Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0186/12
Data do Acordão:12/05/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IMPUGNAÇÃO
ACTO PROCEDIMENTAL
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:Atento o princípio da impugnação unitária constante do artigo 54º do Código de Procedimento e Processo Tributário, e salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou tal resulte de disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.
Nº Convencional:JSTA000P14967
Nº do Documento:SA2201212050186
Data de Entrada:02/20/2012
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem A………, com os demais sinais dos autos, recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro de 9 de Fevereiro de 2011, que indeferiu liminarmente a impugnação por si deduzida contra o acto resultante de acção inspectiva sobre o rendimento de mais valias da recorrente nos exercícios de 2005 e 2006 através do qual foi notificada para apresentar declaração de substituição modelo 3 de IRS, relativa àqueles exercícios.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1.ª As notificações dos Serviços de Finanças de Oliveira de Azeméis referidas nos números 4, 5 e 6 das precedentes alegações tiveram por base uma interpretação errada das normas jurídicas citadas no anterior número 9 e exigiam da recorrente a prática de um acto ilegal — a exigência da declaração de substituição Modelo 3 de IRS relativamente aos anos de 2005 e 2006 e aos rendimentos, a título de juros, que não só foram cobrados como não eram legalmente devidos nem exigíveis.
2ª Tais notificações eram, por outro lado, actos da administração fiscal que comportavam a apreciação errada e ilegal de uma dívida fiscal não devida.
3ª E constituíam, em si mesmas, o primeiro, necessário e decisivo da posterior e subsequente liquidação e cobrança de um imposto indevido, liquidação e cobrança de a recorrente poderia defender-se através de relação (sic) e ou impugnação, mas sempre e em qualquer caso sem efeito suspensivo, a menos que ela prestasse caução.
4ª Essa defesa, só possível através da reclamação, impugnação e caução, implicavam uma situação de dívida efectiva e custos a que a recorrente entendia ir ser sujeita indevida, ilegal e abusivamente pelos Serviços Fiscais.
5ª Por isso, a partir daquelas notificações referidas na antecedente conclusão 1a a recorrente tinha um “interesse legalmente protegido” em suscitar a ilegalidade do entendimento e da exigência de declarações de substituição exigidas por tais notificações e conducentes, necessariamente, ao pagamento de mais IRS e o vício de interpretação da lei subjacente a essa exigência.
6ª Aquelas notificações para a apresentação de declarações de substituição contemplando rendimentos a título de juros não devidos nem exigíveis, eram o primeiro e necessário acto — como verdadeira conditio sine qua non — da ulterior liquidação e cobrança do IRS correspondente.
7ª O objecto da impugnação está claramente enunciado na causa de pedir e no pedido: a partir das notificações que, tendo como fim último e necessário, a liquidação e cobrança suplementar de IRS, exigem à recorrente que declare juros/rendimentos ilegais e indevidos, com a ameaça de que se o não fizer serão os serviços a fazer a respectiva liquidação e a aplicar-lhe uma coima (cfr. penúltimo parágrafo da notificação), o que ela considera ilegal, porque não deve tais juros, ilegalidade prevista no corpo do citado art.° 99º, ela reagiu e pediu ao tribunal que apreciasse a situação de facto que estava na origem daquela exigência e daquela ameaça e que decidisse que no caso da situação a que se referem aquelas notificações, não havia nem há lugar a juros nem à multa ameaçada com tais notificações.
Esse foi e é o objecto da impugnação, suportado na ilegalidade da exigência e da ameaça das notificações dos Serviços de Finanças.
9ª Quer o pedido quer a causa de pedir estão claramente enunciadas na petição inicial, não havendo entre uma e outro qualquer contradição, e também não se cumulam causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
10ª Não ocorre, por isso, ineptidão da petição inicial, à luz do art.° 193° do CPC e da abundante doutrina e jurisprudência que sobre esse preceito se vem pronunciando.
11ª A decisão recorrida fez pois uma avaliação e um enquadramento jurídico incorrectos dos factos alegados na petição inicial, e, a partir daí, uma interpretação inadequada dos conceitos de “ilegalidade” e de “interesse legalmente protegido” para efeitos do corpo do art° 99° do CPPT e, por isso, do disposto no arte 193° do CPC e das demais normas legais citadas nas precedentes alegações e na petição inicial de impugnação.

