Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0144/17.0BCLSB 0297/18
Data do Acordão:10/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:DISCIPLINA DESPORTIVA
ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
RELATÓRIO
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
TAXA
ARBITRAGEM
Sumário:I - Não viola o n.º 2 do art.º 154.º do CPC, nem padece de falta de fundamentação, a decisão que remete para um parecer do Ministério Público que não é parte no processo.
II - A presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP que tenham sido por eles percepcionados, estabelecida pelo art.º 13.º, al. f), do Regulamento Disciplinar da LPFP, conferindo ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos, não é inconstitucional.
III - O acórdão que manteve a decisão Tribunal Arbitral do Desporto que efectuara a apreciação probatória partindo do pressuposto que, em face do princípio da presunção de inocência do arguido, não se poderia atender a quaisquer presunções como a resultante do referido relatório, incorre em erro de direito, devendo, por isso, ser revogado.
IV - Não viola os artºs. 13.º, 20.º, nºs. 1 e 2 e 268.º, n.º 4, todos da CRP, a não concessão à Federação Portuguesa de Futebol da isenção da taxa de arbitragem.
Nº Convencional:JSTA00070963
Nº do Documento:SA1201810180144/17
Data de Entrada:05/08/2018
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:A.........
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TCA SUL
Decisão:CONCEDE PARCIAL PROVIMENTO
Área Temática 1:TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO
Área Temática 2:MULTAS, PRESUNÇÕES JUDICIAIS, ÓNUS DA PROVA
Legislação Nacional:ARTIGO 349º DO CÓDIGO CIVIL, ARTIGO 13º, AL. F) DO REGULAMENTO DISCIPLINAR DA LPFP
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:


