração muito grave ou grave (cfr. a referência à sanção de transferência no n.º 1 do artigo 251.º e o artigo 236.º, n,º 1, ambos do EMP: a «transferência é aplicável a infrações graves ou muito graves que afetem o prestígio exigível ao magistrado do Ministério Público e ponham em causa a sua manutenção no meio social em que desempenha o cargo ou no tribunal, juízo ou departamento onde exerce funções»).
Isso mesmo resulta da deliberação da Secção Disciplinar do CSMP, de 04.10.2022, em que foi determinada a suspensão preventiva da ora recorrente pelo período de 180 dias (v. o n.º 6 dos factos provados). Estando em causa a investigação de comportamentos como, por exemplo, i) a ausência do serviço pelo período de 14 dias úteis seguidos, sem justificação; ii) a falta de tramitação de processos administrativos de acompanhamento de ações propostas contra o Estado; iii) a existência de processos administrativos com conclusão aberta no seu gabinete, sem que tenha existido tramitação por parte da autora; ou iv) atrasos em quatro processos de mais de 4806 dias, pode ler-se na aludida deliberação:
«O juízo probatório expresso na proposta formulada pela senhora instrutora do processo no seu relatório intercalar alicerça-se, essencialmente, na documentação junta aos autos, designadamente, nos elementos extraídos dos diferentes processos administrativos, identificados e objeto de consulta, bem como nas informações e documentação facultada pelo senhor procurador Coordenador do TAC... e do Tribunal Central Administrativo, nas informações oficiais juntas (nota biográfica), na listagem de processos distribuídos e tramitados pela senhora Dra. AA, fornecida pelo IGFEJ e nas declarações prestadas nos autos pelas testemunhas inquiridas.
[…]
As várias infrações ora imputadas à senhora magistrada visada, cuja materialidade está fortemente indiciada, integram-se no art. 214°, als. a) e f), e no art. 215°, al. e), do EMP, sendo por isso passíveis de ser punidas com a sanção prevista no art. 230° ou 231° do dito Estatuto [– a transferência ou a suspensão do exercício].
A atuação da senhora magistrada visada foi dolosa, reiterada e continuada no tempo, revelando persistente desrespeito pelas normas estatutárias, a cujo cumprimento se vinculou quando assumiu funções de magistrada do Ministério Público.
Evidenciou total desrespeito pelo dever de assiduidade, faltando seguidamente, durante 14 dias úteis, o que fez ilegitimamente.
Evidenciou, também, desconsideração pelos deveres hierárquicos a que está vinculada, designadamente, no que se refere ao dever de justificar as suas ausências.
Evidenciou igualmente total incapacidade de exercer as suas funções com o mínimo de diligência, eficácia e competência.
Revelou, ainda, intolerável desrespeito pelos interesses públicos que em diversas situações concretas lhe cabia defender, comprometendo deliberada e voluntariamente esses interesses, com o que criou perigo muito sério de causar prejuízos ao Estado Português em valor que globalmente ultrapassou os três milhões de euros.
Perante este persistente modo de atuação é sério o perigo de a manutenção da visada em efetividade de funções permitir que esta continue a perturbar o andamento dos serviços, voltando a pôr em perigo os interesses patrimoniais do Estado em particular e o interesse público em geral, com a inerente violação do prestígio e da confiança que tem de gerar nas Instituições e nos cidadãos, e de vir a dissipar prova que importa recolher sobre factos ainda não solidamente indiciados.
Esta manutenção em efetividade de funções poderá ainda permitir que a senhora magistrada visada continue a atuar de forma a pôr em causa de modo intolerável o prestígio e a dignidade da função da Magistratura do Ministério Público, quer internamente, perante os seus pares, quer externamente, designadamente, junto das várias entidades e operadores judiciários com quem vai continuar a interagir.». (itálicos acrescentados).

Assim, também no presente caso, por identidade de razão ao previsto em geral para as medidas provisórias no CPA, a urgência da medida (e, porventura, a garantia da sua eficácia) justifica, no respeitante à audiência prévia, a aplicação da lógica subjacente à dispensa da audiência dos interessados consagrada naquele Código, diploma que, de resto, é subsidiariamente aplicável (cfr. o artigo 212.º do EMP). Acompanha-se, por isso, e contra o entendimento defendido pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a posição de ANA FERNANDA NEVES:
«A decisão de suspensão do exercício de funções pode afetar significativamente os direitos e interesses legítimos do trabalhador, o que postularia a sua audiência prévia. Por outro lado, há que assegurar a eficácia dessa decisão de natureza cautelar, atendendo ao interesse público – concretizado por razões ponderosas, num quadro infracional de certa gravidade – que tem de ser prontamente acautelado no quadro e na pendência do procedimento disciplinar. Acresce que neste não pode vir a ser punido sem previamente ser ouvido.
Dir-se-ia que a sua finalidade e natureza não sancionatória, antes cautelar, de aplicação imediata, não se coaduna com a audiência prévia. O equilíbrio entre as duas vertentes passa pela exigência de especificação, no despacho que determina a suspensão, das “circunstâncias justificadas, fundadas nos elementos constantes do processo, pelas quais seja adotada medida provisional sem prévia audiência do interessado”, como “o carácter flagrante e imediato” e prima facie gravoso dos factos indiciados.
A garantia de defesa do trabalhador perante a decisão que o afeta passa, assim, pelo recurso de tal decisão, a qual é autónoma face à decisão final, porque sendo interlocutório não é dela preparatório.» (v. Autora cit., O Direito Disciplinar da Função Pública, vol. II, (policop.), Lisboa, 2007, p. 364, disponível em http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/164/2/ulsd054618_td_vol_2.pdf; no mesmo sentido, v. Ana Carolina Rolo, “Exercício do Poder Disciplinar e Procedimento Disciplinar” in Direito das Relações Laborais na Administração Pública, CEJ, 2018, pp. 693-711, p. 705).

§ 3.º – Quanto ao erro de julgamento relativo à legitimidade de adotar a
suspensão preventiva do arguido na pendência do inquérito

10. O artigo 251.º, n.º 1, do EMP estabelece o seguinte:
«O magistrado do Ministério Público sujeito a procedimento disciplinar pode ser preventivamente suspenso de funções, nomeadamente, sob proposta do instrutor, desde que haja fortes indícios de que a conduta investigada constitua infração à qual caiba, pelo menos, a sanção de transferência e a continuação na efetividade de serviço seja prejudicial ao prestígio e dignidade da função, ao serviço ou à instrução do procedimento.» (itálico acrescentado).

Com base no teor literal deste preceito e nas finalidades próprias do procedimento disciplinar, por comparação com o inquérito, considera a recorrente que a medida de suspensão preventiva só pode ser aplicada a magistrado contra quem corra um procedimento disciplinar, o que no caso vertente não se verificou, uma vez que contra ela corria somente um inquérito, que «compreende um conjunto de diligências que visam a investigação de eventual existência de facto ilícito, disciplinarmente relevante, bem como a obtenção/recolha de provas, em ordem à decisão sobre a conversão ou não em processo disciplinar» (v. conclusões XLI-XLII e LXXXIV das respetivas alegações de recurso). Além disso, entende a mesma igualmente ser de rejeitar a aplicabilidade da medida cautelar em análise com base na subsidiariedade do regime do procedimento disciplinar comum relativamente ao regime do inquérito, porquanto «tal aplicação subsidiária faz-se com base numa interpretação hermenêutica [sic]» (cfr. as conclusões XLIX e L).
O acórdão recorrido, no seu ponto 3.3.1, invoca as «regras gerais do processo disciplinar» para justificar a legitimidade da suspensão preventiva da recorrente durante o inquérito:
«A suspensão preventiva ê, como já dissemos, uma medida de natureza cautelar e não sancionatória e pode ser decretada na fase prévia ao procedimento disciplinar, desde que o seja por quem detém o poder disciplinar e sob proposta do instrutor do procedimento de inquérito. Encontra-se assim prevista (com formulações normativas idênticas ou próximas) nos procedimentos disciplinares dos diferentes regimes do direito administrativo especial e também no "regime regra" da LGTFP - v. artigo 211.º da LGTFP [v. acórdão do STJ de 09.02.2017 (proc. 2913/14.3TCLSB.L1.S1)].
De resto, e também à semelhança das regras gerais do processo disciplinar, este pode ter início com a nota de culpa ou pode ser precedido de um procedimento de averiguações (artigo 264.º do EMP) ou de inquérito (artigos 266.º, 267.º e 270.º do EMP). Quando existe um procedimento de inquérito, prévio a um eventual procedimento disciplinar, a medida pode ser adotada nesta fase, que é uma pré-fase do procedimento disciplinar. Acresce que a suspensão preventiva é neste caso aplicada mediante notificação ao visado da existência do referido procedimento e dos seus fundamentos, bem como da fundamentação que sustenta a adoção daquela medida cautelar, como, de resto, também sucedeu neste caso.».