2 – A Fazenda Pública não apresentou contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu o douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sustentando, em síntese, que o acto sindicado pela recorrente, por via de impugnação judicial, não é um acto lesivo susceptível de impugnação, nos termos do estatuído nos artigos 268.°/4 da CRP, 51.° do CPTA, 95.° da LGT e 97.° do Código de Procedimento e Processo Tributário e que a inimpugnabilidade do acto constitui fundamento de indeferimento liminar da petição de impugnação, nos termos do estatuído no artigo 89.°/1/ c) do CPTA, ex vi do artigo 2.°/c) do CPPT.

4. É o seguinte o teor do despacho recorrido:
«A………, Contribuinte Fiscal n° ………, apresentou a presente impugnação judicial porquanto foi notificada pelo Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis para apresentar modelo 3 de IRS, relativamente a 2005 e 2006, em que “declare os juros auferidos “.
O processo judicial tributário compreende a impugnação da liquidação dos tributos, da fixação da matéria tributável, do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos actos tributários, bem como a impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, a deduzir no prazo de 90 dias contados do termo do prazo para pagamento voluntário, e dos restantes eventos elencados no artigo 102° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Nos termos do disposto no artigo 99º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente:
a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários;
b) Incompetência;
c) Ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida;
d) Preterição de outras formalidades legais.
Conforme decorre da petição inicial apresentada, nomeadamente dos pedidos formulados relativos a uma eventual liquidação a emitir no futuro, a Administração Tributária, à data da propositura da acção, ainda não tinha emitido qualquer liquidação susceptível de impugnação, nem tinha ocorrido nenhum dos fundamentos elencados na norma acima transcrita. De resto, a impugnante nem sequer foi notificada para efectuar qualquer pagamento.
Deste modo, a presente impugnação carece de objecto, dado que a impugnante, à data da propositura da impugnação, ainda não tinha sido notificada de qualquer liquidação susceptível de impugnação, e por isso, carece de legitimidade para deduzir a presente impugnação, manifestamente intempestiva, e inepta para anular uma liquidação inexistente à data em que foi deduzida.
A ineptidão da petição inicial constitui nulidade insanável (artigo 98°, n° 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário), e a nulidade do processo, bem como a ilegitimidade de alguma das partes determina a absolvição da instância (artigos 288°, n° 1, alínea d), 494°, alíneas b) e e), e 495°, do Código de Processo Civil).
Pelo exposto, indefere-se liminarmente a impugnação, com a consequente absolvição da instância da Fazenda Pública.»
5 – Colhidos os vistos, cabe decidir.

6- Do mérito do recurso.

Na sua alegação de recurso e nas conclusões que a encerram, que, como é sabido delimitam o objecto do recurso, a recorrente suscita a questão de saber se a decisão recorrida fez incorrecta avaliação e errado enquadramento jurídico dos factos alegados na petição inicial, e, a partir daí, uma interpretação inadequada dos conceitos de “ilegalidade” e de “interesse legalmente protegido” para efeitos do corpo do artº 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário e do disposto no artº 193º do Código de Processo Civil.

Vejamos, pois.

A recorrente deduziu impugnação judicial contra o do acto de notificação feito pela Administração Fiscal, no âmbito de acção inspectiva de IRS, para apresentar declaração de substituição modelo 3 de IRS, relativa aos exercícios de 2005 e 2006 em que declarasse todos os rendimentos auferidos, incluindo juros.
Para, a final, pedir que se reconhecesse a ilegalidade de tal decisão da Administração Fiscal, concluindo com o seguinte pedido:
«Nestes termos e nos demais de direito do douto suprimento, deve a presente impugnação judicial ser julgada provada e procedente e, consequentemente:
a) ser decidido que os factos alegados nos artigo 6° e 7° da presente e consubstanciados na escritura referida no art. 7° não constituem contrato de mútuo para qualquer fim e, designadamente, para efeitos do art. 6°, n.° 3 do CIRS;
b) ser reconhecido que os factos alegados nos artigo 6° e 7° da presente e consubstanciados na escritura referida no art. 7° constituem declaração de confissão de dívida não sujeita a juros e, assim, não preenche a al. b) do art. 5º e art. 6° do CIRS;
c) que não há lugar, no caso presente, à presunção daquele art. 6°, n.° 3.
d) Ser anulada qualquer liquidação provisória ou definitiva de IRS com base na escritura referida nos artigos 6° e 7° e nos actos e contratos nela consignados;
e) Ser anulada a decisão ora impugnada, melhor identificada nos autos e notificada à ora impugnante pelo ofício cuja cópia vai anexa à presente;
f) Ser igualmente anulada qualquer execução entretanto eventualmente instaurada com base na decisão ora impugnada.»