1.A Federação Portuguesa de Futebol (FPF), inconformada com o acórdão do TCA – Sul que negou provimento ao recurso que interpusera do acórdão do Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) que anulara as multas aplicadas ao A………., pelo Conselho de Disciplina da FPF, nos processos disciplinares que correram termos sob os nºs. 13/2016, 10/2016, 18/2016 e 20/2016, dele interpôs, para este STA, recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
1. Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 16 de janeiro de 2018, que confirmou acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto. Esta instância, por seu turno, havia decidido anular as multas aplicadas nos processos disciplinares que correram termos junto do Conselho de Disciplina da FPF sob as referências RHI nº. 13-2016/2017, RHI nº. 10-2016/2017, RHI nº. 20-2016/2017 e RHI nº. 18-2016/2017 em que a ora Recorrida foi punida ao abrigo do disposto nos artigos 127º, 186º, n.º 1 e 187º, nº 1, alíneas a) e b) do RD da LPFP (em termos genéricos, por mau comportamento dos seus adeptos ou simpatizantes) e havia decidido rejeitar o pedido de isenção de custas apresentado pela ora Recorrente;
2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos por ocasião de jogos de futebol, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, os episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno;
3. Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol - seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes;
4. Admitir, como fez o TAD e como fez o TCA Sul, que os clubes devem ser desresponsabilizados pelos comportamentos dos seus adeptos - ao arrepio do entendimento de toda a comunidade desportiva e das instâncias internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão - é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar;
5. Esta questão tem conhecido posições contraditórias por parte do TAD, sendo que em dois processos arbitrais, como veremos, a questão foi decidida em forma diametralmente diversa daquela que motivou o recurso para o TCA;
6. A questão em apreço é complexa do ponto de vista jurídico e implica um profundo conhecimento das especificidades da realidade e do direito desportivo, o que, salvo o devido respeito, parece ter falhado quer ao Colégio Arbitral que proferiu a decisão impugnada quer ao Tribunal a quo;
7. A questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto desde o início de 2017 até à presente data deram entrada no Tribunal Arbitral do Desporto 25 processos relativos a sanções aplicadas à ora Recorrida por comportamento incorreto dos seus adeptos;
8. O Acórdão proferido, salvo o devido respeito, limita-se a remeter a sua fundamentação para um parecer do Ministério Público - que se considera inadmissível - e, por sua vez, tal parecer do Ministério Público remete para os argumentos apresentados pela Recorrida, o que equivale a falta de fundamentação;
9. O artigo 154.º do CPC, aplicável por via do artigo 1º. do CPTA, sob a epígrafe "dever de fundamentar a decisão", diz-nos que "1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas." e o n.º. 2 que "2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade".
10. Não se trata de despacho interlocutório, como é fácil de ver; pelo que a fundamentação do Acórdão não podia limitar-se a uma remissão para um parecer do MP (ainda para mais, inadmissível) que por sua vez remete e adere aos argumentos apresentados pela Recorrida pois tal é expressamente vedado pelo n.º 2 do artigo 154.º do CPC;
11. Ademais, o próprio sentido do n.º 5 do artigo 94.º do CPTA é este, assim como o do n.º 5 do 663º do CPC; a remissão apenas pode operar para uma decisão procedente, de que se junte cópia, e nunca para um parecer do MP, muito menos para a peça processual de defesa apresentada por uma das partes. Também neste sentido, veja-se o Acórdão do TCA Sul, de 25.06.2015;
12. O Acórdão de que se recorre é, desde logo, nulo por falta de fundamentação pelo que é imperioso que sobre esta matéria recaia, efetivamente, uma decisão.
13. A decisão que ora se impugna é passível de censura, porquanto existe um erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado, perfilhando uma tese que leva à total impunidade dos clubes no que aos comportamentos violentos dos seus adeptos diz respeito.
14. Os relatórios de jogo elaborados pelos Delegados da LPFP que estiveram na origem da instauração dos processos sumários em análise nos autos são claros e inequívocos ao identificar as condutas violentas (como o rebentamento de petardos, o arremesso de tochas, o deflagramento de potes de fumo, a exibição de tarjas de conteúdo ofensivo e a entoação de cânticos também ofensivos) como provenientes de bancadas afectas aos adeptos da Recorrida.
15. Nos termos do artigo 258º n.º 1 do RD da LPFP, o processo sumário é instaurado tendo por base o relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou do delegado da Liga, ou ainda com base em auto por infração verificada em flagrante delito. Este é um processo propositadamente célere, em que a sanção, dentro dos limites regulamentares definidos, é aplicada apenas por análise do relatório de jogo que, como se sabe, tem presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. Artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP).
16. Com base no relatório de jogo (por aplicação direta da norma regulamentar), a Secção Profissional do Conselho de Disciplina faz subsumir o facto à norma aplicável, indicando-a no mapa de castigos, e aplicando a sanção correspondente. Nada mais há a dizer ou a fundamentar, em processo sumário.
17. O Tribunal a quo andou mal ao entender que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta do Relatório de Jogo) que a Recorrida violou deveres de formação e vigilância, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, o Tribunal Arbitral entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, num total desrespeito pelas regras de repartição do ónus da prova. Diz, no entanto, em contraponto, que à Recorrida não era possível fazer prova de factos negativos.
18. Entendeu já o Supremo Tribunal Administrativo que "a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae diffícilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur»." Assim, o Relatório de Jogo é perfeitamente suficiente e adequado para punir a Recorrida nos casos concretos.
19. Ademais, há que ter em conta que no caso concreto existe uma presunção de veracidade do conteúdo do relatório do jogo, o que inverte o ónus da prova (cfr. artigo 344do Código Civil). De acordo com o artigo 13.º, al., f) do RD da LPFP, um dos princípios fundamentais do procedimento disciplinar é o da "f) presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga, e por eles percecionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa".
20. Do conteúdo do Relatório de Jogo por parte dos Delegados da Liga, é possível extrair diretamente duas conclusões: (i) que o A………… incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os objetos proibidos entrado nos respetivos estádios (violação do dever de vigilância) e não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do A…………, o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos (única forma dos Delegados identificarem os espectadores, para além da bancada, que essa sim, foi indicada como sendo afecta a adeptos da Recorrida).
21. Assim, cabia à Recorrida demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado em todos os processos, ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas a Recorrida nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede.
22. A Recorrida não coloca em causa a veracidade dos factos essenciais descritos nos Relatórios - ou seja, não coloca em causa que foram rebentados petardos, que foram exibidas tarjas, que foram arremessadas tochas, etc. - mas apenas coloca a dúvida sobre a autoria dessas condutas. No que diz respeito ao cumprimento ou incumprimento dos seus deveres, a Recorrida nada refere.
23. Tendo em conta que o relatório de jogo tem uma força probatória fortíssima em sede de procedimento disciplinar, ao contrário do que entende o Tribunal a quo, cabia à Recorrida fazer prova que contrariasse aquela que consta dos autos e que leva à conclusão de que as condutas ilícitas foram feitas por espetadores seus adeptos ou simpatizantes.
24. Conforme é desde logo estipulado no artigo 172.º, nº 1 do RD da LPFP: "1. Os clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial.", sendo certo que os deveres ligados à prevenção e combate da violência no desporto estão previstos na Constituição e na Lei e presentes nos regulamentos disciplinares das instâncias internacionais do futebol, a UEFA e a FIFA.
25. A conclusão a que chegou o Conselho de Disciplina, como exposta supra, nos quatro processos em causa nos autos, não podia ter merecido qualquer censura porquanto o facto (alegada e eventualmente) desconhecido - a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrida e a violação dos respetivos deveres - foi retirado de outros factos conhecidos sendo que este tipo de presunção judicial é perfeitamente admissível nesta sede ao contrário do que é sufragado pelo Tribunal a quo.
26. Há ainda que notar que o próprio Tribunal Arbitral do Desporto já se pronunciou em sentido diverso ao entendimento sufragado no acórdão recorrido, e de forma totalmente consentânea com o que se expôs nas presentes alegações, no âmbito do processo n.º 26/2017 e no âmbito do processo n.º 28/2017.
27. A tese sufragada pelo Colégio Arbitral é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, em virtude do receio da ocorrência de episódios de violência.
28. A interpretação perfilhada no acórdão recorrido levará a uma crescente desresponsabilização por este tipo de atos e não se diga que os clubes não podem ser responsabilizados por factos praticados pelos seus adeptos, pois tal responsabilização deriva de uma evolução recente e salutar no fenómeno desportivo e que visa a diminuição da violência no desporto e intima os clubes a tomarem medidas para assegurar que tais factos não se verifiquem.
29. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13.º, al. f), 127.º, 172.º, 186.º, n.º 1, 187.º, n.º 1, al. a) e b) e 258.º, do Regulamento Disciplinar da LPFP.
30. O Acórdão recorrido decide ainda rejeitar o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente, pelo que também neste segmento decidiram mal os Exmos. Juízes do TCA Sul;
31. A negação de tal direito é violador de normas constitucionais, designadamente o artigo 13.º e 20.º, n.º 1 e 2 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e agrava a situação da FPF face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância arbitral obrigatória;
32. Ao rejeitar o pedido de isenção da taxa de arbitragem apresentada pela ora Recorrente, o Tribunal aplicou, assim, uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo;
33. Isto significa que se este Douto Tribunal Superior entender igualmente não ser de reconhecer a isenção da Recorrente das taxas previstas na LTAD e na Portaria acima referida, estará também aplicar norma reportada como inconstitucional e a violar o artigo 4do Regulamento das Custas Processuais, e os artigos 13.º e 20.º, n.º 1 e 2 e 268.º, n4, da Constituição da República Portuguesa.”
O A………….. contra-alegou, tendo concluído que se deveria negar provimento ao recurso.
Pela formação a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.
Pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral-Adjunto junto deste tribunal foi emitido parecer, onde se concluiu que o recurso não merecia provimento.
Sem vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Como matéria de facto provada, o acórdão recorrido referiu o seguinte:

