Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0491/17.0BALSB
Data do Acordão:03/28/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
CLASSIFICAÇÃO PROFISSIONAL
PODERES DE COGNIÇÃO
Sumário:Na avaliação de desempenho dos magistrados interessa fundamentalmente o modo como exerceram as suas funções em termos profissionais e não tanto, e não sobretudo, o seu estado de ânimo, designadamente a sua suposta falta de motivação ou menor adaptação, pois que a falta de motivação ou menor adaptação não é necessariamente sinónimo de falta de qualidade no exercício das funções.
Nº Convencional:JSTA000P24393
Nº do Documento:SAP201903280491/17
Data de Entrada:11/13/2018
Recorrente:A..........
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A……………….., devidamente identificado nos autos, vem interpor recurso para o Pleno da 1.ª Secção do STA do acórdão da mesma Secção, de 12.04.18, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa por si intentada contra o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) e, em consequência, o absolveu do pedido.

Alega, para o efeito, que o acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia e de errada aplicação do direito.

2. O A., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 660 a 663):

“a) Invocou o Recorrente ter existido, com referência à inspeção ora controvertida, «[t]rabalho não ponderado ou não analisado em sede de inspeção/avaliação», reportando-se tais situações ao «serviço de turno do fim-de-semana», ao «despacho de inquéritos de terceiros», ao «serviço de turno à Secção Central» e ao «serviço junto do Tribunal de Instrução Criminal …………. (primeiros interrogatórios judiciais de arguidos detidos, diligências de instrução e processado)», tudo conforme artigos 117.º a 134.º da petição inicial;

b) O douto acórdão recorrido apenas conheceu de duas dessas questões (serviço de turno do fim-de-semana e ao despacho de inquéritos de terceiros), mas não conheceu das outras duas questões invocadas [«serviço de turno à Secção Central» e ao «serviço junto do Tribunal de Instrução Criminal de ……….(primeiros interrogatórios judiciais de arguidos detidos, diligências de instrução e processado)»];

c) Verifica-se, assim, omissão de pronúncia, geradora da nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.

d) Fundamentou-se a decisão de atribuir ao Recorrente a classificação de "Bom", com referência as Secções 14.ª, 15.ª e Central do …………., no facto de que «[a] natureza das funções nestas secções, em três quartos do período considerado (...) são incompatíveis com considerar que o inspecionado demonstrou qualidades que transcendem o normal exercício de funções»;

e) Ao ter o CSMP elencado como um dos fundamentos para atribuir ao Recorrente a classificação de "Bom" o facto de ser a natureza Secções 14.ª, 15.ª e Central do ……….. (per se, entenda-se) incompatível com a demonstração de qualidades que possam conduzir a classificação de mérito, entende o Recorrente que, por um lado, a deliberação impugnada padece de vícios de fundamentação e de erro grosseiro ou manifesto nos seus pressupostos de facto (já que não se vê nem a deliberação impugnada diz porque é que entende que a natureza das referidas Secções é incompatível com a demonstração de qualidades que possam conduzir à classificação de mérito; e que, por outro lado, viola também, tendo em conta a atuação do Recorrente comparativamente com terceiros e a expetativa da possibilidade de atribuição de nota de mérito em face do correto exercício de funções junto de tais Secções, os princípios da igualdade e da tutela da confiança, ambos com tutela constitucional e consagrados, respetivamente, nos artigos 6.º e 10.º do CPA;

f) Entendendo de forma diferente o douto acórdão recorrido violou os referidos princípios e normas legais.

g) Fundamentou-se a decisão de atribuir ao Recorrente a classificação de "Bom", designadamente, na (pretensa) inaptidão à 1.ª Secção do …………., sendo essa uma das razões «incompatíveis com considerar que o inspeccionado demonstrou qualidades que transcendem o normal exercício de funções»;

h) Impugnada tal decisão quanto a tal fundamentação, decidiu o douto acórdão recorrido que (...) a conclusão a que chega o Acórdão do Plenário é que o autor possuía capacidades funcionais para realizar aquelas funções, relevando-se a inaptidão essencialmente pela falta de motivação do mesmo, para ali continuar (...);

i) Porém, não só a inaptidão como a falta de motivação não estão minimamente fundamentadas na deliberação recorrida, incorrendo assim a em vícios de fundamentação e erro nos pressupostos de facto;

j) Devendo, pois, ao contrário do doutamente decidido no acórdão recorrido, ser declarada a verificação de tais vícios;

k) Fundamentou-se a decisão de atribuir ao Recorrente a classificação de "Bom", também, na falta de rigor na articulação dos fundamentos para a aplicação da figura da reincidência, dizendo que tal se teria verificado «nos seguintes Processos: ........, .............. e ...........»;

l) Foi decidido no acórdão recorrido, nesta parte, não assistir razão ao ora Recorrente, dado ser lícito ao CSMP com base nos factos constantes do Relatório de Inspeção efectuar valoração diversa da do Senhor Inspetor no que tange a ter existido falta de rigor e insuficiência na articulação dos fundamentos respeitantes à reincidência, verificada em três processos, a tal não se opondo o facto de o ora Recorrente ter seguido na aplicação deste instituto a jurisprudência prolatada por um acórdão do STJ.

m) Ora, pode (porventura) não ser jurisprudência unânime, mas não se trata de jurisprudência de um único acórdão. O Recorrente indicou aqui, além de doutrina, onze acórdãos, alguns destes indicam outros e outros ainda poderiam ser indicados. O que significa que a deliberação impugnada é ilegal por erro nos pressupostos de facto.

n) Devendo, assim e ao contrário do doutamente decidido no acórdão recorrido, ser a deliberação impugnada anulada.

o) Fundamentou-se a decisão de atribuir ao Recorrente a classificação de "Bom", também em despachos para a aplicação da suspensão provisória do processo e no conteúdo de algumas acusações deduzidas.

p) Invocou o ora Recorrente padecer a deliberação impugnada, quanto a essas matérias, de erro nos pressupostos de facto e violação dos princípios da igualdade e da tutela da confiança, com assento constitucional e densificados nos artigos 6º e 10º, respetivamente do CPA.

q) O douto acórdão recorrido não decidiu tal matéria fundamentadamente e, em parte, nem sequer de acordo com a realidade dos factos.

r) Entendendo de forma diferente o douto acórdão recorrido violou os referidos princípios e normas legais.

