Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0501/21.7BELRA-A
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:PEDRO MACHETE
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
TRIBUNAL PLENO
REPRESENTAÇÃO DO ESTADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
Sumário:I - Tendo sido indevidamente omitida no tribunal a quo a notificação do recorrido Estado Português, representado pelo Ministério Público, para, querendo, contra-alegar num recurso para uniformização de jurisprudência, justifica-se, caso os autos já se encontrem no tribunal ad quem, ordenar que tal notificação seja feita ao Ministério Público junto deste último tribunal, sanando desse modo a ilegalidade cometida.
II - A remessa dos autos ao tribunal a quo para aí ser notificado o mesmo recorrido, mas agora na pessoa do magistrado do Ministério Público junto desse tribunal, corresponderia a um ato inútil e inconveniente para a celeridade da decisão do processo, uma vez que a parte prejudicada pela falta de notificação – o Estado Português – é só uma e a circunstância de serem diferentes os magistrados do Ministério Público adstritos ao patrocínio judiciário de tal parte em cada uma das instâncias não assume um peso suficiente para justificar que os autos tenham primeiro de baixar e depois voltar a subir para produzir um efeito que também pode ser conseguido a partir do tribunal ad quem: a sanação da ilegalidade por via da notificação antes omitida.
III - A decisão do relator no tribunal ad quem de assim proceder corresponde a um ato de direção ativa do processo providenciando pelo seu andamento célere praticado ao abrigo do dever de gestão processual previsto no artigo 6.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
Nº Convencional:JSTA000P31856
Nº do Documento:SAP202401250501/21
Recorrente:AA
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 2.ª espécie (recursos para uniformização de jurisprudência)

Acordam, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Nos autos à margem identificados, vem o recorrido ESTADO PORTUGUÊS reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 652.º, n.º 3, do CPC, do despacho do relator de 22.11.2023 (fls. 103), o qual, verificando que não fora dada oportunidade ao recorrido para contra-alegar conforme previsto no artigo 144.º, n.º 3, do CPTA, ordenou a sua notificação para, querendo, fazê-lo.

2. São os seguintes os termos da presente reclamação (fls. 105-108):
«Em 16/11/2023, nos presentes autos e na sequência de notificação para apresentar parecer nos termos do art. 146º nº 1 do CPTA, o Ministério Público havia arguido a nulidade processual da falta de notificação do Ministério Público em representação do Réu e Recorrido Estado Português no TCA Sul, onde o recurso foi interposto, para responder às alegações do recurso para uniformização de jurisprudência apresentadas pelo Autor AA.
Na altura disse, em síntese:
“(…) Em primeira instância a ação foi julgada totalmente improcedente e o Estado Português foi absolvido dos pedidos (sentença do TAF de Leiria de 18/04/2023).
Interposto recurso pelo Autor para o TCA Sul, este tribunal de segunda instância negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.
Em 12/10/2023 o Autor interpôs recurso para Uniformização de Jurisprudência, apresentando as respetivas alegações.
Todavia, os autos foram remetidos ao Supremo Tribunal Administrativo sem que o Recorrido Estado Português, representado pelo Ministério Público junto do TCA Sul, tenha sido notificado para responder às alegações do Recorrente, conforme impõe o art. 689º nº 2 do CPC, aplicável de acordo com o art. 140º nº 3 do CPTA.
Esta notificação corresponde a um acto processual imposto pela lei adjectiva e a sua omissão é suscetível de influir no exame e na decisão da causa, motivo pelo qual acarreta a nulidade processual prevista no art. 195º nº 1 do CPC.
Estamos perante um vício formal que ofende o princípio do contraditório, na vertente do direito à defesa, e o princípio da igualdade substancial das partes, expressamente consagrados nos arts. 3º nº 3 e 4º do CPC respetivamente, beliscando ainda o princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, na perspetiva da obtenção de um processo equitativo, consagrado no art. 20º nº 4 da CRP (e ainda no art. 10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos).
Esta nulidade processual determina, nos termos do preceituado no art. 195º nº 2 do CPC, a anulação dos termos subsequentes à mencionada omissão e que dela dependam absolutamente, devendo, além do mais, os autos ser remetidos ao TCA Sul para efetivação da notificação do réu Estado Português, processualmente representado pelo Ministério Público]”
[…]”