OS FACTOS E O LITÍGIO

Nos presentes autos estão em causa a disputa de 3 jogos a contar para a Liga NOS e de um jogo a contar para a 3ª fase Grupo A da Taça……….., cuja descrição relativamente aos factos ocorridos até à interposição da(s) acção(ões) arbitral(ais) junto deste Tribunal, por facilidade de exposição, adiante se enunciarão de forma autonomizada e por referência a cada um dos Acórdãos proferidos pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (doravante CD da FPF).



a) O ACÓRDÃO DO CD DA FPF DE 03.01.2017- PROC.13/2016
(i) No dia 06.11.2016 disputou-se, no Estádio ……….., o jogo a contar para a Liga NOS entre as equipas de futebol da Demandante e do …………;
(ii) De acordo com o relatório do jogo, verificaram-se, para o que releva nos presentes autos, as seguintes ocorrências reportadas pelos delegados da LPFP:

(a) Comportamento censurável dos adeptos afectos ao A………..., instalados na bancada topo sul: rebentaram 12 petardos antes do início do jogo, bem como aos minutos 11,14,45+1,46,50 (4 vezes), 52,54,67,72 e 90+2;
deflagraram, antes do início do jogo, 4 potes de fumo, assim como arremessaram 4 tochas para o interior do relvado (igualmente no início do jogo), sem que as mesmas causassem danos em qualquer dos intervenientes;
(b) Comportamento censurável dos adeptos afectos ao A……., instalados na bancada topo sul: deflagraram, aos 50 minutos, um pote de fumo;
(c) Comportamento censurável dos adeptos afectos ao A………., instalados na bancada topo sul: arremessaram, ao minuto 67, uma tocha para o interior do relvado, sem que as mesmas causassem danos em qualquer dos intervenientes;
(d) Comportamento censurável dos adeptos afectos ao A……….., instalados na bancada poente: arremessaram bolas feitas de cartolina usadas na coreografia de início de jogo, na direção do banco visitante, aos minutos 17, 31, 50, 56,63,78, 81 e 90+3. De igual modo, os mesmos adeptos arremessaram ao minuto 17, uma garrafa de água e um isqueiro;

(f) Comportamento censurável dos adeptos afectos ao A………, instalados na bancada poente: aquando da entrada da equipa de arbitragem no túnel, no final do jogo, foram arremessadas duas garrafas de água, bem como várias moedas, sem atingir ninguém;
(g) Adeptos afectos ao A………., localizados no topo sul, exibiram, ao minuto 35, uma tarja com a seguinte frase: "Com Pinheiro, Veríssimo, Ferreira e Vouchers na mão, qualquer um é campeão";
(h) Adeptos afectos ao A………., localizados no topo norte, exibiram, ao minuto 85, uma tarja com a seguinte frase: "Em tudo o que está metido o Orelhas, às autoridades dá sempre uma branca";

(i) Adeptos afectos ao A……….., localizados na bancada topo sul, cantaram, em uníssono, "………,………, filhos da puta, ………." (4 repetições) antes do início do jogo, tendo repetido o mesmo comportamento aos minutos 15, 35 e 40

(j) Ao minuto 80, o speaker do estádio utilizou o sistema sonoro do mesmo para incentivar equipa, tendo repetido o mesmo comportamento ao minuto 90+2, pronunciando "A………, A……..;

(k) Adeptos afectos ao A………., localizados no topo norte, exibiram uma tarja, no decurso da 2a parte, com a seguinte frase: "Para negócios à maneira, vai à lavandaria Vieira! C95";

(I) Adeptos afectos ao A………, localizados no topo sul, exibiram uma tarja, no decurso da 2a parte, com a seguinte frase: "Tráfico, corrupção, branqueamento. Carrega ……….".

(iii) Tais ocorrências levaram à aplicação à Demandante, na sequência de processo sumário, das seguintes sanções disciplinares:
(a) Multa de 3.825€ euros, por aplicação do artigo 117, n° 3 do Regulamento Disciplinar da LPFP, doravante RD;
(b) Multa de 7.650€ euros, com fundamento no artigo 186°, n° 1;
(c) Multa de 1.148€ euros por aplicação do art. 187°, n° 1, alínea a);
(d) Multa de 5.585€ por aplicação do art. 187°, n° 1, alínea b);
(e) Multa de 3.060€, por força do art. 127.°, n° 1 do RD, ex vi art. 35°, n° 1, al. L) do
Regulamento das Competições Organizadas pela LPFP (doravante RCLPFP) e artigo 6.°, n.° 1, al. g) e do artigo 9.°, n.° 1, alínea m), subalínea vi), ambos do Anexo VI do mesmo Regulamento.
(iv) Em 15.11.2016, a aqui Demandante interpôs recurso das sanções que lhe foram aplicadas para o Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina (Proc. n.° 13-2016/2017).
(v) Em 03.01.2017, o Conselho de Disciplina considerou improcedente o recurso, confirmando aquelas sanções, tendo por base, no que releva para efeitos do que é objecto dos presentes autos, os seguintes argumentos;

