Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0518/11
Data do Acordão:11/16/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
NULIDADE PROCESSUAL
ANULAÇÃO DA VENDA
CÔNJUGE
NULIDADE DE CITAÇÃO
FALTA DE CITAÇÃO
Sumário:I - As dívidas que reverteram para um dos cônjuges, como responsável subsidiário por dívidas de sociedade originariamente devedora, não são da responsabilidade de ambos, porque respeitantes a indemnizações por facto imputável a cada um dos cônjuges (cfr. a alínea b) do artigo 1692.º do Código Civil).
II - Ainda que a dívida seja da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, sendo penhorado um bem imóvel ou móvel sujeito a registo haverá que citar o cônjuge do executado (artigo 239.º do CPPT), passando este a gozar do estatuto processual de co-executado para defesa dos seus direitos.
III - Ao contrário da falta de citação, a nulidade da citação, ainda que possa prejudicar a defesa do citado, tem de ser arguida pelo interessado, no prazo de oposição ou no prazo indicado para o efeito, ou, quando nenhum prazo for indicado, na primeira intervenção processual do citado.
IV - Se o exequente não é o exclusivo beneficiário da venda do bem penhorado, não pode anular-se a venda executiva por motivo de falta/nulidade da citação, sem prejuízo da responsabilidade civil a que haja lugar.
Nº Convencional:JSTA00067236
Nº do Documento:SA2201111160518
Data de Entrada:05/23/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.........
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA DE 2011/02/25 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART165 N1 A ART220 ART239
CCIV66 ART1692 B
CPC96 ART195 N1 ART198 N2 ART864 N11
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VII 5ED PAG109 PAG137 PAG138 PAG450 PAG451 PAG558
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 25 de Fevereiro de 2011, que, julgou verificada nulidade processual insanável por falta de citação, determinante da anulação da venda efectuada em 28.09.2009 bem como de todo o processado posterior ao auto de penhora no processo de execução fiscal n.º 3603200501006070, do Serviço de Finanças de Leiria, apresentando as seguintes conclusões:
A) A autora deduziu acção de Anulação de Venda por entender que não fora citada para pedir a separação de bens da sua meação dos bens comuns do casal, isto porque a citação em causa estava deficientemente fundamentada.
B) O marido da autora é o responsável subsidiário das dívidas que deram origem aos processos de execução fiscal na sequência do que foi penhorado o prédio objecto da presente controvérsia.
C) Face ao probatório, Sua Exª a Meritíssima Juíza considerou procedente a acção porque, na sua opinião, a citação era nula por referir, no seu texto a previsão da venda do bem penhorado.
D) Não concorda a Fazenda Pública com esta interpretação, tendo em conta que a citação foi regularmente efectuada e permitia à sua destinatária o direito de requerer a separação da sua meação no bem comum do casal.
E) Isto não obstante se colocar a questão de a dívida, por ser comercial, se comunicar à cônjuge do executado, tornando-a assim também responsável pelo seu pagamento.
F) Entende a Fazenda Pública que a decisão da douta sentença se baseia numa questão meramente semântica do entendimento e na interpretação que Sua Excelência a Meritíssima Juíza fez da expressão utilizada na citação que à reclamante foi efectuada nos termos do art. 239.º do CPPT.
G) O facto de constar a expressão “de que prevê o procedimento de venda do prédio urbano …” foi considerado como anúncio de venda o que não é rigoroso nem exacto pois a expressão é apenas e só – uma previsão.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente, revogando-se a decisão recorrida, com o que será feita a costumada JUSTIÇA
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: sentença anulatória de venda efectuada em processo de execução fiscal e do processado posterior à penhora.
FUNDAMENTAÇÃO
1. A recorrida foi citada nos termos do art. 239.º CPPT, na qualidade de cônjuge do executado B………; esta citação confere-lhe a qualidade de co-executada e a possibilidade de exercício das correspondentes faculdades legais.
A expressão constante da citação de previsão do procedimento de venda do prédio urbano penhorado é uma mera informação transmitida à citada (eventualmente redundante) de que a tramitação normal da execução fiscal conduzirá àquela venda.
A citação da recorrida efectuada em 9.04.2009 enferma de nulidade por inobservância das formalidades legais, designadamente entrega de cópia do título executivo e de nota indicativa do prazo para dedução de oposição, para pagamento em prestações ou dação em pagamento (art. 190.º nº 1 CPPT).