Termos em que ao recurso deve ser dado provimento, com as legais consequências, com o que V. Exas, Venerandos Conselheiros farão

Justiça!”.

3. O Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) produziu contra-alegações, concluindo-as do seguinte modo (cfr. fls. 694 a 701):

A. O douto acórdão recorrido não enferma da nulidade por omissão de pronúncia que o recorrente lhe atribui, e ao julgar a ação improcedente decidiu com acerto todas as questões que o Tribunal devia apreciar, com correta decisão sobre a matéria de facto, interpretação e aplicação do Direito;

B. Concretamente, não ocorreu a invocada omissão de pronúncia sobre a suscitada questão do «trabalho não ponderado ou não analisado em sede de inspeção/avaliação" reportada ao "Serviço de Turno à Secção Central" e ao "serviço junto do Tribunal de instrução Criminal ………….";

C. Pois o douto acórdão recorrido efetivamente conheceu dessa suscitada questão, acabando por concluir que todo o serviço de turno desempenhado pelo recorrente foi tido considerado no seu conjunto;

D. E ainda que o Tribunal não se tenha referido a todos os factos e argumentos invocados pelo recorrente, nem por isso estamos perante a figura da omissão de pronúncia relevante para efeitos de nulidade do douto acórdão recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 1, al. d) do CPC, pois o Tribunal não tem que se ocupar de todas as considerações feitas pelas partes;

E. O douto acórdão recorrido não violou os princípios da igualdade e da tutela da confiança e as disposições dos artigos 6.º e 10.º do CPTA, por não ter acolhido a tese do recorrente no sentido de que o ato impugnado, ao considerar de maior simplicidade o serviço nas Secções 14.ª e 15.ª e Secção Central do ……………., padece de vícios de fundamentação e de erro grosseiro nos seus pressupostos de facto e que, por outro lado, viola aqueles princípios da igualdade e da tutela da confiança;

F. Pois na verdade o ato impugnado não enferma desses vícios, na medida em que, contrariamente ao pressuposto pelo recorrente, as referências à maior simplicidade do serviço na 14.ª e 15.ª Secções do ……… não foram feitas no sentido de que essa simplicidade inviabiliza a atribuição de uma classificação de mérito;

G. O ato impugnado não teve apenas em conta a simplicidade do trabalho, mas igualmente factos menos abonatórios que foram extraídos do relatório da inspeção, que foram determinantes na classificação atribuída ao recorrente;

H. E relativamente às colegas que o recorrente indica a quem foi atribuída nota de mérito, não lhes foram apontadas falhas como aquelas que foram apontadas ao recorrente, pelo que falece qualquer comparação que pretenda fazer em relação à sua situação inspetiva;

I. E também o facto de essas falhas apontadas no relatório de inspeção terem sido consideradas de maior gravidade pelo Plenário do CSMP, ao contrário do considerado pelo Sr. Inspetor, não consubstancia qualquer erro nos pressupostos de facto, ou violação do princípio da igualdade;

J. O recorrente também não tem razão na crítica que faz ao douto acórdão recorrido por não ter acolhido a sua alegação no sentido de que o ato impugnado incorre em vícios de fundamentação e erro nos pressupostos de facto por via das referências que faz à inadaptação do recorrente ao serviço da 1.ª Secção do ………………;

K. Tal como se considerou no douto acórdão recorrido, o invocado valor da prestação funcional do recorrente na 1.ª Secção do …………….. foi devida e expressamente reconhecido, e vê-se claramente que a referência à sua inadaptação a essa Secção feita no ato impugnado feita não teve a ver com a capacidade para exercer as funções, mas sim por questões de falta de motivação do recorrente para continuar;

L. O reparo que no ato impugnado se fez ao desempenho funcional do recorrente por em três processos ter articulado com insuficiência e falta de rigor os fundamentos para a aplicação da figura da reincidência incidiu apenas sobre esses processos, e no mais fez-se a devida ponderação positiva quanto a outros inquéritos em que o recorrente peticionou a condenação dos arguidos a título de reincidência em termos que não mereceram qualquer crítica;

M. E não é pelo facto de existir alguma jurisprudência em que foi aceite a articulação dos fundamentos para a aplicação da figura da reincidência nos moldes em que o recorrente a articulou naqueles três processos, que deixa de se justificar o reparo que lhe foi feito;

N. O facto de o Senhor Inspetor, não obstante este reparo, ter proposto a classificação de "Bom com Distinção" não vincula o CSMP, sendo-lhe lícito fazer a sua própria apreciação sobre os mesmos factos, e retirar conclusões diversas, acabando por atribuir a classificação de "Bom" em resultado da apreciação glocal do serviço prestado pelo recorrente;

O. Por isso, o douto acórdão recorrido, julgando não verificado o invocado vício de erro sobre os pressupostos de facto pela forma como o ato impugnado apreciou e valorou a prestação funcional do recorrente nesses três processos, decidiu com todo o acerto, não merecendo qualquer censura;

P. A crítica que no ato impugnado se fez ao desempenho funcional do recorrente no sentido de que, embora os despachos com vista à aplicação da suspensão provisória do processo se mostrassem bem elaborados e fundamentados, em seis casos tinham sido bastante curtos os períodos de vigência propostos, não prejudicou a apreciação positiva relativamente aos despachos não merecedores de qualquer crítica que proferiu noutros inquéritos;

