Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01394/15
Data do Acordão:01/27/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário:I - A decisão liminar que defere a competência territorial a outro tribunal mostra-se transitada se, após ser acatada no tribunal «a quo», a entidade demandada (Fazenda Pública), já no tribunal «ad quem», vier ao processo sem contra ela se insurgir.
II - Os conflitos em matéria de competência relativa resolvem-se, em princípio, pela via do artigo 105º, nº 2, conjugado com o artigo 625º, ambos do CPC.
III - Assim, a contradição entre duas decisões judiciais, transitadas em julgado, proferidas no âmbito do mesmo processo sobre a questão da competência do tribunal em razão do território para o conhecimento desse processo resolve-se ope legis pela prevalência da primeira decisão.
Nº Convencional:JSTA000P19995
Nº do Documento:SA22016012701394
Data de Entrada:10/29/2015
Recorrente:JUIZ DO TAF DO PORTO (CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE O TAF DO PORTO E O TAF DE PENAFIEL)
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Tendo considerado verificado um conflito negativo de competência, em razão do território, entre o TAF do Porto e o TAF de Penafiel para decidir o processo de oposição que A…………… deduziu a execução fiscal contra si revertida, a Meritíssima Juíza do TAF do Porto ordenou a subida dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo para efeitos de dirimir o conflito entre duas decisões transitadas em julgado.

2. Recebidos os autos no STA, os autos foram com vista ao Ministério Público, que se pronunciou nos seguintes termos:

«Vem suscitada a resolução do conflito negativo de competência, em razão do território, entre o TAF do Porto e o TAF de Penafiel para decidir a Oposição à Execução Fiscal deduzida por A……………...

Por despacho liminar de 9.04.2014 declarou o TAF do Porto a sua incompetência, em razão do território, para conhecer da oposição, considerando ser competente para o efeito o TAF de Penafiel.

Determinou, em consequência, que os autos fossem remetidos, após trânsito, ao TAF de Penafiel.

Neste último tribunal foi proferido, em 17.06.2014, despacho que recebeu a oposição e determinou a notificação da Fazenda Pública para contestar, articulado que esta, em devido tempo, produziu (fls. 89 e 96 e segs., respectivamente).

Após notificação da Fazenda Pública para se pronunciar sobre a questão da competência territorial foi, em 12.06.2015, na sequência da pronúncia desta e do parecer do MP (fls. 135 e 140), proferida decisão julgando incompetente o TAF de Penafiel e competente o TAF do Porto.

Antes de mais se dirá que, ao invés do que ocorre no âmbito do contencioso administrativo (art. 13.º do CPTA), a regra que emerge do n.º 2, do art. 17.º do CPPT é a de que no processo de execução a incompetência relativa só pode ser arguida pelo executado, até findar o prazo para a oposição. A imperatividade dessa regra parece excluir que a incompetência relativa possa ser conhecida oficiosamente ou arguida por outras entidades, nomeadamente o MP, não obstante a amplitude da actuação deste no processo judicial tributário (cfr., a propósito, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado e comentado, 5.ª edição, vol. I, pág.243).

Por outro lado, o processo de oposição à execução, embora tenha a configuração de uma acção, não é dissociável da execução fiscal a que respeita, funcionando de facto como uma contestação à execução, sendo-lhe por isso aplicável a apontada regra do art. 17.º do CPPT.

Dito isto, importa afrontar, sem mais delongas, a questão da competência que vem suscitada.

Sobre a resolução dos conflitos de competência territorial existe vasta e pacífica jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que os mesmos serão resolvidos pela prevalência da decisão que primeiro transitar em julgado, devendo essa decisão ser acatada pelo tribunal nela declarado territorialmente competente, que já não poderá recusar a competência, independentemente do mérito daquela primeira decisão.

Dessa jurisprudência permitimo-nos citar, nesta oportunidade, o douto Acórdão de 25.09.2013, proferido no processo n.º 01390/13, cujas Conclusões são do seguinte teor:

I – Nos termos do art. 105 n.º 2 do Código de Processo Civil (ex-art. 111.º, n.º 2), aplicável por força do disposto no art. 2.º do CPPT, “a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada”.

II – A contradição entre duas decisões judiciais, versando dentro do processo sobre a mesma questão da competência, resolve-se, pois, ope legis pela prevalência da primeira (artigo 625.º- ex-art. 675.º - do Código de Processo Civil).

Questão é saber se a primeira decisão que declarou a incompetência – o despacho do TAF do Porto de 09.04.2014 – definiu a competência territorial ou se tal não ocorre, como sustenta a sentença do TAF de Penafiel de 12.06.2015, por não ter transitado em julgado, em virtude de não ter sido notificada à Fazenda Pública.

Entende-se que não procedem as razões invocadas na sentença do TAF de Penafiel.

