Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0956/13
Data do Acordão:06/17/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IVA
LOCAÇÃO FINANCEIRA
MÉTODO PRO RATA
Sumário:I – De acordo com o decidido pelo TJUE no processo n.º C-183/13, por acórdão de 10 de Julho de 2014, os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes (e já não a parte correspondente à amortização do capital), no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
II – Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira, como as que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos bens dados em locação.
III – Considerando que não foi fixada pela primeira instância a matéria de facto pertinente para a discussão deste aspecto jurídico da causa, há que revogar, nesta medida, a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal a quo, para que aí seja proferida nova sentença, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P19184
Nº do Documento:SA2201506170956
Data de Entrada:05/27/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 583/12.2BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pela Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A……………, S.A.” (a seguir Impugnante ou Recorrida) contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 2005, 2006 e 2007 e respectivos juros compensatórios, anulou estes actos tributários.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I - Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pelo A………….., S.A., na sequência do indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento parcial da reclamação graciosa por si apresentada contra os actos de liquidação adicional de IVA e correspondentes liquidações de juros compensatórios respeitantes aos exercícios de 2005, 2006 e 2007.

II - Decidiu a douta sentença recorrida que o pedido formulado pela impugnante deveria proceder, considerando que nas operações de locação financeira, o IVA incide sobre o valor da contrapartida recebida ou a receber do locatário, ou seja sobre a renda, pelo que, é esta que deve constar da fracção de cálculo do pro-rata, e não apenas a parcela respeitante ao juro.

III - Todavia, e com a devida vénia, não podemos concordar com o entendimento preconizado no douto aresto, na medida em que o mesmo estribou a sua fundamentação numa interpretação das normas – quer de direito interno quer de direito comunitário – não consentânea com o princípio da neutralidade.

IV - Entende a AF que, sempre que se mostre exequível, a imputação do Iva suportado nas aquisições (inputs) deverá ser efectuada directamente, ou seja, o imposto contido nos inputs deve ser segregado por tipo de actividade, existindo contudo certos bens e/ou serviços que são utilizados indistintamente em actividades sujeitas e isentas, sendo de extrema dificuldade proceder à sua imputação de uma forma directa. São os designados custos comuns ou mistos.

V - Verificando-se o exercício simultâneo de actividades isentas sem direito à dedução e de actividades sujeitas a IVA que conferem esse direito, gera-se um direito à dedução incompleto e, consequentemente, a sujeição à disciplina prevista no art. 23.º do CIVA, para efeitos de determinação do montante de imposto dedutível, cujo apuramento poderá ser feito através de um de dois métodos: o do “pro rata” e o da afectação real.

VI - No método do “pro rata” o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual das operações que confiram o direito à dedução (relativamente ao volume total de negócios).

VII - Na situação “sub judice”, o sujeito passivo renunciou à isenção de Iva com referência a determinados contratos de locação financeira imobiliária sendo que, para a imputação dos designados custos comuns ou mistos, optou pela aplicação do método pro-rata, entendendo dever, para o efeito, fazer constar na fracção quer os outputs tributados obtidos em resultado dessa actividade (juros) quer também a componente de capital contida nas rendas pagas pelos locatários, em virtude de sobre ela, conforme alega, também incidir Iva.

VIII - Porém, a componente capital contida nas rendas não deve onerar o cálculo de percentagem de dedução em virtude de não constituir rendimento da actividade do sujeito, ao contrário de todos os outros elementos que integram a fórmula, sendo que, a sua consideração, para além de provocar distorções significativas na tributação (ao relacionar variáveis não comparáveis e com natureza distinta), também desvirtuaria não apenas o próprio método pro-rata mas todo o sistema de dedução de IVA, ao reconhecer como dedutível o imposto contido em custos que não contribuíram, nem sequer se relacionaram, com as operações tributadas.

IX - É, pois, à luz do princípio da neutralidade fiscal que deve ser interpretado o artigo 23.º do CIVA, e reconhecido o método de cálculo da percentagem de dedução (pro-rata) nele previsto, ou seja, o seu propósito não pode ser outro que não o de assegurar a neutralidade, de forma que a tributação efectiva que dele resulte corresponda à tributação do valor acrescentado gerado pela operação realizada a jusante.

X - Na douta sentença de que ora se recorre, não foi ponderado que os custos comuns ou mistos que se querem imputar por força da aplicação do art. 23.º do CIVA, devem ter contribuído para a realização das operações elegíveis na fórmula de pro-rata.

XI - Sendo que, as operações para as quais contribuíram tais custos comuns ou mistos são aquelas que utilizaram e incorporaram esses custos para gerarem valor acrescentado.

XII - Este pressuposto assenta na base que subjaz ao sistema comum do IVA concretizado no princípio da neutralidade fiscal que deve ser atendido na “ratio legis” da norma invocada.

XIII - Ou seja, não são todas as operações tributadas e/ou não tributadas que devem figurar na fracção de pro-rata mas apenas aquelas que, realizadas no âmbito da actividade económica do sujeito passivo, tenham utilizado e incorporados custos comuns ou mistos para gerar valor acrescentado.

XIV - Na operação de locação financeira, – consubstanciando-se a verdadeira prestação do locador na cedência do bem – esse valor acrescentado advém da cedência do uso do bem objecto de locação, através da qual o locador obtém os rendimentos (juros) decorrentes do exercício da sua actividade económica.

XV - Pelo que, é na formação deste rendimento (juro) que são utilizados e incorporados os custos comuns ou mistos que se pretendem imputar em função do método pro-rata.

XVI - Os custos comuns ou mistos suportados pelo locador numa operação de locação financeira, não podem ter contribuído para a componente amortização financeira contida na renda, em virtude desta, consistindo num mero reembolso de capital, não gerar qualquer valor acrescentado ou acréscimo patrimonial na sua esfera, passível de ter incorporado tais custos, ou estes a existirem, serão de grau muito insignificante.

XVII - Os custos comuns ou mistos incorridos pelo locador também não se podem relacionar com o bem objecto de locação porquanto todos os custos que lhe estão associados são, na vigência do respectivo contrato de locação financeira, da responsabilidade do locatário; sendo este – locatário – quem assume o risco pela coisa, quem se responsabiliza pelo seu uso e pela sua adequação à rentabilidade desejada, quem providencia pela sua manutenção, suportando o seu desgaste físico e económico a sua depredação, obsolescência ou perda;

XVIII - Em suma, se os custos comuns ou mistos em presença não contribuíram para a componente amortização financeira, não lhe poderão ser imputáveis.

XIX - A diferenciação entre as componentes que integram a renda paga num contrato de locação financeira é notória, também, na contabilização das operações sendo que: o registo contabilístico da amortização financeira tem como finalidade a redução dum crédito concedido pelo locador, enquanto que o montante respeitante a juros influencia o resultado do exercício.

XX - Para alcançar a proporcionalidade pretendida pela fórmula pro-rata, no denominador devem constar todas as operações previamente elegíveis (geradoras de valor acrescentado em resultado do exercício da actividade económica do sujeito passivo, nas quais foram incorporados os custos comuns em causa), e no numerador, dessas operações, apenas as tributadas (e as isentas com direito à dedução).

