Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0781/15
Data do Acordão:07/08/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:CONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO
REVOGAÇÃO
ACTO
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
FAZENDA PÚBLICA
Sumário:I - Para o conhecimento da verificação da prescrição está o juiz obrigado a ponderar todos os circunstancialismos fáctico-jurídicos que possam influir no decurso do respectivo prazo e, bem assim, no seu reconhecimento por parte das entidades com poder para tanto;
II - A revogação de actos praticados pela administração fiscal no âmbito do processo de execução fiscal só pode ocorrer, nos termos do artigo 141º do CPA, dentro dos prazos legalmente estabelecidos para que os interessados possam impugnar esses actos;
III - A condenação como litigante de má fé da Fazenda Pública só pode ocorrer desde que se verifiquem os circunstancialismos constantes do artigo 104º, n.º 1 da LGT;
Nº Convencional:JSTA00069288
Nº do Documento:SA2201507080781
Data de Entrada:06/22/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:ETAF02 ART26 B.
LGT98 ART104 N1.
CPPTRIB99 ART125 ART175 ART276 ART277.
CPA91 ART141.
CPC13 ART542 ART545 ART615 N1 D ART635 N4.
CCIV66 ART303.
RCP08 ART6 N7 ART7 N7.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC01435/12 DE 2014/10/15.; AC STA PROC01174/11 DE 2012/05/02.; AC STA PROC0454/14 DE 2014/12/17.; AC STA PROC01106/13 DE 2015/02/25.; AC STA PROC0274/15 DE 2015/04/08.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG282 VOLIV PAG294-295.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A Fazenda Pública, inconformada, recorreu da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 4 de Maio de 2015, que deferiu a reclamação deduzida por A…………….., contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, que revogou o despacho que declarou a prescrição da divida exequenda referente a IRS do ano de 2000.

Alegou, tendo concluído como se segue:
A. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julgou procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal à margem identificada, que decidiu: “(...) defiro a presente reclamação deduzida por A……………, e anulo o despacho do Chefe de Finanças de 2014.04.24, que revogou o despacho proferido em 2013.12.11, que declarou a prescrição da dívida exequenda e extinguiu o processo de execução fiscal”.
B. Salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Representação Fazenda Pública conformar-se com o decidido, entendendo que a douta sentença, é nula por excesso de pronúncia, se atendermos aos conceitos exatos usados na mesma, ou se encontra ferida de erro de julgamento apresentando alguma confusão de conceitos, não sendo facilmente inteligível.
C. Debruçando-se a douta Sentença sobre a invocada violação do alcance do caso julgado pelo despacho reclamado concluiu o seguinte:
Em suma, o despacho do órgão de execução fiscal que declarou a prescrição da dívida exequenda e extinguiu o processo de execução fiscal constituí caso decidido e suscitou a inutilidade superveniente da lide impugnatória determinando a extinção da instância [sublinhado e negrito nosso].
Tem, pois, que ser dada razão ao Reclamante, sem necessidade de mais apreciar os fundamentos trazidos ao debate e que diriam respeito à averiguação sobre se a dívida se encontrava ou não prescrita.”
D. A relação entre aquilo que foi alegado, peticionado, contestado e decidido levanta à RPF dúvidas, que a fundamentação da sentença não dissipam, ora, essas dúvidas dificultam a estruturação do presente recurso, razão pela qual se estrutura o vício que entendemos sofre a sentença, assim como, os vícios que lhe são imputáveis no caso de o alcance da decisão não ser o que nela consta, mas o que, entendemos pretendia constar.
E. Entende a Fazenda Pública que o douto tribunal a quo: (1) querendo escrever o que de facto escreveu, incorreu em excesso de pronúncia ferindo de nulidade a douta Sentença; (2) tendo escrito “constitui caso decidido” queria escrever “constitui caso julgado” incorreu em erro de julgamento de direito; ou (3) entendeu, conforme peticionado pelo Reclamante que o despacho reclamado violou o alcance do caso julgado da decisão do TCA Sul, também aqui incorreu em erro de julgamento de direito; e (4) a única questão susceptível de avaliação pelo Tribunal, face à petição apresentada pelo Reclamante, é a questão da verificação, ou não da prescrição, e aquela não se verifica.
F. Concluiu a douta Sentença que o despacho que declarou a prescrição da dívida exequenda constitui caso decidido, a figura do caso decidido ou do caso resolvido é distinta do instituto do caso julgado, aquela implica tão-só que o ato adquiriu um caráter de incontestabilidade, que se não confunde com a intangibilidade do caso julgado nem inviabiliza em termos absolutos a sua revogação.
G. Ora, a questão da força de caso julgado atribuível ao despacho que reconheceu a prescrição não se verifica, tão pouco foi trazida aos autos pelo Reclamante e não é de conhecimento oficioso, pelo que, se o Tribunal pretendia, como o escreveu, declarar a força de caso decidido ao ato de reconhecimento da prescrição, incorreu em excesso de pronúncia.
