Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0374/13.3BECBR
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
QUESTÃO NOVA
PROCESSO DISCIPLINAR
REVISOR OFICIAL DE CONTAS
Sumário:I - A revista apenas poder ter por objecto o acórdão recorrido quanto às questões submetidas à apreciação do mesmo, e não novas questões, mostrando-se inviável o recurso quanto a elas.
II – Não é de admitir a revista se o acórdão recorrido parece ter decidido acertadamente as questões que o Recorrente submeteu à sua apreciação em sede de apelação, não se vislumbrando a necessidade de tal recurso para uma melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P28805
Nº do Documento:SA1202201130374/13
Data de Entrada:11/29/2021
Recorrente:A...........
Recorrido 1:ORDEM DOS REVISORES OFICIAIS DE CONTAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A……………, com os demais sinais dos autos, intentou no TAF de Coimbra contra a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), acção administrativa especial visando a anulação do acórdão do Conselho Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, que no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado, puniu o autor com a pena de suspensão do exercício da actividade profissional por dois anos, a qual foi julgada improcedente.

O Autor interpôs recurso de apelação para o TCA Norte que por acórdão de 05.03.2021 negou provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a decisão de 1ª instância.

O Autor interpõe esta revista do acórdão do TCA Norte alegando, em síntese, que a mesma deve ser admitida por se estar em presença de caso com relevância social e jurídica e com vista a uma melhor aplicação do direito.

A Recorrida contra-alegou defendendo que não se encontram preenchidos os requisitos para a admissão da revista excepcional e que, caso assim não se entenda, esta deve improceder.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

O Recorrente alega que a questão a apreciar na revista é a de as instâncias e, portanto, o acórdão recorrido, não ter apreciado a prescrição da pena/ sanção disciplinar aplicada pela OROC, a qual é de conhecimento oficioso, por aplicação do disposto nos arts. 118º, nº 1, al. c) e d) e 120º, nº 1, al. c) do Código Penal.
No entanto, alega ainda que há violação do princípio da imparcialidade e da separação de poderes do órgão Conselho Disciplinar e do órgão que aplicou a sanção disciplinar ao recorrente, em violação do art. 266º, nº 2 da CRP. E que, mesmo a entender-se que não ocorreu a prescrição, nem nulidade da deliberação do Conselho Disciplinar da OROC, terá de se atender às circunstâncias atenuantes verificadas, anteriores e posteriores aos factos, face ao princípio da proporcionalidade e da Justiça da competência e idoneidade profissional, para não se sancionar o recorrente. E que foram violadas as normas jurídicas aplicáveis, concretamente, o disposto nos arts. 32º, nº 1, 266º, nº 2 da CRP; arts. 5º, 84º do Regulamento Disciplinar da OROC; arts. 118º, nº 1, al. c) e u) e 120º, nº 1, al. e) e 4 do Código Penal.

Na acção administrativa especial que intentou contra a OROC, o Autor, aqui Recorrente, pediu a anulação do acórdão do Conselho Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, que no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado, puniu o autor com a pena de suspensão do exercício da actividade profissional por dois anos.
Alegou que o procedimento disciplinar estava prescrito, uma vez que os factos se verificaram em 2009, e a prescrição ocorre volvidos dois anos sobre a prática dos factos, sendo que apenas em Junho de 2011 foi deduzida acusação.
Imputou ainda diversas outras ilegalidades ao acto impugnado.

O TAF de Coimbra por acórdão de 13.02.2014 julgou a acção improcedente, confirmando a validade do acórdão do Conselho Disciplinar da OROC, em causa nos autos.