XXI - Assim, com referência à renda de locação financeira, se os custos comuns não são imputáveis à componente amortização financeira por não terem contribuído para a formação do seu valor, por exclusão de partes, esta não poderá constar na fracção de pro-rata, que pretende justamente imputar tais custos em função da sua contribuição para as operações relacionadas, as quais deverão ser, concomitantemente, apenas os juros.

XXII - É, pois, nossa firme convicção que a douta sentença ora recorrida ofende o princípio da neutralidade fiscal revelando uma inadequada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º do CIVA bem como do disposto no artigo 17.º, n.º 5 da Directiva do IVA, motivo pelo qual não deverá manter-se na ordem jurídica.

XXIII - Caso assim não se entenda, e uma vez que a questão controvertida ainda não foi tratada, directamente, pelo TJCE, suscita-se o reenvio prejudicial, com a consequente suspensão da presente instância, por forma a que aquele Tribunal se pronuncie sobre a seguinte questão:

Tendo a renda paga num contrato de locação financeira duas componentes – amortização financeira e juros –, deverão ambas ser consideradas no denominador do “pro rata”, ou, deverá somente considerar-se a componente relativa a juros, na medida em que apenas estes consubstanciam a remuneração da actividade de locação financeira?

Termos em que,

a) concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais. E, subsidiariamente,

b) caso se entenda que está subjacente ao presente processo uma questão de direito Comunitário, prejudicial ao conhecimento do mérito da causa, requer-se o reenvio da presente acção para o Tribunal de Justiça da União Europeia, para esclarecimento da questão supra enunciada, bem como a suspensão dos presentes autos até prolação de decisão».

1.3 A Recorrida não contra alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, e acolhendo promoção do Procurador-Geral Adjunto nesse sentido, foi suspensa a instância até que fosse decidida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia a questão que lhe foi colocada por este Supremo Tribunal Administrativo em sede de reenvio prejudicial no processo n.º 1017/12, através de acórdão proferido em 16 de Janeiro de 2013 (No Apêndice ao Diário da República de 11 de Março de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32210.pdf), págs. 133 a 143, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f05c76dc05829eac80257b2000385a28?OpenDocument.), que se considerou ser exactamente idêntica à que se suscitava nos presentes autos, e que aí foi formulada nos seguintes termos: «Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação?».

1.5 Depois de ter sido junta aos autos cópia do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em resposta a essa questão – acórdão de 10 de Julho de 2014, proferido no processo C-183/13 –, declarou-se cessada a suspensão da instância, de tudo se notificando as partes, que nada vieram dizer.

1.6 Deu-se de novo vista ao Ministério Público, tendo o Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido de que deve ser dado provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e ordenada a baixa dos autos à 1.ª instância para apreciação das questões que aí foram dadas como prejudicadas. Isto com a seguinte fundamentação:

«[…] Como resulta dos autos, no âmbito do recurso n.º 01107/12, que também corre no STA, foi colocada a seguinte questão prejudicial ao TJUE:
“Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem, ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação?”
A esta questão prejudicial respondeu o TJUE nos seguintes termos:
“O artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1077, relativa à harmonização das legislação dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.”
Por despacho de fls. 258, na sequência da promoção do MP a fls. 254 e face ao silêncio das partes (fls. 256 e 257), foi decidido suspender a presente instância, atenta a similitude com a questão em discussão no recurso n.º 01017/12.
E de facto, a questão prejudicial a colocar ao TJUE nos presentes autos sugerida pela recorrente Fazenda Pública a fls. 247 é similar à questão colocado no âmbito do recurso n.º 01017/12, sendo certo que a factualidade é similar.
Ora, como resulta dos autos e do regime jurídico do contrato de locação financeira, a utilização mista dos bens e serviços é, essencialmente, determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira.
De facto, a actividade da locadora restringe-se a uma actividade financeira servindo de intermediária entre fornecedor e locatário na transacção do bem, adquirindo-o ao primeiro e cedendo o seu uso ao segundo, pelo que no contrato de locação financeira o interesse do locatário reside, essencialmente no financiamento que este proporciona.
Em função do decidido pelo TJUE quanto à questão prejudicial que lhe foi colocada e sendo certo que resulta demonstrado que a utilização mista dos bens e serviços é, essencialmente, determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, há que dar provimento ao recurso, pois que, ao contrário do decidido em 1.ª instância, a parte da renda correspondente à amortização financeira não deve ser incluída quer no numerador, quer no denominador da fracção para cálculo do pro rata.
A decisão recorrida foi proferida antes da entrada em vigor do NCPC, o mesmo acontecendo quanto à data de interposição do presente recurso jurisdicional.
Assim sendo parece ser de aplicar o regime do anterior CPC.
Nos termos do disposto nos artigos 726.º e 715.º 2 do CPC, o STA deve conhecer das questões, cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução que a 1.ª instância deu à causa, desde que tenha sido fixada a factualidade necessária.
Todavia, salvo melhor opinião, parece não constar da decisão recorrida matéria factual suficiente para apreciação do pedido subsidiário, enunciado sob a alínea C) a fls. 43 dos autos pelo que devem os autos baixar à 1.ª instância para os devidos efeitos».

1.6 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir, relativa à regra de cálculo que deve ser utilizada para determinar o direito à dedução do IVA devido ou pago quando da aquisição de bens e serviços utilizados para efectuar simultaneamente operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito (bens e serviços de utilização mista), é a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento quando considerou ilegais as correcções efectuadas relativamente ao cálculo do pro rata efectuado pela ora Recorrida para efeitos de dedução do IVA (correcções que originaram as liquidações impugnadas), designadamente se a Administração tributária (AT) pode obrigá-la, relativamente à actividade de locação financeira que também exerce, a incluir, no numerador e no denominador da fracção, apenas a parte das rendas (pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira) que corresponde aos juros (e já não a parte correspondente à amortização do capital).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) A impugnante está colectada para o exercício da actividade de “Outras actividades de serviços financeiros diversos”, CAE 064992 (cfr. fls. 55 e ss dos autos).

B) A Impugnante está enquadrada, em sede de IVA, no regime normal mensal, desenvolvendo operações tributadas e operações isentas (cfr. fls. 55 e ss dos autos).

C) A impugnante foi objecto de uma acção de inspecção externa, em sede de IRC e IVA, no âmbito da qual foram efectuadas correcções à matéria colectável, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, tendo-se apurado IVA em falta nos anos de 2005, 2006 e 2007, nos montantes respectivos de 338.003,80 €, 349.082,14 €, 386.388,87 € (cfr. relatório de inspecção de fls. 51 a 53 verso dos autos).