H. O excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento do que lhe foi pedido pelas partes, e sentencia de nulidade a sentença, nos termos do artigo 125° do CPPT.
I. Importa pois, aliás é primordial, realçar que o que fundamentou e peticionou o Reclamante foi a violação do caso julgado, pelo despacho que revoga o despacho que reconheceu a prescrição, mas por força do caso julgado da decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul que declarou a inutilidade superveniente da lide no processo de impugnação, e não por força do caso decido atribuível ao despacho que reconhece a prescrição.
J. Aliás, em nenhuma alegação ou pedido o Reclamante apontou qualquer vicio ao ato reclamado (ato de revogação) por relação com o ato que reconheceu a prescrição, fosse por constituir caso decidido, caso julgado ou irrevogabilidade.
K. A Sentença fixou-se nesta segunda vertente, ou seja, reportou a força de caso decidido ao ato que reconheceu a prescrição e que aos autos não foi trazida, nem é de conhecimento oficioso, logo ultrapassou o pedido.
L. Entendendo-se que pretendeu a douta Sentença considerar que o despacho do órgão de execução fiscal que declarou a prescrição da dívida exequenda e extinguiu o processo de execução fiscal constitui caso julgado, não obstante tal não ser invocado pelo Reclamante, estamos perante matéria de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 576°, 577° alínea i) e 578° do CPC (Código de Processo Civil), aplicável por via do artigo 2° do CPPT.
M. Ocorre que, estamos perante um ato de um chefe de Finanças, que apesar de atuar ali como órgão de execução fiscal e a execução fiscal ter natureza judicial, como bem refere a douta Sentença, trata-se de um ato de reconhecimento da prescrição, ou seja, um ato materialmente administrativo.
N. É que, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, na totalidade, mas a Administração Tributária pode praticar nele actos que não tenham natureza jurisdicional (art. 103°, n.° 1, da LGT), nestes inclui-se a declaração da prescrição da dívida exequenda, como se prevê expressamente no artigo 175° do CPPT, o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda pelo órgão da execução fiscal constitui um acto de natureza administrativa, pois engloba-se no conceito definido no artigo 120° do CPA (na versão aplicável à data dos factos — atual artigo 148°), o qual refere que se consideram actos administrativos as “decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.
O. Tratando-se de um acto administrativo, não está abrangido pela força do caso julgado, prevista nos artigos 619° e 620° do CPC, pois este só se forma sobre decisões judiciais, inexistindo qualquer disposição legal que atribua idêntica força obrigatória aos actos administrativos, por outro lado, pela mesma razão de não se tratar de uma decisão judicial, não é aplicável o disposto no artigo 613° do CPC, sobre o esgotamento do poder jurisdicional.
P. Assim, tendo a prescrição sido reconhecida por ato administrativo, está afastada a possibilidade de se formar sobre ela caso julgado que obste à posterior reapreciação da mesma questão, logo, sendo esta a intenção da douta Sentença, aqui recorrida, incorreu em erro de julgamento por violação das disposições legais supra referidas.
Q. Entendendo-se que pretendeu a douta Sentença considerar que o despacho do órgão de execução fiscal que revogou o despacho que declarou a prescrição da divida exequenda violou o alcance do caso julgado — este sim o argumento invocado pelo Reclamante — também com esta solução não pode a Fazenda Pública conformar-se, como aliás apresentou na sua resposta.
R. O artigo 621° do CPC sob a epígrafe “Alcance do caso julgado” dispõe que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga e tem entendido a jurisprudência que a determinação dos limites do caso julgado e sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado.
S. Ora, ao contrário do que refere a douta Sentença, início da página 16, a RPF defendeu, que este não era o meio próprio para procederem alguns dos pedidos formulados pelo Reclamante, mas também defendeu que não se verifica o alcance de caso julgado relativamente à decidida inutilidade superveniente da lide pelo Tribunal Central Administrativo do Sul e o despacho reclamado, o que aqui se reitera, porquanto o TCA Sul não procedeu a qualquer apreciação à prescrição da divida em causa, aliás como não é objeto da impugnação, ali discutia-se a legalidade das liquidações cujo não pagamento deu origem ao processo executivo aqui em causa.
T. Ora, se nada foi alegado, peticionado, contestado e julgado, naquele processo do TCA Sul, sobre a prescrição, apenas acatado o que foi decidido por despacho do Chefe do Serviço de finanças, também nenhum alcance de caso julgado impõe sobre aquela questão, pois que, a contagem do prazo de prescrição nunca foi objeto do processo de impugnação e só sobre este assunto versa o despacho reclamado, se foi este o sentido da Sentença de que se recorre, como pensamos que foi, incorreu a mesma em erro de julgamento por violação da disposição legal referida supra.
U. Defendeu e defende a RFP que, a única questão susceptível de avaliação pelo Tribunal, face à petição apresentada pelo Reclamante, é a questão da verificação, ou não da prescrição, e aquela não se verifica, conforme amplamente demonstrado na resposta apresentada e cujo conteúdo aqui se reitera.