O acórdão recorrido acompanhou esta decisão, tendo considerado, nomeadamente, no que à prescrição que o Recorrente alegara, após transcrever o que se dissera em 1ª instância, que: “Com a epígrafe “Prescrições”, dispõe o artigo 5.º, do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas n.º 88/2010, publicado no D.R. n.º 27, II S, aprovado de acordo com o artigo 91.º do Decreto-lei n.º 487/99, de 16 de Novembro, alterado pelo Decreto-lei n.º 224/2008, de 20/11 e Decreto-Lei n.º 185/2009, de 12/08, do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas que: (…).
Decorre do disposto neste preceito legal que o procedimento disciplinar prescreve decorridos dois anos contados desde o momento da prática do facto suscetível de integrar infração disciplinar, a não ser que seja instaurado processo disciplinar no decurso de tal prazo, caso em que o prazo de dois anos se suspende, retomando o seu curso com a prática do último ato instrutório com efetiva incidência na marcha do processo.
… A lei não estabelece qualquer correlação para efeitos de suspensão do prazo prescricional em causa com o momento em que o arguido toma conhecimento da instauração do processo de inquérito ou do processo disciplinar, dando apenas relevo, para esse efeito, ao momento em que esses processos são efetivamente instaurados.
No caso os factos que são imputados ao Apelante ocorreram durante o ano de 2009, os processos disciplinares n.ºs 27/2010 e 28/2010, foram instaurados em 23 de novembro de 2010 e, note-se, o Apelante foi notificado da abertura do processo logo no 3.º dia após a sua instauração.
Perante este quadro factual, a decisão do tribunal recorrido não merece nenhum reparo quando considerou que, tendo os processos disciplinares sido instaurados em 23/11/2010, ainda não tinham decorrido dois anos sobre os factos, por ser essa leitura que resulta do disposto no art.º 88.º do EOROC e dos n.ºs 1 e 4 do art.º 5.º ED.
Concluiu o acórdão recorrido, após apreciar todas as causas de invalidade imputadas pelo Recorrente ao acto impugnado (conhecendo dos erros julgamento que esta assacara à decisão de 1ª instância), que: “No caso a pena disciplinar aplicada ao Apelante traduz uma medida necessária e adequada face à sua atuação, que no caso em apreço e, ao arrepio das normas e diretrizes técnicas, a que se encontrava adstrito, exerceu funções de interesse público, e emitiu certificação legal de contas, que faz fé pública (vide art.º 40.º n.º 1 al. a) e art.º 44.º n.º 7 do EOROC), sem observar os procedimentos a que estava adstrito em ordem à fiabilidade do seu trabalho, transmitindo uma imagem negativa para os agentes económico diretamente envolvidos e, para o mercado em geral.
Assim, julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

Na presente revista o Recorrente não imputa verdadeiramente qualquer erro de julgamento ao acórdão recorrido quanto às questões que submetera à sua apreciação. Antes alegou, ex novo, uma prescrição da sanção aplicada, que sendo de conhecimento oficioso deveria ter sido apreciada pelas instâncias, havendo lugar à aplicação do disposto nos arts. 118º, nº 1, als. c) e d) e 120º, nºs 1, al. c) e 4, ambos do CP.
Ora, o Recorrente nunca invocou tal prescrição nos autos, e destes nada consta em concreto que permita saber se as condutas do mesmo poderiam configurar um crime e qual esse seria (ou se existiam outras condutas que o pudessem configurar), nada constando a tal respeito da matéria de facto provada [apenas se dando conta na acusação – art. 8º - que foram remetidos à Procuradoria-Geral da República “factos…por haver indício da prática de crime”].
Assim, não podiam as instâncias ter apreciado e decidido tal questão, por falta de elementos para tanto, visto que o Recorrente, o interessado em alegar tal eventual prazo de prescrição, nada alegou nessa matéria, apenas tendo invocado a prescrição nos termos apreciados pelo acórdão recorrido (como antes pela 1ª instância).
Quanto às também só agora invocadas violações dos princípios da imparcialidade e da separação de poderes, por parte da deliberação impugnada, que a feriria de nulidade, não se vislumbra que a eventual violação dos preceitos constitucionais e legais que agora invoca, possam consubstanciar mais do que violação de lei por violação dos referidos princípios ou disposições legais, sujeita a mera anulabilidade (aliás, foi esse o pedido formulado pelo Autor na sua petição – o da anulação do acórdão do Conselho Disciplinar da OROC).
Assim, por a revista apenas poder ter por objecto o acórdão recorrido quanto às questões submetidas à apreciação do mesmo, e não novas questões, este recurso mostra-se inviável, não se afigurando que este STA sobre elas possa tomar posição na presente sede de revista por não terem sido objecto do recurso sobre que esta incide.
Acresce que o acórdão recorrido parece ter decidido acertadamente as questões que o Recorrente submeteu à sua apreciação em sede de apelação, não se vislumbrando a necessidade de revista para uma melhor aplicação do direito, pelo que não se justifica a admissão da revista com este fundamento, não sendo de postergar a regra da excepcionalidade deste recurso.


4. Decisão
Face ao exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.