D) As correcções mencionadas na alínea anterior foram efectuadas com o seguinte fundamento, que aqui se transcreve na parte com interesse para a decisão (cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 52 e ss dos autos):

“III.1.2. IVA
III.1.2.1. Apuramento do pro rata definitivo (art. 23.º do CIVA)
- € 338.003,80 -

A actividade exercida pelo A………….. compreende simultaneamente operações isentas de IVA, nos termos dos n.ºs 28 e 30 do art. 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), e operações sujeitas, nas quais se incluem as de locação financeira mobiliária e imobiliária com renúncia à isenção.
Para efeitos de dedução do IVA suportado nas aquisições de bens e serviços utiliza os seguintes métodos de dedução:
• o método da afectação real relativamente ao IVA dos inputs directamente relacionados com a actividade que confere direito à dedução – operações tributadas e isentas que concedam tal direito. Assim, nas operações efectuadas no âmbito da actividade de locação financeira mobiliária e imobiliária com renúncia à isenção, o sujeito passivo recupera integralmente o imposto suportado a montante, o mesmo não acontecendo com o IVA contido nos inputs utilizados em operações isentas sem direito a dedução o qual não é deduzido;
• o método do pro rata de dedução no que respeita ao IVA suportado na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com e sem direito a dedução. Neste exercício a percentagem de dedução definitiva foi de 66%, tendo o sujeito passivo no seu apuramento considerado no numerador da fracção as operações sujeitas, com direito a dedução, e no denominador as sujeitas com direito e sem direito a dedução.
O mecanismo da dedução do IVA está previsto nos artigos 19.º a 25.º do CIVA e faz parte da essência do imposto. A alínea a) do n.º 1 do art. 19.º dispõe que, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos.
Por sua vez, a alínea a) do n.º 1 do art. 20.º estabelece que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.
No entanto, refere o n.º 1 do art. 23.º do CIVA que “Quando o sujeito passivo, no exercício da actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços parte dos quais não confira o direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar à dedução”.
Esta regra geral, conhecida por “método de percentagem de dedução” (pro rata) poderá ser afastada pela adopção do chamado “método de afectação real que se encontra previsto nos n.ºs 2 e 3 do art. 23.º do CIVA, e que permite a dedução integral do imposto suportado na aquisição de bens e serviços destinados a operações tributadas ou isentas com direito a dedução, ficando tal direito vedado quando os bens ou serviços sejam utilizados em operações que não conferem esse direito.
No entanto, mesmo nos casos em que se aplica o método da afectação real, haverá IVA suportado em bens e serviços utilizados quer em operações que dão direito a dedução quer em operações sem direito a dedução, pelo que se impõe a sua repartição e consequente apuramento da parcela dedutível, não podendo por isso deixar de ser aplicado ao imposto contido nessas aquisições um pro rata ou percentagem de dedução, que deverá reflectir a medida efectiva em que aqueles bens e serviços são usados para realização das operações com direito a dedução e das isentas sem aquele direito.
Esta proporção é calculada nos termos no n.º 4 do art. 23.º do CIVA que refere que “A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador: o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento”.
Para efeitos deste cálculo, nos termos estabelecidos no n.º 5 do art. 23.º do CIVA, não são incluídas “(...) as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo”. Este normativo do Código (artigo 23.º) corresponde a duas normas comunitárias, o art. 17.º, n.º 5 e art. 19.º da Sexta Directiva que têm de ser tomadas em conta na interpretação das regras nacionais, sobre a matéria do direito à dedução do imposto suportado em bens de utilização indistinta em operações com e sem direito a dedução, nos Estados Membros da União Europeia.
Um critério de proporcionalidade é exigido pelo n.º 5 do art. 17.º que dispõe: “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.ºs 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.
Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo. (...)”.
Já o art. 19.º da Directiva, no seu n.º 1, fixa as regras para a determinação da percentagem de dedução:
“O pro rata de dedução, previsto no n.º 1, primeiro parágrafo, do artigo 17.º, resultará de uma fracção que inclui:
- no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 17.º
- no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução (…)”.
O conceito de volume de negócios, no caso das instituições de crédito e de outras instituições financeiras, inserto na alínea a) do n.º 3 do art. 5.º do Regulamento (CE) n.º 139/2004 do Conselho de 20 de Janeiro de 2004, corresponde à soma das seguintes rubricas de proveitos, deduzidos, se for caso disso, o imposto sobre o valor acrescentado e outros impostos directamente aplicáveis aos referidos proveitos:
• juros e proveitos equiparados;
• receitas de títulos;
• comissões recebidas;
• lucro líquido proveniente de operações financeiras;
• outros proveitos de exploração.
A Comissão Europeia também aborda o conceito de volume de negócios no Jornal Oficial das Comunidades n.º C 66 de 02.03.1998, Capítulo III, ponto 2.1, sob o título de “Volume de negócios das empresas de locação financeira”, onde se define ainda que a empresa de locação financeira constitui uma instituição financeira na acepção da alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 139/2004 do Conselho de 20 de Janeiro de 2004, atrás citado. Assim sendo, “(...) o seu volume de negócios deve ser calculado com base nas regras específicas relativas ao cálculo do volume de negócios das instituições de crédito e outras instituições financeiras…)” acima descrito.
Após a análise das operações que influenciaram a percentagem de dedução apurada pelo sujeito passivo constatou-se que esta reflecte a totalidade das rendas decorrentes de contratos de locação financeira.
Não obstante, nos termos do estabelecido na alínea h) do n.º 2 do art. 16.º do CIVA, o valor tributável para as operações resultantes de um contrato de locação financeira ser o valor da renda recebida ou a receber do locatário, é certo que esta é composta por capital mais juros, e isto porque a actividade da locadora se restringe a uma actividade financeira, servindo de intermediário entre fornecedor e locatário na transacção do bem, adquirindo-o ao primeiro e cedendo o seu uso ao segundo, pelo que no leasing financeiro o interesse do locatário reside essencialmente no financiamento que este proporciona.
Logo, a componente financeira corresponde à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado e, não constituindo, por consequência, contrapartida de uma transmissão de bens ou prestação de serviços, não tem a natureza de proveito e não pode, por isso, integrar o volume de negócios, o que equivale dizer que não poderá influenciar o pro rata ou a percentagem de dedução.
Como tal, e de acordo com o entendimento vertido na Informação n.º 1763 da Direcção de Serviços do IVA datada de 2008-09-08, “(…) apenas os juros devem ser considerados, uma vez que estes consubstanciam o resultado financeiro imputável à actividade bancária (...)”
A não ser assim, permitia-se um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.
Pelo que antecede, e no tocante à actividade de leasing, apenas poderá ser considerado para o cálculo da percentagem de dedução o montante correspondente aos juros e outros proveitos. Até porque, como ficou demonstrado, o conceito de volume de negócios apenas abarca contas de proveitos, e faz todo o sentido, não listando qualquer conta que se relacione com a amortização financeira.
Deste modo, e por aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 23.º do CIVA, a percentagem de dedução do IVA, expurgada a componente da amortização financeira, passará de 66% para 28%, redução que reflecte imposto em falta no montante de € 338.003,80 (cfr. anexo 2, fls. 1 e 2).
O sujeito passivo apenas contestou um erro de soma no cálculo do pro rata, não tendo este implicação no imposto apurado, pelo que se mantém a correcção proposta (ver ponto IX.1.2.1.).

III.2. EXERCÍCIO DE 2006
III.2.1. IVA
III.2.1.1. Apuramento do pro rata definitivo (art. 23.º do CIVA)
- € 369.626,38 -

A actividade exercida pela A……………. compreende simultaneamente operações isentas de IVA, nos termos dos n.ºs 28 e 30 do art. 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), e operações sujeitas, nas quais se incluem as de locação financeira mobiliária e imobiliária com renúncia à isenção.
Para efeitos de dedução do IVA suportado nas aquisições de bens e serviços utiliza os seguintes métodos de dedução:
• o método da afectação real relativamente ao IVA dos inputs directamente relacionados com a actividade que confere direito à dedução – operações tributadas e isentas que concedam tal direito. Assim, nas operações efectuadas no âmbito da actividade de locação financeira mobiliária e imobiliária com renúncia à isenção, o sujeito passivo recupera integralmente o imposto suportado a montante, o mesmo não acontecendo com o IVA contido nos inputs utilizados era operações isentas sem direito a dedução o qual não é deduzido;
• o método do pro rata de dedução no que respeita ao IVA suportado na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com e sem direito a dedução. Neste exercício a percentagem de dedução definitiva foi de 57%, tendo o sujeito passivo no seu apuramento considerado no numerador da fracção as operações sujeitas com direito a dedução e no denominador as sujeitas com direito e sem direito a dedução.
O mecanismo da dedução do IVA está previsto nos artigos 19.º a 25.º do CIVA e faz parte da essência do imposto. A alínea a) do n.º 1 do art. 19.º dispõe que, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos.
Por sua vez, a alínea a) do n.º 1 do art. 20.º estabelece que só se pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.
No entanto, refere o n.º 1 do art. 23.º do CIVA que “Quando o sujeito passivo, no exercício da actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços parte dos quais não confira o direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar à dedução”.
Esta regra geral, conhecida por “método de percentagem de dedução” (pro rata) poderá ser afastada pela adopção do chamado “método de afectação real” que se encontra previsto nos n.ºs 2 e 3 do art. 23.º do CIVA, e que permite a dedução integral do imposto suportado na aquisição de bens e serviços destinados a operações tributadas ou isentas com direito a dedução, ficando tal direito vedado quando os bens ou serviços sejam utilizados em operações que não conferem esse direito.
No entanto, mesmo nos casos em que se aplica o método da afectação real, haverá IVA suportado em bens e serviços utilizados quer em operações que dão direito a dedução quer em operações sem direito a dedução, pelo que se impõe a sua repartição e consequente apuramento da parcela dedutível, não podendo por isso deixar de ser aplicado ao imposto contido nessas aquisições um pro rata ou percentagem de dedução, que deverá reflectir a medida efectiva em que aqueles bens e serviços são usados para a realização das operações com direito a dedução e das isentas sem aquele direito.
Esta proporção é calculada nos termos no n.º 4 do art. 23.º do CIVA que refere que “A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento”.
Para efeitos deste cálculo, nos termos estabelecidos no n.º 5 do art. 23.º do CIVA, não são incluídas “(…) as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo”. Este normativo do Código (artigo 23.º) corresponde a duas normas comunitárias, o art. 17.º, n.º 5 e art. 19.º da Sexta Directiva que têm de ser tomadas em conta na interpretação das regras nacionais, sobre a matéria do direito à dedução do imposto suportado em bens de utilização indistinta em operações com e sem direito a dedução, nos Estados Membros da União Europeia.
Um critério de proporcionalidade é exigido pelo n.º 5 do art. 17.º que dispõe “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.ºs 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.
Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo (…)”.
Já o art. 19.º da Directiva, no seu n.º 1, fixa as regras para a determinação da percentagem de dedução:
“O pro rata de dedução, previsto no n.º 5, primeiro parágrafo, do artigo 17.º, resultará de uma fracção que inclui:
- no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 17.º;
- no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução (...)”.
O conceito de volume de negócios, no caso das instituições de crédito e de outras instituições financeiras, inserto na alínea a) do n.º 3 do art. 5.º do Regulamento (CE) n.º 139/2004 do Conselho de 20 de Janeiro de 2004, corresponde à soma das seguintes rubricas de proveitos, deduzidos, se for caso disso, o imposto sobre o valor acrescentado e outros impostos directamente aplicáveis aos referidos proveitos:
• juros e proveitos equiparados;
• receitas de títulos;
• comissões recebidas;
• lucro líquido proveniente de operações financeiras;
• outros proveitos de exploração.
A Comissão Europeia também aborda o conceito de volume de negócios no Jornal Oficial das Comunidades n.º C 66 de 02-03.1998, Capítulo III, ponto 2.1, sob o título de “Volume de negócios das empresas de locação financeira”, onde se define ainda que a empresa de locação financeira constitui uma instituição financeira na acepção da alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 139/2004 do Conselho de 20 de Janeiro de 2004, atrás citado. Assim sendo, “(…) o seu volume de negócios deve ser calculado com base nas regras específicas relativas ao cálculo do volume de negócios das instituições de crédito e outras instituições financeiras (...)” acima descrito.
Após a análise das operações que influenciaram a percentagem de dedução apurada pelo sujeito passivo constatou-se que esta reflecte a totalidade das rendas decorrentes de contratos de locação financeira.
Não obstante, nos termos do estabelecido na alínea h) do n.º 2 do art. 16.º do CIVA, o valor tributável para as operações resultantes de um contrato de locação financeira ser o valor da renda recebida ou a receber do locatário, é certo que esta é composta por capital mais juros, e isto porque a actividade da locadora se restringe a uma actividade financeira, servindo de intermediário entre fornecedor e locatário na transacção do bem, adquirindo-o ao primeiro e cedendo o seu uso ao segundo, pelo que no leasing financeiro o interesse do locatário reside essencialmente no financiamento que este proporciona.
Logo, a componente financeira corresponde à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado e não constituindo, por consequência, contrapartida de uma transmissão de bens ou prestação de serviços, não tem a natureza de proveito e não pode, por isso, integrar o volume de negócios, o que equivale dizer que não poderá influenciar o pro rata ou a percentagem de dedução.
Como tal, e de acordo com o entendimento vertido na Informação n.º 1763 da Direcção de Serviços do IVA datada de 2008-09-08, “(...) apenas os juros devem ser considerados, uma vez que estes consubstanciam o resultado financeiro imputável à actividade bancária (…)”.
A não ser assim, permitia-se um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.
Pelo que antecede, e no tocante à actividade de leasing, apenas poderá ser considerado para o cálculo da percentagem de dedução o montante correspondente aos juros e outros proveitos. Até porque, como ficou demonstrado, o conceito de volume de negócios apenas abarca contas de proveitos, e faz todo o sentido, não listando qualquer conta que se relacione com a amortização financeira.
Deste modo, e por aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 23.º do CIVA, a percentagem de dedução do IVA, expurgada a componente da amortização financeira, passará de 57% para 21%, redução que reflecte imposto em falta no montante de € 369.616,38 (cfr. anexo 3, fls. 1 e 2).
Após o exercício do direito de audição, a correcção proposta foi alterada para € 349.082,14 (cfr. ponto IX.2.1.1.).

III.3. EXERCÍCIO DE 2007
III.3.1.IVA
III.3.1.1. Apuramento do pro rata definitivo (art. 23.º do CIVA)
- € 386.388,87 -

A actividade exercida pela A…………… compreende simultaneamente operações isentas de IVA, nos termos dos n.ºs 28 e 30 do art. 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), e operações sujeitas, nas quais se incluem as de locação financeira mobiliária e imobiliária com renúncia à isenção.
Para efeitos de dedução do IVA suportado nas aquisições de bens e serviços utiliza os seguintes métodos de dedução:
• o método da afectação real relativamente ao IVA dos inputs directamente relacionados com a actividade que confere direito à dedução – operações tributadas e isentas que concedam tal direito. Assim, nas operações efectuadas no âmbito da actividade de locação financeira mobiliária e imobiliária com renúncia à isenção, o sujeito passivo recupera integralmente o imposto suportado a montante, o mesmo não acontecendo com o IVA contido nos inputs utilizados em operações isentas sem direito a dedução o qual não é deduzido;
• o método do pro rata de dedução no que respeita ao IVA suportado na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com e sem direito a dedução. Neste exercício a percentagem de dedução definitiva foi de 66%, tendo o sujeito passivo no seu apuramento considerado no numerador da fracção as operações sujeitas com direito a dedução e no denominador as sujeitas com direito e sem direito a dedução.
O mecanismo da dedução do IVA está previsto nos artigos 19.º a 25.º do CIVA e faz parte da essência do imposto. A alínea a) do n.º 1 do art. 19.º dispõe que, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuarem, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos.
Por sua vez, a alínea a) do n.º 1 do art. 20.º estabelece que só se pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.
No entanto, refere o n.º 1 do art. 23.º do CIVA que “Quando o sujeito passivo, no exercício da actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços parte dos quais não confira o direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar à dedução”.
Esta regra geral, conhecida por “método de percentagem de dedução” (pro rata) poderá ser afastada pela adopção do chamado “método de afectação real” que se encontra previsto nos n.ºs 2 e 3 do art. 23.º do CIVA, e que permite a dedução integral do imposto suportado na aquisição de bens e serviços destinados a operações tributadas ou isentas com direito a dedução, ficando tal direito vedado quando os bens ou serviços sejam utilizados em operações que não conferem esse direito.
No entanto, mesmo nos casos em que se aplica o método da afectação real, haverá IVA suportado em bens e serviços utilizados quer em operações que dão direito a dedução quer em operações sem direito a dedução, pelo que se impõe a sua repartição e consequente apuramento da parcela dedutível, não podendo por isso deixar de ser aplicado ao imposto contido nessas aquisições um pro rata ou percentagem de dedução, que deverá reflectir a medida efectiva em que aqueles bens e serviços são usados para a realização das operações com direito a dedução e das isentas sem aquele direito.
Esta proporção é calculada nos termos no n.º 4 do art. 23.º do CIVA que refere que “A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.
Para efeitos deste cálculo, nos termos estabelecidos no n.º 5 do art. 23.º do CIVA., não são incluídas “(…) as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo”. Este normativo do Código (artigo 23.º) corresponde a duas normas comunitárias, o art. 17.º, n.º 5 e art. 19.º da Sexta Directiva que têm de ser tomadas em conta na interpretação das regras nacionais, sobre a matéria do direito à dedução do imposto suportado em bens de utilização indistinta em operações com e sem direito a dedução, nos Estados Membros da União Europeia.
Um critério de proporcionalidade é exigido pelo n.º 5 do art. 17.º que dispõe “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.ºs 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.
Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo (…)”.
Já o art. o 19.º da Directiva, no seu n.º 1, fixa as regras para a determinação da percentagem de dedução:
“O pro rata de dedução, previsto no n.º 5, primeiro parágrafo, do artigo 17.º, resultará de uma fracção que inclui:
- no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º;
- no denominador, o montante total do volume de negócios anual, liquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução (…)
O conceito de volume de negócios, no caso das instituições de crédito e de outras instituições financeiras, inserto na alínea a) do n.º 3 do art. 5.º do Regulamento (CE) n.º 139/2004 do Conselho de 20 de Janeiro de 2004, corresponde à soma das seguintes rubricas de proveitos, deduzidos, se for caso disso, o imposto sobre o valor acrescentado e outros impostos directamente aplicáveis aos referidos proveitos:
• juros e proveitos equiparados;
• receitas de títulos;
• comissões recebidas;
• lucro líquido proveniente de operações financeiras;
• outros proveitos de exploração.
A Comissão Europeia também aborda o conceito de volume de negócios no Jornal Oficial das Comunidades n.º C 66 de 02.03.1998, Capítulo III, ponto 2.1, sob o título de “Volume de negócios das empresas de locação financeira”, onde se define ainda que a empresa de locação financeira constitui uma instituição financeira na acepção da alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 139/2004 do Conselho de 20 de Janeiro de 2004, atrás citado. Assim sendo, “(…) o seu volume de negócios deve ser calculado com base nas regras específicas relativas ao cálculo do volume de negócios das instituições de crédito e outras instituições financeiras (…)” acima descrito.
Após a análise das operações que influenciaram a percentagem de dedução apurada pelo sujeito passivo constatou-se que esta reflecte a totalidade das rendas decorrentes de contratos de locação financeira.
Não obstante, nos termos do estabelecido na alínea h) do n.º 2 do art. 16.º do CIVA, o valor tributável para as operações resultantes de um contrato de locação financeira ser o valor da renda recebida ou a receber do locatário, é certo que esta é composta por capital mais juros, e isto porque a actividade da locadora se restringe a uma actividade financeira, servindo de intermediário entre fornecedor e locatário na transacção do bem, adquirindo-o ao primeiro e cedendo o seu uso ao segundo, pelo que no leasing financeiro o interesse do locatário reside essencialmente no financiamento que este proporciona.
Logo, a componente financeira corresponde à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado e, não constituindo, por consequência, contrapartida de uma transmissão de bens ou prestação de serviços, não tem a natureza de proveito e não pode, por isso, integrar o volume de negócios, o que equivale dizer que não poderá influenciar o pro rata ou a percentagem de dedução.
Como tal, e de acordo com o entendimento vertido na Informação n.º 1763 da Direcção de Serviços do IVA datada de 2008-09-08, “(….) apenas os juros devem ser considerados, uma vez que estes consubstanciam o resultado financeiro imputável à actividade bancária (…)”.
A não ser assim, permitia-se um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.
Pelo que antecede, e no tocante à actividade de leasing, apenas poderá ser considerado para o cálculo da percentagem de dedução o montante correspondente aos juros e outros proveitos. Até porque, como ficou demonstrado, o conceito de volume de negócios apenas abarca contas de proveitos, e faz todo o sentido, não listando qualquer conta que se relacione com a amortização financeira.
Deste modo, e por aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 23.º do CIVA, a percentagem de dedução do IVA, expurgada a componente da amortização financeira, passará de 66% para 31%, redução que reflecte imposto em falta no montante de € 386.388,87 (cfr. anexo 4, fls. 1 e 2).
O sujeito passivo não contestou a correcção proposta, em sede de direito de audição, pelo que a mesma se mantém (ver ponto IX.3.1.1.).”

E) Na sequência das correcções efectuadas, em 30/10/2009, foram emitidas as liquidações de IVA n.º 09172672, 09172674 e 09172676, dos anos de 2005, 2006 e 2007, e respectivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 09172673, 09172675 e 09172677, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou a 31/12/2009 (cfr. documento de fls. 45 e ss. dos autos).

F) Em 31/12/2009 a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação mencionada na alínea anterior (cfr. requerimento a fls. 69 dos autos, e Processo Administrativo).

C) Em 29/12/2010 foi proferido despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa (cfr. decisão de fls. 70 dos autos, e Processo Administrativo).

H) Em 01/02/2011 foi apresentado recurso hierárquico da decisão mencionada na alínea anterior (cfr. fls. 2 e ss. do Processo de Recurso Hierárquico).

I) Em 02/11/2011 o recurso hierárquico mencionado na alínea anterior foi indeferido (cfr. decisão de fls. 456 e ss. do Processo de Recurso Hierárquico).

J) Em 18/11/2011 foi assinado o aviso de recepção referente à notificação da Impugnante do despacho mencionado na alínea anterior (cfr. fls. 475 e ss. do Processo de Recurso Hierárquico).

K) A Impugnação foi apresentada junto do Tribunal Tributário de Lisboa em 16/02/2012 (cfr. fls. 2 dos autos)».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A sociedade denominada “A……………., S.A.” é uma instituição bancária que desenvolve operações com regimes de dedução de IVA diferenciados: a par de actividades financeiras e de concessão de crédito, isentas de IVA e que não conferem o direito à dedução (cfr. art. 9.º, n.º 28, do CIVA), exerce também outras actividades, designadamente de locação financeira mobiliária e imobiliária que, em regra, consubstanciam prestações de serviços, ou sujeitas a IVA e dele não isentas (locação mobiliária) ou relativamente às quais houve renúncia de isenção (locação imobiliária), i.e., que permitem a dedução do IVA incorrido nas aquisições de bens e serviços a montante.
Caracteriza-se, pois e para efeitos de IVA, como sujeito passivo misto, denominação que tradicionalmente se dava aos sujeitos passivos que realizam operações que conferem o direito à dedução e, em simultâneo, operações que, porque não tributáveis ou isentas, não conferem esse direito (A mesma denominação também se dá aos contribuintes que exercem, simultaneamente, actividades económicas e não económicas.).
Há que ter em conta, que tais contribuintes (sujeitos passivos mistos) apenas podem exercer o direito à dedução do imposto suportado nas aquisições que se destinem às operações que conferem direito à dedução. «O sujeito passivo que realiza operações isentas e operações tributadas não deve suportar o IVA conexo com as operações tributadas, nem deduzir o IVA conexo com as operações isentas» (SALDANHA SANCHES e TABORDA DA GAMA, Pro Rata Revisitado: Actividade Económica, Actividade Acessória e Dedução do IVA na jurisprudência do TJCE, Ciência e Técnica Fiscal, Janeiro-Junho de 2006, n.º 417, págs. 101 a 130, maxime fls. 102.). Por isso, torna-se necessário, face ao conjunto de todas as operações, determinar o montante do IVA que é dedutível e o que não é dedutível.
Assim, relativamente aos bens e serviços que utiliza para as operações com direito a dedução, pode deduzir integralmente o IVA suportado e, relativamente aos bens e serviços que afecta à actividade isenta, não pode deduzir IVA algum (Fase da imputação directa (direct attribution of the input tax), onde estamos exclusivamente no domínio dos arts. 19.º, 20.º e 21.º do CIVA, e que «deve ser levada tão longe quanto tecnicamente for possível (é esta a forma mais conseguida para se obter resultados rigorosos e neutros, sem “distorções fiscais”)». Só numa fase ulterior, relativamente aos inputs utilizados indistintamente em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem tal direito, será de convocar a regra do art. 23.º do CIVA, entrando-se, então, numa segunda fase do processo, que se pode denominar como «repartição do imposto residual» (apportionment of residual input tax), em que se inicia a aplicação da norma contida no artigo 23.º do CIVA.
Sobre a questão, detalhadamente,
- JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA, Desfazendo mal-entendidos em matéria de direito à dedução de imposto sobre o valor acrescentado: as recentes alterações do artigo 23.º do Código do IVA, Revista de Finanças Públicas e de Direito Fiscal, Ano 1, Número 1, págs. 35 a 71;
- RUI MANUEL PEREIRA DA COSTA BASTOS, O Direito à Dedução do IVA, O Caso Particular dos Inputs de Utilização Mista, Cadernos IDEFF, n.º 15, págs. 149 a 154;
- LUÍS MIGUEL MIRANDA DA ROCHA, O direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos parciais e dos devedores de imposto parciais, TOC n.º 114, págs. 29 a 39.). A dúvida que dá origem à questão que ora nos ocupa coloca-se relativamente à dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços que sejam afectados conjuntamente às duas actividades exercidas, isentas e tributadas, os bens e serviços conjuntos ou mistos, também denominados inputs promíscuos, na terminologia da doutrina fiscal italiana (Cfr. JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA, Desfazendo …, págs. 35 a 71. ).
Para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto suportado relativamente a esses bens de utilização mista, estes sujeitos passivos podem recorrer ao método da afectação real (Genericamente, este método consiste em discriminar na contabilidade os bens e serviços utilizados nas operações sujeitas a imposto, sendo o direito à dedução circunscrito a esses inputs. Trata-se de um critério que permite mensurar a efectiva utilização dos inputs da actividade na produção dos bens ou serviços transaccionados pelo sujeito passivo.) ou ao método da percentagem de dedução ou do pro rata. Em conformidade com este último, têm direito à dedução de IVA que suportaram nos seus inputs na percentagem correspondente ao peso relativo ou fracção que as operações sujeitas a IVA têm no conjunto das operações isentas e não isentas que praticam (Este método visa encontrar a percentagem da dedução admissível através de uma fracção (divisão) em que no numerador figura o montante anual (sem imposto) das transmissões de bens e serviços que dão lugar a dedução e, no denominador, o montante anual de todas as operações efectuadas (também sem imposto), incluindo as isentas ou “fora do campo” do imposto. A medida (percentagem) da dedução do IVA suportado a montante é apurada com base na relação entre os volumes de negócios que permitem a dedução do imposto suportado e pelas actividades que não permitem essa dedução.).
Relativamente aos exercícios fiscais de 2005, 2006 e 2007, no que respeita aos bens e serviços de utilização mista (Ou seja, aqueles que os que são utilizados conjuntamente no exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do CIVA, que confere direito a dedução, com actividades económicas que não conferem esse direito ou, ainda, conjuntamente com operações fora do conceito de actividade económica.), o “A……….” utilizou o método da percentagem de dedução (Em termos gerais, a legislação do IVA admite a utilização de dois métodos para apuramento do imposto a deduzir pelos sujeitos passivos mistos: o método da percentagem de dedução (pro rata), com base na relação entre os volumes de negócios gerados pelas actividades que permitem a dedução do imposto suportado e pelas actividades que não permitem tal dedução; o método da afectação real, ligado à efectiva utilização dos bens e serviços adquiridos pelo sujeito passivo (inputs).), calculando o seu pro rata de dedução com base numa fracção que comporta, no numerador, as remunerações recebidas relativamente às operações financeiras que conferiam direito à dedução, às quais foi acrescentado o volume de negócios gerado pelas operações de locação financeira que conferiam direito à dedução, e, no denominador, as remunerações recebidas relativamente a todas as operações financeiras, às quais foi acrescentado o volume de negócios gerado por todas as operações de locação financeira. Na prática, este método levou o “A…………” a considerar, para os anos de 2005, 2006 e 2007, que 66%, 57 % e 66% do IVA devido ou pago sobre esses bens e serviços era dedutível, tudo respectivamente.
Tendo a AT efectuada uma inspecção ao “A……….”, concluiu que o método por este utilizado para determinar o seu direito à dedução de IVA tinha conduzido a uma distorção na determinação do imposto devido, motivo por que procedeu às liquidações adicionais ora em causa, determinadas pelas correcções que entendeu que se impunham.
Em síntese, a AT não questionou a possibilidade de o “A……….” calcular o seu pro rata de dedução (relativamente aos bens e serviços de utilização conjunta), mas antes o modo como procedeu a esse cálculo, designadamente que tenha incluído, quer no numerador, quer no denominador da fracção por que o mesmo é calculado, a totalidade das rendas recebidas no âmbito do contratos de locação; sustentou a AT que, no cálculo da percentagem de dedução respeitante ao bens de utilização mista (pro rata), o Contribuinte deveria ter incluído apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros e já não a parte dessas rendas que corresponde à amortização do capital (ou seja, ao montante respeitante à aquisição dos bens dados em locação). Isto porque entendeu que «[n]ão obstante, nos termos do estabelecido na alínea h) do n.º 2 do art. 16.º do CIVA, o valor tributável para as operações resultantes de um contrato de locação financeira ser o valor da renda recebida ou a receber do locatário, é certo que esta é composta por capital mais juros, e isto porque a actividade da locadora se restringe a uma actividade financeira, servindo de intermediário entre fornecedor e locatário na transacção do bem, adquirindo-o ao primeiro e cedendo o seu uso ao segundo, pelo que no leasing financeiro o interesse do locatário reside essencialmente no financiamento que este proporciona».
Ou seja, entendeu a AT que havia que distinguir (desagregar), no valor das rendas recebidas pelo “A…………” enquanto locador, o que correspondia ao capital e aos juros, sendo que apenas estes, e já não aquele, poderiam integrar o numerador e o denominador da fracção que lhe serviu para estabelecer o pro rata de dedução. Mais entendeu que a Contribuinte, ao utilizar, no cálculo da percentagem de dedução ou pro rata, o valor total das operações (a totalidade das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira), levava a essa distorção, uma vez que, nomeadamente, a parte das rendas que compensava a aquisição dos bens dados em locação não reflectia a parte real das despesas relativas aos bens e serviços de utilização mista susceptível de ser imputada às operações tributadas.
Por isso, procedeu às correcções em conformidade com esse entendimento e às consequentes liquidações adicionais.
O “A………..” impugnou judicialmente essas liquidações adicionais e a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, julgando procedente a impugnação judicial, anulou aqueles actos tributários. Isto, em síntese, com o fundamento de que a AT tinha feito uma interpretação contra legem do art. 23.º, n.º 4, do CIVA, uma vez que esta disposição previa, sem estabelecer qualquer excepção no que respeita às actividades de locação financeira, que o pro rata a utilizar para os bens e serviços de utilização mista devia ser calculado por referência à parte do volume de negócios relativa às operações que conferem direito à dedução. Assim, se bem interpretamos a sentença recorrida, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa entende que o “A………” deveria ter sido autorizado a ter em consideração a totalidade das rendas pagas pelos locatários.
A Fazenda Pública, através do seu Representante junto do Tribunal Tributário de Lisboa recorreu dessa sentença para este Supremo Tribunal Administrativo, alegando, em substância, que o litígio não tem por objecto a interpretação do n.º 4 do art. 23.º do CIVA, que precisa a regra de dedução prevista no n.º 1 desse artigo, mas a possibilidade de a AT exigir que um sujeito passivo determine o alcance do seu direito à dedução segundo a afectação dos bens e dos serviços em causa, a fim de sanar uma distorção significativa na tributação. Com efeito, o método utilizado pelo “A………..”, que consistia em incluir no numerador e no denominador da fracção que lhe serviu para estabelecer o pro rata de dedução a totalidade das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, levava a essa distorção, uma vez que, nomeadamente, a parte das rendas que compensava a aquisição dos bens dados em locação não reflectia a parte real das despesas relativas aos bens e serviços de utilização mista susceptível de ser imputada às operações tributadas.
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Juiz relator, tendo em atenção que as regras nacionais têm de ser interpretadas e aplicadas de modo conforme ao Direito da União Europeia – que, neste domínio, prevalecem sobre o direito nacional, como resulta do princípio do primado (O princípio do primado do Direito da União sobre o Direito nacional foi afirmado pelo Tribunal de Justiça a partir da constatação de que a transferência de competências efectuada pelos Estados-Membros em favor das instituições europeias, ainda que em domínios determinados, implica uma limitação definitiva dos poderes soberanos de que os Estados-Membros são titulares – cfr. acórdão Van Gend & Loos, de 5 de Janeiro de 1963, proc. 26/62 e acórdão Costa/Enel, de 15 de Julho de 1965, proc. 6/64. De acordo com o Tribunal de Justiça tal princípio implica que os Estados-Membros devem respeitar e fazer respeitar o direito da União, não aplicar direito nacional não conforme ou não compatível com o direito da União e suprimir ou, no mínimo, reparar os efeitos de actos nacionais que lhe sejam contrários. Cabendo aos Estados-Membros respeitar uma ordem jurídica autónoma, quer quanto às fontes, quer quanto à autoridade, o direito nascido do tratado (ou em ordem a alcançar os seus objectivos) não pode, em razão da sua específica natureza, encontrar um limite em qualquer disposição interna sem perder o próprio carácter comunitário e sem que resulte abalado o fundamento jurídico da União.) –, obedecendo, sempre que for caso disso, ao sentido que a esse direito tenha vindo a ser dado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, decidiu suspender a instância e aguardar que por esse Tribunal fosse respondida a questão prejudicial que lhe fora submetida por este Supremo Tribunal Administrativo no âmbito de um processo em que se colocou idêntica questão, aí formulada nos seguintes termos: «Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação?».
Recorde-se que o art. 267.º («O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
[…]».) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) permite que os órgãos jurisdicionais dos Estados Membros, em ordem a garantir a uniformidade da interpretação e aplicação do Direito Europeu, procedam ao reenvio prejudicial quando considerem que existe a possibilidade de o direito nacional, numa sua interpretação, afrontar o direito comunitário ou quando existam dúvidas sobre a interpretação do direito comunitário, e estabelece que o reenvio se torna obrigatório quando a decisão a proferir não seja susceptível de recurso.
Ora, impõe-se saber se a interpretação dada pela AT ao disposto no art. 23.º do CIVA (na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2008 – Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro) é ou não conforme à interpretação que deve ser dada ao art. 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva (77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977), relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado. Tanto mais que os artigos do CIVA que determinam o montante do imposto dedutível devem sempre interpretar-se à luz do art. 17.º da Sexta Directiva, sendo que nenhum Estado-Membro pode dificultar e ou restringir o direito à dedução por referência ao âmbito com que este é acolhido pela Sexta Directiva (e pela Directiva IVA, como é conhecida a Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, que se lhe seguiu).
Por outro lado, das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Administrativo em recurso interposto das decisões da 1.ª instância, não cabe recurso senão para uniformização de jurisprudência.
Por isso, considerou-se necessário e obrigatório o reenvio e, porque o mesmo fora já suscitado no âmbito de outro processo, entendeu-se suspender a instância até que o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronunciasse sobre o mesmo.
O Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se, através do já referido acórdão de 10 de Julho de 2014, proferido no processo C-183/13 (Disponível em
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=154819&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=402265.), no sentido de que «O artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».
Recebida nos autos cópia do referido acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Relator declarou cessada a suspensão da instância e ordenou a notificação das partes, que nada disseram.
Cumpre, pois, apreciar e decidir o recurso, tendo presente a interpretação que foi efectuada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no supra referido acórdão. Recorde-se que ao Tribunal de Justiça da União Europeia cabe garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados e decidir sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas outras instituições, órgãos e organismos da União (art. 19.º, n.º 1, 2.ª parte, do TUE e art. 267.º do TFUE).
A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a regra de cálculo utilizada pela Impugnante para determinar o direito à dedução do IVA devido ou pago quando da aquisição de bens e serviços (inputs) utilizados para efectuar simultaneamente operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito (inputs promíscuos) é ou não legal, o que passa por indagar se num contrato de locação financeira, abrangendo a renda paga pelo locatário amortizações de capital, juros e outros encargos, em face do disposto nos arts. 23.º, n.º 4 do CIVA e 17.º, n.º 5 e 19.º, n.º 1, ambos da Directiva 77/388, nos termos da fracção a que se referem os arts. 23.º e 19.º citados devem ou não ser incluídas as amortizações.

2.2.2 DO CÁLCULO DO PRO RATA

A questão não é nova neste Supremo Tribunal Administrativo e, por isso, vamos seguir de muito perto (transcrevendo em grande parte) a exposição efectuada no recente acórdão de 3 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 970/13 (Ainda não publicado no jornal oficial, brevemente disponível em
www.dgsi.pt.), por concordarmos integralmente com a fundamentação aí expendida. Vejamos a legislação pertinente:
Diz o art. 23.º, n.º 2, do CIVA:
«Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação» (sublinhado nosso).
O art. 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva (77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977), dispõe:
«5. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.ºs 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.
Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.
Todavia, os Estados-membros podem:
[…]
c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;
[…]».
Sobre a interpretação desta norma o referido acórdão de 10 de Julho de 2014, proferido no processo C-183/13, do TJUE, não deixou de recordar, no seu parágrafo 21, que a jurisprudência entende que «na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n.º 34)» e que «o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços» e que um Estado-Membro «pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa», sendo que «[n]a inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v., neste sentido, acórdãos Royal Bank of Scotland, C 488/07, EU:C:2008:750, n.º 25, e Crédit Lyonnais, C 388/11, EU:C:2013:541, n.º 31)» (cfr. parágrafos 22 a 24 do acórdão).
Sublinhou ainda aquele acórdão que «por um lado, como decorre claramente da redacção dos artigos 17.º, n.º 5, e 19.º, n.º 1, da Sexta Directiva, esta última disposição remete unicamente para o pro rata de dedução previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta directiva e, assim, apenas fixa uma regra de cálculo específica para o caso visado neste artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo (v., neste sentido, acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 22)» e «[p]or outro lado, embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23).» (cfr. parágrafos 25 e 26 do acórdão)
Ora, nesta perspectiva a norma do art. 23.º, n.º 2, do CIVA, ao permitir que a Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços».
O Acórdão do TJUE sublinha ainda que, de acordo com o princípio da neutralidade fiscal, as modalidades do cálculo da dedução de IVA, devem reflectir, objectivamente, a parte real das despesas efectuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista. E que, «[p]ara este efeito, a Sexta Directiva não se opõe a que os Estados Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (v., neste sentido, acórdão BLC Baumarkt, EU:C:2012:689, n.° 24)». (cf. parágrafo 32 do acórdão).
Prossegue o referido acórdão, afirmando que «[a] este propósito, há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos [no caso, estava em causa a locação de veículos]. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso no processo principal».
E conclui que, «nestas condições, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel» (cfr. parágrafo 34).
Foi com esta argumentação que o TJUE, respondendo à questão prejudicial suscitada, afirmou que «o art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar» (cfr. parágrafo 35).
Independentemente de concordarmos ou não com a interpretação efectuada pelo TJUE (E temos que confessar algumas reservas a esse respeito.), o primado do direito da União Europeia (Recorde-se que o TJUE é uma instituição da União Europeia (art. 13.º, n.º 1, do TUE) vinculativa (atento o princípio do precedente vinculativo), na medida em que as decisões do TJUE devem ser acatadas por todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros: não só o tribunal que reenvia fica vinculado à interpretação decidida pelo TJUE, como também, do mesmo modo e em questão idêntica, ficam vinculados todos os demais.) impõe-nos a aceitação da mesma.
Em consequência, em face daquela interpretação, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, por serem idênticos os pressupostos de facto e de direito, forçoso é concluir que se impõe apurar se no caso sub judice as operações de locação financeira, como as que estão em causa nos presentes autos, implicam a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, e se essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos bens dados em locação.
Neste contexto, porque este Tribunal de recurso não dispõe da factualidade pertinente para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – verifica-se a insuficiência de base factual para a discussão do aspecto jurídico da causa, que impõe a necessidade de ampliação da matéria de facto (Também neste sentido, e na sequência desta jurisprudência do TJUE, para além do já citado, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
- de 29 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1075/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/743ca25d2ec498ec80257d85005599bb?OpenDocument;
- de 4 de Março de 2015, proferido no processo n.º 1017/12, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5e3113f2b07ffb9280257e0a003bd76d?OpenDocument;
- de 4 de Março de 2015, proferido no processo n.º 81/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/85642b0e6eba54e680257e0a003fd2e5?OpenDocument.).
Assim, considerando a citada jurisprudência do TJUE e considerando que, como supra se deixou dito,
a) a questão essencial no presente recurso é de saber se num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena, para os termos da fracção do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação;
b) que não foi considerada pela sentença recorrida a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira, como as que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos bens dados em locação; e
c) que não foi fixada pela primeira instância a matéria de facto pertinente para a discussão deste aspecto jurídico da causa,
impõe-se a revogação da sentença recorrida e a baixa dos autos ao Tribunal a quo, para que a sentença seja substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que se atrás se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - De acordo com o decidido pelo TJUE no processo n.º C-183/13, por acórdão de 10 de Julho de 2014, os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes (e já não a parte correspondente à amortização do capital), no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
II - Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira, como as que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos bens dados em locação.
III - Considerando que não foi fixada pela primeira instância a matéria de facto pertinente para a discussão deste aspecto jurídico da causa, há que revogar, nesta medida, a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal a quo, para que aí seja proferida nova sentença, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, para prolação de nova sentença, após a ampliação da matéria de facto nos termos supra referidos.

Sem custas, porque a Recorrida não contra alegou.

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Lisboa, 17 de Junho de 2015. – Francisco Rothes (relator) – Aragão SeiaCasimiro Gonçalves.