Nestes termos e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida,
E, analisando-se a questão da prescrição, julgar-se que aquela não se verifica, mantendo-se o despacho Reclamado.
A Fazenda Pública requer, muito respeitosamente a V. Exas., ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.° 7 do art.° 6° do RCP, porquanto não estamos perante uma ação complexa, aliás, a própria natureza do processo em causa, exercício do poder judicial face a um ato praticado num processo de execução fiscal, que alguma jurisprudência chegou a qualificar como “incidente processual” e que Jorge Lopes de Sousa qualifica como “incidente típico do processo de execução fiscal” implica que dificilmente estaríamos perante uma ação complexa e a conduta das partes configura uma normal atuação de litigantes.

Contra-alegou o ora recorrido, tendo concluído da seguinte forma:
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex. Doutamente suprirão, deverá:
a) o presente recurso ser rejeitado, por não ter exclusivo fundamento em matéria de direito;
b) Ser integralmente mantida a Douta Sentença recorrida, no sentido da anulação do despacho recorrido, de 11.12.2013, devidamente alicerçada na Decisão Judicial proferida pelo TCA Sul de declaração judicial, no processo de execução fiscal aqui em causa, com todos os legais efeitos.
c) Ser a recorrente condenada como litigante de má-fé, em multa a fixar de acordo com o justo arbítrio desse Venerando Tribunal, como é de Direito.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se pela improcedência do recurso. Resumidamente, entende que a decisão do TCA Sul impõe-se à Administração Tributária e impede a reabertura da execução fiscal. Entende ainda que tendo o despacho do Senhor Chefe de Finanças a declarar a prescrição da divida exequenda sido proferido em processo de execução fiscal o qual é impugnável no prazo de 10 dias, não se tendo verificado, os efeitos daquele acto ficam estabilizados uma vez que a partir dessa altura já não é passível de impugnação, nem de revogação pelo autor do acto.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 2005.06.28, no serviço de Finanças de Lisboa-2, foi autuado o processo de execução fiscal (PFF) n° 3247200501095021, contra A……………… e B……………, residentes na Rua ………….., n° ………, …., em Lisboa (cf. fls. 1 do PEF);
B) Tem por base:
a. Certidão de dívida n° 2005/173144, emitida em 2005.06.25, que atesta que A………………… e B……………, residentes na Rua ………….., n° ……., ……, em Lisboa, são devedores de € 4 876 756,74, dos quais € 4 020 095,63 de IRS do ano de 2000 e € 856 661,11 de juros (cf. fls. 2 do PEF);
C) Por carta registada com aviso de receção, assinado em 2013.07.26, foi enviado ao executado A…………….., ofício normalizado citação, constante de fls. 3 do PEF e que aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. 3 e 4 do PEF);
D) Em 2005.07.26, no Serviço de Finanças de Lisboa-2, deu entrada impugnação judicial do contribuinte A……………. contra o ato de liquidação adicional de IRS do exercício de 2000 e juros compensatórios, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n° 1919/05.8BELSB (cf. fls. 333 do PEF);
E) Entretanto, o Reclamante solicitou a prestação de garantia mediante fiança (fls. 42a, 42b e 42c do PEF);
F) Por despacho do Chefe de Finanças de 2006.08.23, constante de fls. 45 do PEF, que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi indeferido o pedido de prestação de garantia;
G) Em 2006.09.11, no Serviço de Finanças de Lisboa-2, deu entrada reclamação contra este despacho de indeferimento (cf. fls. 48 a 63 do PEF);
H) Por despacho do Chefe de Finanças de 2013.12.11, constante de fls. 373 do PEF e que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi declarada a prescrição da dívida de IRS do exercício de 2000 e extinto o processo de execução fiscal; deste despacho transcreve-se:
a. Face à informação n° 799/2013 da equipa III da Divisão de Gestão de Devedores Estratégicos da Direção de Finanças de Lisboa, sancionada por despacho [do] Diretor de Finanças Adjunto, datado de 2013.11.18, a qual se dá como integralmente reproduzida e passa a fazer parte integrante do presente despacho, verifica-se que no [PEF nº 3247200501095021], já se encontra ultrapassado o prazo legal de prescrição referido no artigo 48° da LGT
b. Destarte, como a prescrição é do conhecimento oficioso do Chefe do Serviço de Finanças [cfr. artigo 175° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT)], reconhece -se e julga -se verificada a prescrição da dívida referente a IRS do ano 2000, em que é executado A…………. (…);
c. Nestes termos, atento o disposto na alínea c) do artigo 176° do mesmo diploma (CPPT), declaro extinta a presente execução, por prescrição.
d. Oficie-se a instância onde corre termos o contencioso associado aos presentes autos, do teor do presente despacho;
e. (...);
I) O despacho identificado na alínea anterior foi comunicado ao Tribunal Central Administrativo Sul, por ofício de 2013.12.12 (cf. fls. 374 do PEF);
J) Na sequência, foi proferido o Ac. TCAS de 2014.01.31, transitado em julgado em 2015.04.14, constante de fls. 40 a 42 dos autos, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (cf. fls. 255 dos autos);
K) Em 2014.04.24, pelo Chefe de Finanças de Lisboa-2, foi proferido o despacho reclamado, constante de fls. 375 do PEF e que aqui se dá por integralmente reproduzido, que revogou o despacho proferido em 2013.12.11, e determinou que se adicione prazo para efeito de contagem da prescrição; deste despacho transcreve-se:
a. Da análise do processo [3247200501095021 - IRS de 2000], constata-se que, em 2013.12.11, foi exarado despacho de prescrição, baseado na informação 799/2013 da equipa III da Divisão de Acompanhamento dos Devedores Estratégicos, sancionado por despacho do Diretor de Finanças Adjunto, datado de 2013.11.18, o qual se deu como integralmente reproduzido e passou a fazer parte integrante do mesmo;
b. Verifica-se que na contagem do prazo de prescrição efetuada à data, desconhecia-se a existência do processo de inquérito (crime), com referência à dívida em causa, IRS 2000;
c. Assim, em virtude de se ter, na presente data, confirmação de que o sobredito processo de inquérito 8870/03.4TDLSB, se encontra suspenso em virtude da existência de impugnação judicial, e que diz respeito à liquidação de IRS do ano de 2000, face ao disposto no artigo 49/5 da LGT, existe uma causa de suspensão que não foi tida em consideração aquando da contagem do prazo de prescrição, pelo que, assim sendo a dívida não se encontra prescrita;
d. Face ao exposto, revogo o anterior despacho proferido em 2013.12.11, pelo que determino que se adicione prazo para efeitos de contagem da prescrição;
e. (...);
L) Este despacho não foi notificado ao Contribuinte (cf. fls. 126 dos autos);
M) Em 2014.07.14, no serviço de Finanças de Lisboa-2, deu entrada a presente reclamação.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
O recorrido excepciona a competência deste Tribunal, em razão da matéria, uma vez que no seu entendimento o recurso, além da matéria de direito, também versa sobre matéria de facto, não assistindo, por isso, nos termos da lei, competência a este Supremo Tribunal para conhecer do presente recurso, cfr. artigo 26º, al. b) do ETAF..

Como é bem sabido, é pelas conclusões do recurso que o recorrente define e delimita o âmbito do recurso, isto é, os temas e questões que deverão ser tratados pelo Tribunal ao qual dirige o seu recurso, cfr. artigo 635º, n.º 4 do CPC..
Vejamos, então, das conclusões apresentadas pela recorrente Fazenda Pública se alguma delas versa sobre matéria de facto, sendo que, na conclusão E), a Fazenda Pública delimita com precisão o que desenvolve nas conclusões seguintes e que são as seguintes questões: o tribunal a quo, (1) querendo escrever o que de facto escreveu, incorreu em excesso de pronúncia ferindo de nulidade a douta Sentença; (2) tendo escrito “constitui caso decidido” queria escrever “constitui caso julgado” incorreu em erro de julgamento de direito; ou (3) entendeu, conforme peticionado pelo Reclamante que o despacho reclamado violou o alcance do caso julgado da decisão do TCA Sul, também aqui incorreu em erro de julgamento de direito; e (4) a única questão susceptível de avaliação pelo Tribunal, face à petição apresentada pelo Reclamante, é a questão da verificação, ou não da prescrição, e aquela não se verifica.
Como daqui bem se percebe, tirando a quarta questão, que de facto não foi conhecida pelo Tribunal a quo, todas as outras se prendem com a subsunção dos factos levados ao probatório ao direito, ou seja, com a qualificação jurídica dos factos disponíveis, não sendo sequer necessário retirar quaisquer ilações de facto daquela matéria que se incluiu no probatório, a mesma vale apenas com o sentido textual, havendo apenas que lhe aplicar o direito.
Podemos, assim, concluir com segurança que o presente recurso apenas versa matéria de direito cuja apreciação está reservada, por lei, a este Supremo Tribunal.

Já vimos que a recorrente Fazenda Pública assaca à sentença recorrida uma nulidade, excesso de pronúncia, cfr artigo 615º, n.º 1, al. d), segunda parte do CPC (a sentença é nula quando se emita pronuncia na sentença sobre questões de que o juiz não podia tomar conhecimento) e 125º do CPPT, e o erro de julgamento relativamente a duas questões.

Quanto à nulidade.
No essencial, concluiu-se na sentença recorrida:
Em suma, o despacho do órgão de execução fiscal que declarou a prescrição da dívida exequenda e extinguiu o processo de execução fiscal constitui caso decidido e suscitou a inutilidade superveniente da lide impugnatória determinando a extinção da instância.
Tem, pois, que ser dada razão ao Reclamante, sem necessidade de mais apreciar os fundamentos trazidos ao debate e que diriam respeito à averiguação sobre se a dívida se encontrava ou não prescrita.“.
Conforme resulta evidente das conclusões das alegações da Fazenda Pública a mesma entende que o Juiz apenas se poderia ter pronunciado sobre se se verifica ou não a prescrição, uma vez que nada mais foi alegado ou invocado pelo recorrido na sua petição inicial, cfr. conclusão U).