Q. Pelo contrário, também foram analisados os demais processos, e aquela referência aos períodos de suspensão de 1 a 3 meses, tidos como muito curtos, é feita apenas aos seis despachos que o Senhor inspetor considerou mais importantes, embora com esse senão dos prazos de suspensão do processo;

R. E ainda que o antecessor do recorrente já viesse adotando tal prática, de não é por isso que fica isento de crítica o procedimento do recorrente ao fixar prazos tão curtos de suspensão provisória do processo;

S. Nem se pode desvalorizar o crime de consumo de estupefacientes em razão a moldura penal diminuta, porque a natureza do crime, e a natural tendência, senão mesmo dependência, para reiterar o consumo de estupefacientes reclama períodos de suspensão provisória mais longos;

T. E também a este propósito o facto de o Senhor Inspetor, não obstante as críticas que teceu acerca do desempenho funcional do recorrente, sempre ter proposto a classificação de "Bom com Distinção", não impede o CSMP de fazer a sua própria apreciação sobre os mesmos factos e concluir que os mesmos concorrem, na avaliação global, para inviabilizar a atribuição de uma classificação de mérito;

U. Por isso, também se mostra absolutamente correta a decisão do douto acórdão recorrido ao entender que o ato impugnado, procedendo a uma avaliação global do serviço prestado pelo recorrente, justifica os fundamentos em que discorda da proposta apresentada no relatório de inspeção e que conduziram à alteração da notação, sendo esta fundamentação bastante, não se retirando da mesma qualquer erro de apreciação nos pressupostos de facto, nem a imputada violação do princípio da boa-fé ou da confiança;

V. Finalmente, a crítica que no ato impugnado se fez ao desempenho funcional do recorrente pelo conteúdo de algumas acusações deduzidas, suportadas em escutas telefónicas, não prejudicou a apreciação positiva relativamente a outras acusações idênticas, também suportadas em escutas telefónicas, que não mereceram reparo;

W. Pois os reparos resultaram da descrição de factos relativos a contactos telefónicos e encontros em que não existiu transação de produtos estupefacientes, conversações que mesmo a provarem-se eram insuscetíveis de integrar qualquer crime, o que não sucedia, ou não sucedia de modo tão flagrante nos processos indicados pelo recorrente para comparação;

X. Tem toda a justificação a crítica e ponderação que se fez ao desempenho do recorrente no que respeita a ter articulado nas acusações factos dispensáveis ao objeto do processo, à utilização dos termos "falsificação" ou "falsificar" na descrição dos factos, ou ao incorreto enquadramento jurídico-penal dos factos, que veio a ser alterado no despacho de pronúncia, sendo o arguido depois condenado pelos crimes por que foi pronunciado;

Y. E o facto de o Senhor Inspetor, não obstante as críticas que teceu acerca do desempenho funcional do recorrente, sempre ter proposto a classificação de "Bom com Distinção", não impede o CSMP de fazer a sua própria apreciação sobre os mesmos factos e concluir que os mesmos concorrem, na avaliação global, para inviabilizar a atribuição de uma classificação de mérito;

Z. Por isso, mais uma vez foi com todo o acerto que no douto acórdão recorrido se julgou improcedente a alegação do recorrente também neste segmento, e se decidiu pela inexistência de qualquer de erro sobre os pressupostos de facto, ou de qualquer violação dos princípios da igualdade e da tutela da confiança, densificados nos artigos 6.º e 10.º do CPA;

AA. O douto acórdão recorrido não enferma de nenhum dos defeitos que o recorrente lhe atribui, antes procedeu a uma correta seleção dos factos provados e relevantes para a decisão da causa, pronunciou-se sobre todas as questões de que devia conhecer e proferiu uma decisão acertada, com correta interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso aplicáveis, não tendo sido violadas as normas indicadas pelo recorrente nem quaisquer outras;

BB. Sem prejuízo, o pedido de condenação à prática do ato pretensamente devido – "atribuição ao A. da classificação de, pelo menos, «Bom com Distinção»" – sempre teria que improceder, por não se conter nos poderes de cognição do Tribunal.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente e ser-lhe negado provimento, confirmando-se integralmente o douto acórdão recorrido.

VOSSAS EXCELÊNCIAS APRECIARÃO E FARÃO A MELHOR JUSTIÇA!”.

4. Colhidos os vistos, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:


Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.

2. De direito:

2.1. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora recorrente – delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações –, relacionadas com a alegada verificação de nulidade por omissão de pronúncia e de erros de julgamento por má aplicação do direito e por errada apreciação dos factos.

2.2. Da alegada omissão de pronúncia

Argumenta o recorrente que o acórdão sob impugnação se mostra lavrado com omissão de pronúncia porquanto, tendo o A., ora recorrente, alegado na p.i. que houve trabalho por si prestado que não foi considerado no relatório inspectivo/avaliação (“reportando-se tais situações ao «serviço de turno do fim-de-semana», ao «despacho de inquéritos de terceiros», ao «serviço de turno à Secção Central» e ao «serviço junto do Tribunal de Instrução Criminal ……………. (primeiros interrogatórios judiciais de arguidos detidos, diligências de instrução e processado)», tudo conforme artigos 117.º a 134.º da petição inicial”), o acórdão recorrido apenas teria apreciado “duas dessas questões (serviço de turno do fim-de-semana e ao despacho de inquéritos de terceiros), mas não conheceu das outras duas questões invocadas [«serviço de turno à Secção Central» e ao «serviço junto do Tribunal de Instrução ….” (cfr. conclusões a) e b) das alegações de recurso).