É certo que o despacho do TAF do Porto de 09.04.2014 não foi notificado à Fazenda Pública. Esta, porém, aquando da prolação desse despacho ainda não havia sido citada para contestar. Tal só ocorreu na sequência do despacho do TAF de Penafiel de 17.06.2014, a fls. 89, que recebeu a oposição e determinou a notificação da Fazenda Pública para contestar. Assim, salvo melhor entendimento, não tinha a Fazenda Pública que ser notificada do despacho de 09.04.2014. E, não tendo que ser notificada desse despacho, o prazo para o eventual recurso, a entender-se ser o mesmo ainda passível de recurso da Fazenda Pública, sempre teria o seu termo inicial na data em que esta teve conhecimento da decisão, nos termos do disposto no art. 638.º, n.º 4 do CPC, ex vi do art. 2.º do CPPT.

Ora, se antes tal não ocorreu, pelo menos aquando da notificação da sentença do TAF de Penafiel de 12.06.2015 teve a Fazenda Pública conhecimento do conteúdo do despacho do TAF do Porto de 09.04.2014 pelo que o prazo para eventual recurso de qualquer dessas decisões necessariamente se esgotaria na mesma data, prevalecendo nesse contexto aquela que primariamente foi proferida, no caso o despacho do TAF do Porto de 09.04.2014, atenta a “lógica de precedência” subjacente aos arts. 105.º, n.º 2 e 625.º ambos do CPC (Cfr., neste sentido, os doutos Acórdãos deste STA – CA de 15.05.2012 – P. 459/12, de 12.06.2012 – P.- 552/12 e de 09-10-2012 – 0791/12).

Nesta conformidade, resolvendo o conflito em apreço, deverá o TAF de Penafiel ser declarado o tribunal territorialmente competente para conhecer da presente oposição.

É o meu parecer.».

3. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência na Secção de Contencioso Tributário do STA, tendo em conta que a alínea g) do nº 1 do art. 26º do ETAF atribui a tal Secção a competência para conhecer “Dos conflitos de competência entre tribunais tributários”, regra que, sendo especial, afasta a aplicação da regra geral contida no nº 2 do art. 110º do actual CPC (a que correspondia o nº 2 do art. 116º do anterior CPC), nos termos da qual Os conflitos de competência são solucionados pelo presidente do tribunal de menor categoria que exerça jurisdição sobre as autoridades em conflito”.

4. Apreciando e decidindo.

Resulta dos autos que A…………….., executada por reversão de execução fiscal instaurada no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia - 3 contra uma sociedade sediada no concelho, apresentou nesse Serviço de Finanças processo de oposição a essa execução, que o Serviço de Finanças remeteu para o TAF do Porto.

A Meritíssima Juíza do TAF do Porto proferiu decisão liminar no sentido de que se verificava a incompetência territorial desse Tribunal, porquanto a oponente tem domicílio em Lousada, sendo, por conseguinte, territorialmente competente para o conhecimento da oposição o TAF de Penafiel, ordenando a remessa dos autos, depois de obtido o trânsito, para esse tribunal – cfr. decisão de fls. 82/83 dos autos.

Tal decisão foi notificada à oponente e ao Ministério Público.

Remetidos os autos ao TAF de Penafiel, aí prosseguiram com a notificação da Fazenda Pública para contestar. Na contestação, a Fazenda Pública limitou-se a defender a improcedência da oposição, sem arguir a excepção de incompetência territorial desse tribunal e sem levantar qualquer objecção à decisão do TAF do Porto – cfr. fls. 96/100 dos autos.

Todavia, na sentença, o Meritíssimo Juiz pronunciou-se sobre a questão da competência territorial desse tribunal, tendo concluído pela sua incompetência, pelo que ordenou a remessa dos autos, depois de obtido o trânsito, para o TAF do Porto.

Já de novo no TAF do Porto, a Meritíssima Juíza considerou que o conflito eclodira, por existirem duas contrapostas decisões transitadas sobre a mesma matéria, e suscitou a sua resolução a este STA.

Vejamos.

O STA pronunciou-se sobre questão idêntica à que é objecto dos presentes autos por

Acórdão do passado dia 13 de Janeiro, rec. n.º 1356/15, cujo entendimento foi reafirmado nos Acórdãos do passado dia 20 de Janeiro, recs. n.º 1513/15 e 1514/15 e que também aqui acompanharemos, “apossando-nos” - com a devida vénia - da fundamentação daquele primeiro Acórdão.

Segundo o disposto no artigo 109º, nsº 2 e 3, do CPC, aplicável ao processo judicial tributário de oposição por força do disposto no artigo 2º, al. e), do CPPT, «2 - Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão. 3 - Não há conflito enquanto forem susceptíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência.».