Temos, assim, como certo que tanto a recorrente como o recorrido, este nas suas contra-alegações, estão de acordo quanto à invocação atempada da verificação da prescrição por referência à dívida fiscal em questão.
Sobre o conhecimento desta questão da prescrição escrevemos no acórdão datado de 08/04/2015, rec. n.º 0274/15: “Também aqui se impõe que se relembre a especificidade das Leis Fiscais no que toca ao conhecimento da questão da prescrição das dívidas tributárias.
Dispõe o artigo 175.º do CPPT sob a epígrafe “Prescrição ou duplicação de colecta”, que a prescrição ou duplicação da colecta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito.
Este regime legal de conhecimento da excepção da prescrição difere substancialmente do regime do direito civil onde se impõe que o juiz apenas possa conhecer da prescrição quando a mesma for expressamente invocada por quem dela pretende beneficiar, cfr. artigo 303º do Código Civil.
No âmbito do direito tributário o conhecimento oficioso da prescrição impõe-se porque “…a necessidade de segurança ou certeza jurídica é o fundamento comum de ambos os institutos e, por isso, se se entendeu ao impor-se o conhecimento oficioso da prescrição, que esse valor deve prevalecer sobre o interesse patrimonial do credor tributário, a mesma ponderação de valores conduzirá, também à prevalência desses mesmos interesses da segurança e certeza, que também se visam proteger com a caducidade do direito de liquidação, sobre o mesmo interesse patrimonial.”, cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, vol. III, pág. 282.
“Efectivamente, o artigo 175º prescreve que nos processos de execução fiscal a prescrição é uma questão de conhecimento oficioso pelo juiz, se o órgão de execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito.
Significa isto que: (i) quem tem competência para conhecer, em primeiro lugar, da prescrição é o órgão de execução fiscal; (ii) que a prescrição pode ser invocada no processo executivo, sem sujeição a qualquer prazo; (iii) e que o tribunal pode conhecer da prescrição, mesmo que não tenha sido invocada pelo oponente.”, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 02/05/2012, rec. n.º 01174/11.
Portanto, estas razões de ordem pública impõem que o conhecimento da prescrição da obrigação tributária se imponha ex officio, quer ao órgão de execução, quer ao juiz do processo.”.
Sendo, assim, nos termos da Lei, uma questão de conhecimento oficioso, a partir do momento em que se impõe o seu conhecimento, da prescrição, fica o tribunal com a obrigação de averiguar toda a factualidade que possa contender com o decurso do respectivo prazo, bem como de lançar mão de todos os preceitos legais que possam influir no modo de contagem do prazo, quer se trate de circunstancialismos referentes à sua suspensão ou interrupção, ou ainda quer se trate de circunstancialismos ao seu reconhecimento e declaração.
Ou seja, no caso concreto, para que o juiz pudesse conhecer da verificação ou não do decurso do prazo de prescrição impunha-se-lhe que tomasse conhecimento de todos os actos e actuações do órgão de execução fiscal que possam ter influído de modo decisivo, quer no decurso do prazo, quer no seu reconhecimento, expresso ou tácito.
Ora, o que se decidiu na sentença recorrida foi precisamente isto, ou seja, que influência tiveram os actos do órgão de execução fiscal sobre o prazo de prescrição e, bem assim, sobre o seu reconhecimento.
Mas se bem se atentar na petição inicial destes autos, não é verdade, tal como o afirma a recorrente Fazenda Pública, que o recorrente não questione a violação da “certeza jurídica” própria do acto datado de Dezembro de 2013. Ainda que de forma algo confusa e extensa, a partir do artigo 111º da petição inicial até ao final, o recorrente põe em causa a concreta actuação da Administração Fiscal, por via do despacho datado de Abril de 2014, nesta dimensão, na dimensão da violação da certeza jurídica criada pelas decisões dos tribunais e da própria administração, cfr. artigo 125º.
Nesta medida é evidente que não ocorreu qualquer excesso de pronúncia por parte do Sr. Juiz a quo, uma vez que manteve a sua apreciação dentro destes limites, não extravasando do âmbito do conhecimento da questão da verificação da prescrição, tal como aliás vinha alegada pelo recorrente.

Quanto aos erros de julgamento.
Sobre esta matéria o Sr. Procurador Geral-Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu o seguinte parecer:
Invoca a Recorrente que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento por estender à decisão do órgão de execução fiscal os efeitos do caso julgado da decisão judicial.
Como se deixou supra referido, na sentença recorrida verteu-se que "em regra o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão. Mas esta regra comporta algumas excepções e a jurisprudência tem reiterado que são abrangidos pelo caso julgado as questões apreciadas que constituem antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença". E como vimos para se decidir pela anulação do acto do órgão de execução fiscal sindicado, considerou-se igualmente na sentença recorrida que «o despacho do órgão de execução fiscal que declarou a prescrição exequenda e extinguiu o processo de execução fiscal constitui caso decidido e suscitou a inutilidade superveniente da lide impugnatória determinando a extinção da instância». Ou seja, para a Mma. juiz "a quo", a declaração de prescrição da divida exequenda é abrangida pelo força do caso julgado da decisão do TCA Sul, já que a mesma foi proferida tendo por base essa declaração I de prescrição.