No acórdão de sustentação de fls. 706-707 foi argumentado que não assistia razão ao recorrente, “uma vez que, a matéria relativamente à qual ele alega que não haver pronúncia, se encontra vertida nos pontos vi (funções na secção central) e vii e viii (serviço junto do Tribunal de Instrução Criminal), do Acórdão ora posto em crise. E o facto de se haver abordado tais questões de uma forma global, ou seja, não calcorreando cada ponto específico como o recorrente pretendia, tal não obsta à afirmação de que tal matéria foi efectivamente conhecida, nos termos exigidos por lei, retirando-se dessa análise uma conclusão de indeferimento do requerido”.

Reagindo a este aresto, veio o recorrente reclamar para a conferência, reclamação que viria a ser indeferida por despacho da Relatora.

Vejamos se assiste razão ao recorrente.

Quanto ao serviço de turno à Secção Central do ……………., no acórdão recorrido disse-se, entre outras coisas, o seguinte:

Porém, a nota atribuída no acórdão recorrido não teve apenas em conta a simplicidade do trabalho [aliás a prova que mesmo em funções mais simples é possível obter nota de mérito, é precisamente o facto alegado pelo autor, relativamente às suas duas colegas que têm como classificação de serviço, Bom com Distinção e Muito Bom], mas igualmente factos menos abonatórios que foram extraídos do relatório da inspecção e logo salientados no Acórdão da secção e depois no Acórdão do Plenário, como sejam o facto de «conteúdo de algumas acusações deduzidas, particularmente naquelas que envolveram escutas telefónicas, com incapacidade de selecção de factos, a falta de rigor na articulação dos fundamentos para a aplicação da figura da reincidência, a uma prestação desigual quanto ao pedido de aplicação da pena acessória de expulsão do território nacional, ao conteúdo de certos despachos para aplicação da suspensão provisória do processo e a uma prestação desigual em matéria de recursos».

Ora, estes aspectos foram determinantes na nota atribuída pelo Acórdão do Plenário, não constando dos documentos juntos aos autos que às suas colegas a quem foi atribuída nota de mérito, tivessem sido apontadas estas falhas, pelo que falece qualquer comparação que o autor pretenda fazer em relação à sua situação inspectiva.

E estas falhas apontadas no relatório de inspecção, foram consideradas de maior gravidade pelo Plenário do CSMP, ao contrário do considerado pelo Sr. Inspector, bem como a consideração de funções rotineiras e incompatíveis com a atribuição de nota de mérito, o que foi determinante na alteração da nota de classificação atribuída, sem que desta forma, ocorra qualquer situação de erro nos pressupostos de facto, ou violação do princípio da igualdade”.

Mais ainda, diz-se o seguinte:

Aliás, o Acórdão recorrido é claro quando refere:

«No período temporal objecto de inspecção (…) o inspeccionado acompanhou processos do TIC, na fase de instrução criminal e desempenhou, durante três anos, funções de responsabilidade rotineira nas 14ª e 15ª Secções do ………… e na respectiva Secção Central; e, por um ano, na 1ª Secção do mesmo …………., estas de maior complexidade e responsabilidade. É parte do trabalho desenvolvido na instrução criminal e nesta ultima secção que revela, em alguns processos, qualidade acima da média, sem prejuízo de vários reparos negativos, quanto a outros processos, assinalados em 9. supra. Certo é que, por inadaptação, a estas funções, o inspeccionado, ao fim de um ano, regressou às rotinas das 14ª e 15ª Secções e da Central. A natureza das funções nestas secções, em três quartos do período considerado e a inadaptação a serviço de maior complexidade, são incompatíveis com considerar que o inspeccionado demonstrou qualidades que transcendem o normal exercício de funções, antes revelam apenas uma prestação cabal e efectiva das obrigações a cargo».

Ou seja, a conclusão a que chega o Acórdão do Plenário é que o autor possuía capacidades funcionais para realizar aquelas funções, revelando-se a inaptidão essencialmente pela falta de motivação do mesmo, para ali continuar; quanto ao mais, que ao autor pretende relevar, não foi considerado pelo Acórdão recorrido como digno de registo para uma notação de mérito, mas sim enquadrado num registo de prestação normal das funções desempenhadas, pelo que apenas enquadradas numa notação de ‘Bom’”.

Com a transcrição destes trechos – do último dos quais se inferindo, no respeitante ao desempenho de funções pelo ora recorrente junto das 14.ª e 15.ª Secções do ………… e da respectiva Secção Central, que o mesmo, por comparação com o trabalho por ele prestado na 1.ª Secção, não foi digno de registo para efeitos de uma notação de mérito –, constata-se que a questão do serviço de turno prestado junto da Secção Central do …………. foi devidamente apreciada pelo acórdão recorrido, nele se dando resposta aos argumentos apresentados pelo A.

Quanto ao serviço prestado no TIC, e retornando ao acórdão recorrido e ao trecho que há pouco se transcreveu, não se compreende como pretende o ora recorrente que o mesmo não foi tido em causa nem valorado. Atentemos novamente no seguinte segmento: «No período temporal objecto de inspecção (…) o inspeccionado acompanhou processos do TIC, na fase de instrução criminal e desempenhou, durante três anos, funções de responsabilidade rotineira nas 14ª e 15ª Secções do ………… e na respectiva Secção Central; e, por um ano, na 1ª Secção do mesmo …………., estas de maior complexidade e responsabilidade. É parte do trabalho desenvolvido na instrução criminal e nesta ultima secção que revela, em alguns processos, qualidade acima da média, sem prejuízo de vários reparos negativos, quanto a outros processos, assinalados em 9. supra”. [negritos nossos]

Em face do exposto, deve improceder a alegada nulidade por omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA), em virtude de não se poder afirmar, como o faz o recorrente, de que não foram tratadas questões por si delimitadas na p.i. que apresentou.

2.3. Dos alegados vícios de falta de fundamentação e de erro grosseiro ou manifesto nos pressupostos de facto da decisão impugnada e da alegada violação dos princípios da igualdade e da tutela da confiança

Sustenta o ora recorrente que a natureza das funções exercidas na 14.ª e 15.ª Secções – natureza essa que seria, “incompatível com a demonstração de qualidades que possam conduzir a classificação de mérito” – constituiu um dos fundamentos que levou o CSMP a atribuir-lhe a classificação de ‘Bom’, sendo certo que a deliberação impugnada não esclarece a razão da ‘incompatibilidade’ em questão, além de que, comparando a sua actuação com a actuação de terceiros que exerceram as mesmas funções nas mesmas Secções, deve concluir-se que aquela deliberação violou os princípios da igualdade e da tutela da confiança. Ora, segundo o recorrente, “Entendendo de forma diferente o douto acórdão recorrido violou os referidos princípios e normas legais”.
Vejamos.

Independentemente do que o ora recorrente entende que foi dito no acórdão do CSMP, não se vê no acórdão recorrido nenhuma ‘adesão’ a essa suposta ligação entre a simplicidade das funções exercidas nas 14.ª e 15.ª Secções e a impossibilidade de uma classificação de mérito. Atentemos no que aí se diz:

No que a este respeito concerne, alega o autor o facto de se ter considerado de maior simplicidade o serviço nas 14ª e 15ª Secções do ………….., onde exerceu funções, realçando o facto de já anteriormente ter sido classificado com nota de “Bom com Distinção”, encontrando-se colocado (e com referência ao trabalho aí desenvolvido) nas 14ª e 15ª Secções; e ainda que, duas colegas suas que com ele desempenharam funções obtiveram classificações de mérito (Bom com Distinção e Muito Bom, respectivamente).

Porém, a nota atribuída no acórdão recorrido não teve apenas em conta a simplicidade do trabalho [aliás a prova que mesmo em funções mais simples é possível obter nota de mérito, é precisamente o facto alegado pelo autor, relativamente às suas duas colegas que têm como classificação de serviço, Bom com Distinção e Muito Bom], mas igualmente factos menos abonatórios que foram extraídos do relatório da inspecção e logo salientados no Acórdão da secção e depois no Acórdão do Plenário, como sejam o facto de «conteúdo de algumas acusações deduzidas, particularmente naquelas que envolveram escutas telefónicas, com incapacidade de selecção de factos, a falta de rigor na articulação dos fundamentos para a aplicação da figura da reincidência, a uma prestação desigual quanto ao pedido de aplicação da pena acessória de expulsão do território nacional, ao conteúdo de certos despachos para aplicação da suspensão provisória do processo e a uma prestação desigual em matéria de recursos».

Ora, estes aspectos foram determinantes na nota atribuída pelo Acórdão do Plenário, não constando dos documentos juntos aos autos que às suas colegas a quem foi atribuída nota de mérito, tivessem sido apontadas estas falhas, pelo que falece qualquer comparação que o autor pretenda fazer em relação à sua situação inspectiva.

E estas falhas apontadas no relatório de inspecção, foram consideradas de maior gravidade pelo Plenário do CSMP, ao contrário do considerado pelo Sr. Inspector, bem como a consideração de funções rotineiras e incompatíveis com a atribuição de nota de mérito, o que foi determinante na alteração da nota de classificação atribuída, sem que desta forma, ocorra qualquer situação de erro nos pressupostos de facto, ou violação do princípio da igualdade”.

Da leitura deste trecho decorre com clareza que o acórdão recorrido não aderiu à pretensa tese da incompatibilidade supostamente seguida na deliberação do CSMP objecto de impugnação, antes aí se esclarece que a classificação atribuída se ficou a dever a uma conjugação de vários factores de avaliação, e que o acórdão do Plenário, por comparação com o relatório inspectivo, terá valorado de forma diferente certos aspectos relacionados com o serviço prestado pelo ora recorrente. Tanto basta para considerar que deve improceder este fundamento de recurso.

2.4. Dos alegados vícios de falta de fundamentação e de erro nos pressupostos de facto da decisão impugnada quanto à questão da suposta inaptidão do ora recorrente às funções desempenhadas na 1.ª Secção e à sua falta de motivação

Uma vez mais, a censura feita ao acórdão recorrido teve que ver com a circunstância de o mesmo não se ter afastado das justificações constantes da deliberação impugnada, quando, segundo o recorrente, devia ter dado por verificados esses vícios.

Diz-se no acórdão recorrido o seguinte:

Ou seja, a conclusão a que chega o Acórdão do Plenário é que o autor possuía capacidades funcionais para realizar aquelas funções, revelando-se a inaptidão essencialmente pela falta de motivação do mesmo, para ali continuar; quanto ao mais, que ao autor pretende relevar, não foi considerado pelo Acórdão recorrido como digno de registo para uma notação de mérito, mas sim enquadrado num registo de prestação normal das funções desempenhadas, pelo que apenas enquadradas numa notação de “Bom”.

Inexiste, pois, qualquer erro nos pressupostos de facto nesta avaliação e fundamentação consagrada no Acórdão recorrido”.