Esta nulidade poderia ter sido tempestivamente arguida, no prazo legal para dedução de oposição (art. 198.º nº 2 CPC)
2. No caso concreto o imóvel penhorado foi vendido em 28.09.2009 e adjudicado à Caixa Geral de Depósitos, credora com garantia real (informação fls. 37).
Assim sendo, a falta de citação do cônjuge do executado (e, por maioria de razão, a nulidade dessa citação) não importa a anulação da venda realizada, da qual a Fazenda Pública exequente não foi exclusiva beneficiária, sem prejuízo da pessoa irregularmente citada poder ser indemnizada pelo prejuízo sofrido e da responsabilidade civil da pessoa a quem seja imputável a nulidade da citação (art. 864º nº 11 CPC, adaptado à situação de nulidade da citação do cônjuge do executado)
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório da improcedência do pedido de anulação da venda.
Notificadas as partes do Parecer do Ministério Público (fls. 158 a 160 dos autos), veio a recorrida pugnar pela manutenção do decidido (fls. 164, frente e verso).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se bem decidiu a sentença recorrida ao julgar verificada nulidade processual insanável, determinante da anulação dos actos processuais subsequentes do processo executivo, incluindo a venda executiva efectuada.
5 – Matéria de facto
Na sentença objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. Contra o marido da requerente, B………, foi instaurado em 11.12.2008, o processo de execução fiscal (PEF) nº 3603200501006070 e apensos, no serviço de Finanças de Leiria, por reversão das dívidas de IVA e IRC da sociedade devedora originária (SDO) C………, Lda. (PEF em anexo);
2. No dia 9 de Abril de 2009 a requerente foi citada no âmbito do referido PEF (fls. 36 e ss., do PEF em anexo);
3. Da referida citação consta o seguinte teor: Fica v. Exª. citada nos termos do art. 239.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário, na qualidade de cônjuge de B………, executado nos processos em epígrafe, de que prevê o procedimento de venda do prédio urbano cito na Rua da …, …, Freguesia de … – Leiria, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia, sob o artigo nº 1293 (fls. 36, do PEF).
6 – Apreciando.
6.1 Da nulidade processual por falta/nulidade da citação
A sentença recorrida, a fls. 116 a 120 dos autos, julgou verificada nulidade insanável do processo de execução fiscal por falta de citação do cônjuge do executado (artigo 165.º, n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário), determinante da anulação da venda executiva e bem assim de todo o processado posterior ao auto de penhora (cfr. sentença recorrida a fls. 119 e 120).
Para assim decidir, considerou a sentença recorrida que estando em causa dívidas de IVA e IRC, se impunha não a citação do cônjuge para o efeito limitado de requerer a separação de bens (artigo 220.º do CPPT), mas a citação do cônjuge nos termos previstos no artigo 239.º do CPPT, que lhe atribuía a qualidade de co-executado para efeitos do exercício de todas as garantias processuais (incluindo aquela). Contudo, atento aos termos em que foi efectuada a citação – dado que aí se refere que o imóvel será colocado à venda, e nenhuma referência há à possibilidade de requerer a separação de bens -, entendeu o tribunal “a quo” que se a citação anuncia já a venda, o cônjuge do executado não pode exercer o direito que lhe cabe de requerer a separação de bens, daí que tenha concluído que não se pode considerar que foi efectuada a citação da requerente, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 239.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, como decidido no Ac. do TCA-Sul de 20.10.2009, no rec. 03451/09 (cfr. sentença recorrida a fls. 119).
Discorda do decidido a recorrente Fazenda Pública, alegando que a citação foi regularmente efectuada e permitia à sua destinatária o direito de requerer a separação da sua meação no bem comum do casal, isto não obstante se colocar a questão de a dívida, por ser comercial, se comunicar à cônjuge do executado, tornando-a assim também responsável pelo seu pagamento e que o facto de constar a expressão “de que prevê o procedimento de venda do prédio urbano …” foi considerado como anúncio de venda o que não é rigoroso nem exacto pois a expressão é apenas e só – uma previsão.
Vejamos.
Importa em primeiro lugar esclarecer – pois que neste ponto quer a sentença recorrida, quer a recorrente laboram num equívoco –, que respeitando as dívidas exequendas a dívidas de IVA e IRC da sociedade originária devedora C……… que foram objecto de reversão contra o marido da requerente (cfr. o n.º 1 do probatório fixado), tais dívidas não são da responsabilidade de ambos os cônjuges, antes dívidas da responsabilidade exclusiva do cônjuge marido, porque respeitantes a indemnizações por facto imputável a cada um dos cônjuges (cfr. a alínea b) do artigo 1692.º do Código Civil e JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, II volume, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, pp. 450/451 – nota 3 ao artigo 220.º do CPPT).