considerou provadas as circunstâncias acima enunciadas com base no "Relatório de Jogo", convocando, para o efeito, o disposto no artigo 13.° do RD que confere a este relatório uma presunção de veracidade e o facto de "não sendo tal realidade factual posta em causa pela Recorrente";
considerou preenchidos os elementos típicos de cada uma das referidas infrações – artº. 117°, n° 3, 186°, n° 1, 187°, n° 1, als. a) e b) e 127°, n° 1 todos do RD -porquanto (i) "(...) 9. Do mero confronto de cada um dos factos descritos no "Relatório de Ocorrências" com as hipóteses e estatuições normativas citadas resulta manifesto que o simples manejamento da metódica interpretativa permite subsumir cada uma dessa factualidade às hipóteses normativas citadas,
verificando-se, portanto, o cometimento das infracções disciplinares aí tipificadas. 10. Ou seja, de mera subsunção daquela factualidade às hipóteses normativas, expressa, direta e imperativamente aplicáveis, resulta a produção da consequência jurídica prevista na estatuição das mesmas normas." (pags. 16 e 17); (ii) "ocorreram muitos e diversos factos, perfeitamente autonomizáveis entre si e revelando autonomamente como infracções normativamente sancionáveis", tendo adeptos da Demandante entrado no recinto com determinados objetos proibidos e sancionados pelo RD e pelo RC, tendo os mesmos permanecido com aqueles objetos, conduta que é proibida e sancionada por aqueles Regulamentos, tendo os mesmos rebentado, deflagrado, arremessado, exibido e lançado aqueles objetos, tendo, ainda, proferido frases ofensivas (pags. 18 e 19); (iii) a Demandante não impediu o acesso e a permanência no recinto desportivo, de adeptos que se faziam acompanhar de objetos proibidos.

(vi) Em 12.01.2017, a aqui Demandante impugnou junto deste TAD o acórdão do CD da FPF, dando origem ao presente processo.

Quanto ao objeto do litígio a Demandante apenas impugna as decisões sancionatórias tomadas pelo CD e descritas nas alíneas c), d) e e) do ponto (iii), tendo-se conformado com a aplicação das duas outras sanções disciplinares.

Em suma, a Demandante contesta a decisão de aplicação de sanções disciplinares com fundamento no artigo 187.° n.º 1 alíneas a) e b), bem como no artigo 127.°, ambos do RD.


b) O ACÓRDÃO DO CD DA FPF De 10.01.2017- PROC. Nº 10/2016
(i) No dia 29.10.2016 disputou-se, no Estádio ……….., o jogo a contar para a Liga NOS entre as equipas de futebol do ……….. e da Demandante.
(ii) De acordo com o relatório do jogo, verificaram-se, para o que releva nos presentes autos, as seguintes ocorrências reportadas pelos delegados da LPFP:

a) Em zonas da bancada ocupada por adeptos afectos ao clube visitante, A………….., mais concretamente na Bancada Topo Sul, Sectores A, B e C e 15,17 e 19, registaram-se as seguintes ocorrências: rebentamento de sete petardos e deflagramento de duas tochas incandescentes;
b) De zona da bancada ocupada por adeptos afectos ao clube visitante, Bancada Topo Sul, foi arremessada uma tocha incandescente para a zona localizada entre a baliza e a referida bancada fora do rectângulo de jogo, não tendo tal facto provocado qualquer constrangimento no normal desenrolar do jogo.
(III) Tais ocorrências levaram à aplicação à Demandante, na sequência de processo sumário, a aplicação da sanção disciplinar de multa de 5.738€ euros, com fundamento no disposto no artigo 186°, n° 1 do RD.

(IV) Em 14.11.2016, a aqui Demandante interpôs recurso da sanção que lhe foi aplicada para o Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina (Proc. n.° 10-2016/2017).

(V) Em 10.01.2017, o Conselho de Disciplina considerou improcedente o recurso, confirmando aquela sanção, tendo por base, no que releva para efeitos do que é objecto dos presentes autos, os seguintes argumentos:
considerou provados as circunstâncias acima enunciadas com base no "Relatório de Jogo", convocando, para o efeito, o disposto no artigo 13.° do RD que confere a este relatório uma presunção de veracidade e o facto de "nada do referido pela Recorrente põe em causa, nem foi apresentada qualquer fundamentação no sentido de o fazer, o que está descrito no Relatório, onde consta uma factualidade que preenche os elementos típicos na norma com base na qual foi deliberada sanção";
considerou preenchidos os elementos típicos da referida infração - art. 186°, n° 1, do RD - porquanto (i) "(...) não é elemento típico da norma que o objecto caia "dentro do terreno de jogo", mas que se dirija para "dentro do terreno de jogo"; (ii) não interessa a imputação da culpa, mas a reparação do dano por aquele que é indicado na norma disciplinar como responsável; (iii) "O incumprimento de uma norma de segurança que obriga o clube visitado a revistar os espectadores antes de um jogo não desresponsabiliza o clube visitante pelo comportamento dos seus adeptos, mesmo quando tal comportamento está directamente relacionado com objectos que deveriam ser retirados nessa revista (pag. 15); (iv) "o A……… é responsável, em termos objectivos, pelo comportamento dos seus adeptos que fizeram um arremesso perigoso de uma tocha incandescente para o terreno de jogo, mesmo se aos seus adeptos não foram retirados objetos que eles levavam e depois perigosamente arremessaram para o terreno de jogo" (pags. 15 e 16); (v) a responsabilidade objectiva dos clubes em sede disciplinar é aceite comummente, não violando o disposto no art. 30°, n° 3 da Constituição (pag. 16, nota de rodapé e pag. 17).

(vi) Em 26.01.2017, a aqui Demandante impugnou junto deste TAD o acórdão do CD da FPF, dando origem ao presente processo.

Em suma, a Demandante contesta a decisão do CD da FPF de aplicação da mencionada sanção disciplinar com fundamento no artigo 186°, n° 1 do RD.


c) O ACÓRDÃO DO CD DA FPF DE 24.01.2017 - PROC N° 20/2016
(i) No dia 11.12.2016 disputou-se, no Estádio ……….., o jogo a contar para a Liga NOS entre as equipas de futebol do ……….. e da Demandante.
(ii) De acordo com o relatório do jogo, verificaram-se, para o que releva nos presentes autos, as seguintes ocorrências reportadas pelos delegados da LPFP:

a) Verificou-se o rebentamento de petardos na bancada Topo sul afecta aos adeptos do Visitante aos minutos 5,30,34 e 66;
b) Na mesma bancada e pelos mesmos adeptos aos 71 minutos foi incendiado um pote de fumo.
(iii) Tais ocorrências levaram à aplicação à Demandante, na sequência de processo sumário, da sanção disciplinar de multa de 1760€ euros, por aplicação por aplicação do art. 187°, n°1, alínea b) do RD.