Todavia, e como bem se decidiu em primeira instância, aquele despacho não é autonomamente recorrível, devendo a sua legalidade ser apreciada na impugnação da liquidação, o que, aliás, decorre do princípio da impugnação unitária - art. 54.º do CPPT
Resulta, com efeito, do artº 54º do Código de Procedimento e Processo Tributário que, salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa autónoma os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.
Assim, como escreve Jorge de Sousa (CPPT anotado, 6ª edição, vol I, página 467- 468), só haverá impugnação contenciosa "do acto final do procedimento, que afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definindo os seus direitos ou deveres. (….) Nos procedimentos tributários que conduzem a um acto de liquidação de tributo, a esfera jurídica dos interessados apenas é atingida por este acto e, por isso, em regra, será ele e apenas ele o acto lesivo contenciosamente impugnável".
Só não será assim no caso dos chamados actos destacáveis, sendo, todavia, tal destacabilidade excepcional, na medida em que o acto seja imediatamente lesivo ou perante previsão legal expressa.
Mas não é esse o caso dos autos já que o acto impugnado pelo recorrente não é um acto imediatamente lesivo.
Trata-se, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, de um mero convite sem quaisquer efeitos lesivos directos na esfera jurídica da recorrente, pois que actos lesivos serão a eventual aplicação de coima ou liquidação oficiosa, actos esses a sindicar a seu tempo, por via de recurso judicial de aplicação de coima (artigo 80.° do RGIT) e impugnação judicial (artigo 97.°/1/a) do Código de Procedimento e Processo Tributário.

É certo que nos termos do artº 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade que afecte a validade ou existência do acto impugnado (artº 124º do Código de Procedimento e Processo Tributário).
E que tais ilegalidades podem ocorrer também relativamente a actos procedimentais preparatórios cuja ilegalidade se repercutirá no acto subsequente que os tem como pressuposto (Vide também neste sentido Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pag. 108 ).
Porém, e como de igual modo vem sublinhando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, atento o já referido princípio da impugnação unitária (artigo 54º do Código de Procedimento e Processo Tributário) tais ilegalidades relativas a actos interlocutórios do procedimento, que não sejam actos destacáveis ou imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte, apenas poderão ser invocadas na impugnação da decisão final do procedimento – cf., neste sentido, Acórdãos de 13.04.2005, recurso 1411/04 e de 5.04.2005, recurso 1286/05, ambos in www.dgsi.pt.
Aliás a própria recorrente admite na sua alegação (Cf. fls. 95.) que antecipou a questão pedindo ao tribunal «que desde logo se pronunciasse sobre a ilegalidade dos juros exigidos por aquela notificação, ademais sobre a ameaça expressa de coima.»
Definindo claramente, nas conclusões 7ª e 8ª da alegação de recurso, o objecto da impugnação como sendo a alegada ilegalidade da actuação dos serviços de finanças ao exigirem «à recorrente que declare juros/rendimentos ilegais e indevidos, com a ameaça de que se o não fizer serão os serviços a fazer a respectiva liquidação e a aplicar-lhe uma coima».
E identificando o pedido como sendo de apreciação da situação de facto que estava na origem daquela exigência e de decisão no sentido de que, no caso subjudice, não havia nem deveria haver lugar a juros nem à multa ameaçada com tais notificações (conclusão 7ª)
Assim sendo dúvidas não há de que, à data da propositura da acção, ainda não tinha sido emitida qualquer liquidação susceptível de impugnação e que a recorrente pretendia apenas impugnar o acto resultante de acção inspectiva sobre o rendimento de mais valias da recorrente nos exercícios de 2005 e 2006, através do qual foi notificada para apresentar declaração de substituição modelo 3 de IRS, relativa àqueles exercícios.
E porque se trata de um acto interlocutório do procedimento, que não constitui acto destacável ou imediatamente lesivo, não é o mesmo directamente impugnável, sem prejuízo de os vícios de que eventualmente enferme poderem oportunamente ser arguidos na impugnação contenciosa da liquidação.
A decisão recorrida, que assim entendeu, não merece censura, pelo que improcedem as conclusões das alegações de recurso.

8. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2012. - Pedro Delgado (relator) - Valente Torrão - Ascensão Lopes.