Deve antes de mais mencionar-se que a deliberação impugnada refere “inadaptação” e não “inaptidão”. Não obstante, sendo certo que ‘inadaptação’ e ‘inaptidão’ não significam exactamente a mesma coisa, e sendo certo que o acórdão recorrido utilizou o termo empregado pelo A., ora recorrente, na sua p.i., o que importa é que na sua motivação percebe-se que é a ideia de inadaptação e não propriamente de inaptidão que está em causa. Com efeito, diz-se no acórdão recorrido que a “inaptidão” não está associada a uma má prestação funcional do magistrado inspeccionado, mas à circunstância de o recorrente não se ter mantido na 1.ª Secção, onde as funções a desempenhar são de maior complexidade e responsabilidade, e onde, em alguns dos processos em que interveio, revelou um trabalho de qualidade acima da média – diversamente do que sucedeu, portanto, no que se refere ao trabalho que prestou nas 14ª e 15ª Secções. Ou seja, em parte alguma (nem na deliberação impugnada e nem no acórdão recorrido) se dá a entender que o magistrado não mostrava capacidade para exercer aquelas funções, bem pelo contrário, foi no desempenho dessas funções que mais se destacou pela positiva. Questão distinta é a de saber se este curto período de tempo em que o ora recorrente revelou um trabalho de qualidade acima da média foi devidamente valorizado. Seja como for, para o que agora interessa, em parte alguma se questionou a inaptidão do ora recorrente.

Quanto à fundamentação dada a essa inaptidão/inadaptação, ela reside, segundo o acórdão recorrido, na ideia de que o magistrado, passado apenas um ano, optou por afastar-se do exercício das funções que desempenhava na 1.ª Secção, funções mais complexas e de maior responsabilidade.

E isto leva-nos para a segunda questão. Atribuiu o acórdão recorrido a não permanência na 1.ª Secção à falta de motivação do magistrado inspeccionado, o que o recorrente contesta. O acórdão recorrido e não a decisão impugnada, tratando-se, deste modo, de interpretação que extrapola o que foi dito na deliberação impugnada e no próprio relatório inspectivo. Cabe, deste modo, determinar quais as implicações jurídicas desta interpretação.
Comecemos por atentar na concreta motivação que levou o ora recorrente a deixar a 1.ª Secção, a qual poderá ser encontrada, entre outros, no artigo 111.º da p.i., que agora transcrevemos, porque oportuno: “Após acumular, no ano judicial 2012/2013, de modo enriquecedor, uma nova experiência em novas funções (1.ª Secção), veio o A. a exercer no ano judicial 2013/2014 novas funções, de maior relevo e importância (cfr. docs. n.ºs 33 e 34), designadamente, aquelas inerentes ao turno diário ao serviço de natureza urgente junto da Secção Central do …………….., funções essas que lhe agradavam sobremaneira, ademais, atenta toda a sua experiência nessa matéria, adquirida ao longo dos anos, com a realização de turnos semanais na 1.ª Secção, estes na área dos estupefacientes, e de ‘fim-de-semana’, estoutros em todas as áreas de criminalidade”.
Com este esclarecimento o ora recorrente pretendeu dar a conhecer quais os verdadeiros motivos que o levaram a deixar as funções na 1.ª Secção. Não obstante, um tal esclarecimento não serve para sustentar a alegada falta de fundamentação da deliberação impugnada. E, a verdade é que, mal ou bem, ela está fundamentada. Questão distinta é a de saber se se trata de fundamentação juridicamente admissível. E aqui a resposta terá de ser negativa. Efectivamente, na avaliação de desempenho dos magistrados interessa fundamentalmente o modo como desempenharam as suas funções e não tanto, e não sobretudo, a sua suposta falta de motivação ou menor adaptação, pois que a falta de motivação/menor adaptação não é necessariamente sinónimo de falta de qualidade no exercício das funções. Tal como, de igual forma, não pode ser visto como falta de qualidade o desempenho de funções tidas como mais ‘fáceis’.
Em face de tudo isto, devemos concluir que a deliberação impugnada enferma, nesta parte, de erro nos pressupostos.


2.5. Do alegado erro nos pressupostos de facto

O alegado erro nos pressupostos de facto é imputado à deliberação impugnada. Quanto ao acórdão recorrido, menciona o recorrente o seguinte: “Foi decidido no acórdão recorrido, nesta parte, não assistir razão ao ora Recorrente, dado ser lícito ao CSMP com base nos factos constantes do Relatório de Inspeção efectuar valoração diversa da do Senhor Inspetor no que tange a ter existido falta de rigor e insuficiência na articulação dos fundamentos respeitantes à reincidência, verificada em três processos, a tal não se opondo o facto de o ora Recorrente ter seguido na aplicação deste instituto a jurisprudência prolatada por um acórdão do STJ”. Seguidamente, o recorrente esclarece que não se trata de um único acórdão, mas de vários, terminando com a afirmação de que “a deliberação impugnada é ilegal por erro nos pressupostos de facto”. “Devendo, assim, e ao contrário do doutamente decidido no acórdão recorrido, ser a deliberação impugnada anulada” (cfr. conclusões l) e m) das alegações de recurso).
Conforme se pode constatar, o acórdão recorrido salienta a natureza e a margem de liberdade atinente aos poderes de apreciação do CSMP em matéria de avaliação e classificação do mérito dos magistrados. Os quais só poderão ser atacados na medida em que se considere existir um erro manifesto do acto avaliativo. O ora recorrente entende que um tal erro manifesto existe, sustentando que a aplicação que fez da figura da reincidência vai ao encontro da jurisprudência dos tribunais judiciais, designadamente do STJ, citando, entre outros, alguns arestos deste Supremo Tribunal que incidem sobre a figura da reincidência homogénea, defendendo-se, para estes casos, o funcionamento da prova por presunção, em que a premissa maior é a condenação anterior e a premissa menor a prática de novo crime de idêntico tipo.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.