(iv) Em 20.12.2016, a aqui Demandante interpôs recurso das sanções que lhe foram aplicadas para o Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina (Proc. n.° 20-2016/2017).
(v) Em 24.01.2017, o Conselho de Disciplina considerou improcedente o recurso, confirmando aquela sanção, tendo por base, no que releva para efeitos do que é objecto dos presentes autos, os seguintes argumentos:
considerou provadas as circunstâncias acima enunciadas com base no "Relatório de Jogo", convocando, para o efeito, o disposto no artigo 13.° do RD que confere a este relatório uma presunção de veracidade, o art. 127° do CPP quanto à regra da livre apreciação da prova no processo disciplinar, o facto de "Recorrente não nega o rebentamento nem o deflagrar dos engenhos pirotécnicos pelos seus adeptos";
considerou preenchidos os elementos típicos da referida infração - art. 187°, n° 1, al. b) do RD - porquanto (i) o rebentamento do petardo e a deflagração do pote de fumo configuram comportamento incorrecto e perturbador da ordem e da disciplina independentemente de serem ou não arremessados para o terreno de jogo; (ii) "a materialidade constante do relatório dos delegados da liga è suficiente para preencher os elementos típicos da norma violada" (pag. 15); (iii) "a Recorrente permitiu que no estádio do …………, ………, os adeptos apoiados pelo seu clube, participando no espetáculo desportivo, praticassem atos que são manifestações violentas e perturbadoras da ordem pública e que impedem o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a envolvência" (pag. 19) e (iv) "a Recorrente não demonstrou que tudo fez para que a infracção não fosse cometida,nomeadamente tomando algumas ou mesmo todas as ações previstas nas normas acabadas de citar, maxime, junto dos seus adeptos e simpatizantes (...) a culpa da Recorrente traduzir-se-á num juízo de censura de violação de um ou mais deveres legais" (pag. 22).

(vi) Em 03.02.2017, a aqui Demandante impugnou junto deste TAD o acórdão do CD da FPF, dando origem ao presente processo.

Em suma, a Demandante contesta a decisão do CD da FPF de aplicação da referida sanção disciplinar com fundamento no artigo 187.° n.01 alínea b) do RD.

d) O ACÓRDÃO DO CD DA FPF DE 24.01.2017- PROC N° 18/2016
(i) No dia 29.11.2016 disputou-se, no Estádio …………., o jogo a contar para a 3a Fase -Grupo A da Taça …….. entre as equipas de futebol da Demandante e de "…………".
(ii) De acordo com o relatório do jogo, verificaram-se, para o que releva nos presentes autos, as seguintes ocorrências reportadas pelos delegados da LPFP:

a) O jogo iniciou-se com 4 minutos de atraso em relação à hora prevista, em virtude do atraso nas saídas dos balneários da equipa visitada em 1 minuto e da equipa visitante em 4 minutos;
b) Em bancada afecta a adeptos da equipa visitada bancada sul, sector 9 e 10, registou-se a seguinte ocorrência: aos 29 minutos da primeira parte, rebentamento de 1 (um) petardo.

(iii) Tais ocorrências levaram à aplicação à Demandante, na sequência de processo sumário, das seguintes sanções disciplinares:
a) Multa de 1.760€ por força do disposto no art. 187°, n° 1. alínea b) do RD;
b) Multa de 1.148€, por força do disposto no art. 127.°, n° 1 do RD, ex vi art. 35°, n° 1, al. o do RCDLPFP e artigo 6.°, n.° 1, al. g) e do artigo 9.°, n.° 1, alínea m), subalínea vi), ambos do Anexo VI do mesmo Regulamento;
c) Multa de 306€ e repreensão por força do disposto no art. 119o, n° 2 do RD.

(IV) Em 14.12.2016, a aqui Demandante interpôs recurso das sanções que lhe foram aplicadas para o Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina (Proc. n.° 18-2016/2017).

(V) Em 24.01.2017, o Conselho de Disciplina considerou improcedente o recurso, confirmando aquelas sanções, tendo por base, no que releva para efeitos do que é objecto dos presentes autos, os seguintes argumentos:
considerou provadas as circunstâncias enunciadas nas alíneas a) a f) dos factos provados (pags. 7 e 8) com base no "Relatório de Jogo", convocando, para o efeito, o disposto no artigo 13.° do RD que confere a este relatório uma presunção de veracidade - para as alíneas a), b) e d) - e as regras da experiência para as alíneas c);
considerou preenchidos os elementos típicos das referidas infrações - arts. 127°, n° 1 e 187°, n° 1, al. b) do RD - porquanto (i) o rebentamento do petardo constitui a emanação visível da infracção daquele último preceito (pag. 18); (ii) o acesso e permanência no recinto com objetos proibidos implica o cometimento da infracção disciplinar prevista no art. 127°, n° 1 (pag. 19); (iii) "a culpa do agente (que, como se viu, emerge claramente do que foi vertido nos pontos c. e f. dos factos) e (ii) tendo em conta as exigências de prevenção de futuras infracções disciplinares" (pag. 24).

(VI) Em 3.02.2017, a aqui Demandante impugnou junto deste TAD o acórdão do CD da FPF, dando origem ao presente processo(…)”

3. A ora recorrida impugnou junto do TAD os acórdãos do Conselho de Disciplina da FPF de 3/1/2017 – proferido no processo disciplinar n.º 13/2016 –, de 10/1/2017 – proferido no processo disciplinar n.º 10/2016 – e de 24/1/2017 – proferido nos processos disciplinares nºs. 18/2016 e 20/2016 – que, por comportamento incorrecto dos seus sócios e simpatizantes, a punira com várias penas de multa, ao abrigo dos artºs. 186.º, n.º 1 e 187.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante RD), bem como do art.º 127.º, n.º 1, do mesmo Regulamento “ex vi” do art.º 35.º, n.º 1, al. l), do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional e do art.º 35.º, n.º 1, al. f), do Regulamento das Competições Organizadas pela FPF.