Daqui não resulta, porém, que a citação a efectuar ao cônjuge do executado o devesse ter sido para o limitado efeito de requerer, querendo, a separação de bens (nos termos do artigo 220.º do CPPT), porquanto no processo executivo foi penhorado (e vendido) um bem imóvel, havendo, nestes casos, de proceder sempre à citação do cônjuge do executado posteriormente à penhora, como o impõe o artigo 239.º do CPPT.
No caso dos autos o cônjuge do executado foi citado no dia 9 de Abril de 2009 (cfr. o n.º 2 do probatório fixado), pelo que não ocorre falta de citação (visto que também nenhuma das situações previstas no n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil ocorreu).
Não obstante, os termos em que foi efectuada a citação e o teor da mesma - susceptível de ser entendido como anunciando já a venda do bem penhorado (cfr. o n.º 3 do probatório fixado) -, podem ter inviabilizado o exercício pelo cônjuge do executado dos seus direitos, designadamente o de requerer a separação de bens, o que pode ter prejudicado a sua defesa, gerando nulidade da citação (sobre a distinção entre falta e nulidade da citação, cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, cit., p. 109 – nota 5 ao art. 165.º do CPPT).
Ao contrário na falta de citação, que constitui nulidade insuprível do processo de execução fiscal quando possa prejudicar a defesa do interessado (artigo 165.º n.º 1, alínea a) do CPPT), a nulidade da citação por inobservância das formalidades prescritas na lei só pode ser conhecida na sequência de arguição dos interessados (cfr. o n.º 2 do artigo 198.º do Código de Processo Civil), devendo sê-lo, em regra, no prazo para deduzir oposição, ou no prazo como tal indicado na citação, ou ainda, se nenhum prazo foi indicado - como no caso dos autos, onde a citação é completamente omissa quanto às garantias de que o citado dispõe - na primeira intervenção do citado no processo (assim, Jorge Lopes de Sousa, cit., pp. 137/138 – nota 5 ao artigo 165.º do CPPT).
No caso dos autos, a primeira intervenção processual do cônjuge do executado foi precisamente através do acto do seu mandatário judicial em que arguiu junto do órgão da execução fiscal a sua “falta de citação”, à qual o Serviço de Finanças deu resposta através do ofício de fls. 85 dos autos, datado de 21-09-2009, no qual informou que a requerente foi citada no dia 06-04-2009 pelo nosso ofício 3610/2 de 02-04-2009, nos termos do artigo 239.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, contra a qual reagiu a citada por via de reclamação do órgão da execução fiscal, que veio a ser convolada na presente acção de anulação da venda.
A arguição da nulidade da citação é, pois, tempestiva, sendo, porém, que atender a que, como diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal no seu parecer junto aos autos e supra transcrito, a que, de acordo com a informação de fls. 37 dos autos, o imóvel penhorado foi vendido em 28.09.2009 e adjudicado à Caixa Geral de Depósitos, credora com garantia real, pelo que, nem sequer a falta de citação do cônjuge do executado importa a anulação da venda realizada, da qual a Fazenda Pública exequente não foi exclusiva beneficiária, sem prejuízo da pessoa irregularmente citada poder ser indemnizada pelo prejuízo sofrido e da responsabilidade civil da pessoa a quem seja imputável a nulidade da citação (cfr. o n.º 11 do artigo 864.º do Código Civil, e JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 588 – notas 8, in fine e 9 ao art. 257.º do CPPT).
Ora, em face do disposto no n.º 11 do artigo 864.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, inútil se torna para efeitos da presente acção de anulação da venda apreciar a questão da nulidade da citação, razão pela qual dela não haverá que conhecer, sem prejuízo de se deixar afirmado que a prática pela Administração fiscal de citações ao cônjuge do executado em que, na verdade, nada se lhes dá a conhecer, frusta o fim tido em vista pelo legislador ao impor a respectiva citação, o que é susceptível de gerar responsabilidade civil por parte da Administração tributária.
Pelo exposto, conclui-se que o recurso merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente o pedido de anulação da venda.
Custas pela recorrida, apenas em 1.ª instância, pois não contra-alegou neste Supremo Tribunal.
Lisboa, 16 de Novembro de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - António Calhau.