11. Sem prejuízo desta argumentação, importa recordar que, nos termos do próprio EMP, o inquérito, enquanto procedimento especial, é perspetivado como uma forma de procedimento disciplinar (artigo 245.º, n.º 1), sendo-lhe subsidiariamente aplicáveis as disposições do procedimento comum (n.º 3 do mesmo preceito). Ademais, e reforçando este entendimento, caso se apure, em sede de inquérito, a existência de infração disciplinar, o CSMP pode deliberar que o processo de inquérito, em que o magistrado do Ministério Público tenha sido ouvido, constitua a parte instrutória do processo disciplinar (cfr. o artigo 270.º, n.º 1). Com efeito, esta possibilidade de conversão do inquérito em procedimento disciplinar comprova a legitimidade de um entendimento amplo da expressão “procedimento disciplinar” utilizada no artigo 251.º, n.º 1, do EMP e a pertinência da aplicabilidade subsidiária deste preceito no âmbito do inquérito.
Improcede, por isso, o invocado erro de julgamento.

§ 4.º – Quanto ao erro de julgamento em relação à verificação de fortes indícios de uma infração à qual caiba, pelo menos, a sanção de transferência

12. Nas conclusões LXXXIX e XC das suas alegações, defende a recorrente que a suspensão preventiva só pode ser aplicada em situações em que a infração imputada seja punível com a sanção de transferência, sendo para esse efeito «necessário que essa infração já esteja determinada e provada».
Mas não tem razão, pois o que o n.º 1 do artigo 251.º do EMP exige, a tal propósito, é a existência de fortes indícios de que a conduta investigada constitua infração, à qual caiba, pelo menos, a sanção de transferência. E é isso mesmo que resulta da deliberação da Secção Disciplinar do CSMP que determinou a suspensão preventiva da recorrente, em especial, do trecho transcrito supra no n.º 9. Acresce que, como se refere no acórdão recorrido (n.º 3.3.2.), a exigência da prova da infração «seria um contra-senso tendo em conta que estamos a analisar a aplicação de uma medida cautelar e não sancionatória, pelo que é necessário que não exista ainda prova da existência da infração, pois, se ela existir, cumpre promover a aplicação de medidas sancionatórias e não cautelares».
Improcede, por isso, a alegada falta de preenchimento daquele pressuposto legal da aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva.
§ 5.º – Quanto ao erro de julgamento relativo à proporcionalidade da medida impugnada

13. Sobre a proporcionalidade da suspensão preventiva aplicada à recorrente, o acórdão recorrido decidiu o seguinte (ponto 3.6):
«[A] A. alega que a adoção da medida cautelar de suspensão preventiva se revelou desproporcionada e desrazoável, pelo que a decisão que a determinou e manteve enferma de ilicitude com este fundamento.
Mas também neste ponto a tese da A. se revela improcedente.
Com efeito, a Entidade Demandada sustenta a proporcionalidade da medida com o fundamento da sua adequação à necessidade de impedir a produção de mais efeitos lesivos, seja para o interesse público subjacente à prossecução da justiça na tramitação atempada dos processos, seja na salvaguarda da imagem pública da Instituição MP e, também, da própria Magistrada enquanto decorre a fase de inquérito.
E a decisão impugnada sustenta ainda a necessidade da medida, quer pela inexistência de outra que pudesse cumprir aquele fim, quer alegando que a limitação temporal máxima legalmente prevista se revelou no caso imprescindível para a realização da investigação, sem que essa fundamentação se revele manifestamente errada ou desadequada.
Concluiu, por último, que na ponderação dos interesses subjacentes à adoção ou não adoção da medida preponderam os que determinam a sua adoção.
E esta argumentação não é desrazoável nem revela erro na ponderação efetuada.
Acresce que a proporcionalidade da medida ê também determinada pelo quadro legal subjacente à sua adoção, pois apenas quando estejam em causa indícios de infrações graves e muito graves, que possam reconduzir-se, objetivamente, à aplicação, pelo menos, da pena de transferência, é possível aplicar esta medida cautelar. Impondo-se ainda uma fundamentação da sua necessidade face aos interesses do serviço e aos prestígio e dignidade da função. Ora, estando esses requisitos legais objetivamente verificados e fundamentados na decisão que determinou a aplicação da medida, e não decorrendo da sua adoção um prejuízo para a A. em termos materiais (não há perda de vencimento, nem de antiguidade) que possa, em tese, sobrepor-se ao interesse público que se invoca querer preservar, não pode dizer-se que da sua adoção resultem prejuízos superiores aos benefícios.
Assim, escrutinada a argumentação expendida na adoção da medida não se afigura que a decisão enferme de violação do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade»

Por outro lado, resulta de tudo quanto se expôs anteriormente, que, ao contrário do alegado pela recorrente nas conclusões VII e VIII das suas alegações de recurso, o acórdão recorrido se pronunciou sobre todos os factos relevantes e sobre os pressupostos de aplicação da medida de suspensão preventiva prevista no artigo 251.º do EMP.