Como se alcança do documento de fIs. 40 a 42, para o qual remete o ponto j) do probatório da sentença, o acórdão do TCA Sul não se pronuncia sobre a prescrição da obrigação tributária que deu origem à quantia exequenda. Considerou foi o facto de aquela dívida exequenda ter sido declarada prescrita pelo órgão de execução fiscal e a manifestação das partes na perda de interesse processual na apreciação do mérito da pretensão da impugnante, situação que qualificou como inutilidade superveniente da lide e que fundamentou a declaração de extinção da instância.
Na acção objecto de recurso para o TCA Sul estava em discussão o direito do Estado a determinada quantia a titulo de imposto (IRS) que era contestado pelo Autor (aqui recorrido), que através daquela acção pretendia que o tribunal negasse esse direito e anulasse o acto tributário. Ora, o tribunal pôs termo àquela acção com base no facto de a AT ter reconhecido a prescrição da obrigação em que fundamentava o seu direito e a Autora ter manifestado a perda de interesse na lide em face de tal reconhecimento. Constituindo tais factos o fundamento do sentido daquela decisão, afigura-se-nos que os mesmos são abrangidos pela força do caso julgado formal, tal como se entendeu na sentença recorrida, o que impede as partes de renovar no âmbito de outra acção, designadamente acção executiva, a sua discussão.
Como se invocou na sentença recorrida, a jurisprudência do S'I] tem entendido que «não é apenas a conclusão ou dispositivo da sentença que tem força de caso julgado, aceitando-se como mais equilibrado um critério ecléctico, que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece, todavia, essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, em homenagem à economia processual, ao prestígio das instituições judiciárias quanto à coerência das decisões que proferem e, finalmente, à estabilidade e certeza das relações jurídicas» (acórdão do STJ de 17/06/2014, processo nº 233/2000.C2S1; no mesmo sentido acórdão do STJ de 24/02/2005, processo nº 915/09.0TBCBR, e demais jurisprudência ali citada).
No mesmo sentido se pronunciou Teixeira de Sousa "citado igualmente no mesmo aresto, ao referir que «não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressuposto daquela decisão».
Assim e independentemente de o TCA Sul não ter apreciado expressamente a questão da prescrição da obrigação tributária, a verificação dessa prescrição e a sua aceitação pelas partes em conflito, constituiu o fundamento para pôr termo ao litigio, o que impede qualquer das partes de vir a renovar essa discussão, sob pena de violação do princípio da estabilidade e segurança das relações jurídicas subjacente ao instituto do caso julgado, o qual neste caso prevalece sobre o princípio da verdade material.
Deste modo e como defende a recorrida, a decisão do TCA Sul impõe-se à administração tributária e impede a reabertura da execução fiscal. E nesse caso a decisão do senhor chefe de finanças de revogação da sua anterior decisão de declaração da prescrição da dívida exequenda e consequente extinção da execução fiscal é ilegal por contrariar aquela decisão judicial, na parte em que pressupõe a estabilização dos efeitos pela mesma produzidos, ou seja, a declaração da prescrição da dívida exequenda.
Na verdade, tendo em consideração que o despacho do senhor chefe de finanças a declarar a prescrição da dívida exequenda foi proferido em processo de execução fiscal, o qual é impugnável ao abrigo do disposto no artigo 276 e 277º do CPPT, no prazo de 10 dias, a sua revogação com base em invalidade ao abrigo do disposto no artigo 141º do CPA só é possível nesse prazo (cfr. neste sentido Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado, vol. IV, em anotação ao artigo 277º, pág. 294). Refere a este propósito Jorge Lopes de Sousa (ob. cit.), que «as regras que constam daquele art. 141º do CPA, ao serem aplicadas aos actos administrativos praticados no processo de execução fiscal terão de ser adaptadas em sintonia com o respectivo regime de impugnação», pelo que sendo o prazo de impugnação de 10 dias é este o prazo aplicável à revogação daquele acto (sendo certo que neste caso não se coloca a possibilidade de um prazo mais alargado conferido ao Ministério Público, que não tem legitimidade para impugnar os actos praticados pelo órgão de execução fiscal).
Ora, decorrido o referido prazo de 10 dias, os efeitos daquele acto administrativo praticado no processo de execução fiscal ficam estabilizados, uma vez que a partir dessa altura já não é passível de impugnação, nem de revogação pelo autor do acto.”