O TAD, por acórdão de 8/1/2017, anulou as referidas multas e julgou improcedente o pedido de isenção de pagamento das taxas de arbitragem que havia sido formulado pela FPF.

Para o efeito, esse acórdão começou por apreciar da inconstitucionalidade, com fundamento na violação do princípio da culpa, das citadas normas dos artºs. 186.º e 187.º, por inadmissibilidade de responsabilidade objectiva no domínio sancionatório, ainda que meramente disciplinar, tendo concluído pela sua improcedência, por se dever entender, através de interpretação extensiva, que é elemento do tipo subjectivo dessas normas “a conduta culposa do clube consubstanciada na violação (culposa) de um ou mais dos deveres que no âmbito da prevenção e repressão da violência do desporto lhe são impostos por via de disposição legal ou regulamentar (cfr. art.º 8.º da Lei n.º 32/2009; art.º 6.º do Anexo VI do RCLPFP)”, motivo por que só nos casos em que o clube actue com culpa, “incumprindo, por acção ou omissão, aqueles seus deveres, conduta essa que permite ou facilita a prática pelos seus sócios ou simpatizantes de actos proibidos ou incorrectos, é que o mesmo poderá ser sancionado pela violação do disposto nos artºs. 186.º, n.º 1 e 187.º, n.º 1 al. b) do RD”. Passando à análise do que designou por “erro na apreciação da prova”, o acórdão, após referir que, dado o princípio da presunção de inocência do arguido, era ao titular da acção disciplinar que cabia o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção àquele imputados, mediante a formulação de um juízo de certeza que não podia decorrer da produção de prova de “primeira aparência”, concluiu que no caso essa prova não fora efectuada por o CD ter dado por verificadas as infracções tão só com base nos relatórios dos jogos que padeciam de várias omissões que não permitiam o recurso a presunções judiciais para considerar que haviam sido os adeptos do A………. quem tinha praticado os actos em questão e que este clube, por via activa ou omissiva, actuara culposamente. No que concerne à pretendida isenção de taxas, entendeu-se que o regime de custas no TAD estava regulado pela Lei n.º 74/2003, de 6/9, na redacção dada pela Lei n.º 33/2014, de 16/6 e na Portaria n.º 301/2015, de 22/9, onde não se encontrava prevista qualquer isenção, não se justificando, por isso, a aplicação subsidiária do RCP.

Interposto recurso para o TCA-Sul, foi, neste tribunal, proferida decisão sumária a negar-lhe provimento e, na sequência de reclamação para a conferência, foi proferido o acórdão recorrido que, acolhendo o entendimento do TAD, referiu o seguinte:

«Voltando ao caso concreto, pelo Digno Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer, que se transcreve na parte julgada útil ao objecto do recurso.

(…) 1.Vem o presente recurso interposto pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) da decisão proferida em sede de Colégio Arbitral no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) a qual decidiu anular as multas aplicadas nos quatro processos disciplinares ali referidos em que a então demandante e ora recorrida, A……… (A…….), foi punida, tudo nos termos melhor constantes dos Autos;

II. Apreciação.

2. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144.º, n.º e 146.º, n.º 1, do CPTA, e dos artigos 5.º, 608.º, n.º , 63.º, nºs. 4 e 5 e 639.º, todos do novo Código de Processo Civil (CPC), ex vi o disposto nos artigos 12.º e 1409.º do CPTA;

3. No caso, em face do teor das conclusões apresentadas, cumpre apreciar, essencialmente, as questões atinentes ao erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado no âmbito da decisão recorrida;

4. Da análise aos presentes Autos, nomeadamente à douta decisão de que se recorre, à motivação de recurso apresentada pela Recorrente e bem assim à subsequente resposta do Recorrido, entende o Ministério Público que a Douta decisão de que se recorre procedeu a uma correcta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e à sua subsunção ao Direito, evidenciando clara e suficiente fundamentação, pelo que, salvo melhor opinião, não merece qualquer censura;

5. Nesta linha, entende-se acompanhar, em toda a extensão, o sentido e fundamentação da resposta apresentada pelo Recorrido, A…….., cujo argumentário se subscreve, sem prejuízo das considerações que seguem;

Nesse âmbito,

6.Importará, desde logo, ter por referencial os factos dados como provados em sede da decisão recorrida, embora, no fundo, se tratem de várias decisões, cada uma respeitante a um processo individualizado e sem que conste dos presentes Autos qualquer despacho determinando a apensação de tais Autos, o que se lamenta;

7. No fundo, aquilo que está verdadeiramente em causa e como bem se depreende do teor da decisão proferida pelo Colégio Arbitral, tem a ver com a alegada falta de rigor jurídico apontada pelo citado Colégio à fundamentação das decisões proferidas ainda em sede dos órgãos de Justiça desportiva integrado na FPF;

8. Falta de rigor esse que incide, essencialmente, sobre a necessária descrição dos factos no sentido do preenchimento do tipo de ilícito cuja prática se imputa ao A………;

9. É o caso, a título meramente indicativo, da ausência de rigor sobre a clara identificação dos adeptos do A……….. no seguinte trecho:

“… a mera circunstância de a bancada na qual teve origem a deflagração do petardo estar afecta a adeptos do clube, sem sequer fazer menção à exclusividade dessa afectação, não permite concluir que o autor do lançamento tenha efectivamente sido um sócio ou simpatizante do mesmo. Tratam-se de dois factos autónomos , em que, de forma alguma, o segundo é uma consequência directa do primeiro e único facto conhecido e provado…”.