No caso dos autos, tanto TAF do Porto como o TAF de Penafiel se atribuíram reciprocamente a competência, em razão do território, para conhecer da oposição, declinando a própria, pelo que importa, antes de mais, saber se aquela primeira decisão transitou em julgado, uma vez que a Mmo Juiz do TAF de Penafiel sustenta que não, em virtude de essa decisão não ter sido notificada à Fazenda Pública.

Com efeito, a Mmo Juiz do TAF de Penafiel entendeu que a sobredita decisão do TAF do Porto não transita em julgado, porque proferida em sede liminar e, portanto, sem que se lhe seguisse a imediata notificação da Fazenda Pública, pelo que não se lhe aplicaria o disposto no art. 109º, nº 2, do CPC, subsistindo, assim, a possibilidade de o tribunal de Penafiel se julgar incompetente em razão do território.

Todavia, consideramos que não pode colher esse argumento, porquanto a Fazenda Pública foi entretanto notificada e acatou «a silentio» a decisão proferida no TAF do Porto.

Na verdade, e como bem salienta o Ministério Público no parecer acima transcrito, resulta dos autos que a decisão do TAF do Porto foi proferida em sede liminar e notificada à Oponente e ao Ministério Público; e que remetidos os autos ao TAF de Penafiel, aí prosseguiram com a notificação da Fazenda Pública para contestar, tendo esta entidade apresentado contestação onde não questionou a decidida incompetência do TAF do Porto nem suscitou a questão da incompetência territorial do TAF de Penafiel.

Ora, segundo a posição jurisprudencial firmada neste Supremo Tribunal, quando a incompetência territorial é declarada em sede de despacho liminar deve considerar-se que a respectiva decisão transita em julgado caso ela seja acatada no tribunal para onde foram remetidos os autos e aí não seja questionada pela entidade demandada – cfr., entre outros, os acórdãos proferidos nos processos nºs 0811/12, 0498/12 e 01248/12).

Ou seja, a decisão liminar que defere a competência territorial a outro tribunal mostra-se inequivocamente transitada se, após ser acatada no tribunal «a quo», a entidade demandada, já no tribunal «ad quem», vier ao processo sem contra ela se insurgir.

E assim sendo, estamos perante duas decisões contraditórias sobre competência territorial, proferidas no âmbito do mesmo processo, por dois tribunais da mesma ordem jurisdicional e da mesma categoria, já transitadas em julgado, o que configura um conflito negativo de competência em razão do território, conflito este que urge resolver sob pena de denegação de justiça.

Ora, como tem vindo a entender este Supremo Tribunal Administrativo e também o Supremo Tribunal de Justiça (cfr., entre outros, os Acórdãos do STA de 23.11.2005, rec. n.º 1025/2005, de 30.11.2005, rec. n.º 895/2005 e n.º 974/2005, de 26.04.2012, rec. n.º 360/12, de 15.05.2012, rec. n.º 459/12, de 24.05.2012, rec. n.º 498/12, de 12.06.2012, rec. n.º 552/12, de 10.07.2012, rec. n.º 682/12 e de 29.05.2013, rec. n.º 786/13 e os Acórdãos do STJ de 02.07.1992, BMJ 419, p. 626, de 02.02.2000, P. 99S246, de 29.01.04, P.03B3747, de 17.02.2005, P. 253/05 e de 16.11.2005, Conflito nº2339/05), os conflitos em matéria de competência relativa resolvem-se, em princípio, pela via do artigo 105º, nº 2, do CPC, conjugado com o artigo 625º do mesmo diploma legal.

Com efeito, dispõe o artigo 105º, nº 2, do CPC que «A decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada». E, por sua vez, dispõe o artigo 625º do mesmo diploma que «1. Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar. 2. É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual».

Trata-se de normas gerais que cederiam perante normas especiais que afastassem a sua aplicação. Não existe, contudo, no contencioso tributário qualquer norma especial que afaste, em sede de competência relativa, a aplicação dos referidos preceitos legais, pelo que deve entender-se que também no contencioso tributário o conflito verificado em sede de competência relativa deve ser resolvido de acordo com o princípio geral da prevalência do primeiro julgado, como decorre do artigo 105º, nº 2 conjugado com o artigo 625º do CPC e tem sido defendido pela jurisprudência citada.

O que equivale a dizer que o conflito deve ser resolvido no sentido de que a decisão sobre competência territorial que primeiro transitou em julgado deve ser acatada pelo tribunal que aí foi declarado territorialmente competente, independentemente do mérito dessa decisão.

Face ao exposto, e sem necessidade de outros considerandos, há que resolver o presente conflito negativo de competência entre o TAF do Porto e o TAF de Penafiel no sentido da prevalência da primeira decisão, por ser essa a decisão que transitou em primeiro lugar.

5. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em, solucionando o presente conflito, declarar o Tribunal Tributário de Penafiel territorialmente competente para conhecer do processo de oposição, declarando-se, em consequência, inválida a decisão desse Tribunal que recusou essa competência.

Sem custas.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2016. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Fonseca Carvalho.