No relatório inspectivo foram mencionados três casos em que teria existido falta de rigor e insuficiência na articulação dos fundamentos respeitantes à reincidência (NUIPCs ……….., ……….. e ……………. Na p.i. apresentada, o A., ora recorrente, invoca que em ambos os casos “os reparos compreendem situações em que, sendo questionada a suficiência da alegação do pressuposto material do instituto ora em apreço, estão em causa antecedentes criminais por prática de crimes de tráfico de estupefacientes” (art. 26.º da p.i.). E, neste sentido, procura, através dos arestos que cita, demonstrar que neste domínio da reincidência homogénea, que entende ter existido, funciona a presunção acima mencionada. Até aqui, nenhum reparo a fazer. Mas, vejamos melhor.
Antes de mais, há que sublinhar que na p.i. apresentada, o A., ora recorrente, foca a sua atenção nos dois últimos NUIPCs, pouco adiantando em relação ao primeiro. Passemos, então, ao NUIPC ………… e ao NUIPC ………….
Assim, e no que respeita ao primeiro (NUIPC ……………), o relatório inspectivo menciona que a figura da reincidência foi afastada porque a factualidade alegada na acusação não era suficiente, mas, de igual forma, porque tinha sido ultrapassado o período de 5 anos mencionado no n.º 2 do artigo 75.º do Código Penal (CP).
No que se refere ao segundo (NUIPC ……………..), diz-se o seguinte no relatório inspectivo: “a reincidência foi afastada com fundamentação que se sintetizou da seguinte forma: falta de verificação dos requisitos estabelecidos no art.º 75.º, nº 1 do Código Penal e porque tal circunstância agravante geral não foi imputada na acusação”. Em relação ainda a este NUIPC, atentemos no seguinte trecho extraído da p.i. e na alegação do então A.: “No entanto, desta fundamentação não se pode extrair um juízo de insuficiência de alegação da factualidade relativa ao instituto da reincidência, mas tão só que os factos subjacentes aos requisitos legais desse mesmo instituto não se lograram demonstrar. Ora, as vicissitudes da prova em julgamento, em especial nesta matéria, em que, através do exercício do contraditório, designadamente, por via da alegação de factos não conhecidos na fase de inquérito, o arguido poderá ilidir a presunção acima aludida decorrente das anteriores condenações por factos ilícitos da mesma natureza, alheias ao desempenho do magistrado que acusa, não podem ser-lhe assacadas ou usadas para pôr em causa a qualidade do seu trabalho”.

Da leitura destes trechos pode constatar-se que a apreciação da actuação do inspeccionado nos casos em referência foi bem além da questão da coincidência, em termos do tipo de crime cometido, entre as condenações anteriores e as que se perspectivavam no processo em que se pretendeu aplicar a figura da reincidência. Com efeito, e por um lado, em ambos os casos havia argumentos legais objectivos para afastar a reincidência que não tinham que ver com a figura da reincidência homogénea. Por outro lado, o ora recorrente não logra demonstrar que foi exclusivamente com base na insuficiência da prova alegada para comprovar a coincidência das condenações que se apreciou a falta de rigor e insuficiência na articulação dos fundamentos respeitantes à reincidência. Acresce a isto que se pode argumentar que os outros motivos que levaram a afastar a figura da reincidência são sintomáticos da dita falta de rigor e insuficiência na aplicação da figura em apreço. Desta forma, cabe concluir que a invocação da orientação jurisprudencial supra mencionada não é de molde a sustentar um erro manifesto do acto avaliativo, devendo improceder este fundamento do recurso.
Questão distinta, que foi alegada pelo recorrente desde logo na p.i., é a da suficiência destes três casos para, abstraindo dos restantes que não mereceram censura, generalizar o juízo negativo quanto a este específico aspecto da avaliação e consequente classificação. Sobre ela não nos pronunciaremos sob pena de incorrermos em excesso de pronúncia.



2.6. Da alegada falta de fundamentação e do alegado erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto

Alega o recorrente que o acórdão recorrido não decidiu “fundamentadamente e, em parte, nem sequer de acordo com a realidade dos factos” a questão relacionada com “a decisão de atribuir ao Recorrente a classificação de ‘Bom’, também em despachos para a aplicação da suspensão provisória do processo e no conteúdo de algumas acusações deduzidas”. O recorrente tinha atacado a deliberação impugnada com fundamento em “erro nos pressupostos de facto e violação dos princípios da igualdade e da tutela da confiança”.

Vejamos o que foi dito no acórdão recorrido, desde logo, quanto à questão do conteúdo de algumas acusações deduzidas:

Neste segmento, alega o autor que, para além dos processos referidos pelo senhor inspector [em que lhe é apontada falta de rigor e de objectividade na selecção dos factos integradores do crime em apreço, e também não aceitando o recurso sistemático ao uso das palavras “falsificação” e “falsificar”, dado que encerram conteúdo técnico preciso e têm natureza conclusiva, o facto de não ter sido ponderado o enquadramento noutros tipos de crime, como veio a ser decidido no despacho de pronúncia] tramitou inúmeros outros processos em que vieram a ser deduzidas acusações suportadas por e com menção a escutas telefónicas, que não mereceram o mínimo reparo, para além de que, tal prática vinha a ser adoptada na 1ª secção do …………., nomeadamente pelo antecessor do autor, não tendo a mesma constituindo factor desfavorável para efeitos de classificação ao referido colega; mais alega que, em determinados despachos não foi tido em consideração que o autor se encontrava a auxiliar colegas na recuperação de processos muito atrasados, nem a complexidade inerente aos mesmos.

Porém, há que salientar que neste tocante não são tecidas críticas ao acórdão recorrido, mas tão só ao relatório de inspecção, o que desde logo, inviabiliza que o mesmo padeça do alegado erro de facto grosseiro ou desrespeito dos princípios da igualdade e da tutela da confiança.