Considerando que já vimos que para o conhecimento da verificação da prescrição está o juiz obrigado a ponderar todos os circunstancialismos fáctico-jurídicos que possam influir no decurso do respectivo prazo e, bem assim, no seu reconhecimento por parte das entidades com poder para tanto, com interesse, levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto:
H) Por despacho do Chefe de Finanças de 2013.12.11, constante de fls. 373 do PEF e que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi declarada a prescrição da dívida de IRS do exercício de 2000 e extinto o processo de execução fiscal; deste despacho transcreve-se:
a. Face à informação n° 799/2013 da equipa III da Divisão de Gestão de Devedores Estratégicos da Direção de Finanças de Lisboa, sancionada por despacho [do] Diretor de Finanças Adjunto, datado de 2013.11.18, a qual se dá como integralmente reproduzida e passa a fazer parte integrante do presente despacho, verifica-se que no [PEF nº 3247200501095021], já se encontra ultrapassado o prazo legal de prescrição referido no artigo 48° da LGT
b. Destarte, como a prescrição é do conhecimento oficioso do Chefe do Serviço de Finanças [cfr. artigo 175° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT)], reconhece -se e julga-se verificada a prescrição da dívida referente a IRS do ano 2000, em que é executado A……………. (…);
c. Nestes termos, atento o disposto na alínea c) do artigo 176° do mesmo diploma (CPPT), declaro extinta a presente execução, por prescrição.
d. Oficie-se a instância onde corre termos o contencioso associado aos presentes autos, do teor do presente despacho;
e. (...);
I) O despacho identificado na alínea anterior foi comunicado ao Tribunal Central Administrativo Sul, por ofício de 2013.12.12 (cf. fls. 374 do PEF);
J) Na sequência, foi proferido o Ac. TCAS de 2014.01.31, transitado em julgado em 2015.04.14, constante de fls. 40 a 42 dos autos, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (cf. fls. 255 dos autos);
K) Em 2014.04.24, pelo Chefe de Finanças de Lisboa-2, foi proferido o despacho reclamado, constante de fls. 375 do PEF e que aqui se dá por integralmente reproduzido, que revogou o despacho proferido em 2013.12.11, e determinou que se adicione prazo para efeito de contagem da prescrição; deste despacho transcreve-se:
a. Da análise do processo [3247200501095021 - IRS de 2000], constata-se que, em 2013.12.11, foi exarado despacho de prescrição, baseado na informação 799/2013 da equipa III da Divisão de Acompanhamento dos Devedores Estratégicos, sancionado por despacho do Diretor de Finanças Adjunto, datado de 2013.11.18, o qual se deu como integralmente reproduzido e passou a fazer parte integrante do mesmo;
b. Verifica-se que na contagem do prazo de prescrição efetuada à data, desconhecia-se a existência do processo de inquérito (crime), com referência à dívida em causa, IRS 2000;
c. Assim, em virtude de se ter, na presente data, confirmação de que o sobredito processo de inquérito 8870/03.4TDLSB, se encontra suspenso em virtude da existência de impugnação judicial, e que diz respeito à liquidação de IRS do ano de 2000, face ao disposto no artigo 49/5 da LGT, existe uma causa de suspensão que não foi tida em consideração aquando da contagem do prazo de prescrição, pelo que, assim sendo a dívida não se encontra prescrita;
d. Face ao exposto, revogo o anterior despacho proferido em 2013.12.11, pelo que determino que se adicione prazo para efeitos de contagem da prescrição;
e. (...).
Da leitura desta matéria de facto surpreende-se com facilidade que o despacho datado de 11/12/2013 do Chefe de Finanças que reconheceu a prescrição da dívida fiscal foi proferido no âmbito de um processo de execução fiscal, tanto mais, que na sequência desse mesmo despacho foi ordenada a extinção do respectivo processo executivo.
Posteriormente, com data de 24/04/2014, foi proferido novo despacho no âmbito do mesmo processo de execução fiscal já extinto que revogou aquele anterior despacho e ordenou que se adicione prazo ao prazo de prescrição.
Não há qualquer dúvida, assim, que independentemente do modo como se qualifique tais actos, como judiciais ou administrativos, o que é certo é que foram ambos praticados tendo por referência um concreto processo de execução fiscal e sobre o mesmo produziram os seus efeitos, um julgando-o extinto, o outro reabrindo-o.
Sobre a impugnação de actos proferidos no âmbito dos processos de execução fiscal ou que sobre o mesmo tenham uma repercussão imediata, dispõem directamente os artigos 276º e 277º do CPPT.
O primeiro, sob a epígrafe “Reclamações das decisões do órgão da execução fiscal”, dispõe que as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância.
O segundo, estabelece quais os prazos para o efeito:
1 - A reclamação será apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão e indicará expressamente os fundamentos e conclusões.
2 - A reclamação é apresentada no órgão da execução fiscal que, no prazo de 10 dias, poderá ou não revogar o acto reclamado.
3 - Caso o acto reclamado tenha sido proferido por entidade diversa do órgão da execução fiscal, o prazo referido no número anterior é de 30 dias.
Resultando provado que o primeiro despacho datado de Dezembro de 2013 extinguiu a execução fiscal, por prescrição, e que o mesmo não foi impugnado nos termos do disposto nos artigos anteriormente citados não há dúvida que aquela extinção da execução conduziu à “consolidação das situações jurídicas por ela definidas”, cfr. J.Lopes de Sousa, CPPT Anotado, vol. Iv, pág. 295.