14. As críticas da recorrente ao juízo de ponderação realizado no acórdão recorrido dirigem-se, na realidade, aos pressupostos de aplicação da própria medida de suspensão preventiva. O enunciado da conclusão LIX é elucidativo: a medida cautelar aplicada está fundamentada em «alegados factos que não possuem a relevância disciplinar que o Recorrido lhes pretende aplicar». No corpo das suas alegações, a recorrente limita-se a afirmar que os alegados fortes indícios não se verificam» (n.º 81) e que os «alegados factos […] não possuem a relevância disciplinar que o Recorrido lhes pretende aplicar» (n.º 82), razão por que «não se podem verificar os fundados receios de alegados prejuízos para o interesse público e para o prestígio do Ministério Público» (n.º 83). Ou seja, tal como se verificou em relação às alegadas omissões de pronúncia, a recorrente continua a não retirar consequências do decidido no acórdão recorrido quanto à matéria de facto dada por assente (cfr. supra o n.º 6). Acresce que os factos invocados e objeto de apreciação na deliberação da Secção Disciplinar do CSMP – e que estão na base dos fortes indícios de que a conduta investigada constitua infração, à qual caiba, pelo menos, a sanção de transferência que fundamentam a aplicação da suspensão preventiva à recorrente – não são tidos em conta por esta última nas suas alegações de recurso, em termos de se poder apreciar, de forma individualizada e concreta, a sua relevância disciplinar e se os mesmos fundamentam ou não o justo receio da (continuação da) produção dos prejuízos referidos na deliberação que adotou a medida de suspensão preventiva.

15. Uma outra crítica feita pela recorrente, a propósito da questão da proporcionalidade, respeita à alegada desnecessidade da medida de suspensão preventiva, considerando que se «existiam certezas suficientes para aplicar a medida cautelar, então, por maioria de razão, existiriam certezas para instaurar um procedimento disciplinar» (cfr. as conclusões LXV-LXVII). Além de contraditória com a ideia anterior afirmada nas conclusões LIX e LX de que a aplicação da suspensão preventiva se baseou em factos sem relevância disciplinar (cfr. o número anterior), aquela alegação não tem presente que a suspensão preventiva tem natureza meramente cautelar e que, como tal, não tem de assentar em certezas, mas antes em factos indiciários de infrações disciplinares. Acresce que, como se refere na deliberação da Secção Disciplinar do CSMP, de 4.10.2022, a adoção daquela medida também visou prevenir que se pudesse «dissipar prova que importa recolher sobre factos ainda não solidamente indiciados» (cfr. o trecho transcrito supra no n.º 9).
Em suma, a adequação e necessidade da medida em causa fundam-se no periculum in mora relativamente à recolha de provas para apuramento da verdade material sobre a prática de infrações – a aquisição de certeza que habilite a aplicação de uma sanção – e à prevenção da produção de prejuízos para o interesse público medio tempore (ou seja, até que a punição das infrações cometidas seja possível). Inexistiu, portanto, qualquer protelamento de uma situação prejudicial para a recorrente, já que no momento em que esta foi suspensa preventivamente, não havia condições para lhe aplicar a sanção que os factos entretanto apurados justificaram.

16. No que se refere à apreciação feita no acórdão recorrido do juízo de proporcionalidade em sentido estrito feito na deliberação impugnada (cfr. o respetivo ponto 3.6, transcrito supra no n.º 13), a recorrente nada refere nas suas alegações de recurso. Consequentemente, deve o mesmo manter-se, com todas as consequências legais.

17. A improcedência das conclusões das alegações de recurso da recorrente quanto à omissão de pronúncia e aos erros de julgamento invocados determina que se negue provimento ao recurso e se mantenha o acórdão recorrido. É essa a decisão que cumpre tomar.


III. Decisão

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, manter o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 21 de março de 2024. – Pedro Manuel Pena Chancerelle de Machete (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José Francisco Fonseca da Paz – Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho - Liliana Maria do Estanque Viegas Calçada – Maria Cristina Gallego dos Santos.