Por referência ao Ac. do TRP ali citado sob a nota n.º 18, a fls. 32 da decisão do Colégio Arbitral;

10. Tal afirmação tem, necessariamente, consequências em sede de definição e apresentação da prova, como seja a necessidade de recurso à prova indirecta, o que, de todo, se mostra incompatível com a faculdade de recolha atempada dos necessários elementos probatórios pelo instrutor do processo;

11. Tanto mais que as punições em apreço, como bem se alcança dos Autos (cfr. fls. 37), foram assumidas com base no mero relatório do jogo, o qual, como bem referido na decisão sob recurso, se mostra, de algum modo, em evidente similitude jurídica com os Autos de Notícia – cfr. fls. 38;

12. O que, em bom rigor, obrigaria, no limite, à aplicação de presunções judiciais, tudo por via de insuficiente corpo de prova;

13. Aliás, sobre esta matéria, salienta-se o segmento decisório constante de fls. 40 dos Autos e onde se pode ler:

“Significa isto que a acusação terá que descrever, em primeiro lugar, o que fez, ou deixou de fazer, o clube, por referência a concretos deveres (legais ou regulamentares) que identifica, e, em segundo, por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado dos sócios ou simpatizantes.

E serão esses os factos que o Conselho de Disciplina terá que dar como provados, ou não.

Sendo certo que caberá à entidade promotora do procedimento disciplinar a prova de todos os elementos típicos (objectivo e subjectivo) do tipo de infracção, ou seja, de que o clube infringiu, com culpa, os deveres legais ou regulamentares, a que estava adstrito, que esse comportamento permitiu ou facilitou determinada conduta proibida, que esta ocorreu, e que a mesma foi realizada por sócios ou simpatizantes seus”;

(…).

Conclusão.

Termos em que o Ministério Público pugna pela improcedência do recurso”.

Tendo em consideração a fundamentação constante do douto Parecer emitido pelo Digno Magistrado do Ministério Público que, com a devida vénia, fazemos nossa, improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 2 a 18 das conclusões».

Quanto ao que denominou de “isenção de custas da FPF”, o acórdão limitou-se a transcrever o Ac. do TCA-Sul de 4/10/2017, proferido no processo n.º 94/17.0BCLSB, onde se entendera que essa entidade não beneficiava de isenção das taxas de arbitragem, por a mesma não estar prevista nem na Lei do TAD, nem na Portaria n.º 301/2015, de 22/9, não sendo por isso aplicáveis ao caso as normas excepcionais do RCP.

Na presente revista, a recorrente, para além de imputar ao acórdão a nulidade de falta de fundamentação – por se limitar a remeter para o parecer do MP que, não só é inadmissível, como adere aos argumentos da ora recorrida, infringindo, assim, o disposto no n.º 2 do art.º 154.º, do CPC –, alega que os quatro relatórios dos jogos em questão, elaborados pelo Delegado da LPFP, eram claros, ao afirmarem que as condutas punidas haviam sido perpetradas em bancadas afectas a adeptos do A………, pelo que, gozando eles da presunção de veracidade e invertendo o ónus da prova (art.º 344.º, do C. Civil), eram perfeitamente adequados e suficientes para fundamentarem a punição da recorrida que se limitou a pôr em dúvida a autoria daquelas condutas. E adicionalmente ao que constava desses relatórios, não incumbia ao CD provar que a recorrida violara o dever de vigilância e formação dos seus adeptos, por essa violação se extrair do seu conteúdo, cabendo a esta demonstrar que cumprira tais deveres, o que nem sequer alegou. Quanto à isenção das taxas de arbitragem, considera que o acórdão violou os artºs. 13.º, 20.º, nºs. 1 e 2 e 268.º, n.º 4, todos da CRP, por introduzir uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e por agravar a sua situação em relação à que existia antes da introdução de uma instância arbitral obrigatória.

Vejamos se lhe assiste razão, começando por apreciar a invocada nulidade.

Nos recursos jurisdicionais, o art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, admite que o MP, quando não seja parte no processo, tenha nele intervenção para se pronunciar sobre o mérito do recurso, ou seja, sobre a legalidade da decisão recorrida.

Como notam Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha (in “Comentário ao CPTA”, 2017-4.ª edição, págs. 637), vigora neste domínio um critério de oportunidade que ao MP cabe fazer actuar e que é insusceptível de controlo jurisdicional, pelo que só àqueles magistrados incumbe analisar a relevância dos interesses em jogo.

Verificada a referida intervenção, não ocorre a violação do n.º 2 do art.º 154.º do CPC quando a decisão remete para um parecer do MP que não é parte no processo.

E não se pode afirmar que, no caso em apreço, esse parecer se limitou a aderir à posição da recorrida, dado que, como resulta do seu teor, atrás parcialmente transcrito, embora nele se manifeste concordância com argumentação por aquela apresentada, não se louvou apenas nos fundamentos por ela invocados.

Improcede, assim, a arguida nulidade da falta de fundamentação do acórdão recorrido.

Quanto à questão de fundo, importa começar por referir que, no recurso de revista, este Supremo só conhece de direito (cf. art.º 12.º, n.º 4, do ETAF), pelo que o juízo formulado pelo TCA quanto à matéria de facto apenas pode ser censurado na medida em que se traduza numa questão de direito.

As presunções judiciais, como ilações que o julgador tira de um facto conhecido para, através de um raciocínio lógico-dedutivo, afirmar um facto desconhecido (cf. art.º 349.º, do C. Civil), fundam-se nas regras da vida e da experiência comum, implicando essencialmente um juízo de facto, pelo que o Supremo só pode sindicar o seu não uso ou o juízo presuntivo efectuado pelas instâncias se esta actividade se traduzir num erro de direito, por ofensa de uma qualquer norma legal ou se padecer de ilogicidade (cf. Ac. do STJ de 25/11/2014 – Proc. n.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1).

No domínio do direito disciplinar, a que se aplicam subsidiariamente os princípios do direito penal, é lícito o uso das presunções judiciais que, no entanto, como juízo de facto, só pode ser censurado por este Tribunal nos estritos limites que ficaram referidos.