Vejamos.
O despacho de 22/11/2023, ora reclamado, não se pronuncia sobre a requerida declaração de nulidade decorrente da referida omissão da notificação do Réu Estado Português, nem sobre a pedida anulação de todos os termos processuais subsequentes. Também é omisso quanto à consequente e requerida remessa dos autos ao TCA Sul para efetiva notificação do Ministério Público junto desse Tribunal, em patrocínio judiciário do Recorrido Estado Português para apresentar resposta às alegações de recurso, nos termos e para os efeitos do art. 689º nº 2 do CPC, aplicável de acordo com o art. 140º nº 3 do CPTA.
Tal despacho, que tão só determina a notificação do Recorrido Estado Português para alegar, querendo, ao abrigo do nº 2 do artigo 144º do CPTA, foi cumprido no representante do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, cuja intervenção processual no presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência não se inscreve no exercício do patrocínio judiciário do Recorrido.
Nos termos do disposto no art. 152º nº 1 do CPC têm os juízes o dever de administrar a justiça proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes.
E dispõe o art. 608º nº 2 do CPC “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)” (regra reproduzida no nº 1 do art. 95º do CPTA).
Em correspondência com esta regra, o art. 615º nº 1 al. d), 1ª parte, do CPC comina com nulidade a omissão de pronúncia, ou seja, quando o tribunal deixa, em absoluto, de decidir as questões que lhe são colocadas pelas partes, aplicando- se este preceito aos despachos, por força do disposto no art. 613º nº 3 do CPC.
Por esse motivo aqui se vem arguir a nulidade deste despacho, ao abrigo dos arts. 608º nº 2, 615º nº 1 al. d), 1ª parte e 613º nº 3 do CPC, aplicáveis ex vi do art. 1º do CPTA.
Sem prejuízo do disposto no artigo 613º nº 2 e 3 do CPC, deve sobre ele recair Acórdão, nos termos do artigo 652º, nº 3, do mesmo Código que:
a) declare verificada a nulidade processual de omissão de notificação do Réu Estado Português, processualmente representado pelo Ministério Público, para a apresentação de resposta às alegações do recurso para uniformização de jurisprudência deduzido pelo Autor AA;
b) determine a anulação dos termos do processo subsequentes à autuação do apenso “A” de recurso, em 31/10/2023 (realizada em cumprimento do douto despacho judicial de 30/10/2023 proferido no TCA Sul no processo principal);
c) ordene a remessa dos autos ao TCA Sul para efetivação da notificação do Réu Estado Português, aí processualmente representado pelo Ministério Público, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final»

3. Notificado para se pronunciar, querendo, o recorrente nada disse.

Cumpre apreciar e decidir.

4. O recurso para uniformização de jurisprudência foi interposto nos presentes autos – juntando o recorrente as pertinentes alegações – quando estes já tinham baixado ao TAF de Leiria (fls. 277 e ss do processo principal). Aí foi dado conhecimento da interposição do recurso às partes e determinada a devolução dos autos ao TCA Sul (fls. 361, 362 e 363 do processo principal).
Recebidos os autos neste último, a desembargadora relatora ordenou apenas que o recurso fosse autuado por apenso e que autos principais se deveriam manter junto do processo apenso na subida ao STA (fls. 375 e 377 do processo principal). Seguidamente, os autos subiram a este Supremo Tribunal (fls. 378 do processo principal).
Seguiu-se a tramitação descrita na reclamação: notificação do Ministério Público nos termos do artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pedido de declaração de nulidade processual de omissão de notificação do réu e prolação do despacho ora reclamado.

5. Neste último despacho, o relator verificou a ocorrência de anomalias processuais não imputáveis às partes, tanto no tribunal a quo (omissão de notificação da interposição do recurso ao Ministério Público), como no tribunal ad quem (notificação do Ministério Público ao abrigo do artigo 146.º, n.º 1, do CPTA).
Evidentemente que a notificação do réu para contra-alegar se impunha como corolário do princípio do contraditório. A questão que se poderia – e pode – colocar é se tal resultado exigia que fosse ordenada a baixa dos autos ao TCA Sul para aí ser ordenada a notificação do réu para, querendo, contra-alegar.
O relator entendeu que não: encontrando-se os autos já no STA, a descida dos mesmos para um efeito que poderia ser alcançado no próprio STA – a notificação do réu Estado Português para, querendo, contra-alegar – corresponderia a um ato não só inútil, como inconveniente para a celeridade da decisão do processo. Com efeito, tendo em conta que a parte prejudicada pela omissão da notificação para contra-alegar é uma só e a mesma quer no TCA Sul, quer neste STA – o Estado Português –, não se considerou que a circunstância de serem diferentes os magistrados do Ministério Público adstritos ao patrocínio judiciário do mesmo réu e ora recorrido em cada uma daquelas instâncias assumisse um peso ou relevância suficientes para afastar os benefícios que se poderiam obter para as partes e para o próprio sistema de justiça com uma decisão que evitasse a remessa a título devolutivo dos autos ao TCA Sul, para que aí fosse prolatado um despacho que também poderia – e pode – ser emitido neste STA sem qualquer inconveniente para as partes, e a posterior subida dos mesmos autos a este Supremo Tribunal.
Daí ter entendido o relator – entendimento corroborado agora pela conferência – estar em causa uma situação em que a direção ativa do processo, providenciando pelo seu andamento célere por via da promoção das diligências necessárias ao normal prosseguimento do mesmo – in casu, ordenando a notificação do réu anteriormente omitida –, o mesmo é dizer, o exercício do dever de gestão processual previsto no artigo 6.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, se justifica plenamente.

Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, devendo o réu/recorrido, ora reclamante, apresentar, querendo, a sua contra-alegação no prazo legal, contado a partir da notificação da presente decisão.

Sem custas

Lisboa, 25 de janeiro de 2024. – Pedro Manuel Pena Chancerelle de Machete (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva.