Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0533/11.3BEPRT
Data do Acordão:05/05/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE HOSPITALAR
NEGLIGÊNCIA MÉDICA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estar em discussão quaestiones juris respeitantes aos pressupostos da responsabilidade civil hospitalar por ato médico [nomeadamente, ilicitude, culpa, dano e fixação do respetivo quantum], questões que assumem manifesto relevo jurídico e social, sendo, igualmente, suscetíveis de repetição e recolocação em casos futuros.
Nº Convencional:JSTA000P29374
Nº do Documento:SA1202205050533/11
Data de Entrada:04/21/2022
Recorrente:CENTRO HOSPITALAR DE VILA NOVA DE GAIA/ESPINHO, EPE (E OUTROS)
Recorrido 1:A………….
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. CENTRO HOSPITALAR DE VILA NOVA DE GAIA/ESPINHO, EPE, A……….. [respetiva e doravante 1.º e 2.º R.] e B………… [doravante A.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticionaram per se a admissão do recurso de revista que interpuseram do acórdão de 05.11.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 1024/1083 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que concedeu provimento ao recurso jurisdicional e revogou a decisão judicial proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF/PRT], julgando «parcialmente procedente a presente ação» e condenando o 1.º R. «no pagamento ao Autor de uma indemnização no montante total de € 22,515,13, bem como ao pagamento de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento».

2. Motivam a necessidade de admissão dos recursos de revista [cfr., respetivamente, fls. 1093/1120, fls. 1125/1143 e fls. 1152/1163 (recurso subordinado)]: quanto ao 1.º R. na relevância jurídica das questões e matéria objeto de litígio e, bem assim, «para uma melhor aplicação do direito», sustentando para além de nulidade de decisão [arts. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil (CPC/2013) e 149.º do CPTA] a incorreta interpretação/aplicação, nomeadamente, do disposto nos arts. 04.º, n.º 1, do DL n.º 48.051, 396.º, 487.º, 494.º e 496.º, do Código Civil [CC], e 662.º do CPC/2013; quanto ao 2.º R. também na relevância jurídica e social das questões objeto de litígio e, bem assim, «para uma melhor aplicação do direito», sustentando a incorreta interpretação/aplicação, nomeadamente, do preceituado nos arts. 02.º, 03.º, 04.º, e 07.º, do DL n.º 48.051, 342.º, 368.º, 388.º, 487.º, 493.º do CC; e, quanto ao A., que recorre subordinadamente, para efeitos de «uma melhor aplicação do direito», defendendo a incorreta interpretação/aplicação, nomeadamente, do disposto nos arts. 494.º, 496.º, n.ºs 3 e 4 e 566.º, n.º 3, todos do CC.

3. Devidamente notificados apenas o A. veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 1166/1186] nas quais pugna, desde logo, pela não admissão das revistas dos RR., suscitando ainda a falta por parte do 2.º R. em sede e para efeitos de interposição de recurso de legitimidade e de interesse em agir.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/PRT julgou totalmente improcedente a ação administrativa comum sub specie por entender não demonstrada a verificação dos pressupostos/requisitos da responsabilidade civil extracontratual previstos no DL n.º 48.051 [à data dos factos vigente e como tal aplicável] [in casu a ilicitude e a culpa] [cfr. fls. 746/766], juízo esse que o TCA/N revogou, considerando estarem reunidos todos os pressupostos/requisitos da responsabilidade civil do 1.º R., tendo concedido provimento ao recurso e proferido decisão condenatória daquele mesmo R. nos termos atrás reproduzidos.

7. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar «preliminar» e «sumariamente» se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

8. E entrando nessa análise refira-se que, sem prejuízo do que constituem os limites do objeto do recurso insertos nos n.ºs 3 e 4 do art. 150.º do CPTA e da diversa valia dos fundamentos recursivos aduzidos, temos que presente a divergência dos juízos firmados pelas instâncias, indiciadora de complexidade jurídica, somos confrontados, no caso, com ação administrativa comum que tem por objeto a efetivação de responsabilidade civil em saúde e na qual se debatem quaestiones juris que assumem manifesto relevo jurídico [em torno da prova e do ónus probatório e dos poderes do tribunal de apelação, dos pressupostos da ilicitude e da culpa, mas, igualmente, do acerto do quantum indemnizatório fixado na e para a reparação dos danos sofridos, sendo que a resposta que a elas se dê tem consequências ao nível da apreciação e preenchimento dos pressupostos de responsabilidade] e social [visto que, tratando-se de situações com impacto e que se repetem, é de todo o interesse da comunidade que sobre elas exista o entendimento o mais estabilizado possível].

9. Impõe-se, assim, concluir pela existência de manifesto relevo jurídico e social para cuja dilucidação importa a intervenção deste Supremo Tribunal, para além de que, prima facie, quanto aos aspetos dubitativos sinalizados os mesmos mostram-se igualmente carecidos de devida e aprofundada análise/ponderação, pois o juízo firmado pelo acórdão recorrido não está imune à dúvida, revelando-se necessária a admissão das revistas tendente à dissipação das dúvidas que o mesmo aporta.

10. Flui do exposto a necessária a intervenção deste Supremo Tribunal, e daí que se justifique a admissão das revistas.

11. De referir que a questão suscitada pelo A. em sede das contra-alegações produzida mostra-se fora daquilo que constituem os poderes desta Formação de Admissão Preliminar prevista no n.º 6 do art. 150.º do CPTA, já que a mesma «tem poderes de cognição limitados ao que seja imprescindível para apreciação do que respeite à razão pela qual é constituída», ou seja, «[e]m princípio, apenas decide, e nesse âmbito com carácter definitivo, se os pressupostos ou requisitos específicos de admissão do recurso excecional de revista se encontram preenchidos» e que «[p]or extensão, caber-lhe-á necessariamente praticar os atos que sejam instrumentais ou indispensáveis para o exercício dessa competência exclusiva de verificação dos requisitos da revista excecional», podendo «ainda sustentar-se que lhe caiba, a título excecional, por razão de economia processual, mas sem carácter de exercício necessário, constatar a ocorrência de situações geradoras de evidente desnecessidade de entrar na análise dos pressupostos específicos do recurso excecional. Será uma decorrência do princípio da limitação dos atos (art. 130.º do CPC), mas sempre limitada a hipóteses, por certo excecionais, de manifesta evidência de que o recurso não está em condições de prosseguir», não lhe competindo «por regra, apreciar questões - suscitadas ou de conhecimento oficioso - atinentes aos pressupostos gerais do recurso. Essa é uma tarefa a que há-de proceder-se na fase subsequente, se o recurso de revista for admitido por se verificarem os seus pressupostos específicos (Ac. de 17/06/2010, Proc. 457/10)» [cfr., nomeadamente e entre outros, os Acs. do STA/Formação de Admissão Preliminar de 25.11.2010 - Proc. n.º 0800/10, de 08.04.2015 - Proc. n.º 01165/14, de 24.09.2020 - Proc. n.º 01483/18.8BELSB, de 09.09.2021 - Proc. n.º 0103/20.5BEPNF, e de 07.04.2022 - Proc. n.º 2337/20.3BEPRT].

12. O recebimento das revistas implica - para que as partes sejam tratadas de um modo equitativo e igual - a admissão do recurso subordinado interposto pelo A.
DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir as revistas e o recurso subordinado.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 05 de maio de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.