No caso em apreço, para anular as sanções que haviam sido aplicadas pelo CD, o TAD, com a concordância do TCA-Sul, entendeu que a circunstância de os comportamentos incorrectos terem ocorrido em bancadas ocupadas por adeptos do A……….., não permitia considerar provado, por presunção judicial, que os seus autores eram sócios ou simpatizantes deste clube, atento à necessidade de emissão de um juízo de certeza nesta área do direito e ao facto de dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP não se poder inferir um início de prova ou a inversão do ónus da prova que impendia sobre o acusador. Dado o princípio da presunção de inocência do arguido, era ao titular da acção disciplinar que cabia sempre o ónus de provar os factos constitutivos do ilícito disciplinar, não podendo haver lugar a um esforço probatório aliviado por via de recurso a presunções.

A esta apreciação probatória, a recorrente aponta um erro de direito, resultante de não se ter tomado em consideração a presunção de veracidade legalmente estabelecida para os mencionados relatórios.

E, com efeito, enquanto as decisões do CD se fundaram na referida presunção, tanto o TAD como o acórdão recorrido desconsideraram-na.

Porém, é indubitável que, no domínio do direito disciplinar desportivo, vigora o princípio geral da “presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percepcionado no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posto em causa” [art.º 13.º, al. f), do RD].

Esta presunção de veracidade, que se inscreve nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere, assim, um valor probatório reforçado aos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percepcionado.

E não se vê que o estabelecimento desta presunção seja inconstitucional, quando o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 391/2015, de 12/8 (publicado no DR, II Série, de 16/11/2015), considerou que, mesmo em matéria penal, são admissíveis presunções legais, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustente e desde que para tal baste a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário.

Aliás, tal como o Tribunal Constitucional entendeu para a situação idêntica da fé em juízo dos autos de notícia (cf., entre muitos, o Ac. de 6/5/87 in BMJ 367.º-224; o Ac. de 9/3/88 in DR, II Série, de 16/8/88; o Ac. de 30/11/88 in DR, II Série, de 23/2/89; o Ac. de 25/1/89 in DR, II Série, de 6/5/89; o Ac. de 9/2/89 in DR, II Série, de 16/5/89; e o Ac. de 23/2/89 in DR, II Série, de 8/6/89), cremos que a presunção de veracidade em causa – que incide sobre um puro facto e que pode ser ilidida mediante a criação, pelo arguido, de uma mera situação de incerteza – não acarreta qualquer presunção de culpabilidade susceptível de violar o princípio da presunção de inocência ou de colidir com as garantias de defesa do arguido constitucionalmente protegidas (art.º 32.º, nºs. 2 e 10, da CRP). Com efeito, o valor probatório dos relatórios dos jogos, além de só respeitarem, como vimos, aos factos que nele são descritos como percepcionados pelos delegados e não aos demais elementos da infracção, não prejudicando a valoração jurídico-disciplinar desses factos, não é definitiva mas só “prima facie” ou de “ínterim”, podendo ser questionado pelo arguido e se, em face dessa contestação, houver uma “incerteza razoável” quanto à verdade dos factos deles constantes, impõe-se, para salvaguarda do princípio “in dubio pro reo”, a sua absolvição.

Assim, o acórdão recorrido, ao manter a decisão do TAD que efectuou a apreciação probatória partindo do pressuposto que, dado o princípio da presunção de inocência do arguido, o ónus da prova recaia sempre sobre quem acusava, não se podendo atender a quaisquer presunções como a que resultava do citado art.º 13.º, al. f), para os relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP, incorreu no erro de direito que lhe é imputado, devendo, por isso, ser revogado.

Em consequência, e uma vez que este tribunal não conhece de facto, terão os autos de baixar ao tribunal recorrido para aí se proceder á valoração da prova considerando a aplicação do disposto no art.º 13.º, al. f), do RD, que implicará, pelo menos, o conhecimento do teor exacto e integral dos relatórios dos jogos em questão e o que tenha sido alegado pela ora recorrida para pôr em causa a sua veracidade.

Finalmente, no que concerne à isenção das taxas de arbitragem e à violação dos artºs. 13.º, 20.º, nºs. 1 e 2 e 268.º, n.º 4, todos da CRP, que a recorrente, nas conclusões 30 a 33 da sua alegação, imputa ao acórdão recorrido, entendemos que não tem razão.

Efectivamente, resultando dos artºs. 76.º, n.º 2 e 77.º, n.º 3, da Lei do TAD (Lei n.º 74/2013, de 6/9, com as alterações resultantes da Lei n.º 33/2014, de 16/6) que “a taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado” e que esta “é integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contra-interessados” e não se encontrando prevista neste diploma, nem na Portaria n.º 301/2015, de 22/9, nenhuma isenção de pagamento dessas taxas, não se pode verificar qualquer desigualdade entre os intervenientes processuais no que a esse pagamento respeita.

E também é insusceptível de infringir os citados preceitos constitucionais a circunstância de, eventualmente, a legislação que introduziu a arbitragem obrigatória se traduzir num agravamento da responsabilidade tributária da recorrente, quando nem sequer é alegado que o novo regime seja de tal modo gravoso que dificulte de forma considerável o acesso aos tribunais.

Assim, nesta parte, a revista não merece provimento.

4.Pelo exposto, acordam em:

a) Negar provimento ao recurso, na parte em que o acórdão recorrido julgou improcedente o recurso interposto do pedido de isenção de pagamento das taxas de arbitragem;

b) Conceder provimento ao recurso na parte restante, revogando o acórdão recorrido e ordenando a baixa dos autos ao tribunal recorrido para os efeitos que ficaram referidos.

Sem custas.

Lisboa, 18 de Outubro de 2018. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) - Maria do Céu Dias Rosa das Neves – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.