E, tanto assim é, que o prazo de que a AT dispunha para a possível revogação de tal acto seriam os prazos indicados naquele artigo 277º do CPPT e não quaisquer outros, como aliás em situação semelhante, de revogação de acto anterior, a propósito dos prazos de impugnação de reclamação graciosa já decidiu este Supremo Tribunal no acórdão datado de 17/12/2014, rec. n.º 0454/14.
Não restam dúvidas, assim, que quer se entenda que o acto datado de 11/12/2013 está abrangido pela força do caso decidido (se se qualificar como acto administrativo), quer se entenda que está abrangido pela força do caso julgado (se se qualificar como acto judicial), o que é certo é que o mesmo está consolidado na ordem jurídica, como bem refere o Magistrado do Ministério Público no seu parecer, ou seja, não é susceptível de alteração, quer por via de acto administrativo, quer por via de decisão judicial e, portanto, nesta medida teremos que concluir que se decidiu correctamente na sentença impugnada.

Alega ainda o recorrido que a Fazenda Pública litiga de má-fé.
Ora é absolutamente evidente que a Fazenda Pública, ao interpor o presente recurso, deduz pretensão (e oposição ao doutamente decidido) cuja falta de fundamento não ignora;
Bem assim como é manifesto que a Fazenda Pública viola de forma intencional o dever de cooperação (bem assim como o dever de objectividade e de justiça que — no exercício dos poderes soberanos do Estado — lhe são impostos, fazendo uso manifestamente reprovável dos meios processuais (designadamente do direito ao recurso), com a finalidade de conseguir, nomeadamente, entorpecer a acção da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão;
Conduta processual da AT, esta, que não poderá deixar de ser severamente censurada e sancionada, nos termos do disposto, nomeadamente, nos artº 542º nº 1 e 545º do C.P.C., e de acordo com o prudente arbítrio de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores.”.

Sobre a litigância de má-fé por parte da Fazenda Pública, dispõe o artigo 104º, n.º 1 da LGT nos seguintes termos: sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas.
Como bem se depreende do alegado pelo recorrido, bem como dos termos em que o presente processo se desenvolveu, a conduta da administração tributária não se enquadra em nenhuma daquelas previsões para que possa vir a ser condenada como litigante de má fé.
Pode-se discordar da sua actuação, enquanto entidade administrativa e enquanto parte no processo judicial, mas não se vislumbra que se mostrem violadas as suas obrigações de modo a poder ser, nos termos da lei, condenada como litigante de má fé.
Improcede, assim, esta questão.

Por último, vem a recorrente pedir que, ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.° 7 do art.° 6° do RCP, porquanto não estamos perante uma ação complexa, aliás, a própria natureza do processo em causa, exercício do poder judicial face a um ato praticado num processo de execução fiscal, que alguma jurisprudência chegou a qualificar como “incidente processual” e que Jorge Lopes de Sousa qualifica como “incidente típico do processo de execução fiscal” implica que dificilmente estaríamos perante uma ação complexa e a conduta das partes configura uma normal atuação de litigantes.
Resulta do artigo 6º, n.º 7 do RCP que nas causas de valor superior a 275.000,00 € o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Trata-se, pois, de uma dispensa excepcional que, à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no nº 7 do art. 7º, depende de uma concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ter sido omitida, mediante requerimento de reforma da decisão - cfr., neste sentido, o acórdão de 15/10/2014, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste STA, no proc. nº 01435/12. E como também aí se deixou explicado, «tem-se entendido que cabe a este STA apreciá-lo tão só no que respeita ao recurso (processo autónomo, na acepção do nº 2 do art. 1º do RCP) que a ele foi dirigido (...), cfr. entre outros acórdão deste STA, datado de 25/02/2015, rec. n.º 01106/13.
Ao contrário do afirmado pela requerente Fazenda Pública, a presente causa nem é simples, nem de fácil resolução.
As questões em apreço mereceram forte argumentação entre as partes, bem como uma exaustiva análise e subsunção jurídica das questões trazidas a juízo.
A análise jurídica das diversas questões não teve uma complexidade inferior à comum; pelo contrário, trata-se de questões de complexidade jurídica considerável, de grande especificidade a nível jurídico-tributário, que obrigaram a uma trabalhosa tarefa de interpretação do quadro legal vigente, bem como a pesquisa e leitura de doutrina e jurisprudência dos tribunais tributários.
Por outro lado, no que respeita à simplificação da tramitação processual, seja em razão da específica situação processual, seja pela conduta processual das partes, também não descortinamos motivo para a requerida dispensa, tendo em conta a regular e legal tramitação do recurso, que não se afastou minimamente dos parâmetros normais de tramitação processual dos recursos interpostos para este Supremo Tribunal Administrativo.
Razões pelas quais, improcede o requerido.

Face ao exposto, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso com os fundamentos atrás expostos.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 8 de Julho de 2015. – Aragão Seia (relator) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.