Mas mesmo que se entenda que as mesmas são dirigidas ao acórdão da secção, cujos fundamentos foram acolhidos pelo acórdão do plenário, sempre se dirá que não se vislumbra a existência de qualquer das ilegalidades apontadas pelo autor; com efeito, foi tido em conta a pendência dos processos de que o autor era titular, a relativa complexidade de alguns processos, e a justificação da alteração da nota proposta pelo Sr. Inspector mostra-se bem fundamentada, designadamente, quanto ao conteúdo de acusações deduzidas, em que se refere a existência, no relatório, de críticas sobre os termos de algumas acusações, em particular naquelas em que não existiam escutas telefónicas e quanto ao modo de selecção dos factos indiciados, apontando-se para a falta de capacidade de se referirem apenas aqueles que importavam para o enquadramento dos crimes imputados, a falta de objectividade na selecção de alguns factos e recurso a conceitos de direito constantes da norma penal na descrição da factualidade imputada. Por outro lado, o facto de o autor ter seguido, na tramitação e nos despachos proferidos técnica jurídica que diz ser habitual do ……… não o exime da responsabilidade e da crítica que lhe foi assacada.

Não vislumbramos, pois, que se possa concluir pela existência de erro sobre os pressupostos de facto, nem pela violação dos princípios da igualdade e da tutela jurídica, improcedendo, deste modo, este segmento recursivo”.

Vejamos agora o que foi dito no acórdão recorrido quanto à questão dos despachos para a aplicação da suspensão provisória do processo:

Consta do relatório de inspecção elaborado pelo Sr. Inspector que, embora os despachos proferidos com vista à aplicação da suspensão provisória do processo se mostrarem formalmente correctos e com fundamentação suficiente, consideram-se como bastante curtos os períodos de vigência propostos que variavam entre 1 a 3 meses tendo em vista as finalidades subjacentes ao mesmo e o tipo de criminalidade em questão.

Alega o autor que tais críticas reportadas aos referidos despachos, não espelham a actuação do mesmo em matéria de aplicação da suspensão provisória do processo, sendo que proferiu outros despachos no âmbito de outros inquéritos que não foram alvo de crítica, processos estes que enumera.

Conclui deste modo que o relatório de inspecção não faz referência à existência destes despachos, para além de que, a prática da suspensão do processo por prazos similares aos apontados pelo Sr. Inspector, já vinha sendo prática adoptada na 1ª secção do …………, nomeadamente pelo seu antecessor, por se entender que tal opção era absolutamente compatível com a eficácia do referido instituto em termos de prevenção.

E deste modo, mais concluiu que a sua actuação nos despachos identificados no relatório de inspecção, não pode ser censurada para alterar a notação proposta pelo Sr. Inspector, como fez o Plenário do CSMP, incorrendo este em erro sobre os pressupostos de facto e violação do princípio da boa-fé, na vertente da confiança consagrado no nº 2 do artº 10º.

Porém, no que a este aspecto concerne, o relatório de inspecção é claro quando refere que esta forma de actuar releva imponderação sobre a necessidade da eficácia deste instituto em termos de prevenção, na medida em que prazos tão curtos como aqueles que foram sistematicamente propostos nos casos apreciados, evidencia a falta de cuidado sobre a razão de ser do mesmo, conduzindo à conclusão de que a prestação do inspeccionado nesta matéria tem reflexos na sua proposta de classificação, com implicações ao nível do mérito do seu desempenho funcional.

Por sua vez, o Acórdão impugnado, procedendo a uma avaliação global do serviço prestado pelo autor, justifica os fundamentos em que discorda da proposta apresentada no relatório de inspecção e que conduziram à alteração da notação, sendo esta fundamentação bastante, não se retirando da mesma qualquer erro de apreciação nos pressupostos de facto, nem a imputada violação do princípio da boa-fé ou da confiança.

Acresce que, embora tenham sido analisados os demais processos, o Sr. Inspector, seleccionou os 6 mais importantes e foi nestes que fez a crítica aos períodos de suspensão do processo, que considerou muito curtos, valoração que não lhe estava vedada.

Não existe, pois, qualquer desconformidade com a realidade factual, nem o facto de tal prática já vindo a ser exercida pelo seu antecessor, exime o autor da responsabilidade e da crítica que lhe é assacada no que a este aspecto concerne”.


O dever de fundamentação das decisões judiciais decorre genericamente do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, e dos arts. 154.º e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA. Conforme é jurisprudência uniforme, só integrará a nulidade da al. b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC a falta absoluta de motivação, isto é, a ausência total de fundamentação de facto ou de direito. A motivação deficiente, errada ou incompleta não produz tal nulidade.
No caso concreto dos autos, as questões em apreço foram devidamente apreciadas e tratadas pelo acórdão recorrido, o qual sustenta de forma motivada as decisões a que chega. Neste sentido, não merece ser censurado no que à alegada falta de fundamentação respeita.
De igual modo, não merece qualquer censura por, alegadamente, não ter decidido de acordo com a realidade dos factos. Efectivamente, como se pode extrair do acórdão recorrido, a selecção de determinados factos no relatório inspectivo ou na deliberação impugnada não significa que apenas esses factos tenham sido considerados. Significa, apenas, que, ou serviram para ilustrar a apreciação e avaliação de determinados aspectos do serviço prestado pelo magistrado inspecionado, ou foram suficientes para determinar uma avaliação global menos positiva. Quanto à circunstância de o recorrente alegar que actuou de acordo com o que era prática na secção em que exercia funções ou com o que era a prática do seu antecessor, como se diz no acórdão recorrido, isso não exime o ora recorrente das críticas ao seu desempenho. Vale isto por dizer que esses argumentos não impõem a conclusão de que se trata de práticas correctas, não estando provado que essas práticas tenham sido avaliadas de forma distinta em relatórios inspectivos relativos aos colegas que supostamente as seguiram. Deve, por conseguinte, improceder mais este fundamento de recurso.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso e, em consequência, em revogar o acórdão recorrido, julgando procedente a acção.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 28 de Março de 2019. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – José Augusto Araújo Veloso – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Francisco Fonseca da Paz.